
Um abraço e um bom jogo a todos!!!
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Para todos os Filhos de Eldarya:
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personagens
Ezarel
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Valkyon
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Keroshane
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Chrome
Huang Hua
outros
Originais
Jow - Humana
Eycharistisi - Erika
Hans - Humano
Mestre Kratos - Oráculo do cristal Corrompido
Kazai- Elemental do Fogo(OC de Kiyoto)
Amikoh - Elemental do Ar
North - Elemental da água
Sion - Elemental da Terra
Darien - Metamorfo
Black - Metamorfa (OC de TristanaBlack)
Thadeus Grimm (Vilão perfeito - OC de Dee)
Kiyoto (OC de Kiyoto) - Anfíbio - Híbrido de Humano e Sereia Peixe Libélula
Valentim Zimer (humano - OC de Dee)
Tsukiko - Deusa da Lua
Jane - HUmana - Mãe de Jow
Mark - Humano - Pai de Jow
Outros
SINOPSE
A Morte é apenas mais um portal, Além dos Portais…
Jow retornou da Arena da Lua, resgatada pelos seus dois amores. Ela agora é um Elemental. Um Elemental de cinco elementos. E o que um ser desses é capaz de fazer? Qual foi o objetivo da Deusa em criar um ser assim?
Sua vida jamais será como antes, e ela, assim como aqueles que estão ao seu redor, precisam aprender a lidar com isso.
O Mal foi lacrado pela Deusa no cristal corrompido… Mas o lacre de magia não vai durar para sempre.
As ameaças ao mundo mágico nunca vão terminar? Haverá paz para o povo Fairy? A Oráculo é uma entidade confiável?
E qual será a Verdadeira Ameaça? Descubra seguindo a Terceira temporada de “ Além dos Portais” - Parte 2.
Observação: Essa é a segunda parte da terceira temporada em andamento, e tem como co-autor a guardiã "EspíritoGelado".
Capítulo 1 - A Volta para Eel
-Você acha que devemos fazer isso, Ezarel? - perguntava North preocupado. - Isso não vai desestabilizar a Jow? Principalmente nesse momento esquisito, com fendas e monstros saindo delas?
-Com certeza vai, North. Já analisei as consequências de tudo isso, e isso vai deixá-la perturbada mesmo. Mas não vai ter jeito. Já não é mais possível a gente manter o nosso pacto.
-Não é possível, ou você não quer mais?
-Não quero e não consigo, North. Eu sei que você se esforça, até mesmo muito mais do que eu. Mas eu sei que não está nada feliz com isso. Eu cheguei no meu limite, e vou começar a competir com você.
-Vai começar não… Vai continuar competindo. Você nunca parou, Elfo!
-Me fala uma coisa, Ondina… Você fica satisfeito quando sabe que ela está comigo? Fica feliz, confortável? Ou fica danado da vida, imaginando mil coisas que te fazem ferver o sangue de tanta raiva?
-Eu não tenho sangue.
-Que droga, North, me responde direito, seu idiota!
North olhou para cima, como sempre fazia, quando não sabia o que responder. Ele sabia exatamente como se sentia. O que não tinha certeza, era se devia falar sobre isso com o Ezarel. Claro que ele ficava chateado demais! Mas se não tinha outro jeito de ficar com ela, ele simplesmente aceitava. Por saber que ela queria dessa forma. Mas pela primeira vez, sentiu que concordava com o Ezarel.
-Eu fico com raiva também. Fico triste, chateado, e procuro não pensar nisso. Se eu tivesse sangue, ele ficaria fervendo de raiva sim, cada vez que eu sei que ela tá com você.
-Pois então! É exatamente como eu me sinto quando eu sei que ela está com você! Porque eu não quero que ela esteja com mais ninguém além de mim! Você ainda acha que podemos continuar assim? Fale a verdade, sem ficar dizendo que se ela quer assim, você aceita e pronto!
-Foi por isso que você quis se livrar de mim, não foi? Me largando lá naquele mundo alternativo! Fala a verdade, você planejou aquilo!
-Não foi minha intenção me livrar de você. Aquilo não foi planejado não. Eu improvisei naquele dia. Mas confesso que eu fiquei tentado a deixá-lo para sempre lá! Mas não deixei, North. Se eu tiver que disputar a Jow com você, quero que seja honestamente, sem trapaça! E eu espero o mesmo da sua parte!
-Então acabou-se o pacto. Se vamos começar a competir, vamos fazer isso oficialmente, Ezarel!
-Fechado!
-Vamos fazer isso de forma honrada também, sem trapaças.
-Eu concordo!
-E se isso desestabilizar a Jow, a responsabilidade vai ser dos dois, combinado? Sem essa de ficar acusando o outro. Vale ser mais rápido, vale usar todas as habilidades, vale se valer de vantagens também!
-Concordo! E vale usar as fraquezas dela, North! E as fraquezas um do outro!
-Eu não tenho fraquezas, Elfo!
-Hahahaha! Eu não sabia que era tão convencido! Eu tenho fraquezas, North… E você também. E conhecemos as fraquezas dela. Saber explorar isso nos dá uma grande vantagem. Mas como eu quero ganhar de você, eu não vou perder meu tempo te explicando nada. Descubra por si mesmo.
-Tá bem. Que comecem os jogos… Já ouvi isso em um filme na Terra.
-Isso não é um jogo para mim, Ondina. Trata-se do amor da Jow.
-Que vai ser só meu.
-Isso é o que vamos ver. Que vença o melhor. - Disse Ezarel, estendendo a mão para North.
Eles apertaram as mãos, selando o acordo que com certeza iria gerar a maior treta do universo.
-Ela está chegando! - Gritou North, e teleportou-se dali.
-Que droga! Já começou a se aproveitar! Mas você não perde por esperar, North…- Disse ele em voz alta - Você não tem nenhuma chance.*****
Jow e Amikoh retornaram para Eel na velocidade dos ventos do inverno.
Não perderam tempo conversando pelo caminho, apenas viajaram o mais rápido que puderam. Quanto mais depressa deixassem a Costa de Jade, menos riscos correriam seus amigos.
Mas estariam os outros livres de ameaças? Estaria Eel longe de algum perigo? Era o que eles iriam descobrir.
Quando chegaram na baía de Eel, North já estava lá esperando, na praia, e trazia nas mãos uma rosa vermelha para ela.
-Wow! Que lindo! Quando foi que você ficou romântico assim, Mar do Norte?
Ele não respondeu, apenas prendeu a flor no cabelo dela, abraçou-a e misturou seu corpo ao dela.
Jow riu. Sempre sentia cócegas quando ele fazia isso.
-Senti tantas saudades, Princesa… Olá, Amikoh!
-Olá, garoto. - E olhando para Jow - Melequenta, temos muitas coisas para contar para todos aqui. Aproveite e mate as saudades do North, mas faça isso bem rápido. Eu vou reunir os outros e pedir à Miiko que reúna o conselho. Nos encontrem na sala do cristal daqui a pouco.
-Nós… Também temos muitas coisas para contar para vocês… - Falou North sério.
Amikoh despediu-se e teleportou-se dali.
North abraçou Jow de novo, e deu um monte de beijos nela.
-Nossa, foram poucos dias, mas parece que se passaram milênios desde que vocês partiram! - Falou ele. - Precisamos conversar! A maneira como você sumiu por dias, e saiu daqui com Amikoh para a missão…
Jow o interrompeu com outro beijo.
-Não quero falar nisso agora… Vou ter que repetir depois… Adorei a rosa! Espero que não a tenha cortado do meu canteiro do piano!
North riu. É claro que ele a tinha cortado dali.
-Será que a gente vai ter tempo pra ficar um pouco junto depois? Porque eu tenho algumas coisas pra te dizer, só que não têm a ver com nada disso que tá acontecendo aqui…
-Vamos ter tempo sim, prometo. Olha, North… Me desculpe por ter sumido daquele jeito. Eu não tive a intenção de sumir e nem de preocupar vocês… Também senti demais a sua falta.
-Só a minha?
Jow piscou várias vezes.
-Só a sua? O que quer dizer com isso?
-Sentiu mais a minha falta do que a falta do Ezarel?
-Isso de novo? Não acredito! Vocês estão competindo outra vez? Era só o que me faltava!
- Só perguntei… Deixa pra lá. Depois a gente conversa com calma… Vamos lá, antes que o Sion venha te buscar sacudindo o cajado com aquela cobra… O que é isso na sua mão? Um frasco com poção verde?
Jow exibiu o frasco contendo a gosma do bicho para North.
-Vou falar sobre isso com todo mundo. Vamos.
E se teleportaram para o QG.
Quando escutou a voz dela, Ezarel desceu correndo as escadas do laboratório e abraçou Jow, rodando- a no ar.
-Caramba, pensei que nunca mais você ia voltar!
-Mas eu estou aqui… Voltei para você.
-Só para mim?
-Caraca!!! Você também?
Ezarel olhou de lado para North, que olhou para cima.
-Precisamos conversar, Jow… Mas em particular.
-Vamos conversar sim. Mas antes, eu e o Amikoh precisamos falar muitas coisas para vocês.
-E nós para vocês… - Disse o Elfo, sério. - Vamos à sala da Miiko.*****
Miiko estava na sala do Cristal com Eychi e Huang Hua, quando Jow entrou com Ezarel e North.
Jow abraçou as garotas.
-Nossa! O que aconteceu com seu rosto, Miiko? - Perguntou ela, quando viu as queimaduras do rosto de Miiko.
-Vocês já vão saber… Que bom que voltaram. Bem… Nevra chegou com os metamorfos e os prisioneiros mais cedo, e eles já foram interrogados… Nossa prisão nunca esteve tão cheia! Leiftan está no mosteiro, em uma reunião com os magos, para descobrir quem estava ajudando os humanos…
-Não é mais fácil pedir ao Hans que leia as mentes deles? - Perguntou ela.
Miiko e Eychi se olharam, e ela olhou para Ezarel e North. Todos continuaram em silêncio.
-Que foi? - Continuou Jow - Estão me olhando com essa cara por quê?
-Hans está com a sua mãe na Arena da Lua, Jow. - Falou Eychi.
-O QUÊ??????? COMO ASSIM??????
-Calma, Jow. Assim que todos estiverem aqui, vamos explicar. - Disse Ezarel - Temos muitas coisas para te contar. Tantas que nem sei por onde começar… Você e o Amikoh não sabem de nada que aconteceu aqui…
-Não podemos começar logo sem eles? Onde está a Ewelein? Estão demorando muito, cadê o Amikoh? Não é melhor eu mesma ir buscá-los? Acho que vou ver o Karuto!
E teleportou-se dali, soltando faíscas.
-Pela Deusa! - Berrou Miiko - Quem vai segurar essa garota, agitada dessa forma? Ela está dando choque! Vocês dois vão ter que dar um jeito nela! Gastar essa energia toda não vai ser fácil! Boa sorte com isso!!! - Disse ela para Ezarel e North, que trocaram olhares em silêncio.
Aos poucos, todos foram chegando.
Nevra entrou com Leiftan, e Keroshane chegou logo depois trazendo uma pilha de relatórios, e no final os elementais vieram.
Agora era a Jow quem estava faltando…
-Chame a Oráculo, Eychi - Pediu Leiftan - Vamos adiantar isso aqui. Temos muito trabalho ainda lá no mosteiro…
Eychi tocou o cristal e a Oráculo chegou.
“-Temos muitas pontas soltas pela frente… Espero que estejam preparados… “
Jow chegou e correu para abraçar Sion e Kazai. Depois olhou para a fada.
-Vamos logo com isso… Tenho muita coisa para resolver aqui… Não posso mais perder tempo.
Miiko tomou a palavra, e começou a contar para ela e para Amikoh tudo o que se passou na ausência deles… As travessias de Ezarel para o mundo alternativo, pelos portais de sangue,
o desaparecimento de Hans, o controle de Kratos sobre as Oráculos, a viagem ao mundo do Ezarel Mascarado que deixaram aquelas marcas no rosto dela… E por fim, como a Oráculo foi influenciada por Kratos, e levou Hans ao limbo e à Arena da Lua de Jane, para a quebra do selo de magia que prendia Kratos e os espectros do mal.
Jow estava de olhos arregalados, no final daquilo tudo.
-Como o selo se quebrou? Achei que vocês tinham cuidado disso, Oráculo! Ele não estava bem preso? - Perguntou ela, assustada.
Todos estavam olhando para Jow, e foi Leiftan quem quebrou o silêncio.
-Kratos fez Hans abrir um portal de sangue para a Arena da Lua de Jane, Jow… No momento exato em que a energia do Inverno chegou. Isso fez um enorme fluxo de energia atravessar o mundo intermediário, e abriu uma fenda na Arena da Lua de Jane, que até então, estava livre dessa ameaça… E a energia do selo de magia foi toda sugada de lá para fora, e o cristal se partiu, libertando Kratos e os demônios que estavam presos lá com ele.
-Mas… Como a energia foi sugada? A energia do inverno não foi distribuída pelos mundos? Amikoh me falou que todos os seres mágicos a recebiam… A energia só chegava, nunca saía…
“-A energia do inverno chegou no mundo de Jane, como chegou em todos os outros. Mas a energia dos mundos está saindo pelas fendas e vindo para o nosso mundo… Atraída por você, Jow.” - Falou a Oráculo.
Jow já estava com a boca aberta para perguntar de novo, e calou-se.
Olhou para cada um deles ali. Nunca imaginou que ela seria a responsável pela libertação de Kratos…
-Mas… Mas a energia vinha chegando sem parar… Eu coloquei um escudo, como Amikoh pediu… Para ela parar de chegar…
“-Isso não será suficiente, Jow, infelizmente. Não é só a energia dos outros mundos que você está atraindo, e consumindo… É a do nosso mundo também. Toda energia disponível é atraída por você.”
-Isso é mesmo uma meleca! - Gritou ela, irritada. - O que eu posso fazer para parar isso?
-Temos que fechar as fendas… - Disse Ezarel - E as respostas estão nas traduções, e…
Amikoh o interrompeu.
-Ezarel, espere. Já que vocês falaram nas fendas… Jow... Conte para eles o que me contou, quando estávamos na Costa de Jade… Conte onde estava, quando sumiu por cinco dias.
Ela suspirou e sentiu que os olhos de todos eles estavam nela. Então contou sua jornada de corpo e espírito para o mundo ressonante… E como interagiu com os bichos que encontrou nas fendas… E como o tempo lá se passa diferente dos outros mundos.
“-Alguns dos seres daquele mundo escaparam para o nosso mundo…” - Falou a Oráculo.
-Nós sabemos disso. Encontramos com um deles na Costa de Jade… - Falou Amikoh - Ele estava sendo atraído pela magia da Jow. Ele se alimenta de magia mesmo. Nós vimos quando ele absorveu a magia que ela lançou. O bicho cresceu com isso… Mas Valkyon e os rapazes cuidaram dele facilmente. Eles não são difíceis de matar.
Jow estendeu o frasco com a gosma verde para Ezarel.
-Olha… Coletamos isso do bicho morto. Trouxe para você e Ewe analisarem no laboratório.
Ezarel pegou o frasco e examinou, e depois guardou no bolso.
-Valkyon foi para o Templo do Cristal Rosa. Eles acharam as inscrições, Hua. - Disse Nevra - E acho que está na hora de você contar logo tudo mais que souber sobre o Valentim… Você sabia quem ele era, então… Há alguma coisa a mais?
-Eu sabia sim, Nevra. Sabia desde que ele me procurou, há meses atrás, após chegar lá com um grupo de faeries que ele resgatou de um dos acampamentos dos militares humanos. Ele nos pediu abrigo, e foi assim que eu o conheci. Ele nunca escondeu que era filho do Grimm. Fui eu quem pediu para que ele mantivesse isso em segredo, para a proteção dele. Não há nada mais para contar.
-Eu sabia também - Falou Miiko, apoiando Hua. - Ela me contou quando ele a procurou. A Oráculo nos pediu segredo, porque se todos soubessem disso, ele não conseguiria nos ajudar. Seria hostilizado por muita gente, só por ser filho de quem é.
“-Ele é uma peça importante, acreditem. Sem Valentim, Ykhar não terminará as traduções. Se soubessem antes, teriam criado obstáculos.” - Falou a Oráculo.
-Mas se tivessem nos contado, Oráculo… - Falou Keroshane irritado - Ele e a Ykhar não teriam sido sequestrados pelo Cão Caolho! Teríamos esperado Darien retornar da Terra e ele os teria levado para lá através de um portal! Em segurança!
“-Se tivéssemos contado, tudo seria diferente. Talvez Valentim estivesse morto. O destino é como tem que ser. Não precisamos mais de segredos… Assim que as traduções forem feitas, Jow poderá fechar as fendas.”
Os olhos dela brilharam.
-Isso é possível? Eu posso mesmo conseguir fechar essas fendas? Sério?
“-Sim, e a resposta está nos manuscritos antigos que foram roubados no passado, que completam os que permaneceram em Eldarya. Tudo depende agora da Mensageira de Eel… E do Emissário da Fênix. Compartilhem seus segredos… “- E olhou para Eychi e Leiftan, que trocaram olhares e ficaram em silêncio, e depois desapareceu no interior do cristal com uma explosão de cores.
-Então a culpa acaba sempre sendo minha! Isso é uma droga!
-Jow, a Oráculo disse que você não tem nenhum controle sobre o que está acontecendo… - Falou Miiko. - Não havia como você saber, e mesmo que soubesse, não tinha como impedir. Precisamos conversar com você depois sobre as visões que tivemos sob os olhos da Jow Oráculo…
-E o Hans? Como vamos buscá-lo? Será que a gente não pode ir encontrá-lo? Eu quero ver os meus pais!
-Isso não é possível agora, Jow… A Oráculo disse que não temos como ir lá, e nem entrar em contato com ele no momento. - Disse Hua - Não sei se vamos poder ajudá-lo.
Ela suspirou.
-Então não há nada a fazer agora? Leiftan, vocês descobriram quem são os magos que estavam ajudando os humanos? - Perguntou ela - Precisa de ajuda para interrogá-los? Eu vi que posso assustá-los bastante…
Leiftan riu.
-Estou quase terminando de entrevistar todos eles. Eles não sabem que capturamos os humanos e nem o que eu estou procurando… Assim, ninguém pode fugir antes de conversar comigo. Mas Obrigado, Jow. Sei que a nossa dupla monstruosa é aterrorizante e imbatível… Mas acho que eu sou capaz de assustá-los o suficiente, no momento. Os humanos capturados, você já assustou bastante, acredite, eles chegaram aqui implorando para cooperar, e só não disseram quem são os magos porque nunca souberam os seus nomes. Se eu precisar de ajuda, eu peço a você.
Ela assentiu.
-Está bem… Como está a Ewelein, depois disso tudo? Ela deve estar muito mal, não está?
Ezarel respondeu.
-Conversei bastante com ela, Jow… Ela está descansando agora, tomou uma poção para dormir. Será muito bom ela ver você, quando acordar.
-Terminamos aqui? - Perguntou Kero - Temos muito trabalho ainda no mosteiro. Vamos, Leiftan?
Leiftan olhou para Miiko, que assentiu com a cabeça. Depois soprou um beijo para Eychi e saiu com Keroshane e Nevra de volta para o mosteiro.
-Acho melhor recomeçarmos a ler os relatórios do Darien e da Black, Miiko… Disse Hua - Senão nunca terminaremos. Eychi, venha também, assim terminaremos mais rápido.
-Vou sim. Quero terminar antes do almoço, já estou morrendo de fome! E com a Jow de volta, com certeza o humor do Karuto melhorou, e a comida deve estar maravilhosa hoje! - Falou Eychi animadíssima.
-Vou ao laboratório preparar essa amostra para examinar. Depois me encontre lá, Jow. Preciso muito conversar com você… - Deu um olhar seco para North e um beijo em Jow, saindo da sala.
Quando eles saíram, deixando Jow e os elementais sozinhos na sala do cristal, Sion falou para ela.
-Pirralha! Precisamos conversar!
-Precisamos sim, Bebê… - Acrescentou Kazai - Temos muitas lacunas para preencher aqui…
-Todo mundo quer conversar. Acho melhor eu fazer uma lista de espera… - Disse Jow, aborrecida - Já conversamos tudo. Não temos mais nada para falar.
-Ah, se temos! - Berrou Sion, sacudindo o cajado - Mas você só precisa ficar de bico calado e escutar! E eu vou ser o primeiro a falar! Vamos para o jardim, agora! - E segurou Jow pelo braço, se teleportando dali com ela.*****
Hans finalmente abriu os olhos no mundo de Jane.
Ela estava sentada ao lado da cama, esperando. Quando ele acordou, ela chamou Mark.
-Mark! Ele está acordando! Venha!
Mark entrou no quarto, e ficou ao lado de Jane.
Hans olhou para o soro que pingava, conectado ao equipo e a uma das veias da sua mão esquerda.
-O que aconteceu? Eu morri?
-Não, Hans. Você está bem vivo. Está no meu mundo. - Respondeu Jane. - Como se sente?
Hans apertou os olhos.
-Como se uma tsunami tivesse me atingido… Kratos… Ele saiu…
-Kratos saiu. - Respondeu Mark - Ele tinha sumido quando chegamos até onde você estava. Afinal, o que aconteceu? Como chegou aqui… E por que veio?
Hans levou a mão à cabeça, onde havia um curativo.
-Não mexa. - mandou Jane - Você levou uns pontos aí. Conte-nos o que aconteceu, Hans.
-Eu estava no limbo… Seu mundo corria perigo, Jane, eu tinha que vir avisar…
-Perigo? Que perigo? Meu mundo não estava em perigo, Hans.
-A Oráculo me procurou… Disse que seu mundo corria perigo. Ela não estava mentindo… Eu posso ler mentes.
-E o que ela falou? Que tipo de perigo era esse? - Perguntou Mark.
-Existem universos alternativos ao nosso. - Começou ele - Universos paralelos coexistindo… Às vezes, em uma linha de tempo diferente da nossa…
-Isso nós já sabemos - Falou Mark - Quando a Oráculo me trouxe do mundo dos espíritos, ela compartilhou uma série de informações comigo.
-Então… Há um mundo intermediário entre todos os mundos. Esse mundo… Foi criado por Kratos, sem saber, pela abertura de portais especiais, que permitem viajar entre as realidades. São os portais de sangue…
Jane e Mark se olharam, sem ter certeza de que haviam entendido. Hans suspirou.
-Acham que eu sou maluco? Me dêem as suas mãos. É mais fácil mostrar do que tentar explicar.
E estendeu as mãos para eles.
Jane e Mark seguraram as mãos de Hans, enquanto ele usava sua habilidade de “pendrive” neles.
Despejou todas as informações sobre os portais de sangue, o mundo intermediário em ruínas e o perigo que as criaturas comedoras de magia ofereciam, se escapassem. Ao final de tudo, soltou as mãos deles.
-Então… - Disse Jane assustada - Nossa filha foi com você a esse mundo intermediário… Que está se expandindo e rachando os outros mundos. E agora você abriu um portal de sangue para esse mundo… E o conectou ao mundo que está desmoronando. Agora sim, meu mundo corre perigo… Você foi enganado pelo Kratos.
-Ele estava controlando a Oráculo. Era um plano para rachar o cristal que o prendia, e quebrar o selo de magia que o lacrava. Eu vi tudo na hora em que ele saiu… E cruzou o portal para o Limbo. Agora seu mundo corre mesmo perigo… E a culpa é minha.
-Não, Hans. Você foi enganado e a Oráculo também. A culpa é daquele lixo inútil do Kratos! - Falou Mark irritado.
-Eu devia ter desconfiado… Eu tinha que ter lido melhor a Oráculo.
-Mas… Se ela acreditava no que estava dizendo, como você saberia que ela estava sendo controlada? - Perguntou Jane. - Não teria como saber, Hans. Precisamos saber como enfiar o cretino de volta na prisão… O cristal que o prendia já era. Está espatifado.
-Ele está atrás da Jow, Jane! Ele acha que ela é a responsável por tudo isso! Ele vai atrás dela, e eu preciso voltar!
Ela franziu a testa.
-Como vai voltar? Está muito ferido, Hans… Olha esses bolhas nos seus braços, no seu pescoço! Está todo queimado! Isso é por causa daqueles portais, não é? Como vai abrir outro? E se abrir, não vai causar mais danos do que já causou?
-Eu não sei… Mas eu não posso ficar aqui… Preciso tentar sair daqui.
Hans tentou sentar-se, e não conseguiu, arregalando os olhos. Olhou apavorado para Jane e Mark.
-O que foi, rapaz? O que aconteceu? Por que está com essa cara? - Perguntou Mark.
-Eu… Não consigo sentir as minhas pernas!*****
-Quando vou encontrar meu filho? - Rosnava Grimm para Kratos.
Grimm, assim como os outros Espectros de lama, permaneciam em uma forma etérea escura, ligados por uma névoa escura ao cajado de Kratos.
-Em breve… E espero que saiba o que fazer, quando chegar a hora.
Grimm contorceu-se e dele emanava uma aura de ódio.
-Vou acabar com ele!
-Não… Não vai. Você vai fazer como eu ensinei… Vai tentar se apoderar do corpo dele com esse seu espírito de porco, e vai me ajudar, ou vou fazer você sentir toda a dor que você deveria estar sentindo!
O espírito destruído de Grimm rosnou de novo.
-E se ele não me deixar entrar?
-Você vai forçar a entrada… Para isso, temos a coelha.
-Meu ódio aumenta cada vez que eu me lembro disso! Meu filho e uma faery! Juntos! Eu preferia vê-lo morto!
-Pode vê-lo morto depois que tudo terminar. Mas antes, precisamos dele.
-Por que não tomou conta do corpo do telepata e acabou logo com isso?
-Porque ele não é mais o meu alvo… Tenho outros objetivos agora. Mas antes, preciso neutralizar a guarda de Eel, senão jamais conseguirei chegar onde eu preciso.
-E onde precisa chegar?
-Isso não lhe diz respeito. Faça o que eu mandei ou se arrependerá!
Grimm rosnou mais uma vez, e soltou uns gemidos. A dor estava voltando. Os outros espectros começaram a gemer também, e a protestar.
-Tire a dor!
-A dor!
-Tire!
-Kratos!
Kratos os envolveu em uma névoa escura e eles se calaram.
Silenciosamente, o espírito de Kratos percorreu a trilha que ligava Eel à clareira da cascata, e entrou através da pedra que lacrava seu antigo esconderijo na Floresta.
Sempre foi um bom lugar para pensar.*****
Jow, ao chegar no jardim do piano, devolveu a rosa vermelha para a roseira, antes de ser interpelada por Sion.
-Pirralha, o fato da Oráculo ter falado que você pode fechar essas fendas não quer dizer que você vai sair por aí fazendo todo tipo de loucura que eu tenho certeza que está pretendendo fazer! Está me ouvindo bem?
-Sion! Não vou fazer nada! Ficou maluco? Eu… Eu nem sei o que fazer...
Ele olhou para ela com uma cara cínica.
-Como se eu não a conhecesse há séculos…
-Não precisa se preocupar… Eu… Eu estou de boas.
- Você ter entrado naquela fenda sem ninguém saber e ficado lá dentro por cinco dias explica direitinho a minha preocupação! Eu estarei vigiando!
Jow revirou os olhos.
Provavelmente iria ouvir sermão de todos eles. Cada um deles iria reclamar que ela era descuidada, impulsiva, que fazia besteiras e blá blá blá… Ela não estava nem um pouco a fim daquilo. Será que nunca ia poder ter paz?
-Bebê, ficamos muito preocupados com você… - Falou Kazai, carinhosamente - Não queremos que nada lhe aconteça. Nós deixaríamos de existir por você, cada um de nós, e você sabe disso. Só queremos que tenha mais cuidado… Não faça as coisas… Por impulso!
-Eu vou ter cuidado… Eu entrei lá sem querer, Kazai. Eu discuti com o Ezarel, eu estava furiosa com ele, porque ele estava escondendo aquelas coisas de mim… Tipo… Ir para os outros mundos usando portais de sangue. Quando você falou que eu podia ser a causa dessa droga toda, eu tinha que saber se era verdade… Eu o esperei e o pressionei. E quando tive certeza de que ele sabia de tudo, fiquei tão revoltada, que entrei na fenda sem querer… Mas depois não conseguia sair.
-Como foi que saiu então, Bebê?
-Eu entrei pela fenda da cascata, através da água que escapava por ela… E depois saí pela fenda do porão, através das bolhas. Deixei uma trilha lá no mundo ressonante para poder seguir depois…
E Jow contou com detalhes novamente toda a sua jornada naquele mundo estranho, e como matou uma das criaturas, e viu que ela soltava a mesma gosma verde reluzente que recolheu do bicho na Costa de Jade.
-Então! Eu logo vi que você pretendia voltar lá! - Berrou North irritado. - Sion tinha razão, é só a gente olhar para o lado que você já está inventando alguma besteira para fazer! Falou que é perigoso, a Jow faz… Falou pra ficar de fora, a Jow entra!
-Ah, não enche, North! Eu já disse que foi por acaso. Eu não pretendia voltar lá… Mas agora eu pretendo! Preciso descobrir como fechar essas drogas!
-A Oráculo mandou esperarmos a Ykhar e o Valentim, Jow… - Falou Amikoh. - Devemos esperar.
-A mesma Oráculo que enganou o Hans porque estava sendo controlada pelo Kratos? O que nos garante que não está mais? - Perguntou ela com uma careta - Não vou obedecer a Oráculo nenhuma. Vou fazer o que eu quiser.
-Viu? Eu disse! - Gritou Sion para Kazai, apontando para Jow - Temos que ficar de olho na Pirralha!
-Sion! Eu não vou fazer nenhuma besteira!
-Não! Você já fez, Pirralha! Já entrou na fenda sozinha, podendo ter ficado perdida lá para sempre!
-E talvez fosse uma solução. Se eu ficasse lá para sempre, a energia que eu absorvo poderia entrar toda e… E… Não, isso não adianta. Se aquele mundo aumentar mais, aí mesmo é que vai rachar… Mas e se…
-Pode já parar de pensar o que está pensando! - Berrou Sion, batendo com o cajado na cabeça dela - Eu proíbo você de pensar!
-Hahahaha! Onde já se viu você achar que pode me proibir de pensar, Sion?
-Prometa! Prometa que não vai voltar lá sem um de nós, Pirralha!
-Não prometo!
Sion sacudiu o cajado, tentando acertá-la de novo, enquanto ela se esquivava.
-Pirralha! Prometa!
- Desculpe, Sion. Chega de conversa. Já brigou demais comigo. Mais alguém quer brigar por mais alguma coisa? Que brigue logo! Tenho muitos assuntos a resolver! Kazai?
Ela sacudiu a cabeça. Sabia que de nada adiantaria argumentar agora, que Sion já tinha irritado Jow o suficiente. Depois ela falaria com calma, sem o calor do momento.
-Amikoh? - perguntou ela, e o Silfo também sacudiu a cabeça, em negativa. - Jow finalmente olhou para North. - Então agora é a sua vez. Pode brigar comigo também.
North concordou e a segurou.
-Meu assunto com você é particular! - E teleportou-se com ela dali para a praia.
Jow não conseguiu nem protestar. Quando viu, já estavam na beira da água. Ele sentou-se na areia e a puxou para sentar-se também.
Jow suspirou e olhou para ele, atentamente.
-Pode começar a falar. Está todo mundo me dando broncas mesmo!
-Eu não quero te dar uma bronca. Minha raiva já passou. Preciso te contar algumas coisas, e é melhor que saiba por mim. Eu e o Ezarel fomos juntos a um dos mundos alternativos pelos portais de sangue…
-Juntos? Por quê?
-A Oráculo do mundo deles pediu. Jow… A Oráculo que absorveu o Espírito da Jow daquele mundo... Ela nos mostrou as possibilidades de futuro, e as expectativas não são nada boas…
-Me diga! Me diga o que viram, por favor, North!
-Vimos os mundos sendo consumidos, porque a energia deles fluía para dentro das fendas, e através delas… Para cá, para você. Os universos ruindo, catástrofes naturais acabando com tudo! Muito ruim!
-E em nenhuma visão a gente se safa no final?
-Não conseguimos chegar a um final sem destruição…
-Onde eu fico nisso tudo? Eu volto a me transformar naquele monstro? Porque a Oráculo foi bem clara quando disse que eu era a culpada de tudo! Eu estou absorvendo essa energia! Eu não faço nada para ajudar?
-Numa das visões… Você está perguntando para a Huang Hua qual seria a saída… E ela responde que o único jeito é a fragmentação de almas.
-Mas o que é isso? Perguntaram para ela?
-Ela não faz ideia de como isso poderia ajudar em alguma coisa. Isso pode não ter nada a ver com o fechamento das fendas… E ela disse que isso é uma coisa horrível!
-Fragmentar almas… Eu já vi isso em um filme… Mas então, por que diabos essa visão apareceu? Tem que haver algum sentido, North! Preciso conversar com ela sobre isso…
-Sim… Precisa. Mas antes, podemos terminar nossa conversa?
-Ainda tem mais?
-Aqui… Tenho um presente pra você. Nunca te dei um presente…
-Sério? E o que é?
North mostrou para ela uma fina aliança de gelo verde. Segurando a mão dela, a colocou no dedo anular da sua mão direita.
-Fiz pra você. Não lembro se você gostava de usar anel, mas imitei a cor das pedras de jade que você tanto curte.
Jow franziu a testa.
-Uma aliança? Está me pedindo em casamento, North?
-Hahaha! Não é uma aliança, Jow! É só um anel.
-Isso é uma aliança! Não é um anel!
-Não podemos nos casar, Jow… Isso não tem cabimento. Só seres vivos fazem isso. Mas talvez seja… Um anel de compromisso.
-É lindo! Obrigada!
-Eu quero que você fique comigo.
-Eu estou com você.
-Só comigo, Jow.
-Hã? - Exclamou ela, sem crer no que estava ouvindo - Como assim?
-Quero que fique só comigo. Aliás, é sobre isso também que eu quero falar. Olha… Só pra você saber, essa coisa de competir por você, não partiu de mim.
-Ah! Eu sabia! Vai que eu quase acreditei que eu estava em paz!
-É verdade. Eu procuro manter a convivência em paz. Mas o Ezarel está mesmo ficando muito competitivo, e eu não tenho escolha, senão ficar também. Desculpa, Jow. Eu não queria competir, mas ele começou, então eu também vou! Não vou perder você pra ele!
-North… Vocês dois não precisam competir. Sabe disso.
-Quer saber o que eu sei? Sei que eu não quero mais dividir você com ele. Eu estou sendo sincero! Eu quero toda a sua atenção pra mim! Quero que você ame somente a mim. Não gosto de ver vocês juntos, e não consigo mais imaginar vocês… Se… Se encostando, sem a minha raiva e a minha frustração aflorar! Olha, Jow… Eu não queria competir. Eu juro, eu tentei, eu fiz de tudo para ficar bem com isso… Mas não vamos mais conseguir. Eu sinto muito.
Jow fechou os olhos. Ela sabia que aquele momento um dia chegaria. Ela tinha certeza, mas tentou se iludir de que aquilo jamais aconteceria. Ela sentia a revolta e a dor de North, dentro da sua alma, como se ela própria estivesse passando por aquilo.
-Eu não quero nem pensar numa coisa dessas agora…
-Mas vai ter que pensar um dia, Princesa…
-Você sabe que eu amo os dois. Não posso escolher.
-E se eu escolher não ficar com você dessa forma, Jow?
-Então eu vou morrer.
-Você não pode morrer. Você já morreu.
-Isso não é hora pra uma coisa dessas! Vocês não podem me pressionar assim, North! Não agora, não com essa história de fendas, não com a ameaça que paira sobre os universos! Não podem pensar em mais nada além de vocês mesmos? Você não devia fazer isso comigo, North, se você me ama mesmo!
-Jow… Claro que eu amo você! Amo tanto que quero você só pra mim. Não quero dividir mais. Jamais haverá um momento certo...
-North… Se você não quiser mais ficar comigo, não fique. Mas eu não posso escolher entre vocês. E eu não vou fazer isso agora. Vocês podem me deixar, se quiserem.
-Eu não pretendo deixar você, Jow… Porque você sabe muito bem o quanto eu gosto de você.
North a abraçou e projetou para ela todo amor que ele sentia, exatamente como ela o tinha ensinado a fazer. Projetou as memórias do seu passado adolescente, da dor que ele sentiu ao abrir mão dela para que ela vivesse, da sua total entrega quando fundiu sua alma à dela para completar o treinamento do Avatar Híbrido, da dor que sentiu quando a perdeu de novo no momento em que ela morreu. Projetou tudo aquilo, além de pedaços da sua própria alma, também fragmentada pela dor.
Mas ela já sabia. Ela sabia o quanto ele gostava dela. O quanto sempre gostou. Ela sempre soube. Ao mesmo tempo que estava feliz em ter todo aquele amor, ela estava agoniada, sabendo que jamais seria capaz de abrir mão de um deles.
North sabia que tinha feito a sua parte. Restava a Jow decidir com quem queria ficar. Mesmo correndo o risco dela não ficar com nenhum dos dois, eles estavam apostando que sim.
Sorte dele ter sido o primeiro a falar, antes do Elfo. Mas isso poderia tanto ser uma vantagem quanto uma desvantagem.
Jow aproveitou o carinho de North o quanto podia. Porque sabia que seria cada vez mais difícil ser feliz, dali para frente.
-Por que vocês estão fazendo isso comigo? Não faça isso comigo, North…
-Não me peça isso. Nunca mais vou te fazer promessas que não serei capaz de cumprir.
Jow sentiu a alma doer, ao ouvir aquilo.
Ela o abraçou e ficou em silêncio. E naqueles poucos segundos, se esqueceram de que o mundo estava acabando.*****
-Não, não e não! - Reclamava Ykhar com Valentim, enquanto percorriam o restante da trilha até a aldeia Kappa - Você não está me entendendo! Eu não estou com raiva de você! Estou é magoada por não ter confiado em mim!
-Eu achei que se soubesse quem eu sou, você me odiaria, Ykhar! Todos me odeiam por isso!
-Você então não me conhece mesmo, Valentim. Fui uma idiota em imaginar que poderíamos completar o pensamento um do outro… Um dia…
-Não é isso. Eu mesmo me odeio por ser filho dele!
-Mas não devia! Devia se valorizar mais! Quem vai valorizar você, se você mesmo não começar a se valorizar? Por que sente tanta culpa? Você não fez nada de errado! Pelo contrário!
-Sinto muito, Capitã… Preciso de séculos de terapia para poder superar minha genética…
-Espero poder ajudá-lo antes que se passem séculos, Valentim… Porque talvez a gente não tenha tanto tempo assim. - Disse ela, virando o rosto para o lado, para esconder uma lágrima.
-Ei… Ykhar… Você está chorando? Olha… O mundo não vai acabar! Não, se depender da gente!
-Mas não depende, não é mesmo? Não podemos deter essa destruição. Não somos nada e nem ninguém. - Disse ela, enxugando os olhos.
-Somos sim! Você é a Mensageira de Eel… E eu sou o Emissário da Fênix! Você está certa! Temos que nos valorizar! E podemos sim, fazer alguma coisa, é só a gente terminar a droga das traduções! Não é possível não haver inscrições, vamos achar essa porcaria e…
-AHHHHHHHH!!!!!!!!!!!!!!! As inscrições! Eu tinha me esquecido! Elas estão lá, Valentim!
-Como assim, estão lá? Não vimos nada lá!
Ykhar abriu a bolsa e retirou o tablet. E mostrou para Valentim a foto das crianças e deles dois, no canteiro do Templo. Rabiscado na parede, estava a pixação da criança que copiou a tatuagem de Valentim.
-Olhe bem… É a inscrição da sua tatuagem! Do braço!
Ele segurou o tablet e olhou bem de perto. Ykhar tinha razão.
-Então… Aquele garoto copiou! Mas então ela não quer dizer nada!
-Quer dizer sim. Quer dizer que foi de lá que os bichos saíram! O Templo do cristal rosa é o nosso ponto de partida! Os desenhos eram mapas para as fendas maiores. Não quer dizer que isso tenha a ver com os outros desenhos. Estávamos atrás de duas coisas diferentes, Valentim. Das fendas maiores, e da inscrição na parede que tem a ver com as traduções. Agora já posso partir para a tradução do dialeto que eu não estava compreendendo.
-Ainda não entendo como isso pode ajudar em alguma coisa.
-Olha, os manuscritos que você trouxe da Terra estão em alemão, não estão?
-Sim, eu os recuperei… No apartamento, em Nevada, que pertencia ao meu… Meu pai. Foi ele quem mandou roubá-los do museu.
-Mas faeries não falam alemão.
-Não… Acho que não falam.
-Os manuscritos que restaram aqui estão naquela língua que a gente não conhece, não estão, Valentim?
-Sim, aquela língua estranha, que nem você conhece. E que se parece com o rabisco do garoto.
-Então! Está tudo resolvido!
-Ykhar! Não vejo nada resolvido, no que é que você está pensando?
-Que os manuscritos daqui de Eldarya, que completam os seus, provavelmente, estão escritos em alemão, mas foram copiados por alguém que não conhecia a língua. Por isso têm o mesmo padrão de escrita, das inscrições da criança. E você lê alemão! Vai ser mais fácil agora, traduzir aqueles documentos.
-Então você acha que alguém escreveu, copiando de algum lugar?
-Os seus manuscritos estão incompletos, pois quem os roubou os separou. Mas alguém daqui os estava copiando, e só temos as cópias, que foram feitas por faeries ou humanos, que não sabiam a língua... E que completam as páginas que faltam do seu… E isso ficou muito claro para mim.
Valentim devolveu o tablet para Ykhar. Isso não estava tão claro para ele, mas a certeza que ela tinha o encheu de esperança. Ykhar acelerou o passo na trilha.
-Ande mais devagar, Ykhar, ainda tenho dois buracos de bala cicatrizando nas pernas… Não posso te acompanhar! Pare de correr!
- O que quer dizer com isso? Tenho pernas curtas, não posso estar correndo assim!
Valentim sorriu e estendeu a mão para ela.
-Espere um pouco, Capitã… Posso te perguntar mais uma coisa?
-Acho que pode… Pode… Pergunte Logo! - Respondeu ela, ansiosa.
-Você e o Valkyon conversaram, afinal? Porque quando eu cheguei, você me deu um beijo, na frente dele, e eu não sabia como me comportar… Quero dizer… Vocês dois… Estão… Ainda…
-Conversamos, claro! E esclarecemos tudo. Eu e ele estamos oficialmente liberados do nosso compromisso… Estou… Livre.
-Isso quer dizer… Que vocês não estão mais namorando?
-Valentim… Como uma pessoa tão inteligente como você pode ser tão tapada? Claro que não estamos mais namorando! Como eu daria um beijo na sua boca, na frente dele, se ainda estivéssemos namorando?
-E nós? Estamos namorando?
-Claro que não!
-Não? E por que não?
-PORQUE VOCÊ NÃO ME PEDIU OFICIALMENTE!!!!!!!
-NÃO PEDI?????????????????
Valentim então parou no meio da trilha, colocou um dos joelhos no chão e disse bem alto.
-YKHAR, EU TE AMO! VOCÊ QUER SER MINHA NAMORADA?????
-Ahhh! Pára com isso, palhaço, você quer me matar de vergonha? - Berrou Ykhar vermelha como um pimentão, escondendo o rosto nas mãos desejando ter uma toca enorme para se enfiar.
-Fala que sim, Ykhar!!! Aceita logo!!! - Continuou ele gritando, como se não houvesse ninguém mais ali com eles.
Os outros começaram a olhar para eles e a rir, e um deles olhou espantado para Valkyon, que simplesmente falou, com a cara mais impassível do mundo:
-Não olhe assim pra mim, eu e a Ykhar não estamos mais namorando, isso é problema deles agora… - E continuou a andar.
-Eu… Eu…
-Responde logo! Meu joelho está doendo, eu levei dois tiros!
-Claro que sim! Eu quero!
Valentim então deu um suspiro aliviado e levantou-se, abraçou Ykhar e deu um beijo nela. Quando ela recuperou o fôlego, ele suspendeu Ykhar pela cintura, e a rodou pela trilha.
Ela começou a rir e continuou protestando.
-Me solta, me põe no chão, você não estava ferido e ferrado? Soldado idiota…
-Eu estou bom já! Estou tão feliz que estou curado! Podemos andar de mãos dadas?
-Éééé… Acho que podemos...
-Que bom… Porque eu já estava triste de estar longe de você, Capitã…
-Não precisamos mais ficar longe, Soldado… Nunca mais…
-Mais tarde eu vou cobrar isso de você, pode ter certeza…
-Tá, tá! Chega de melação! Ande mais depressa, que eu quero logo terminar essa missão.
E foi o resto do caminho agitadíssima, falando sem parar, citando técnicas de tradução usadas nas suas habilidades em línguas…
Valkyon, de vez em quando, olhava para trás e sorria.
Era muito bom ver a Ykhar tão feliz e motivada, como nunca na vida ele tinha visto antes.
Pelo caminho, encontraram mais pedaços de pele do ser das fendas.
-Isso é muita pele, Valkyon… - Disse um dos guerreiros dele - Não pode ser do mesmo bicho! Tem pele demais aqui!
-São de vários deles… - Disse Valkyon. - Mas parecem ser menores…
-Ainda bem. Não quero imaginar uma coisa maior do que aquela…
-Nem eu… Mas existe a possibilidade, então tenham foco. Olhem, chegamos!
A trilha terminava na aldeia Kappa.
Mas quando eles chegaram lá, viram que parte da aldeia tinha sido destruída.
Os Kappas tentavam colocar no lugar as coisas mais importantes para a sobrevivência deles.
Ykhar viu, apavorada, que a biblioteca estava em ruínas.
-Não!!!! A biblioteca não!!! - Disse ela, enquanto corria para o meio da vila, e olhava desconsolada a destruição.
Valkyon andou rapidamente até mestre Kappa.
-O que aconteceu, Mestre?
-Um animal estranho apareceu, Valkyon, uma espécie de escorpião, e começou a emitir uns guinchos altíssimos! Havia mais guinchos… Pareciam vários deles… Estavam respondendo um ao outro…
- Alguém morreu?
-Felizmente não. A aldeia estava em plena atividade, e todos estavam fora das suas cabanas. Se fosse à noite… Não teríamos tido a mesma sorte.
-A biblioteca!!! - Falava Ykhar, sem parar.
-Salvamos o que pudemos salvar. Suas coisas estão intactas, Ykhar, na minha casa. Assim como os antigos manuscritos.
Ykhar deu um salto e abraçou Mestre Kappa.
-Obrigada!!! - E depois, lembrando-se do cheiro que se desprendia dele, afastou-se depressa. Como ela tinha se esquecido daquele fedor que os Kappas tinham?
-Venham, peguem suas coisas. É melhor que fiquem no templo hoje, ou na aldeia Brownie. Será mais seguro.
Mestre Kappa acompanhou Ykhar e Valentim até a sua cabana, onde eles entraram para pegar as coisas. Depois continuou conversando com Valkyon.
-Encontramos um bicho desses no caminho, mestre. - Disse Valkyon - Nós o matamos. Onde está o que destruiu a aldeia?
-Ele apareceu, do nada, destruiu tudo, deu uns guinchos e desapareceu de novo.
-Então se não for o mesmo bicho, ainda está por aí… Há mais deles, vimos as peles na trilha.
-Se estão trocando de pele, estão ficando maiores…
-Eles se alimentam de magia.
-Não usamos muita magia aqui na aldeia… Talvez por isso ele tenha ido embora. Venham até a enfermaria, Valkyon, ela ainda está inteira, vocês precisam de cuidados. Vejo que há vários feridos.
Enquanto Valkyon e alguns guardiões recebiam cuidados médicos, Ykhar e Valentim recolhiam tudo o que precisavam para continuar as traduções.
Depois de tudo pronto, Valkyon prometeu voltar para ajudar na reconstrução da aldeia Kappa.
-Obrigado, Valkyon. parece que nunca paramos de reconstruir e consertar. Terminamos de reconstruir o templo, e temos a aldeia destruída. Ainda nem terminamos a construção do templo do Cristal rosa, e grande parte dos nossos estão lá na aldeia brownie.
Após as despedidas, Valkyon e seus guerreiros seguiram a próxima trilha, para escoltar Ykhar e Valentim até a aldeia Brownie.
Seria um longo dia…
Capítulo 2 - Terríveis Descobertas
Jow entrou no laboratório para encontrar-se com Ezarel, e ele já processava a amostra do material verde reluzente do bicho das fendas.
Alguns frascos ferviam nas chamas dos bicos de bunsen, enquanto ele destilava parte da amostra em outro recipiente.
-Você não perdeu tempo, não é? - Falou ela para ele. - Parece um cientista louco, no meio desses tubos todos. Onde estão os seus recrutas?
-Estão de folga. Eu os dispensei pelo resto do dia, preciso de um tempo sozinho com meus frascos… E com você.
Ela suspirou. Ali vinha a segunda parte da conversa que North começou. Agora era a vez de Ezarel.
O Elfo deixou as amostras fervendo, e aproximou-se dela, estendendo os braços para abraçá-la.
Jow aceitou o abraço, e sentiu a ansiedade de Ezarel.
Quando separou-se dele, ele olhou para o anel no dedo dela.
-Parece que o North não perdeu tempo… Ele te pediu em casamento?
Jow fechou a cara.
-Não tem nada de casamento, Ezarel! Isso é só um anel! E vocês não podem fazer isso comigo, Maldito!
-Você não entende, não é? Nunca entendeu! Eu não quero mais dividir você, Jow! Eu não consigo!
-Ezarel! Você acha esse um bom momento para isso? Com o mundo desmoronando?
-Meu mundo já está desmoronando há algum tempo! Nunca, Jow… Nunca o momento será bom o bastante, para falarmos nisso!
-Mas por quê? Por que isso agora?
-Não é agora… Sempre foi, Jow. Eu não aguento saber que você está com ele, quando não está comigo… Eu juro que eu tentei. Não consigo mais… Eu preciso de você inteira!
-Mas eu estou inteira quando estou com você!
-Quero que fique só comigo, Jow… Desculpe. Eu não tenho um presente para te oferecer… Não tenho uma aliança verde linda como essa, não tenho um buquê de flores, ou chocolates, ou uma tabela periódica, ou seja lá o que os humanos dão de presente nessas horas… - E retirou o cordão onde a pequena tartaruga de jade estava presa, num pingente e o colocou no pescoço dela - Até posso te oferecer a nossa Blêmia, como presente… Mas na verdade eu só tenho meu amor, Jow. Minha alma, minha vida. Mas parece que isso não é o suficiente para você… Você precisa de mais.
Jow fechou os olhos. Não acreditava que aquilo estava acontecendo em plena crise universal.
Ela abriu os olhos e olhou bem dentro dos olhos dele.
-Ezarel… Eu amo você. Mas não posso escolher entre os dois. Eu amo os dois.
-Pode ser que eu não queira ficar com você nessa condição. E não é por falta de amor. Amor eu tenho de sobra. Eu cheguei no meu limite. Eu sei que você sabe o quanto eu amo você. Sei que sente o que eu estou sentindo, sei que sabe o quanto eu sofri para tentar te salvar da Oráculo e de Kratos, e o que aconteceu comigo quando você morreu. Sei que sabe tudo isso. Mas eu vou compreender se você escolher o North. Ele é um ser etéreo como você, ele tem a mesma beleza incrível, a inocência e a pureza de uma divindade, a esperança de um adolescente, e transmite aquele amor todo… Você o conhece desde criança, tiveram toda uma vida e uma história de amor juntos. Vocês têm um passado, e eu não faço parte disso. Sou só um elfo, mortal, irritante e rabugento, que nem sequer dominou completamente o elemento terra, como minha raça faz… E apareci na sua vida somente para trazê-la para a morte.
Jow o abraçou, sentindo a alma doer.
-Não diga isso, Ezarel! Você é tão importante pra mim! Eu não poderia viver sem você!
-Mas você não está viva, Jow… Não precisa se preocupar em morrer.
-Eu preciso de você, Ezarel… Não posso continuar existindo se você não estiver ao meu lado!
-Eu estou ao seu lado. Mas quero que seja somente eu, ao seu lado. Quero que você me escolha, Jow!
Jow não sabia o que fazer, nem o que dizer. Seu próprio mundo estava em ruínas. Sua tranquilidade, sua zona de conforto. Ela não queria escolher. Ela jamais poderia escolher. Ezarel estendeu os braços para ela, e ela sentiu que ele projetava para ela tudo o que tinha. Seu amor, seus medos, sua dor… E pequenas partes da sua alma… As partes que eram dela, para ela, por ela. Aquilo foi outro impacto na agonia que Jow estava sentindo.
Quando se separaram, ela falou:
-Não sou capaz de fazer isso agora. E vou dizer para você a mesma coisa que eu disse para ele. Se você não quiser mais ficar comigo, não fique. Mas eu não posso escolher entre vocês. E eu não vou fazer isso agora. Vocês podem me deixar, se quiserem. Eu vou compreender.
-Só que eu não pretendo abrir mão de você com essa facilidade, Maldita… Nem mesmo pela sua sanidade. Eu sei o quanto você me ama. E não vou perder isso por nada desse mundo. Vou lutar por você, pode ter certeza. - Disse ele, e a puxou para um beijo… Que pareceu durar uma eternidade.*****
Quando chegaram à aldeia Brownie, parece que nada havia acontecido. As residências estavam inteiras. Os aldeões estavam tranquilos… O Templo estava de pé.
-Graças à Deusa! - Berrou Ykhar, correndo com Valentim para o canteiro da fotografia, e apontando a pixação do garoto, na parede.
Valentim e Valkyon se aproximaram, e observaram.
-Mostre a tatuagem , Valentim… - Pediu Valkyon.
Valentin retirou a túnica FengHuang que usava e exibiu o braço, cheio de ferimentos e hematomas.
Valkyon olhou de perto, e depois olhou para o desenho da parede.
-Exatamente. É a sua tatuagem sim. - E virando-se para os seus homens - Vamos explorar cada centímetro desse templo, dentro e fora! Qualquer anormalidade, me chamem! Comecem por fora. Vou conversar com a sacerdotisa mãe daqui.
Valkyon entrou, acompanhado de Ykhar e Valentim. Quando foi levado à presença da sacerdotisa mãe, explicou detalhadamente toda a situação, e pediu licença para vasculhar o templo. Uma vez a permissão concedida, voltou para perto dos seus homens.
Ykhar puxou Valentim, procurando a biblioteca. E quando a encontraram, não perderam tempo. Espalharam seu material de pesquisa por cima das mesas e recomeçaram as traduções.
Ykhar agora traduziria rapidamente, com a ajuda de Valentim, os pergaminhos da aldeia Kappa.
Valkyon chegou até a escadaria da arena da Lua, com dois dos seus homens, debaixo da câmara do grande cristal Rosa, e percebeu as rachaduras na parede. Ali havia algumas pistas que provavelmente ninguém viu, porque ninguém descia ali… Sujeira de mãos infantis nas paredes, restos de comida… Roupas de crianças... E pedaços de pele de bicho.
Ou alguma criança estava indo ali para fazer piquenique… Ou esconderam um dos bichos naquele buraco, e foram devorados por ele, e ninguém viu nada!
Valkyon não tinha como saber se ali havia alguma fenda, porque ele não tinha sensibilidade para tal. Mas ali havia alguns gnomos sentinelas, e se houvesse fendas, com certeza eles teriam deveriam ter sentido.
Ao subir as escadas de volta, deparou-se com uma cena bizarra.
Os dois sobrinhos de Ykhar, berrando no grande Hall, contidos por algumas sacerdotisas, faziam um escândalo, porque não os deixavam descer as escadas.
-Me largaaaaaaaa! Me soltaaaaaaa! - gritava a garota, trazendo nas mãos uma boneca de pano.
O garoto, por sua vez, chutava no ar, tentando acertar quem quer que estivesse em sua frente. E carregava um pequeno cesto.
-O que está acontecendo aqui? - Perguntou Valkyon para ele.- Vocês estão tentando falar com a sua tia? Ela está ocupada na biblioteca.
-Não! Queremos descer, mas elas não deixam! Tio Valkyon, nos ajude! Por favor!
-Garoto, não pode descer, não é seguro! - Dizia uma das moças que o segurava pendurado pelo braço.
- Pode deixá-los comigo, eu cuido disso. - Falou ele para a moça. A garota deu de ombros e os colocou no chão. As crianças correram para ele e o abraçaram. - Por que você quer descer? - perguntou Valkyon para ele, que esperneava no ar.
O garoto, ainda com lágrimas nos olhos, respondeu.
-Precisamos alimentar… A Sheila!
-E o que é a Sheila? Seu mascote?
-Sim… - Respondeu a garota - A mamãe disse que não é um mascote, mas nós sabemos que é…
-E por acaso a Sheila estava lá embaixo? Porque acabei de vir de lá, e não há nenhum mascote lá embaixo…
As crianças se olharam, e recomeçaram a choramingar.
-Eu sabiiiiia! - Gritava ele - Que se a gente deixasse a Sheila sozinha ela ia fugir! Eu te falei, irmã!
-Calma… - Disse Valkyon, amparando os dois e os pegando no colo - Vamos conversar melhor… - E fez um sinal para os homens para que continuassem as buscas. - O que exatamente é a Sheila? Com o que ela se parece?
-Uma lagosta! - Disse ele.
-Um lagarto! - Disse ela.
Valkyon franziu a testa e elevou as sobrancelhas.
-Ela tem pinças? Como uma lagosta?
-Sim, ela tem…
-E de que cor é ela?
-Ela é cinza… Não… Verde!
-Vocês esconderam a Sheila lá embaixo quando?
-Foi ontem, antes da festa do inverno começar.
-Crianças… Vamos ver a sua tia. Precisamos conversar melhor. - Disse Valkyon sério. E os levou para a biblioteca, onde estava Ykhar.
Quando Valkyon entrou, com as duas crianças no colo, Ykhar levantou-se.
-O que eles fizeram de errado?
Valkyon soltou-os, e eles correram para o colo da Ykhar.
-Nada! Não fizemos nada!
-Ykhar… Eles te falaram sobre uma tal de… Sheila? - Perguntou Valkyon, com os braços cruzados.
-Sim… Acho que me falaram sim…
-Pois eu acho que a Sheila é um ser das fendas. Pode até ser aquele que nós matamos na trilha.
-O quê???? - Berrou o garoto - Vocês mataram a Sheila? Nããããããoooooo!!!!!!!!
-Calma… Pode não ter sido ela… Podemos procurá-la. Vocês querem que eu a procure? -Perguntou Valkyon, ainda sério.
-Sim! Queremos! Vamos procurar a Sheila. Vamos, irmão! - Gritou a menina, saindo dos braços de Ykhar. - Ela come cogumelos brancos… Nós trouxemos para ela…
Ykhar olhou para os cogumelos na cesta das crianças.
-Onde pegaram isso?
-Na floresta, na saída dos campos plantados. Tem um milhão desses lá. Foi lá que achamos a Sheila.
-É melhor vocês ficarem aqui comigo! - Falou Ykhar, com os olhos arregalados, imaginando as crianças soltas na floresta, no meio dos bichos famintos. - Valkyon, se você achar a... Coisa… Sheila… Traga ela para nós , está bem? - Disse ela, piscando um olho.
-Sim, pode deixar. Fiquem aqui com a sua tia e o Valentim. Vou pedir para avisarem à sua mãe que estão aqui, ok? - E saiu da biblioteca, deixando as crianças lá.
Valkyon voltou para o hall onde seus homens o esperavam.
-Já temos uma pista. Na saída da cidade, há uma grande quantidade de cogumelos brancos. Deve haver uma fenda lá, e deve ser o local de onde esses bichos estão saindo. Juntem aqueles gnomos inúteis para nos acompanhar. Eles podem farejar os cogumelos.
E saíram para a floresta.*****
Hans estava em desespero. Tentava mexer as pernas e nada acontecia. Não sentia dor e nem os estímulos que Jane aplicava nele.
-Eu nunca mais vou andar! Meu Deus, eu estou… Paraplégico!
-Hans, tenha calma… Me deixe terminar de fazer os testes…
Após alguns minutos, ela olhou para Mark, com olhar triste. Mas ele não aceitava um não como resposta.
-Jane… Você é uma Deusa! Conserte o Hans!
-Eu… Como faço isso?
-Eu sei lá, invente um comprimido curador de paralisias! Crie um neurocirurgião que o faça ficar bom… Um remédio, uma macumba! Qualquer coisa! Você pode tudo aqui, meu amor! Você é uma Deusa! Aja como uma!
Jane não fazia a mínima ideia do que fazer… Estendeu a mão por cima de Hans e viu uma luz azul sair da sua mão e iluminar o corpo dele inteiro.
-Tente agora, Hans…
Ele tentou, e sacudiu a cabeça.
-Você não está pensando como Deusa, Jane! - Reclamou Mark - Tem que perceber que aqui é capaz de tudo!
-Então eu vou transformá-lo em um neurocirurgião mágico, Mark! Porque eu não sei mais o que fazer!
-Isso! Faça isso! Me transforme, Jane! Não deve ser mais difícil do que criar um oceano ou pessoas… Apenas olhe para mim e me veja como tal!
Jane assentiu, e olhou para Mark como se ele fosse o maior neurocirurgião do universo, com poderes mágicos.
Mark estremeceu quando a energia divina de Jane caiu sobre ele, e num instante apareceram asas brancas nas costas de Mark.
-O que é isso? Pra que as asas? Jane!!!
-É que… Eu… Pensei em você como um médico anjo, Mark… Não sabia se daria certo!
-Tire as asas, por favor… Eu sei exatamente o que eu preciso fazer aqui para tentar ajudar o Hans.
-Você… Não está pensando em me operar mesmo, está? - perguntou Hans, preocupadíssimo.
-Você não lê mentes? Então sabe muito bem o que eu pretendo fazer, Hans… Jane… Não vamos perder tempo com tecnologias para exames. Preciso ser capaz de fazer o diagnóstico apenas tocando nele… Me dê esse poder, Jane. E por favor… Tire essas asas ridículas…
Jane riu, e uma luz dourada iluminou Mark. Suas asas sumiram… Ele não perdeu tempo. Segurou as mãos de Hans e soube que sua medula estava lesionada ao nível da sexta vértebra torácica, pelo trauma que sofreu ao ser soterrado pelos escombros. Uma lesão irreversível e realmente inoperável!
-Acho que vou precisar de mais algumas habilidades… Vai ser mais difícil do que eu imaginei.
-Precisa das asas de volta? - Perguntou ela com o olhar inocente.
Hans olhou para eles, com tristeza, enquanto discutiam as tecnologias loucas que Mark estava inventando para tentar consertá-lo. Talvez nunca mais andasse. Talvez jamais voltasse a ter alguma sensibilidade abaixo do umbigo… Teve um vislumbre do resto da sua vida, em cima de uma cadeira de rodas, sem ser capaz de controlar os intestinos ou a bexiga, usando fraldas para o resto da sua miserável existência… Mas o que ele mais lamentava, sabendo que mereceu aquele castigo todo… Era saber que jamais poderia estar novamente com Ewelein. Estava transformado num X-Man, mais exatamente no “Professor Xavier”, com poderes mentais e paraplegia flácida! Ele estava transtornado pela culpa que sentia. Ele sabia que merecia aquele castigo!
E após aquele flash deprimente do seu futuro, Hans sabia que aceitaria que Mark até mesmo implantasse nele pernas de aranha, desde que houvesse uma chance.
-Hans! Está me ouvindo? - Perguntava Mark, sério- Estou perguntando se você concorda!
-Eu concordo! Não sei com o quê, não me importa o que vai fazer comigo, Mark! Eu confio em você e na Jane, estou ferrado para o resto da minha vida, podem fazer o que quiserem comigo! Eu aceito!
-Então está decidido! Jane, chame a sua “amiguinha Deusa Tsukiko”. Precisamos da ajuda dela! Ela inventou essa palhaçada de Arena da Lua, mas não a manteve segura, agora ela vai ter que se virar e nos ajudar!
Jane assentiu e saiu do quarto, enquanto Mark permaneceu com Hans.*****
Jow deixou Ezarel no laboratório, e saiu de lá atordoada. Não sabia se estava com raiva ou plena de alegria, ao saber que tinha tanto o amor daqueles dois perturbados. O amor, a vida, a alma. A alma… Ou fragmentos delas, pelo menos… Fragmentos… Fragmentos de Almas????
-Preciso ver Huang Hua! - Disse ela em voz alta, enquanto corria pelas escadas, escorregava pelo corrimão do Hall principal, como se nada tivesse mudado, desde que fazia isso, quando ainda era uma recruta de Ezarel.
Jow não sabia onde encontrar Hua, e saiu berrando pelos corredores do QG, perguntando a tudo e a todos onde ela poderia estar.
Entrou na sala do cristal e tropeçou em Eycharistisi, que ainda lia relatórios, mas estava sozinha.
-Eychi! Onde está Hua? Você a viu?
-Ui! Calma, Jow, não sei… Estava indo para a cozinha com a Miiko pegar alguma coisa pra gente comer…
-Obrigada!
Jow teleportou-se para a cozinha, derrubando Karuto, que enrolava alegremente massas de torta.
-Karuto! - Gritou ela, atropelando seu pai fauno. -Hua! Cadê Hua?
-Ai ai ai, Jow! Eu sei lá cadê a Hua! Quase me matou de susto! O que aconteceu? As fendas aumentaram? os animais loucos entraram no QG? OU VOCÊ ARRUMOU OUTRO NAMORADO MALUCO?????
-Wow, calma, Karuto! Eu só quero falar com ela… Como assim outro namorado maluco? Ficou doido, foi? Já não me bastam os problemas com os dois, já me quer com outro?
-Jow… Eu não vi a Hua. Ela esteve aqui com a Miiko, há alguns minutos, mas saíram levando metade do meu arsenal de biscoitos. Vá procurá-las em outra freguesia, filhota. Minha massa vai desandar!
Jow suspirou e saiu dali. Onde poderiam estar? No jardim do piano, onde Hua adorava ficar. Onde havia todas as suas roseiras maravilhosas florindo de forma exuberante como nunca. E foi lá que as encontrou, devorando biscoitos.
-Ahá! - Gritou ela, enquanto as duas davam um pulo com o susto - Estão comendo tudo escondidas da Eychi! Vou dedurar vocês!
-Calma… Nós íamos levar alguns para ela, juro! - Justificou-se Miiko - Mas queríamos um tempinho de paz, longe de relatórios… Todo mundo tem uma folga, menos nós… Você quer biscoito? - E estendeu um para Jow.
-Não preciso mais comer… Não, não vim atrás dos seus doces. Vim atrás do seu conhecimento… Vocês me disseram mais cedo, que iriam me contar sobre as visões que a Jow Oráculo compartilhou com vocês. Me contem, por favor… Eu estou enlouquecendo!
As duas trocaram olhares e Hua falou.
-Nós vimos caos e destruição… Vimos catástrofes horríveis, dor e morte, os universos colabando… A energia acabando, e os sobreviventes vivendo com doença e fome…Ceifadores coletando almas…
-Tá. Sejamos práticos. Tudo isso já me disseram. Quero saber as alternativas… Os caminhos… As possibilidades de futuro… Em todos eles, a gente se ferra?
-Não em todos… Há um caminho onde vemos uma luz no fim do túnel… Mas nesse... - Disse Miiko.
-Miiko! Não se atreva! - Berrou Hua, tentando interrompê-la.
-Hua! Ela precisa saber! Ela precisa escolher!
-Estão falando de mim? Me deixem saber! Por favor! Nada pode ser tão ruim… Eu já passei uma existência achando que era louca, já vi Ezarel morrer, já quebrei selos, virei monstro, perdi meus pais! Já morri, já fiquei perdida por séculos, sozinha na Arena da Lua… O que de pior pode me acontecer?
-Queremos tentar proteger você,Jow… - Disse Hua.
-EU NÃO PRECISO DE PROTEÇÃO! EU PRECISO PROTEGER QUEM EU AMOOOOO!
As duas se encolheram, enquanto um enorme fluxo de energia começou a chegar em espirais. Chamas azuis e esverdeadas explodiram no corpo de Jow, que ficou envolta em uma névoa negra.
Na mesma hora, o céu começou a escurecer onde elas estavam, e sentiram tremores por toda Eel.
O corpo de Jow estava transparente, e pequenas faíscas se desprendiam dos seus cabelos.
Era uma visão assustadora, e Jow não mais se parecia com aquela doce e alegre elemental que todos ali conheciam.
Enormes touceiras de espinhos começaram a crescer das roseiras e a se enovelar no piano.
Hua desvencilhou-se de Miiko, quando o chão começou a rachar. Ela própria se incendiou com chamas alaranjadas, jogou-se de encontro a Jow, e a abraçou.
Miiko não conseguiu detê-la, e o choque das duas garotas em chamas resultou em um estrondo que jogou as três para trás.
O gramado onde elas estavam ficou completamente chamuscado, e a água do chafariz ficou quente.
Jow estava atordoada pelo impacto do poder de Hua, mas ainda mais atordoada por não entender o que tinha acontecido ali.
Ela levantou-se e foi checar as outras duas.
Huang Hua estava descabelada, mas inteira.
Miiko estava assustadíssima, e não ousava sair de trás do piano.
Ambas estavam bem. Mas Jow não estava.
-Viram??? - Gritou ela - Olhem para o chão! Rachou! Isso não pode continuar! Então, se querem que isso pare, não escondam nada de mim, por favor!
Hua levantou-se e foi até Miiko.
-Você está bem, Miiko? Está ferida?
-Não! Que diabos foi aquilo, Hua? O que aconteceu?
-Eu ofereci o fogo restaurador da Fênix para restabelecer o equilíbrio da energia da Jow. Usando a minha, ela bloqueou a energia negra que chegava sem parar. Assim que as nossas energias colidiram, Jow repeliu a outra. Mas se acontecer de novo… Não tenho mais energia para fazer isso, nos próximos dias. Você está certa, Miiko. Ela precisa saber. - E olhando para Jow - Como se sente agora? Acha que está equilibrada para escutar um milhão de coisas que não vai gostar?
Jow suspirou, e armou o frágil escudo de ar ao seu redor.
-Manda a artilharia, Hua. Foi para isso que eu vim.
-Muito bem… - Começou Miiko - Antes de mais nada, preciso saber até que ponto está disposta a ir para deter essa porcaria toda.
-Você viu o que aconteceu aqui? Até onde acha que eu estou disposta a ir, Miiko? Não entende que eu sei que eu sou a causa disso tudo? Se eu precisar deixar de existir para que isso pare, eu v…
Hua a interrompeu.
-Não precisa deixar de existir, Jow… Decididamente não. Eu agora compreendi onde entra o fato de termos visto essa cena, através dos olhos da Oráculo… Onde eu digo para você que a única forma seria a Fragmentação de Almas. E que eu vou te explicar exatamente o que é e como funciona.
Jow sentou-se com elas na beira da fonte do piano, e viu as suas roseiras completamente entouceiradas com os espinhos. Estendeu a mão para tocá-las, e as touceiras retornaram para dentro da terra, deixando as plantas como estavam antes da explosão das energias. A rachadura do chão lentamente se fechou.
-Não tenham pena de mim… - Pediu ela para as duas, sentindo o que elas estavam sentindo. - Não é hora para isso agora. Me vejam como um contra-regra, não como o ator principal. Desembucha, Hua!
-Ouça… Fragmentar uma alma é exatamente como se lê. É partir sua alma em mais de um fragmento. Isso acontece frequentemente, quando amamos muito alguém. É muito comum que minúsculos fragmentos de almas sejam transferidos para quem amamos. Isso é a parte boa, e também faz com que as almas gêmeas se reconheçam quando se encontrarem nas diversas encarnações. Elas simplesmente se reconhecem pelos fragmentos de almas que trocaram entre si. Está me entendendo até aqui?
Jow assentiu. Ouvia em silêncio e com a maior atenção possível. Hua continuou.
-Pois bem. Você não só ama demais alguém, como ama demais todo mundo… E principalmente, tem duas almas gêmeas. É o suficiente para essa fragmentação da qual eu falei agora. Vocês estão frequentemente trocando fragmentos de almas entre si. Mas não é somente esse tipo de fragmentação que acontece. Existe uma terrível… Que ocorre quando uma alma é atormentada por grandes sofrimentos, e se fragmenta dentro de si própria, através da dor e da agonia. Exatamente como aconteceu com você, e é o que desperta a instabilidade das suas emoções. Sua alma está completamente fragmentada, mas se mantém em união, devido ao fato de você ter ao seu lado as suas almas gêmeas, e permanecer em constante troca com eles dos fragmentos benéficos. Eles são a cola para essa sua alma distorcida.
-Ainda não entendi como isso pode ajudar… Eu compreendo que minha alma está toda ferrada. Ela tem motivos de sobra para estar assim… E também entendi a parte da troca, com o North, com o Ezarel e com as pessoas que eu amo. Mas como vou usar isso para fechar as fendas?
Miiko e Hua se olharam, e Hua continuou.
-Isso não será usado para fechar as fendas, Jow. Isso será usado para que você não deixe de existir quando tiver que fazer o que vai fazer para fechar as fendas… Que com certeza será alguma coisa extremamente destrutiva para você… Mas que só saberemos o que é quando as traduções forem terminadas.
Jow fechou os olhos. Quando ela disse que estava disposta a deixar de existir, ela não estava entendendo que literalmente era o que precisava acontecer para o distúrbio parar. Porque ela era a causa dele, e enquanto continuasse existindo, ele não pararia. Mas não bastava deixar de existir. Precisava fechar as fendas primeiro e então deixar de existir, senão elas abririam de novo, ou então ela destruiria Eldarya. Isso ficou bem claro para ela.
-Eu estou confusa… Então não sabem o que eu preciso fazer para fechar as fendas, não é?
-Infelizmente não, Jow. - Disse Miiko. - Mas com certeza, em breve, Ykhar e Valentim descobrirão a forma.
-Eu estou passando por mais coisas do que imaginam… E não sei se quero continuar existindo depois disso tudo terminar.
-Não diga isso, Jow! Isso não nos foi mostrado a toa! Com certeza a Deusa tem algum plano para você! - Disse Hua.
Jow fechou a cara.
-Isso! A Deusa! Ela é a culpada disso tudo! Ela deveria ter pensado nisso, antes de criar um monstro como eu pra destruir essa bagaça toda que ela queria proteger!
-Não adianta ficar com raiva dela agora, Jow… Mas se você desejar, eu vou realizar com você o ritual da fragmentação das almas. E podemos transferir com antecedência os fragmentos da sua alma para outros locais, pessoas, objetos, assim a sua essência não se perderá, se você tiver que se sacrificar para fechar as fendas. Seu corpo etéreo não pode ficar como uma casca vazia, sem alma… Mas podemos deixar apenas alguns minúsculos fragmentos nele, somente para que ele continue respondendo ao seu espírito. Você acha que teria guardiões à altura para cuidar da sua alma?
-Claro! O que não me faltam são pessoas em quem eu confio para isso, Hua!
-Não podemos nos arriscar em dividir apenas entre o North e o Ezarel, Jow. Precisaremos de garantias. Precisaremos dividir mais…
-Back up, não é? - Disse ela, ainda séria.
-Sim. Precisamos de vários guardiões para seus artefatos. Se já elegeu seus dois amores, escolha pelo menos mais duas pessoas, Jow. Assim que se decidir… Faremos o ritual. Mas esteja segura de que nem todos poderão saber disso. Quanto menos gente souber, melhor. Acho que Ezarel e North também não devem, saber, porque não se sentiriam bem, sabendo que você está fazendo uma coisa dessas… Justamente porque está correndo o risco de deixar de existir. Talvez eles tentem deter você de alguma forma. - Disse Hua. - Talvez todos os seus amigos tentem deter você de alguma forma.
-É melhor que não saibam mesmo, Jow. - Miiko tinha o olhar sério - Além disso, se algum inimigo desconfiar de uma coisa dessas, e destruir os artefatos significará destruir a sua alma, a sua essência. E não será mais proteção, será risco.
-Eu não tenho inimigos… Tenho?
-O que você acha? - Perguntou Miiko. - Kratos está livre, e com ele os demônios, incluindo o Grimm! Não foram eles quem estiveram o tempo todo atrás de você? Você se arriscaria, Jow?
Jow esfregou os olhos, como se estivessem ardendo no meio de uma grossa fumaça. Só lhe faltava aquela agora. Fragmentação de almas… Como as Horcruxes, em Harry Potter. Só que não era o vilão Lord Voldemort quem estava dividindo sua alma e escondendo os pedaços em relíquias sagradas, para garantir a existência eterna. Aquilo era real e se tratava da alma dela. E ela estava a um passo de se tornar uma casca quase vazia. E a quase deixar de existir. Achava que estava preparada para tudo, mas com certeza não estava. Não sobre o fato de deixar de existir… Isso realmente parecia pequeno, diante do fato de ser pressionada por North e Ezarel como seria, daqui para frente. Era disso que ela tinha mais medo, não de sumir do mapa!
E agora, aquela instabilidade toda na sua energia! Qualquer chilique que pudesse dar poderia vir acompanhado de uma bomba atômica! Isso estava acontecendo, porque os dois a estavam pressionando para escolher?
-Muito bem. - Disse Jow, se levantando. - Não vou falar nada com ninguém, então não falem também. Vamos manter esse segredo, embora a Oráculo não queira mais nenhum. Ela não está em condições de exigir nada, depois do que aconteceu. Temos prioridades, eu acredito. Achar o Hans. Achar o Kratos. Manter a cabeça no lugar… E eu preciso pensar em tanta coisa que nem sei por onde começar. Se eu pudesse me fragmentar agora e me clonar, eu dividiria as tarefas!
-Hahahaha! Nem pensar numa coisa dessas! - Disse Miiko, rindo. - Já imaginou três ou quatro de você por aí? Não haveria energia suficiente no universo inteiro!
Jow riu também.
-É verdade. Mas pelo menos podia ficar uma Jow para cada um dos meus namorados, e eu não precisaria… Deixa pra lá, estou ficando maluca. Vou me reunir com os meus carrapatos por aí. Preciso pensar. Obrigada a vocês duas… Me desculpem pela energia que explodiu… Se precisarem de mim, estarei na floresta. Preciso de paz. Então… Espero que não precisem de mim!
E teleportou-se dali.
Miiko e Hua se olharam.
-Coitada, Hua. Eu não queria estar na pele dela.
-Ninguém queria. Mas não é só isso que está desestabilizando o humor dela, Miiko. Isso com certeza tem mais a ver com os dois malucos que ela ama, do que com a destruição do universo. É melhor observarmos isso mais de perto. Porque se ela der outro ataque daqueles, eu não vou conseguir segurar o estrago. E o cristal pode não aguentar.*****
-Preciso comer mais, Black! - Reclamava Darien - Abri tantos portais nas últimas horas que minha energia está completamente zerada.
-Que pena… - Disse ela com um sorriso malvado. - Se tivesse sobrado um pouquinho só de energia, eu com certeza teria um bom uso para ela…
Darien ficou com o rosto vermelho, e respirou fundo, enquanto caminhavam de mãos dadas para a cozinha.
Karuto assava tortas, e isso não passou despercebido pelo faro canino de Darien.
-Eu… Talvez não esteja tão zerado assim… - Falou ele, sem graça.
-Será que Karuto vai dar tortas para nós?
-Nós? Como assim nós? Fui eu quem abriu portais! Você não precisa comer tanto!
-Mas eu estou sempre com fome. Não pode me culpar, Cachorro, estar ao seu lado abre meu apetite…
Darien ficou mais vermelho. Nunca se acostumava com as investidas sensuais de Black. Isso o tirava completamente do sério… E ela, sabendo disso, se divertia com ele.
-Black… Não me tire o controle…
-Você nunca teve o controle, Cachorro… Sabe muito bem disso. O que está usando por baixo desse manto de mago? Já sei… Nada, hahaha! Está completamente nu aí por baixo, sempre pronto para uma transmutação, não é verdade? Você não faz ideia de como eu me divirto com isso! São tantas ideias que me passam pela cabeça, que nem sei por onde começar…
Darien riu. Ela estava certa. Ele usava o longo manto de mago, e mais nada, pois achava que precisava estar sempre pronto para se transmutar, e se livrar de roupas era um transtorno. Afinal, era um espião, era isso que ele fazia o tempo todo! E Black se divertia com isso de fato, porque estava lembrando Darien que estava nu por baixo do manto, para que ele ficasse sem graça. Mas ele não se importava. Black entrar na sua vida deu um sentido diferente à sua existência. E nem os cataclismas que estavam previstos, nem a ruína dos mundos, fariam com que eles se separassem mais.
Eles chegaram à cozinha a tempo de ver o Karuto expulsar a Jow de lá, e Darien ficou desanimado. Mesmo assim, chegou timidamente, esperando levar um fora, e pediu.
-Poderoso Karuto, Deus da Culinária! Podemos dispor de um minúsculo fragmento do seu maravilhoso dom?
Karuto olhou para ele com cara de pastel.
-Tá me pedindo comida, seu monte de massa amorfa?
-Eu… Estou sim… - Disse ele, polidamente. - Eu abri muitos portais, preciso comer…
Karuto bufou. Com a volta de Jow, ele estava de bom humor, mas não ia dar o braço a torcer. Olhou para Black.
-A Senhorita também abriu portais?
Black riu alto.
-Husuasuahshua! Claro que não, mas estou morrendo de fome também!
-É mesmo? E o que foi que te deu tanto apetite?
Black fez uma cara de inocente, e cochichou no ouvido do Karuto.
-Enquanto Darien se transmuta em um Cachorro, eu me transmuto em uma Pantera Negra… E as Panteras têm um apetite insaciável… Sabe, nem sempre de comida… Mas no final, ficamos famintas também!
Karuto deu uma gargalhada, enquanto Darien ficava cada vez mais vermelho.
-Hahahaha! Essa valeu meu dia! Vai! Peguem tudo o que quiserem, hahahaha! Ver o massudo dismorfo assim todo vermelho vale o trabalho que eu tive, hahaha! Deus da Culinária, hahaha! Palhaço, hahaha!
Black encheu os braços com tudo o que quis pegar na despensa, e Darien tratou de fazer o mesmo, ainda sobrando dedos para alcançar uma das pequenas tortas de maçã, que já esfriavam na mesa.
Depois saíram de lá correndo, e foram comer escondido na cerejeira centenária.
-Black! Eu ainda te mato, desgraçada… Onde já se viu, me fazer passar essa vergonha na frente do Karuto?
Black lambia os dedos, tranquilamente. Olhou séria para ele, que se encolheu. Depois pegou a mão dele e começou a lamber a geléia de maçã dos dedos dele. Darien ficou ainda mais vermelho.
-Cachorro… A vergonha foi o tal do “Deus da Culinária”... Tudo o que o Karuto quer é ouvir um pouco de bobagem, para alegrar a vida dele. Quando aprender mais comigo, vai viver muito mais feliz! Por que está suando? Está com calor?
-Vem aqui, que eu vou te mostrar o calor…
-Demorou! - Disse ela, com um sorriso animado.*****POV”s Kazai*****
Eu espreitava Jow pela trilha da Floresta. Quando ela queria ficar sozinha com seus carrapatos, ela se embrenhava no mato e ia até a cascata. Mas com aquela fenda ali, não era seguro deixá-la ir, sem alguém tomando conta. E eu ainda queria falar com a Jow, a sós… Só estava esperando ela esfriar a cabeça, para que as minhas palavras a alcançassem. Eu a conhecia muito, mas muito bem. Jow era como uma adolescente rebelde. Se contestada, fazia questão de fazer tudo ao contrário. Mas o que ela precisava, no fundo, era de apoio e de alguém com quem conversar abertamente.
Eu escutei toda a conversa de Jow com Hua e Miiko… E vi quando ela ficou envolta por aquela energia toda.
Não. Aquilo não foi normal. Aquela energia negra não vinha das fendas, nem de outros universos… Ela vinha de um outro lugar… De uma outra Fonte, tão sombria e Sinistra, que eu não queria acreditar.
As Chamas Restauradoras da Fênix detiveram o fluxo de energia negra que Jow estava absorvendo, a tempo.
Lama… Dor… Agonia… Escuridão. Eu precisava proteger a minha menina! Eu não ia deixar aquilo chegar perto dela, não sem passar por cima de mim!
Procurei seguir Jow na forma invisível dos Elementais, anulando toda a energia que eu pudesse emitir, para que ela não me sentisse ali. Eu precisava ver onde ela estava indo, e me manter incógnita, a fim de poder ter certeza de que ela não pretendia entrar de novo na maldita fenda.
Ela chegou à cascata, e entrou na água.
“Não, bebê!... “ Pensei eu. “ Não entre na Fenda!”...
Mas ela simplesmente deixou-se afundar na água, sorrindo. Aquilo realmente fazia muito bem à ela. Ultimamente, o elemento água estava ficando mais marcado nela, provavelmente por causa do North.
Pequenas roseiras tinham nascido ao redor do lago natural que onde a cascata desaguava, e delas nasceram rosas douradas. Jow sorria, enquanto olhava as roseiras floridas. Seria perfeito mantê-la assim. Era tudo o que eu mais desejava, mantê-la feliz e segura, como em um berço. Eu a queria em uma bolha.
Enquanto Jow brincava na nascente, eu comecei a ter arrepios. Arrepios no fundo da minha alma, como se toda a minha alegria estivesse sendo consumida, como se a minha vontade de existir simplesmente desaparecesse.
Até as minhas chamas começaram a esfriar… Eu só conseguia pensar em dor e em agonia.
O que era aquilo?
Fechei os olhos e me deixei guiar para a fonte de toda aquela dor… Não era ali o antigo esconderijo de Kratos? Sob uma pedra, que cobria um alçapão, onde ele escondia sua vítimas, antes de torturá-las até a morte?
Havia algo lá. Naquele buraco. Naquele lugar amaldiçoado, enterrado debaixo daquela grande rocha que os guerreiros de Valkyon usaram para selar o túnel.
Eu tentei entrar, me teleportar através daquela pedra. Mas havia uma barreira ali, que me impedia de prosseguir.
Eu não conseguia!
Com o desgaste das tentativas, eu me desfiz da invisibilidade, e Jow me sentiu ali.
-Kazai! Você está me seguindo?
Eu continuava de pé em frente à pedra, tentando entrar, quando eu a vi ao meu lado, olhando intrigada para a rocha.
-Bebê… Eu estava querendo conversar com você… - Disse eu para ela. Mas ela não ouvia, apenas olhava para a rocha.
-O que há aí? Há alguma coisa aí dentro! - Dizia ela, dando pequenos socos na rocha.
-O que está sentindo, Jow? -Continuei a perguntar, mas ela não me respondia.
-Alguma coisa ou alguém está aí dentro… E não é uma coisa boa!
Jow andava ao redor da pedra, empurrando, como se fosse conseguir mover aquela coisa enorme. Usou o poder da Terra e já estava começando a conseguir mover a rocha de cima do alçapão, quando simplesmente desapareceu da minha frente.
Eu comecei a gritar por ela, flutuei por ali, subi o mais que pude… Mas não consegui encontrá-la!
-Jow! - Berrei eu, sem resposta - Jow, volte! - Nenhuma resposta.
Eu, que queria tanto protegê-la, acabei atraindo meu bebê para alguma coisa ruim! E eu não poderia me perdoar, se alguma coisa acontecesse à ela!*****
Jow spawnou dentro do túnel que levava ao esconderijo de Kratos.
Filetes de água escorriam pelas paredes úmidas, deixando as escadas de pedra muito escorregadias.
Jow sentiu um cheiro horrível ali… O cheiro do medo, da dor e do desespero.
A escuridão profunda era profanada apenas pelo brilho luminescente de algumas lagartas que os mascotes comiam, e que rastejavam pelas paredes imundas.
Descendo as escadas até a câmara inferior, Jow seguiu pelo corredor estreito até o final.
Ali, naquele fim de mundo, naquele buraco sujo e fedido, úmido e escuro, não havia nada e nem ninguém. Não mais. Mas ela tinha a absoluta certeza de que há alguns segundos atrás, havia alguém, ou alguma coisa ali. Ela tinha sentido. Ela tinha certeza.
Das paredes, pendiam ganchos com grossas e enferrujadas correntes. Aquilo era um sinal que mostrava ser ali algum tipo de prisão.
No chão, manchas escuras de sangue seco. Com certeza continham a história de prisioneiros que morreram ali, nas mãos de alguém… O esconderijo de Kratos.
Jow farejou o ambiente. Ali não havia somente o cheiro da carne velha em putrefação, aderidas às paredes. Havia um perfume… Que ela já tinha sentido antes, inúmeras vezes, em pacientes moribundos e nas vítimas de grandes traumas, na grande emergência do Hospital Escola… E nas batalhas da guerra, da qual fez parte... O perfume suave, cítrico e extremamente embriagante… Da Morte. Ela nunca admitiu para ninguém, mas ela adorava aquele perfume! Ao mesmo tempo que a arrepiava, a fascinava.
Jow era capaz de farejar a Morte.
E a presença do perfume lhe dava a certeza de que a Morte esteve ali, muitas vezes.
Depois de vasculhar todas as câmaras vazias daqueles túneis, ela se deu por satisfeita, e teleportou-se para fora de novo, para encontrar uma Kazai preocupada e zangada.
-Oh, Bebê! Por que você fez isso? Eu estava tão preocupada!
-Puxa, Kazai, me desculpe… Eu não tive a intenção de preocupá-la… Eu simplesmente… Fui.
-Eu sei que foi! Eu não fui capaz de segui-la! Me diga, como conseguiu transpor o selo de magia que lacra esse lugar?
-Selo de magia? Não há nada lacrando esse lugar, Kazai… Eu só… Entrei lá.
-Ah, com certeza, há um selo de magia aí! E não é magia amadora! Alguém selou esses túneis para ninguém poder entrar…
-Não selou direito, então… Porque eu entrei. E não há nada lá, apenas energia ruim e escuridão.
-Isso eu senti, Jow… Uma energia muito ruim!
-Eu também senti, Kazai… Seja o que for que esteve aí, agora já se foi… Você acha que era o Kratos?
-Pode ser, Jow. Já senti esse tipo de energia muitas vezes naquele cão. Mas não somente nele. Em muitos lugares. E nunca resulta em boa coisa… E eu preciso te dizer uma coisa, Bebê… Eu… Senti essa energia quando você… Quase explodiu o jardim do piano. Eu estava lá.
Jow fez uma careta.
-Estava me seguindo, Kazai? Por quanto tempo me seguiu? Não faça isso! Não precisa se esconder de mim!
-Eu estava indo encontrá-la para conversarmos. E presenciei aquela cena. Depois eu a segui até aqui, porque a senti tão transtornada, que achei que ia entrar de novo na fenda!
-Eu não quero entrar lá agora. Você… Disse que quer conversar? Sobre a conversa que eu tive com a Miiko e a Hua?
-Entre outras coisas… Fique tranquila, Jow. Eu jamais vou contar a ninguém o que eu ouvi lá. E fique certa de que eu irei apoiá-la, seja lá o que você tiver que fazer. Eu confio em você, Bebê… Mas pressinto que não vem coisa boa por aí…
Jow suspirou.
-Eu tenho certeza que não. Mas não posso fazer nada, já que sou eu a culpada dessa destruição toda. Eu preciso encontrar uma maneira de aprender como fechar as fendas, Kazai… E depois… Preciso deixar de existir!
-Calma, Bebê… A Hua já disse que não precisa ser assim. Vamos saber o que fazer, na hora certa. Mas o que foi que deixou você assim… Tão perturbada e instável?
Jow virou o rosto. Não tinha certeza de que queria falar sobre aquilo, e instintivamente tocou os presentes que ganhou de Ezarel e North.
Kazai piscou várias vezes, antes de perguntar de novo.
-O que foi que eles… Disseram para você, Jow? Aqueles dois perturbados?
-Eles… Não querem mais ficar comigo, Kazai.
-Hihihi! Isso é ridículo! Claro que querem, Jow! Eles não disseram isso para você, disseram?
-Não. Mas eu entendi isso. Porque eles não querem mais dividir o meu amor. Eles querem que eu escolha um deles.
Kazai assentiu.
-E isso realmente demorou muito para acontecer. Você realmente achou que iria ser assim pelo resto da sua existência? Que aqueles dois cabeçudos aceitariam isso para sempre? Ah, Jow! Claro que não! Eles estão competindo um com o outro desde que você retornou da Arena da Lua!
Jow olhou para baixo, em silêncio, segurando a tartaruga de Jade na mão, que esperneava, pendurada no cordão.
-O amor não devia ser egoísta, Kazai.
-Isso não é justo com eles, Jow. Eles aceitaram isso para não perdê-la. Eles tentaram conviver com isso, eu posso te garantir. Mas essa situação só está boa para você, Jow! Se vai falar em egoísmo, olhe antes para você.
-Tem razão, Kazai. Você está certa. Estou sendo egoísta. Mas eu não posso escolher. Eu não vou escolher. Eu… Não quero escolher!
-Eu entendo, Bebê… Mas vai chegar a hora em que a pressão deles vai te exigir tomar uma decisão.
-Bem… - Disse ela com um sorriso debochado - Então nesse momento eu posso deixar de existir! Posso fechar as fendas e depois… Pá! Adeus!
-Jow! Não acredito que prefere deixar de existir do que escolher entre eles, ou não ficar com nenhum deles!
-Não acredita? Espere para ver. Acho que é isso que está me motivando a continuar tentando arrumar uma forma de fechar essa bagaça de fenda, sem medo do que pode acontecer comigo! Não me atrapalhe, Kazai! Me deixe ir por onde eu estou indo!
-Não vou atrapalhar. Já te disse… Que vou apoiá-la… Seja lá qual for a sua escolha... Eu estarei com você.
Jow abraçou Kazai, e as suas chamas se misturaram.
Kazai sabia lidar com ela. Não adiantava bater de frente, ela precisava ter toda a paciência do mundo para conduzir Jow para um lugar seguro. E sabia que ninguém mais poderia ajudá-la, naquele momento…
Capítulo 3 -Eldarya, A História Não Contada - Parte 1
Um mergulho no passado- Eurásia - Século IV AC
Com o suor escorrendo pela sua face, Maeve embrenhou-se na floresta, seguida por outras seis Sacerdotisas Amazonas, em perseguição a um grupo de humanos.
-Como sabe que são os humanos que procuramos, Maeve? - Perguntou uma delas.
A Elfa morena revirou os olhos, sem interromper sua marcha, e respondeu.
-Não ouviu sobre as espadas que eles usavam? Os Elfos disseram que eram espadas de aço forjado por ferreiros élficos. Tenho certeza de que são do bando que invadiram as aldeias.
-Mas poderiam não ser? Podemos acabar comprometendo inocentes! - Continuou a outra, em dúvida.
Maeeve parou e olhou com determinação para os olhos azuis da outra Sacerdotisa, uma Kitsune de cabelos vermelhos e curtos, e de pele tão morena quanto a dela.
-Qual é o seu problema, Clicia? Quer voltar? Está arrependida? Pode voltar daqui mesmo, se está duvidando da minha liderança! Eu já disse que tenho certeza! Foram eles que invadiram as aldeias e levaram as crianças!
As mulheres continuaram seguindo Maeve, incluindo Clicia. Não podiam retroceder agora. O que estava feito, estava feito.
A guerra entre humanos e faeries nunca tinha fim.
Não havia tratado de paz que pusesse um ponto final na matança.
Embora os faeries tivessem armas mais elaboradas e fossem mais poderosos, os humanos eram mais numerosos, proliferavam como vermes, e sempre acabavam levando vantagem.
Há algum tempo não se ouvia falar em invasões a aldeias faeries. Porém em poucos dias, ocorreram várias, e em todas as incursões, além de sempre haver uma chacina, crianças faeries eram levadas para servirem de experiência para os magos e alquimistas humanos.
Maeeve estava disposta a ajudar a colocar um fim naquilo.
De todas as Filhas da Lua do seu Templo, ela era a única que já tinha os selos dos quatro elementos principais quebrados. Mas para terminar o treinamento do Avatar Híbrido e oferecer seu corpo á Deusa, ela ainda precisava do quinto selo. E ela tinha certeza de que era imune ao amor.
O coração de Maeve era duro como o aço da sua espada. Precisou de muita disciplina para sublimar os sentimentos e se tornar General daquele exército. Era para isso que ela tinha sido criada… Para ser uma Guerreira da Deusa e proteger o povo faery. Mas sem o treinamento completo, não conseguiria consumar o propósito da Deusa. E pelo jeito, nunca conseguiria a última marca. Só lhe restava ser uma guerreira fria e usar sua espada e a magia que os elementos naturais lhe permitiam. Ela não podia fazer mais nada.
Seguindo a trilha dos invasores, as Amazonas acabaram chegando ao limite de território entre o Templo de Tsukiko e o Templo de Manannán, o Deus da Morte.
As guerreiras pararam, sem coragem de prosseguir.
Uma linha arroxeada de magia marcava o início do terreno dos Monges da Morte.
Somente Maeve atravessou a linha de magia.
Quando percebeu que estava sozinha ali dentro, parou e virou-se, olhando incrédula para as outras.
-Venham logo! Precisamos usar esse caminho, vamos perder o rastro deles!
-Esse é o território dos Corvos!
Maeve revirou os olhos de novo.
-São apenas Monges! Avatares, como nós todas! Não são sobrenaturais, ou monstruosos! Posso garantir a vocês que temem mais a nós do que vocês a eles! Eles nem são guerreiros!
-São muito piores do que isso! São como demônios!
-Nós também somos demônios aos olhos deles… Eles são faeries como nós! Isso é um Templo, nada mais! Um local de treinamento sagrado! - E vendo que elas não iam - Ahhhh, que se danem! Fiquem aí, suas frangas! Eu vou sozinha!
E incendiou o corpo com as chamas do fogo elemental e continuou avançando, pelos fundos da Pirâmide que era o Templo de Manannán.
As Guerreiras, vendo sua líder em chamas, determinada a prosseguir, olharam umas para as outras.
-Eu vou com ela! - Disse uma delas, também acendendo as chamas ao redor de si.
Uma a uma, as Filhas da Lua lançavam mão do seu elemento principal, e cruzavam a linha de magia do Templo dos Monges da Morte… Ou Corvos, como os chamavam.
Mas o uso da magia delas não passou despercebido pelos Monges, que se aglomeraram, em silêncio, no alto dos muros do Templo para vê-las passar.
Elas evitaram os olhares, e atravessaram rapidamente o território deles, seguindo sua General.
-O que será que elas estão fazendo aqui? - Perguntou um noviço adolescente para os irmãos.
-Estão seguindo o rastro dos humanos invasores.
-Como você sabe disso, Skull?
O jovem monge, vestido com um manto negro com capuz, respondeu sério.
-Eu os vi passar por ali há algum tempo, carregando algumas crianças.
-Você viu? E não fez nada? Como pôde não fazer nada? Eles levaram crianças!
Skull sorriu, e seu sorriso era frio e seguro.
-Quem foi que disse que eu não fiz nada? Eu pus em cada um deles a Marca do Ceifador, para poder segui-los.
-Você já coloca marcas? Desde quando? Nunca nos disse nada!
Skull voltou a ficar sério.
-Desde que eu soube que eles queimaram a vila onde morava a minha família. Despertei a habilidade pelo luto.
Os noviços olharam para ele sem dizer nada, e depois continuaram a observar as Amazonas, cuja aura de magia se afastava depressa.
Eles morriam de medo delas. Dizia a lenda que as Avatares Híbridas da Deusa da Lua eram Monstros impiedosos, dotados de imenso poder, que espalhavam a destruição e a devastação.
-Por que elas não se transformam em monstros e acabam com essa guerra?
Skull respondeu, ainda olhando para a floresta por onde elas tinham ido.
-Elas precisam quebrar cinco selos para despertar todo o poder.
-Cinco? Caramba! Ainda bem que nós só precisamos quebrar um para trabalhar!
Suspirando, Skull lamentou a ignorância do noviço.
Eles ali eram meros Avatares. Apenas serviriam para o uso do Deus quando ele bem entendesse ou precisasse. Um serviço inútil, para satisfazer um Deus Egoísta. Ele se juntaria de bom grado às Filhas da Lua na guerra, se não estivesse destinado a servir como uma casca vazia para Manannán, o Deus da MOrte, o Grande Pai. Ele preferia lutar com as Guerreiras de Tsukiko, contra os humanos, e marcar os merecedores do extermínio. Ele estava aprendendo a dominar magia, naquele tempo que estava vivendo ali. Não achava que sua existência fosse apenas para um capricho. Ele acreditava que podia fazer muito mais. E talvez aquela fosse a oportunidade de fazer alguma diferença.
-Agora que elas passaram eu posso ir ajudá-las, sem que elas me vejam. - Decidiu ele, descendo do muro e descendo as escadas.
-Não, Skull! Não devemos nos meter. Você sabe o que os Mestres acham disso!
-Não estou nem aí para eles. Se um dia o Pai me requisitar como receptáculo, não estarei mais vivo depois. Vou aproveitar meu tempo útil e ajudar o nosso povo. Alguém vem comigo?
Os jovens se olharam e sacudiram as cabeças, em negativa.
-Eu imaginei. Vocês são uns medrosos! Estão com medo dos Mestres ou das garotas?
-Elas são como bruxas, Skull! Você viu como elas se incendeiam! Podem tacar fogo na gente!
Skull bufou e murmurou, enquanto continuava descendo a escadaria da pirâmide.
-Covardes... - E alcançou rapidamente os fundos do Templo, seguindo o rastro das Filhas da Lua em direção à cidade dos Humanos.*****
O que os humanos chamavam de cidade, nada mais era do que um assentamento de fazendeiros, um aglomerado de gente suja em casebres e barracas, com pequenos campos desordenadamente cultivados com os mais diversos tipos de grãos e outros alimentos.
Currais de madeira e barro seco abrigavam galinhas, bovinos, suínos e ovinos, todos misturados.
Pequenos rebanhos pastavam em cercados e jovens humanos ordenhavam vacas.
O Cheiro de estrume e titica de galinha pairava pesado sobre o vilarejo.
O sol já estava no meio do céu quando as Amazonas terminaram de seguir a trilha dos invasores, diretamente até o vilarejo.
Quando elas chegaram na cidade, já não usavam mais magia. Mas eram reconhecidas pelos trajes de Sacerdotisa que usavam… Túnicas de frente única curtas e soltas, que deixavam as costas à mostra, exibindo com orgulho as marcas da quebra dos selos. Calças frouxas, todas de algodão cru, eram sustentadas por cintos de couro branco curtido e coldres para suas espadas.
Pesadas botas brancas do mesmo couro dos cintos estavam espantosamente limpas do barro e da lama do caminho da trilha.
Os humanos dali deveriam ser pacíficos, pois havia um acordo de cooperação mútua, entre seu Prefeito e os dirigentes do povo faery. Com certeza, os dissidentes invasores não concordavam com a paz. Mas os humanos que os protegessem e escondessem enfrentariam a ira das Filhas da Lua.
Maeve andou com seu porte altivo até a construção rústica que servia de Prefeitura. Dentre as construções do vilarejo, era o que mais se podia aproximar de um lugar luxuoso, formal e nobre.
As sacerdotisas a acompanharam.
Os humanos se encolhiam quando elas passavam por eles, alguns entravam em suas casas, mas a maioria as cumprimentava com respeito.
No fundo, tinham medo delas. Quase todos os humanos temiam os faeries.
Quando chegaram na Prefeitura, soldados armados as impediram de entrar.
Maeve fez uma reverência para eles, e solicitou educadamente uma audiência com o Prefeito, se desculpando e explicando o motivo da sua inesperada visita à cidade, sem aviso prévio.
O Prefeito as recebeu com muito respeito.
-Não creio que vão encontrar as suas crianças aqui entre o meu povo, Senhoras. Esses invasores devem ser de outra cidade.
-Eles vieram para cá. - Disse Maeve com convicção - Seguimos os rastros deles até a sua cidade. Peço que nos autorize a vasculhar as moradias, ou vamos fazê-lo sem a sua permissão. Eles levaram hoje cinco crianças!
-Crianças? Que horror! Claro, General! Têm minha autorização! Podem vasculhar tudo, mas tenham cortesia com meus cidadãos.
-Nós teremos, Sr. Prefeito. Só queremos as crianças de volta, e a sua promessa de que vai nos deixar levar os invasores para julgamento, quando os acharmos.
O Prefeito olhou para a espada de Maeve, que brilhava no coldre, e acrescentou.
-Vejo que está disposta a usar a força, General.
-Vamos usar a força que for necessária. Espero não precisar chegar a tanto.
O Prefeito fez uma careta e concordou com ela.
As Amazonas então deixaram a prefeitura e começaram a vasculhar as casas.
Nesse momento, Skull chegou à periferia da cidade, e tratou de livrar-se do manto de monge, largando-o na entrada da floresta. Com roupas civis, ele, um faeliano, passaria facilmente por humano, e andaria livremente pelas ruas do vilarejo.
Usando sua habilidade de rastrear a Marca da Morte, foi levado até um estábulo, mais afastado do centro. Achou que as Sacerdotisas já os haviam encontrado, devido à dor e ao sofrimento que estava sentindo ali.
Skull rodeou sorrateiramente os fundos daquele lugar imundo e fedorento, para encontrar uma cena horrível.
Ali, em cima de uma tábua onde se matavam galinhas, jazia o corpo de três das crianças faeries, já estripadas e degoladas, em um ritual a um Deus das colheitas, adorado por Humanos.
Uma quarta criança estava pendurada em um gancho, de cabeça para baixo, com a garganta cortada, e os integrantes daquele culto coletavam o seu sangue em um balde.
A única criança elfa que estava viva, estava amarrada e amordaçada, segura pelos assassinos.
Skull não teve dúvidas.
Lançou a ilusão da névoa no local. A grossa neblina encheu o estábulo, cegando provisoriamente os humanos. Ele entrou correndo pelo portão da frente do estábulo, arrebatou a criança das mãos deles, e saiu correndo com ela dali, em direção à cidade.
Seus movimentos foram tão rápidos, que deixou os homens sem ação. Quando a névoa se dissipou,e eles deram por si, Skull já estava longe.
O menino elfo esperneava, nos braços de Skull, e tinha manchas de sangue por todo o rosto… O sangue dos outros.
O Monge correu sem rumo, entrando pela cidade, sem ter certeza de para onde devia correr.
Ao ver Skull correndo com o menino ensanguentado, amarrado e amordaçado no colo, os habitantes da cidade começaram a gritar.
Alguns homens o cercaram, e um deles o acertou na cabeça com o cabo de uma enxada, derrubando Skull e a criança no chão.
-Assassino! - Gritavam os fazendeiros, batendo em Skull com o que tinham à mão.
-Não… Parem! - Gritava ele - Eu não fiz nada!
O menino arrancou a mordaça com as mãos ainda amarradas, e começou a berrar, até que se calou, catatônico.
Maeve saiu de uma das casas e viu Skull sendo agredido, e a criança largada no chão, e impediu os fazendeiros de cometerem um linchamento, acendendo as chamas ao redor do seu corpo.
-Parem! O que está acontecendo? - O menino tinha o olhar vazio, olhando o nada.
Skull tinha sangue escorrendo da boca e das narinas, quando Maeve, de espada em punho, chegou até ele e o segurou pela frente da camisa, obrigando-o a levantar-se do chão.
-Onde estão os outros, Humano?
-Eu não sou humano! Eu sou Monge no Templo da Morte, eu segui vocês! Eu encontrei o menino em um estábulo lá atrás! Os humanos mataram os outros!
-O quê? O que disse? - Gritou ela para ele, soltando Skull.
-Não acreditem dele! - Berrou um fazendeiro, avançando para Skull com a enxada levantada. - Ele estava com o garoto nos braços!
Maeve olhou para o menino e perguntou.
-Foi ele quem levou vocês?
O menino olhou para ela, com olhos arregalados, e sacudiu a cabeça, em negativa.
-Estamos perdendo tempo! Venham comigo! - Gritou Skull, puxando Maeve pela mão, sendo seguido pelas outras e por vários dos fazendeiros.
Ao chegarem ao estábulo, encontraram os cadáveres das três crianças, e a quarta pendurada em um gancho, agonizando.
Os fazendeiros se calaram ao ver a cena.
Elas estavam chocadas com a maldade dos humanos, que já não estavam mais ali.
As sacerdotisas correram para tirar a menina que sangrava pendurada no gancho, mas já era tarde demais para ela.
Maeve gritou com raiva.
-Eu os quero! Eu os quero agora! Vocês sabem quem eles são! - Berrou ela para o Prefeito - Não podem proteger esses monstros!
-Nós… Vamos encontrá-los, e vamos prendê-los e julgá-los, eu prometo…
-Não! Não conseguiram conter a insanidade deles, não sabem controlar sua gente! Não mantiveram o acordo de paz! Vai entregá-los a nós!
-Mas não podemos! Temos leis também!
Skull apontou as crianças estripadas em cima da tábua de matar galinhas.
-O que fariam se fossem crianças humanas ali em cima??? Se fossem os faeries que tivessem cometido esse crime bárbaro??? Ainda pensariam assim?
-Está nos ameaçando, rapaz? Está dizendo que vão fazer o mesmo com as nossas crianças?
-Não! Eu estou perguntando como se sentiriam se fossem as “SUAS” crianças mortas ali, e não as nossas!
-Isso não tem cabimento! Não vou discutir nossas leis com vocês! Não é nas nossas mãos que está o sangue dessas crianças!
Maeve pegou o balde do chão, cheio do sangue das crianças, e atirou na cara do prefeito.
-Agora tem o sangue deles em você! É tão responsável quanto eles! Não está vendo que isso foi um sacrifício para a sua divindade? Que tipo de Deus exige sangue de crianças nos seus cultos? Um Deus lixo!
O Prefeito não tinha argumentos, mas não pretendia entregar humanos nas mãos de faeries.
Tinha sido um azar enorme membros ortodoxos da sua comunidade terem sacrificado crianças faeries para o Deus das colheitas, e terem sido pegos no ato… E deixado testemunhas vivas.
Maeve incendiou-se e todos se afastaram dela. Ela olhou para o Prefeito e anunciou.
-Vocês têm até o pôr do sol de hoje para nos entregar os assassinos. Vamos voltar para buscá-los. Caso se recusem, voltaremos e queimaremos a cidade, os estábulos e os campos de plantação! Será o final do acordo de Paz!
Fez um sinal para que as sacerdotisas pegassem os corpos das crianças mortas, e deu meia volta, ainda em chamas.
Skull seguiu as sacerdotisas, escoltando o garoto que sobreviveu, e entraram na floresta. No caminho, catou seu manto negro de monge que havia deixado largado no chão. Skull sentia as lágrimas descerem pela sua face. As outras também choravam.
Mas Maeve tinha fogo no fundo dos olhos.
Retornaram em silêncio pela trilha da floresta, e ao chegarem nos arredores do Templo da Morte, havia um Mestre a espera deles.
Olhando para Skull, coberto de sangue e ferimentos, e carregando a criança traumatizada, ele compreendeu.
Skull tinha quebrado várias regras do Templo… Marcou humanos sem o consentimento de um Mestre, abandonou o Templo sem a autorização de um superior e envolveu-se na guerra onde eles deveriam manter-se neutros.
Somente com um olhar, ele já repreendeu o jovem monge.
-Deixe a criança e entre, Skull. Você deve ser punido.
-Punido??? - Exclamou Maeve, se colocando entre o Mestre e Skull- Deviam dar a ele uma medalha de honra! Se não fosse por ele, essa criança também estaria morta!
-Não se meta nas nossas regras, Filha da Lua. Nós não nos metemos nas suas!
-Vocês são uns idiotas! - Continuou ela, revoltada - Se nos ajudassem na guerra contra os humanos, não perderíamos tantas vidas!
-Não somos guerreiros. Só vivemos para servir ao Pai.
-Então chamem o Papai Morte de vocês e matem logo todos esses humanos! Antes que eles acabem com todos nós! Ah! E esse rapaz vai conosco! Estou usando a minha autoridade para convocá-lo para essa missão! - Berrou ela, puxando Skull pela manga da camisa, e obrigando-o a continuar acompanhando as Amazonas.
Os Mestres sabiam que as Amazonas eram a maior autoridade dali, e poderiam recrutar quem bem entendessem quando se tratava da segurança dos faeries. Inclusive os Avatares da Morte.
Disfarçando um sorriso de satisfação, Skull seguiu com as sacerdotisas até a Cidade dos Elfos. Mas ele sabia que já estava ferrado… Cumpriria castigos e penitências pelo resto da sua vida, por ter quebrado tantas regras, e mais ainda, por ter sido recrutado por Maeve.
Foi uma comoção quando eles chegaram com as crianças mortas.
O menino que sobreviveu estava mudo, totalmente traumatizado.
Os pais das crianças choravam, abraçados aos pequenos corpos sem vida. As Amazonas e Skull choravam também.
Apenas Maeve não chorava. Ao invés de lágrimas, ela continuava vertendo fogo pelos olhos.
Após prometer aos Elfos que os culpados seriam presos e entregues a eles, as Sacerdotisas Amazonas retornaram à trilha que levava ao Templo.
Skull se despediu delas, pois precisava retornar ao seu próprio templo.
-Preciso ir, Senhoras. Devo retornar para o Templo da Morte.
-Por que está com tanta pressa de voltar? Está ansiando por penitência? - Perguntou Maeve. - Não acha uma boa ideia descansar um pouco daqueles xaropes dos Mestres dos Corvos? Você foi o principal responsável por termos salvado pelo menos uma criança! Além disso, preciso do seu testemunho para o meu relatório.
Ele esboçou um sorriso. Sempre achou engraçado que todos se referissem a eles como “Os Corvos”. Assentiu, em silêncio, e acompanhou as Amazonas, permanecendo no final da fila, em respeito às Guerreiras.
Clicia aproximou-se de Maeve, que seguia na frente, e cochichou.
Acha mesmo que foi uma decisão sábia trazer esse corvo conosco? Já teremos confusão demais no Templo, e você ainda pretende chegar lá com um “desses”?
Maeve lançou um olhar frio para Clicia.
-Ele é a nossa principal testemunha. Precisamos dele para convencer Mãe Yahn a enviar as tropas ao pôr do sol, para prender os assassinos.
-Fala sério, Maeve… Você sabe muito bem que Mãe Yahn fará o que você achar melhor! Você é a General de maior patente do Templo! Tem bastante autoridade para decidir se vamos ou se não vamos! Não precisa do Corvo! - E lançando um olhar divertido para ela - A não ser que haja algum outro motivo…
Maeve ficou na defensiva.
-Que motivo? Não há nenhum motivo! - Disse irritada.
-Ahhh, entendi… Nenhum motivo… Estou ouvindo uma marca gritando para despertar, hahaha!
-Não se meta na minha vida! - Gritou maeve aborrecida, deixando Clicia ainda mais irritante.
-Eu sei que admirou bastante a atitude dele. Todas nós admiramos. Mas talvez não devesse se envolver com um Corvo, Maeve. Sabe que eles não vivem muito tempo… O Deus da Morte os usa muito mais do que Tsukiko a nós… E depois da possessão, o corpo deles fica imprestável para a vida… E eles se tornam Ceifadores.
- Não se preocupe, Clicia. Não estou interessada em relacionamentos amorosos. Já desisti do quinto elemento. Eu nunca vou despertar a Marca do Espírito. Eu sou imune ao amor.
-Mas então por qu…
-Chega desse assunto! - Gritou ela, encerrando a conversa. E Acelerou o passo. - Andem mais depressa, suas frangas, se querem chegar ainda hoje ao Templo! Ainda temos uma longa jornada hoje! E eu estou com fome! - E lançou um olhar para Skull, que no final da fila, se esforçava para acompanhar o ritmo das garotas.*****
-Oh, Maeve! Rituais de Sacrifício com crianças! Como esses humanos são bárbaros e estúpidos, achando que agradam as divindades com o sangue dos inocentes!
Mãe Yahn, a Sacerdotisa Mãe do Templo, andava em círculos pela sua sala.
As Amazonas ainda estavam cobertas pelo sangue das crianças mortas.
Ela olhou para Skull, que se encolheu e abaixou os olhos, em respeito a ela.
-Estou orgulhosa de você, Monge. Seus Mestres deveriam estar também.
Skull levantou o olhar e respondeu.
-Não creio que estejam satisfeitos com a minha intromissão, Senhora. Eu quebrei pelo menos meia dúzia de regras do templo, e com certeza me arranjarão outras duas dúzias que eu desconheço, para me punirem. Os Monges do Templo das Sombras não permitem se envolver nos assuntos dos outros.
-Vou precisar ter uma conversa urgente com seus Mestres. Já está na hora deles se envolverem. É uma questão de vida ou de morte para o nosso povo. Essa guerra já chegou ao limite. Essa perseguição aos faeries não vai terminar, enquanto os humanos não matarem cada um de nós.
Maeve estava impaciente.
- Acha que eles nos ajudarão, Mãe? Porque se os humanos se recusarem a entregar os criminosos, não vamos ter escolha. Teremos que incendiar a cidade inteira em represália… E ir fazendo isso com cada cidade que estiver protegendo os assassinos, até encontrá-los.
Mãe Yahn arregalou os olhos.
-Maeve, não podemos chegar a isso! Seremos tão assassinos quanto eles! Se eles se recusarem, prendemos o Prefeito. Podemos fazê-lo falar com a poção da verdade.
-Eu posso encontrá-los de novo... - Disse Skull, timidamente.
As Sacerdotisas pousaram os olhos nele, esperando que ele concluísse a frase.
Skull engoliu em seco, e prosseguiu.
-Eu os marquei com o Selo da Morte. A Marca do Ceifador. Todos eles. Eu os vi atravessar nosso Templo pelos fundos, carregando as crianças, e os marquei. Foi assim que eu os encontrei na cidade.
-Aehhhhh! Eu sabia que você não era um inútil, Corvo! Sabia que ia servir pra alguma coisa!
-Maeve! - Gritou a Sacerdotisa Mãe - Não ofenda o Monge!
-Mas… Eu o estou elogiando! Quer dizer, eu estava tentando… Isso é…
-Eu… Não estou ofendido. - Disse Skull com um leve sorriso - Eu estou lisonjeado. Não costumamos receber elogios, ainda mais de Filhas da Lua.
Maeve foi até ele e lhe deu um tapinha nas costas, tentando fazer um cumprimento. Mas foi um tapa tão forte que quase derrubou Skull no chão.
-Por que… Por que você me bateu? - Perguntou ele, esfregando o ombro.
-Mas eu não bati em você! Eu o estava cumprimentando! - E se virou para Mãe Yahn - Mãe… Se esses corvos vão nos ajudar… Precisamos treiná-los como soldados! Eles parecem frangos! Olha pra ele! - Disse ela, levantando um dos braços de Skull - Magrinho! Desnutrido, fraco, mal alimentado! Esses Monges fazem os coitados passarem fome! Está na hora de transformá-los em soldados, Mãe! Vamos fazer essas pelancas virarem músculos!
Mãe Yahn revirou os olhos.
-Chega, Maeve. Eu já entendi. Não ofenda mais o rapaz. Ele ajudou vocês, mostrou coragem, determinação e bom caráter. Creio que encontraremos isso em mais deles. Alguns infelizmente não nasceram para ser soldados…
Skull desvencilhou o braço da mão forte de Maeve.
-Eu posso me tornar um bom soldado. Eu lutaria ao lado de vocês, com muita honra…
-Eu adoraria treinar você, Corvinho… Digo… Monginho… É… Como é o seu nome? Eu não sei o seu nome!!
-Meu nome é Skull.
Maeve fez uma careta.
-Credo! Quem deu esse nome pra você? É horrível!
-Maeve… Cale a boca! - Começou Mãe Yahn - Skull, peço desculpas pela Maeve. Ela às vezes é sincera demais, não mede as palavras, e tem a língua maior do que a boca.
Maeve mordeu o lábio inferior. Às vezes falava demais, e falava coisas que não deveriam ser ditas, só pensadas…
-Me desculpe. - Disse ela - Eu não quis te ofender… É… Mas já ofendi.
Skull sorriu para ela, e olhou diretamente nos olhos escuros de Maeve. Coisa que ele não se permitiria fazer, há algumas horas atrás… Olhar diretamente nos olhos de uma Filha da Lua, seria um desrespeito à Deusa.
-Eu não estou ofendido, Senhora. Eu achei engraçado. Não sei quem me deu esse nome. Provavelmente algum Mestre. Não acredito que meus pais tenham decidido chamar um bebê de “Caveira”. Mas eu já me acostumei… Me chame como quiser.
-Corvinho! Hahaha!
-Agora sumam daqui, crianças… - Disse Mãe Yahn, revirando os olhos - Preciso convocar as instrutoras. Devemos mandar um mensageiro aos FengHuang, para saber o andamento da criação do novo mundo. Têm minha permissão para fazer a incursão à cidade humana, e encontrar os assassinos. Que seja da forma mais pacífica possível. Você é um General, Maeve. Não um tirano. Aja com Honra! E cuide para que Skull seja bem tratado, ele é nosso convidado agora.
Maeve fez uma reverência para Mãe Yahn e saiu, seguida por Skull.
-Venha, Corvinho. Vamos reunir as tropas. Você vai nos explicar exatamente como vai fazer para encontrar os humanos que você marcou. Se a Mãe não quer sangue, não haverá sangue… Pelo menos, não muito.
-Sim, Senhora.
-E pare de me chamar de Senhora! Meu nome é Maeve!
-Sim, Senhora Maeve… - Disse ele, disfarçando um sorriso.
-Ahhh! Você me irrita, Corvinho!*****
Skull estava constrangido, rodeado pelas Amazonas da Deusa, todas voltadas para ele, que ouviam atentamente suas explicações.
-A Marca da Morte funciona como um selo. Ela liga o Avatar ao marcado. Deixamos fragmentos da nossa alma nele, e com isso podemos rastreá-lo. E quando ele é levado pela Morte, o fragmento nos é devolvido.
-Como assim? Então a marca que vocês deixam na vítima é um pedaço da alma de vocês? - Perguntou Clicia - Como funciona isso? Vocês partem a alma em pedacinhos?
-Não exatamente… - Explicava ele - Isso só pode ser feito por um Avatar que já tem a alma fragmentada.
- E como se fragmenta uma alma? - perguntou outra Sacerdotisa.
-Uma das formas é o sofrimento. A dor fragmenta a alma. Somente um monge com a alma fragmentada pode marcar os outros.
-Ahhhh entendi! Você sofreu horrores naquele templo, com aqueles Mestres estúpidos e idiotas, e a sua alma se despedaçou… - Disse Maeve, como se tivesse feito a maior descoberta do mundo.
-Mais ou menos isso… - Respondeu ele, desconversando. - O que importa é que podemos rastrear os fragmentos da nossa alma. Isso funciona como um chamariz. Os marcados sempre estarão ao nosso alcance. Foi assim que eu os encontrei naquela cidade.
-Então não precisamos do Prefeito! - Exclamou Clicia - Temos você!
-Nada disso… - Maeve andava de um lado para outro, impaciente - A Diplomacia nos obriga a nos reportarmos antes ao Prefeito. Ele é a autoridade máxima, e pode ser que ele nos entregue os criminosos de bom grado.
-Não acho que ele fará isso, mas Maeve está certa. - Falou outra Sacerdotisa. - Temos que seguir o Protocolo.
-Preparem-se, irmãs. Temos algumas horas antes de voltar à cidade dos humanos. Vão tomar banho para tirar esse sangue e esse cheiro nojento de humanos de vocês… Comam alguma coisa e descansem. - E se virando para Skull - E você, venha comigo.
Ele obedeceu, e a seguiu. Cruzaram os corredores do Templo e Maeve parou em frente à porta de um quarto.
-Pode usar esse quarto para se lavar. Há uma tina para o banho, toalhas e roupas no armário, espero que alguma sirva em você. Depois que terminar, volte para o jardim, estarei esperando por você lá. Vou levá-lo para comer.
Skull assentiu e agradeceu, e observou Maeve afastar-se.
Era impressionante como uma Sacerdotisa Amazona Guerreira como ela poderia ser tão assustadora, e tão suave ao mesmo tempo.
Skull entrou no quarto e olhou ao redor, impressionado.
Havia uma cama com lençóis limpos, cobertas, um armário cheio de roupas de treinamento… Um baú de madeira para guardar coisas e, em um canto, um banheiro. Lá dentro, havia uma grande tina retangular de madeira, cheia de água limpa.
Ele não estava acostumado com tanto luxo!
Aproveitou para se banhar e arranjar no armário roupas que “quase” lhe serviam.
Depois encontrou-se com Maeve no jardim da frente templo, e foram para o refeitório, que ainda estava bem cheio.
Todas as Sacerdotisas que estavam em campanha com Maeve estavam ali almoçando, e quando eles entraram, um silêncio reinou no local.
Maeve anunciou:
-Para as que não estiveram comigo no resgate das crianças élficas, prestem atenção. Esse é Skull. Ele é um Corv… Um Monge do Templo da Morte. Está aqui como nosso convidado e aliado. Ele não é como os outros corvos. Tem coragem e vontade própria, e se não fosse por ele, não teríamos resgatado uma criança ainda com vida. Quero muito respeito com ele!
Maeve falava alto, com a autoridade de um líder.
Todas se levantaram e fizeram um cumprimento com a cabeça.
Vermelho de vergonha, Skull não estava acostumado a chamar atenção para si mesmo, e não gostava nada disso. Mas depois teve que admitir que sentiu um certo orgulho de ouvir como Maeve falava dele.
Ela o conduziu para uma mesa afastada, onde não havia ninguém, e mandou que ele se sentasse.
Skull obedeceu, e Maeve afastou-se, servindo dois pratos em cima de uma bandeja de madeira. Depois sentou-se com ele.
Skull olhou para aquela comida farta. Não estava acostumado a comer tão bem. E estava faminto. Devorou rapidamente tudo o que estava no seu prato.
Maeve tinha um olhar divertido para ele. Ela mesma não estava com tanta fome, e apenas beliscou a comida.
-Parece que estava com fome, Corvinho.
Ele corou na mesma hora.
-Me desculpe se comi muito depressa. Eu estava mesmo com fome.
-Eu percebi… Vocês devem passar fome no Templo das Sombras.
-Templo das Sombras?
-É como eu costumo chamar o templo de vocês… Está sempre envolto em névoa e sombras.
-Você consegue ver o Templo quando está envolto em névoa? O feitiço de névoa é uma ilusão, lançado para camuflar o templo. Ninguém deveria ver.
-Eu sempre vejo o Templo envolto em névoa. Vocês deveriam aprimorar o feitiço… - Disse ela, ainda mexendo na comida.
-Você não comeu muito… Está sem fome? - Observou ele.
-Eu fico sem fome quando estou chateada. Gostaria de ter salvado todas as crianças. Fomos muito lentas…
Skull apoiou a mão na mão dela, para confortá-la, e sentiu um choque, retirando a mão depressa.
-Desculpe… - Disse ele - Não tive a intenção de ofendê-la.
-Oh… Não me ofendeu! Não dei uma descarga dessas em você de propósito! Meu corpo está muito carregado de energia, preciso ir à arena para gastá-la. Você poderia ir comigo. O que acha? Eu posso começar a treiná-lo, e quem sabe um dia você consiga segurar uma espada, hahaha!
Skull deu um sorriso tímido.
-Eu não preciso segurar uma espada para lutar. Eu não sou tão indefeso quanto pareço…
-Sério? Você pode lutar? Eu gostaria de ver isso! Venha logo comigo!
E levantou-se depressa, puxando Skull com ela, largando os pratos na mesa.
Maeve correu pelos corredores do templo, sendo seguida por Skull, que também corria para acompanhá-la, atraindo a atenção das outras sacerdotisas, que riam quando eles passavam.
Quando chegaram à Arena da Terra, havia um Gnomo lá. O Guardião da Terra de Maeve, segurando um enorme cajado de madeira polida, e uma serpente negra enrolada nele.
Ela o apresentou a Skull.
-Sion! Este é Skull, o Corvo! Ele vai treinar comigo hoje. Skull, esse é Sion, meu guardião da Terra.
-Mãe Yahn está ciente disso? Porque eu não acho apropriado! - Reclamou o Gnomo irritado. - Ele não tem gabarito para usar as Arenas!
-Deixa de ser rabugento, Sion! Mãe Yahn concordou em treinarmos os Corvos para que nos ajudem na guerra. E eu quero começar agora!
Sion bufou, mas não podia fazer nada. Quando Maeve queria, fazia.
Ela então pisou no solo sagrado da Arena, que encheu-se de árvores.
Sion entrou com eles, e postou-se no seu lugar, enquanto Maeve explicava a Skull como funcionavam as Arenas dos Elementos.
-Você deve nos mostrar agora o que pode fazer, Monge. - Falou Sion - Mostre um ataque, e depois vai nos mostrar uma defesa.
Skull elevou as mãos e uma névoa escura formou-se ao redor dele.
-Sion! Como é que ele consegue usar névoa aqui? - Reclamou ela - Achei que somente a Terra poderia ser usada nessa Arena!
-Parece que ele conjura sombras. As trevas podem ser usadas em qualquer arena, não fazem parte dos elementos naturais da vida. Elas representam a Morte. Cuidado com os ataques de sombras, Maeve. Eles decididamente, podem feri-la.
Skull rodava as mãos e a névoa ia se tornando mais e mais espessa, tomando a forma de uma enorme foice negra. Pequenos espectros de fumaça escura começaram a sair da névoa.
-Me ataque logo com isso, Corvo! - Pediu ela, animada, dando pulos, enquanto se armava com um escudo de pedra.
Skull, concentrado, lançou seu ataque contra Maeve, e a foice começou a golpeá-la.
Maeve aparava cada golpe da foice com facilidade.
-Está com pena de machucá-la? Mande um ataque decente, moleque! - Ordenou Sion - Mande com força! Ela não é uma franguinha indefesa, é uma Guerreira da Deusa, ataque-a com vontade!
Skull engoliu em seco, e aumentou a força da magia, golpeando Maeve com toda a força que tinha. Ela defendia, rolava, corria, subia nas árvores e caía de pé, afundava no solo da arena e saía mais à frente. O monstro de névoa não se cansava, e permanecia perseguindo Maeve
com vontade. Skull entrou em uma espécie de transe, seus olhos ficaram negros, e ele se movia lentamente, como se estivesse manipulando marionetes.
Nenhum ataque que Maeve lançava parecia fazer efeito contra o servo das sombras de Skull. Ela lançou pedras, vinhas, espinhos e cristais. Nada parava o monstro de Skull.
-Use névoa de veneno, Maeve! - Berrou Sion - Use névoa contra névoa!
Maeve conjurou a névoa venenosa dos pântanos, e um monstro de névoa verde escura formou-se, e começou a lutar contra o monstro de Skull.
Agora os dois estavam em transe, comandando seus demônios. Maeve também tinha os olhos vazios da mesma cor da névoa verde escura, e manipulava seu guerreiro como Skull fazia.
Sion sorriu, satisfeito. Maeve aprendeu mais uma habilidade… Conjurar golens de névoa venenosa, e combater as trevas.
A batalha durou um par de horas, e foi o suficiente para exaurir a energia dos dois.
Quando os monstros estavam transparentes demais para batalhar, eles desapareceram.
Maeve saiu do transe e foi cumprimentar Skull, que estava exausto.
-Aehhhhh! Muito bem! Parabéns, seu ataque é demais! Obrigada por treinar comigo! - E lhe deu um abraço de urso que quase partiu a coluna de Skull em duas. Ela ouviu uns estalos, e o soltou depressa.
Ele olhou assustado para ela. Maeve tinha muita força.
-Ih, me desculpe! Se vamos continuar treinando nos próximos dias, acho bom você fortalecer esse corpo, Corvinho. Senão eu posso quebrar você…
-Não precisa! - Disse Sion, batendo na cabeça de Maeve com o Cajado - É só não abraçar mais o moleque! Contenha seus impulsos e foque em treinar! Não precisa abraçar!
-Credo, Sion, como você é chato! - E segurou Skull pelo braço e começou a subir com ele as escadarias da arena. - Obrigada, Sion!
-O- obrigado, Senhor. - Murmurou Skull, enquanto acenava para o Gnomo mal-humorado, que olhava para eles de cara emburrada.
Maeve subiu com Skull e saiu para o jardim.
-Não ligue para a rabugice do Sion. Ele é sempre assim, você se acostuma… Quando ele bater na sua cabeça com o cajado, endureça o pescoço. Ahhhh, agora sim, estou bem! Gastei a energia acumulada e ainda aprendi uma nova habilidade, graças a você! Obrigada!
-Não tem de quê… - Disse ele, sorrindo. - Eu nunca tinha entrado no seu Templo. Achei muito bonito. E a Arena… Ela é tão…
-Tão maravilhosamente maravilhosa, não é? Precisa ver as outras. Mas teremos tempo. Agora, depois dessa experiência, preciso mesmo muito e muito, treinar com vocês!
-E se os Mestres não aceitarem? E se… Eles se recusarem a ajudar?
Maeve deu de ombros.
-Mãe Yahn tem autoridade para obrigá-los. Quando ela disse que iria convencê-los, era apenas uma forma de dizer que iria informá-los educadamente de que vocês vão ser obrigados a ajudar. Não é certo ficar de fora, quando vocês detêm todo esse poder! Precisam usá-lo para ajudar nosso povo!
-Eu concordo com você. Sempre achei que deveríamos ajudar na guerra.
-Mas eu estou muito curiosa sobre você. Gostei da sua companhia, e quero saber da sua vida… Estou sendo inconveniente? - Perguntou ela, com uma cara inocente.
-Oh, não… Mas minha vida não é nada interessante.
-Você nasceu Corvo? Ou foi recrutado?
-Fui recrutado… Quando tinha pouco mais de dois anos. Infelizmente, não tive uma infância para me lembrar.
-Seus pais devem estar orgulhosos de você.
-Meus pais morreram… - Disse ele, olhando para o outro lado. - Mas eles não estavam felizes em me deixar ir para o Templo da Morte.
-Oh, me desculpe! parece que eu só falo asneiras pra você, desde que nos encontramos! Gostaria de saber dizer alguma coisa agradável, para variar.
-Não se importe com isso. Eu não ligo. E lembra quando me perguntou porque eu tinha a alma fragmentada? Foi quando eu os perdi. A aldeia deles foi incendiada por humanos, há alguns meses. Todos lá morreram.
-Qual é a sua raça faery?
-Eu sou faeliano. Humano e Daemon.
-Oh… Então é por isso que tem tanto controle sobre as trevas! É muito poder, mesmo para um corvo!
-Não, eu nunca tive poder nenhum… Eu aprendi tudo no Templo. E somente comecei a colocar a marca da morte há alguns meses, quando perdi minha família naquele massacre. Foi o luto que despertou a marca.
-Ah, as marcas. - Ela virou-se e mostrou a tatuagem das costas - Eu tenho quatro. Me falta uma.
-A Marca do Espírito... Então você nunca encontrou o Amor.
-Oh… Você sabe sobre as nossas marcas? O que sabe exatamente?
-Eu sei tudo. Um dos nossos irmãos gosta de registrar tudo em pergaminhos. É um escriba. Nossa biblioteca é riquíssima. Eu já li muito sobre vocês.
-Gostaria de poder desfrutar de uma biblioteca. Nunca tive paciência para aprender a ler.
Skull sorriu para ela.
-Se vai me ensinar a lutar como você, eu posso ensiná-la a ler. Conheço algumas línguas, além da nossa.
Os olhos de Maeve pousaram nele.
-Seria ótimo! Quer dizer, se você tiver paciência para me ensinar… E eu para aprender.
Skull estendeu a mão para ela, num cumprimento humano. Ela aceitou e apertaram as mãos.
Não houve fagulhas de eletricidade, dessa vez.
Skull e Maeve conversaram o resto da tarde no jardim.
As outras observavam de longe, e riam. Talvez “Maeve Coração de Pedra” estivesse com a marca do Espírito coçando para aflorar? Quem sabe? Elas apostavam entre elas, mas ninguém acreditava que um Corvo fosse capaz de amar. Eles eram frios, calculistas e sem sentimentos.
Skull aproveitou para saber mais sobre as Filhas da Lua… Sua sina, suas origens, seus objetivos. Elas treinavam a vida inteira, sem saber se um dia a Deusa as usaria. Ser recrutada como Sacerdotisa dos Elementos, era para elas uma honra. Ser a criança de uma família da linhagem da Deusa da Lua a tornava uma espécie de Nobreza. Por isso elas tinham tanta autoridade, além de serem as responsáveis pela proteção dos faery.
Já os Avatares da Morte, estavam ali apenas para satisfazer os caprichos do Deus da Morte. Nem sempre havia uma causa nobre, como a delas.
Uma vez seu corpo possuído por Manannán, o Deus da Morte, tornava-se imprestável para a vida. Mas eles não morriam apenas. Seu espírito continuava obedecendo ao Deus, sem vontade própria. Eles tornavam-se Espíritos Ceifadores, e permaneciam por toda a eternidade a serviço de Manannán. Era um destino muito triste. Por isso, não havia orgulho nas famílias, quando um menino nascia como filho do Deus, ou era recrutado para o Templo. Era como perder um filho para a Morte… Porque era exatamente o que acontecia.
Skull contava para Maeve tudo o que podia, para fazê-la entender porque ele não podia fugir do seu destino. Ele poderia nunca ser usado, e viver toda a sua vida como um faeliano, ou a qualquer momento ser levado. Por isso, os Corvos não costumavam ter relacionamentos amorosos. Era como deixar seu par viúvo, logo na união, e eles aprendiam isso logo que entravam no Templo. Não eram proibidos, mas quem queria fazer seu amado sofrer?
-Então não há fêmeas no Templo da Morte? - Perguntou Maeve curiosa - Por quê?
-Pelo mesmo motivo que não há machos no Templo da Lua. A Deusa quer ser capaz de gerar. O Deus quer ser capaz de fecundar. Trata-se apenas de um capricho deles.
-No fundo, são dois solitários. - Observou ela - Não conhecem a vida e nem todas as suas belezas, Querem usar os faeries para viver as emoções carnais.
-Talvez. Quem sabe?
O sol começou a descer no horizonte, e Maeve levantou-se.
-Está na hora. Se um desses marcados morrer, o fragmento da sua alma vai voltar para você?
-Ele voltará para mim. Não se preocupe, se eles tiverem que morrer agora ou depois, para mim não faz diferença. Esse fragmento vai voltar para a minha alma, de qualquer forma.
Ela concordou com a cabeça. Fitou mais uma vez os olhos verdes pálidos de Skull, e a suavidade dos seus olhos escuros se foi, dando lugar ao olhar da guerreira.
Maeve tinha os negros cabelos longos trançados e presos ao redor da cabeça, como se fosse uma coroa. Sua pele morena contrastava com o traje branco de algodão cru que ela usava. Ela ajustou o cinto e ajeitou as botas.
-Vamos. Vou vestir a armadura e pegar a minha espada.
Skull foi até o quarto de hóspedes que lhe foi emprestado e vestiu seu manto de Monge.
Depois reuniu-se com Maeve na frente do Templo, onde uma sentinela soprou a ocarina, convocando as guerreiras. Rapidamente, as sacerdotisas Amazonas foram chegando e se juntando a Maeve.
-Lembrem-se… - Dizia Mãe Yahn - Deve ser uma missão pacífica. Se o Prefeito se recusar a colaborar, usem as Marcas que Skull colocou neles para encontrá-los. Não cometam atrocidades, não se equiparem a eles em barbárie!
Maeve revirou os olhos, mas assentiu.
E partiram em silêncio em direção à cidade.
Capítulo 4 - A Verdadeira Ameaça.
Valkyon seguiu com seus homens para os limites da vila com os campos de plantação. Uma enorme área estava infestada com cogumelos brancos, e uma cerca delimitava o local.
Não havia nenhum ser das fendas ali.
-Dois de vocês fiquem aqui. É a saída de uma fenda, pela quantidade de cogumelos que está nascendo aqui. Quero que se dividam de quatro em quatro, e vasculhem a área aqui perto. Os bichos se alimentam desses cogumelos, e se houver algum, com certeza está aqui perto. Alguns de vocês sabem usar magia. Lembrem-se de não fazê-lo! Já viram o que aconteceu, quando a Jow usou magia contra um desses.
Os guardiões assentiram, e rapidamente se dividiram em grupos e foram explorar. Valkyon começou a vasculhar, com outros dois, os arredores da plantação de cogumelos.
Enquanto isso, na biblioteca, os sobrinhos de Ykhar estavam impacientes.
-Tia Ykhar, precisamos procurar a Sheila! - Reclamava o menino.
-Nada disso! Vão ficar exatamente onde estão! Peguem papéis e façam desenhos. - Mandava ela.
-Não queremos desenhar! - Berrou a garota - Queremos achar a Sheila! Ela é boazinha, ela não vai nos machucar!
-Crianças, escutem… - Dizia Ykhar, já sem paciência - O tio Valkyon vai achar a Sheila. Mas se houver mais bichos como ela… - E arrepiou-se, ao lembrar do bicho da trilha - Eles podem não ser tão bonzinhos como a Sheila. Eu vi um deles, ele tentou matar a tia Ykhar aqui!
As crianças começaram a protestar, e Valentim interveio.
-Vamos combinar uma coisa… Vocês conhecem a Sheila como ninguém, não é? Peguem uma folha de papel e cada um de vocês vai fazer um desenho da Sheila. Depois vão fazer um relatório de como encontraram a Sheila e como ela evoluiu. Ela é um ser novo nesse mundo, e poderemos usar seus registros para fazer um livro especial só da Sheila e deixar aqui na biblioteca, para todos consultarem. O que acham? Desenhem tudo o que lembrarem, e contem tudo sobre ela.
Um brilho nos olhos das crianças mostrou que ele encontrou uma forma de mantê-las quietas. Elas correram para a mesa ao lado e começaram a trabalhar.
Ykhar acrescentou:
-Não sabia que tinha tanto jeito com crianças. Isso é muito interessante, Soldado…
Valentim sorriu e respondeu:
-Não pense que por isso eu pretendo ter uma ninhada de filhos, ok, Capitã?
Ykhar ficou vermelha, e deu um cascudo nele.
-Idiota! Vou pegar essa espada que o Valkyon te emprestou e te acertar com ela!
Algum tempo se passou, até que os guinchos dos bichos foram ouvidos na vila.
As crianças gritaram.
-Deve ser a Sheila! - E se levantaram.
Ykhar segurou os dois pelos braços.
-Fiquem aqui! Não se atrevam a sair de perto de mim!
-Não é melhor a gente levá-los para casa, Ykhar? Deixá-los com a mãe deles?
-Talvez tenha razão, Valentim. Não vamos conseguir trabalhar com essa agitação mesmo.
E saíram, de mãos dadas com as crianças.
Na beira da floresta, os guerreiros de Valkyon, auxiliados por alguns Kappas, Chrome e Kiyoto, travavam batalhas com vários seres das fendas, de todos os tamanhos.
Era uma infestação deles! Alguns do tamanho de ratos, outros de cães, outros do tamanho de cavalos, outros grandes como elefantes, vinham de todos os lados, entravam pela vila e destruíam casas.
Os menores eram facilmente abatidos pelas espadas e lanças dos Guardiões da Obsidiana. Outros, enormes, lutavam com mais violência.
-Atraiam a luta para longe da vila! - Gritava Valkyon. Ele tentava arrancar dois dos bichos menores que estavam espetados na sua espada, e já tinha o corpo coberto pela gosma verde brilhante dos animais. Da sua espada pingava a meleca verde reluzente.
Quanto mais bichos eram abatidos, mais guinchos eles escutavam, e mais e mais animais spawnavam em todos os lados.
Parecia não haver fim. Eles brotavam da plantação de cogumelos e das áreas ao redor.
Os Homens de Valkyon tentavam atrair a luta para longe da vila, mas alguns deles invadiram os campos de plantação, arruinando as colheitas.
Os aldeões gritavam e corriam para longe das casas, que também eram destruídas pelos animais maiores.
Ao chegarem próximos à casa da sua irmã, Ykhar recuou com as crianças. Havia batalha por todos os lados.
-Não foi uma boa ideia sairmos da biblioteca… - Concluiu Valentim. - Volte com eles, Ykhar, eu vou ajudar os guerreiros de Valkyon! - E puxou a pequena espada que Valkyon tinha deixado com ele.
Ykhar assentiu e segurou bem as mãos dos pequenos, arrastando-os sob protesto, de volta ao templo.
Mas quando estavam no meio do caminho, foram interceptados por um dos bichos maiores.
As crianças gritaram.
-Ahhhh! Não é a Sheila!
O bicho agitava as pinças, tentando acertá-los.
-Valentim! - Gritou ela para ele, que os vendo em apuros, deu meia-volta e correu na direção deles.
Valkyon também escutou Ykhar gritar, e correu com a sua espada em punho para ajudá-los.
Assim que chegaram perto do bicho e espetaram suas espadas nele, o animal começou a emitir seus guinchos de ultrassom, chamando dois outros, que spawnaram entre os rapazes e o animal ferido, impedindo-os de chegar até Ykhar e as crianças.
-Ahhh, que desgraçados! Tente passar, Valentim, eu vou tentar atraí-los para longe! - Disse Valkyon, golpeando sem piedade os bichos onde conseguia acertar.
Eles reagiam, golpeando Valkyon e Valentim com as enormes pinças, e sacudindo a cauda de lagosta em todas as direções, para tentar acertá-los.
Uma dessas acertou Valentim em cheio, atirando-o longe.
O bicho que ameaçava Ykhar e as crianças, retornou sua atenção para eles, que já corriam, e os perseguiu, se teleportando para a frente deles e barrando seu caminho de fuga.
Valentim levantou-se, com sangue escorrendo pela face, e correu de novo para onde acontecia a luta, já que Valkyon não conseguia sair da batalha que travava com os outros dois animais.
Estancando com as crianças, Ykhar as jogou para trás de si, se interpondo entre o bicho e elas.
-Sai daqui, bicho nojento! Xô! Sai! Eu vou te chutar!
O animal esticou as pinças na direção dela, e as crianças começaram a gritar.
Um guincho ensurdecerdor fez suas cabeças zunirem e seus ouvidos doerem.
Um outro bicho, ainda maior do que aquele, spawnou na frente de Ykhar e atacou o outro que a ameaçava.
-Sheila! - Berrou o garoto - É a Sheila!
Ykhar não queria nem saber se era a Sheila ou a Cacilda. O que importava era que o bicho estava brigando com o outro, e ela tratou de aproveitar o momento. Passou a mão nos sobrinhos e os carregou, pendurados pela cintura, correndo, para longe dali.
Os dois seres se atracaram, guinchando, e a gosma esverdeada espirrou para todos os lados, quando Sheila partiu o outro animal em dois com as suas pinças poderosas.
Sheila se virou e atacou também os outros dois que estavam lutando com Valkyon e Valentim, acabando com a luta em segundos.
Quando Valkyon empunhou a espada para prosseguir a luta com Sheila, as crianças espernearam até se desvencilharem de Ykhar, e correram para ela.
-Voltem aqui! - Berrou ela.
-Não, tio Valkyon! Não machuque a Sheila! - Gritou a garota - Ela nos salvou, ela é nossa amiga!
Valkyon parou, com a espada na mão, observando os movimentos do bicho, que ao ver as crianças, guinchou baixinho e se deitou, para que elas crianças pulassem nela.
-Nãããão! Saiam de perto disso! - Gritava Ykhar, enquanto corria em direção às crianças - Valkyon, não deixe! Tire eles daí!
-Espere, Ykhar… - Falou Valentim - Ela nos salvou mesmo! Ela matou todos eles!
Ykhar parou a dois passos das crianças, que abraçavam e beijavam Sheila. O bicho agora ronronava como um gato, com os afagos deles, e inclinou a cara de lagosta para a frente do garoto. Ele rindo, retirou do bolso alguns cogumelos brancos amassados pela fuga.
Sheila abriu a boca e o garoto jogou um punhado de cogumelos lá dentro da goela dela.
Valkyon olhou de Valentim para Ykhar, que estavam de boca aberta, e depois de volta para as crianças, que afagavam carinhosamente aquele monstro cascudo, feio e melequento.
Quando Valkyon se aproximou deles, o monstro levantou-se e rosnou.
-Não, Sheila! É o tio Valkyon, amigo, amigo… - Falou a menina.
O monstro olhou desconfiado, mas abaixou-se de novo, e Valkyon estendeu a mão para tocá-lo. O monstro se encolheu, mas permitiu receber as carícias de Valkyon, as pinças fechadas nervosamente, plantadas no chão.
E ali estava Valkyon acariciando aquele monstro, maior do que um elefante, obedientemente abaixado, desfrutando daquela loucura. Ele mesmo não acreditou no que estava fazendo.
O garoto então, alegremente, estendeu mais cogumelos para Valkyon, que ofereceu também ao bicho. Depois Valentim alimentou Sheila.
Mas quando o sobrinho ofereceu os cogumelos para Ykhar dar, ela se encolheu e gritou.
-Irrrc! Nem morta eu vou chegar perto dessa… Desse… Disso!
-Podemos tirar proveito disso… - Falou Valkyon, com a maior calma do mundo. - Se ela permitir que eu a cavalgue.
-Ela deixa! - Disse a menina - A gente sempre faz isso! Querem ver?
E ela e o irmão escalaram o dorso do animal, e apertaram os calcanhares nele, que levantou-se com eles, caminhando para frente.
-Ahhh! Voltem aqui pelamordedeusnãomematemdocoração!!!!!!!!!!!!! - Berrava Ykhar histérica. - Valkyon, isso é culpa sua! Foi sua ideia!
-Voltem, crianças… Deixe-me testar. - Pediu Valkyon.
-Também quero! - Disse Valentim animado, mas ao receber um olhar desaprovador de Ykhar, tirou rapidamente o sorriso do rosto, o que não minou a sua intenção de cavalgar Sheila.
Valkyon retirou as crianças do dorso do bicho quando ele se abaixou de novo, e ele mesmo subiu. Sheila deu uma sacudida nas pinças e levantou-se de novo, caminhando com Valkyon.
Ele conversava com o animal como se fosse um cavalo.
-ÔÔÔ, Sheila. Boa menina, vamos lá… - E guiava Sheila com as mãos na direção que queria ir, segurando nas antenas peludas do bicho. Sheila obedecia, dócil.
-Eu não estou acreditando nisso!!!!!!!!!!!!!!- Gritava Ykhar, olhando Valkyon cavalgar Sheila - Ele está pensando que ela é o quê? Um Rawist?
Valentim também estava impressionado.
-Eu não vejo a hora de chegar a minha vez…
-Valentim!
-Desculpe, Ykhar… Mas eu estou doido para andar de Sheila!
-Eu não posso crer! Vocês não estão levando isso a sério!
Nesse momento, Valkyon retornava com o bicho, e com um movimento dos pés, fez Sheila abaixar e desceu.
Valentim não esperou e subiu nela, imitando Valkyon, e andou com ela também.
-Ela é dócil, Ykhar… - Falou Valkyon - E poderosa, ela é maior do que as outras. Podemos usá-la para atrair as outras e matá-las todas!
-Eu não acho seguro, Valk! Devia matar inclusive essa aí!
-Tia, a Sheila é boazinha… - Choramingava a sobrinha. - Não machuca ela, por favor! Tio Valkyon!!
-Ela tem razão, Ykhar. O bicho protegeu vocês, ele foi criado pelas crianças, está acostumado a elas. Acabou virando um mascote mesmo. Será muito útil tê-la ao nosso lado.
Os homens de Valkyon, que já tinham exterminado todos os bichos que puderam, chegaram perto e viram Valentim montado em Sheila.
-O que é aquilo, Valkyon?
-É a Sheila… O nosso novo mascote.- Disse ele, com um sorriso no rosto. - Mataram todos os outros?
Os homens de Valkyon estavam cobertos de gosma verde luminosa até a alma.
-Sim, matamos todos os que apareceram lá. Grandes e pequenos.
-Alguma baixa na equipe?
-Não, nenhuma. Temos alguns feridos, mas todos estão bem. Vamos matar esse também?
-Esse não… Vamos usá-lo. Levem os feridos para a enfermaria do templo. - E olhando para Valentim, em cima de Shelia - Você também, Valentim, desça daí e vá cuidar dos seus ferimentos. Ainda nem se recuperou dos tiros que levou, e já está sangrando de novo. Se continuar assim, não vai sobrar nada para a Ykhar, quando voltarmos a Eel…
-Tenho que levar as crianças para casa! - Disse ela, irritada - E não posso deixar o Valentim morrer, Valkyon! Desça logo daí, Soldado!
Valentim ficou vermelho, mas obedeceu. Desceu da Sheila e acompanhou Ykhar até a casa da sua irmã, onde deixaram as crianças. Depois foram para a enfermaria.
Passaram por Valkyon, que montava Sheila de novo, e Ykhar fez outra careta.
-Só me faltava essa, usar um dos monstros como cavalo!
-Você deveria experimentar, Ykhar… É… Insano!
-Nem morta!
-Bem… Depois de voltarmos da enfermaria, podemos terminar as traduções? Estamos quase no fim do manuscrito!
-Podemos sim… Mas depois que você tomar um banho! Essa meleca verde parece uma resina! E depois? O que faremos?
Valentim envolveu Ykhar em um abraço apertado, fazendo-a se encolher de nojo da gosma verde colada nele.
-Depois podemos brincar de namorar… Porque somos oficialmente comprometidos, mas monstros e manuscritos não nos deixam aproveitar a companhia um do outro.
-É… Tem razão, Valentim. Depois de terminarmos as traduções, teremos tempo pra tudo!
-Eu assim espero, Capitã… - Disse ele, puxando Ykhar pela mão em direção ao Templo. - Não preciso de enfermaria! Vamos voltar para o trabalho.
Ykhar puxou-o de volta.
-Nada disso! Enfermaria e banho! E… Isso não é tão urgente que não possa esperar uns minutos… - Disse ela, dando um beijo nele. - Você parece tão cansado, Valentim! Está pálido e com olheiras…
-Ah, Ykhar! Do jeito que estamos exaustos, acho que nosso namoro de comemoração não vai durar nem dois segundos.
-Não faz mal. Se eu apenas puder ficar na sua companhia durante a noite, podemos deixar as comemorações para quando voltarmos para Eel…
-Estar ao seu lado me basta, Ykhar. - Disse ele, envolvendo Ykhar nos braços. Ela o empurrou fazendo careta.
-Mas vai ter que tomar uns dez banhos antes, e esfregar esse corpo até essa gosma nojenta sair toda de você!*****
Já anoitecia quando Leiftan, Nevra e Kero entraram na sala de Miiko, com alguns dos relatórios das entrevistas com os magos.
Miiko, Eychi e Hua tinham acabado de finalizar a leitura dos relatórios da Costa de Jade.
Ao ver os rapazes cheios de papelada nas mãos, Miiko fez um ar de desgosto.
-Ohhhhh, Não! Mais relatórios! Eu quero morrer!!!
-Esses são apenas a metade deles. Não conseguimos carregar tudo de uma vez… - Disse Kero.
-Mas não vamos precisar ler todos, vamos? - Perguntou Hua.
-Praticamente, todos eles dizem a mesma coisa sobre os magos. Como entraram para o mosteiro, quais as suas origens e as relações com os humanos. Mas estes dois… - Disse Nevra, jogando dois dos relatórios na mesa de Miiko - São os nossos magos. Eram eles quem estavam ajudando os mercenários. Vamos prendê-los juntos com os humanos, e pedir a um dos elementais amigos de Jow para ficar ali, na sua forma invisível, e escutar as conversas deles.
-Ufa! - Suspirou Eychi - Ainda bem, não aguento mais ler nada hoje.
-Então, Leiftan, pode trazê-los, e mande Jamon trancá-los numa das gaiolas, mas separados dos humanos. E garanta que bebam a poção para anular a magia deles. Não quero que haja uma fuga em massa dali!
-Certo, Miiko. Kero, ache os elementais guardiões de Jow e peça para um deles vir aqui. Seria melhor se fosse o Amikoh. Parece ser o mais equilibrado deles. Nevra, vamos levar isso de volta.
Keroshane assentiu e saiu da sala.
Leiftan soprou um beijo para Eychi e saiu com Nevra também.
-Agora precisamos mandar trazer o Amin da Costa de Jade. - Decidiu Miiko - E decidir o que faremos com esse cretino.
-Podemos apagar a memória dele, Miiko. - Sugeriu Hua - Não queria precisar aplicar uma pena de morte.
-A morte é mais suave… - Falou Eychi - Já é a segunda chance que ele perde.
-Vou pensar… - Falou Miiko - Não me agrada matar mais ninguém. Sua ideia de apagar a memória dele me parece boa, Hua… Ele é jovem, está mentalmente perturbado, e precisa de um recomeço.*****
Jow retornou da floresta com Kazai. Estava crepitando de energia, que espirrava para todos os lados.
-Jow, é melhor você erguer esse escudo de novo.
-Mas Kazai! Meu escudo está ativo! Não sei mais o que fazer, e essa energia mais forte não pára de chegar! Como vou fazer para evitar isso?
-Ah, bebê, estão suspenda ao redor de você escudos de todos os elementos. E gaste essa energia com seus amores.
-Nunca! - Disse ela na mesma hora - Eu não vou mais chegar perto de nenhum deles, nunca mais! Porque virão com aquele papo mimimi que eu não posso aguentar mais!
-Jow… Precisa se concentrar agora, mais do que nunca. E manter a calma e o equilíbrio. Sabe que a sua interação com eles é o que equilibra você…
Jow suspirou, e sentou-se com Kazai no jardim do piano, onde suas roseiras floriam, exuberantes.
Amikoh chegou até elas.
-Miiko me deu uma missão. - Disse ele. - Vou manter guarda na prisão e ouvir as conversas dos humanos com os magos traidores, para ver se há mais algum detalhe que não sabemos. E ela vai mandar Darien para a Costa de Jade para buscar o Amin.
-Vão fazer o que com ele? - Perguntou Jow.
-Eu não sei, Jow. Mas alguma punição ele vai ter.
-Eu queria poder ajudar de alguma forma… - E passou a mão pelos cabelos, espalhando pequenos raios de eletricidade nas roseiras.
-O que aconteceu com você, Melequenta? Está soltando fagulhas. Não está usando o escudo?
-Estou, mas não está adiantando, Amikoh. Olha… Eu vou pedir à Miiko e Eychi que chamem a Oráculo para ela me levar ao limbo. Eu pretendo trazer o Hans e os meus pais de volta.
-Eles estão na Arena da Lua da sua mãe. Não vai ser fácil achá-los, Jow.
-Pode levar séculos, Amikoh. Mas quem sabe é um bom uso para a minha energia?
-Você já conversou com a Ewelein? - Perguntou Amikoh - Ela está acordada.
-Não sabia! Vou vê-la antes, então!
E desapareceu.
Kazai e Amikoh se olharam.
-Ela está completamente instável, Kazai. O que está havendo?
-Você não está sabendo que o North e o Ezarel resolveram pressioná-la para ela escolher um deles?
Amikoh revirou os olhos.
-Demorou, não foi?
-Mas não foi uma boa hora, Amikoh.
-Kazai, não existe uma boa hora. Se depender dela, ela ficará nessa situação para sempre. Não percebeu que o moleque está nos evitando? Não quer conversar, não compartilha, não quer companhia? Essa situação só é boa para a Jow. Isso está sendo péssimo para ele, e para o Elfo também. Eu compreendo. Eu não aceitaria uma situação dessas.
-Hihihi! É fácil para você dizer uma coisa dessas! Porque você só tem amores platônicos…
-Alguém te perguntou alguma coisa, seu pedaço de pleura?? Quem pediu a sua opinião??
-Hihihi, acho que cutuquei uma ferida, hihihi!
-Kazai, não se meta na minha vida. Nosso foco é ajudar a Jow. Talvez uma boa jornada no limbo faça bem à ela, quem sabe ela gasta a energia em excesso?
-Ou podemos perdê-la de vez!
-Não, ela jamais vai se perder de nós. Sempre saberemos encontrá-la. Vamos apoiar essa ideia dela. Assim a gente afasta a Jow deles dois, das fendas daqui, e todos podem pensar um pouco mais. Quem sabe, quando ela voltar, a Ykhar e o Valentim já retornaram com a solução…
Kazai sacudiu a cabeça. Não lhe agradava ter Jow a menos de uma braça de distância dela.
-Então eu vou com ela! Não vou deixá-la sozinha para se perder no limbo!
-Ótimo. Vá com ela. Assim você não me enche mais o saco. Agora vou para a prisão. Tchau! Amikoh, desapareceu, e deixou Kazai com um sorriso matreiro no rosto.
Jow teleportou-se para a frente da porta de Ewelein, e bateu.
-Ewe. Sou eu, Jow… Posso entrar?
Jow escutou barulhos de passos dentro do quarto e depois a porta destrancou-se.
Ewe estava no escuro, cortinas fechadas, luz apagada. Tinha os olhos inchados e olheiras profundas.
Jow entrou e a abraçou.
A dor da amiga a espetava como milhões de alfinetes.
Jow então fechou a porta e sentou-se com Ewelein na cama.
Ewelein ficou abraçada com Jow por algum tempo, enquanto as lágrimas rolavam silenciosas.
Jow sabia quando manter a boca fechada. Nada havia para ser dito, e ela apenas ficou ali ao lado dela, como Ewe tantas vezes fez com ela, quando ela estava sofrendo. Manteve as mãos da Elfa entre as suas, e procurou manter o controle da energia estranha que não parava de chegar.
Quando Ewelein chorou o suficiente, olhou para Jow com os olhos vermelhos e perguntou...
-Senti tanto a sua falta… Você está tensa… Você está bem, Jow?
Jow abraçou Ewelein de novo. Somente alguém como Ewe, para deixar sua própria dor de lado e se preocupar com os outros.
-Eu estou bem, minha amiga! Me desculpe não estar aqui para você, quando precisou… Me diga, o que devo fazer para você ficar melhor?
-Ninguém pode fazer nada, Jow. O Hans está perdido! E é tudo minha culpa!
-Como assim, Ewe? Por que sua culpa?
-Se eu tivesse percebido antes… Se não o tivesse pressionado… Eu o coloquei contra a parede, Jow, porque eu sabia que alguma coisa estava errada… Conosco. Ele estava distante, eu sentia… Tive certeza de que ele estava amando outra… E a outra era a Oráculo! Aquela fada vacuda, vadia, cretina, e fraca, que ficou a mercê do maldito do Kratos! Foi tudo culpa dela!!!
-Não foi não, Ewelein. Foi tudo culpa do Kratos! Sempre ele! Vamos deixar o Hans se explicar, Ewe. Ele vai conversar com você e tudo vai se acertar. Eu prometo!
-Ele está perdido, Jow… Inalcançável!
-Não para mim, Ewelein. Eu decidi que vou buscá-lo.
-Como vai conseguir, Jow? Ele está…
-Na Arena da Lua da minha mãe. E eu tenho certeza de que posso chegar lá. Vou pedir à Oráculo que me leve ao limbo e vou achar o caminho, e vou trazê-lo de volta! E vou trazer meus pais também!
Ewelein abraçou Jow de novo.
-Não posso permitir que você se arrisque, Jow!
-Ewe… Eu não estou lhe pedindo permissão. Eu já decidi que vou. Além disso, eu não posso morrer. Nada me aconteceria, se eu me perdesse lá. Mas confie em mim, eu não vou me perder. E se o cristal corrompido não é mais a prisão daquele mal… Não faz sentido meus pais continuarem lá. Por isso vou trazê-los de volta também.
-Ah, Jow! Se você conseguir!
-Eu vou conseguir, Ewelein. Agora entre naquele chuveiro e tome um banho bem quente. Depois se arrume e saia para jantar. Você precisa me apoiar, senão a Miiko não vai me deixar ir. Acha que só você está com problemas amorosos? Tenho muitas coisas para lhe contar!
Ewelein deu um sorriso triste, mas obedeceu.
Alguns minutos depois, deixava o quarto na companhia de Jow, cruzando os corredores e saindo para o Hall principal, de braços dados com ela.
Ezarel e North conversavam na porta do laboratório. Eles viram a duas entrando no refeitório, e desceram correndo as escadarias do salão.
Ewe e Jow se sentaram em uma das mesas, e os guardiões do QG as cumprimentaram, felizes em ver Ewelein sair do quarto, depois de tantos dias doente.
Nevra chegou à mesa delas para beijar Ewelein.
Karuto também veio e ele mesmo a serviu, até ela protestar.
-Assim vou engordar! Devo ficar doente mais vezes! Nunca fui tão mimada!
-Todos nós te amamos, Ewelein… - Disse Karuto, com um sorriso feliz.
Ezarel e North chegaram e se aproximaram da mesa delas.
-Que bom que está melhor, Ewe! - Disse o Elfo. Será que nós podemos nos juntar a vocês?
-Não! - Falou Jow imediatamente - Porque eu vou começar a contar para ela agora mesmo o que vocês dois estão fazendo comigo!
Eles se olharam, sem graça.
-Jow… - Começou North.
-Não! - Afirmou ela - Saiam daqui os dois! Vão ficar lá fora! Xô! Pra casinha do cachorro! Agora!
-Vamos, North. Vamos deixar as garotas conversarem. O dia não está para nós.
-Isso é culpa sua, Elfo! - Protestou ele, irritado, se afastando com Ezarel.
-MINHA???? Quem veio com a ideia de uma ALIANÇA????
-NÃO ERA UMA ALIANÇA!!! ERA SÓ UM ANEL!!!
E foram discutindo até saírem do refeitório.
Ewelein olhou para Jow e as duas começaram a rir.
-Precisa me contar isso logo, Jow, hahaha! Só vocês, para me fazerem rir numa hora dessas!*****
Pela manhã, Darien abriu um portal para a Terra como ponte para o templo de Esquíatos, a fim de levar Amin para Eel. Leiftan o acompanhou.
Depois de conversar com a Sacerdotisa mãe, eles foram até a prisão, onde Amin estava.
Olhando para ele, tão sereno, não se parecia nada com um traidor. Amin tinha esse dom… De sempre parecer um menino assustado e inocente. Isso era um grande perigo, para os desavisados que lidavam com ele.
-Você virá conosco para o QG, Amin. - Informou-lhe Leiftan.
-Vão me levar para Eel? O que vai acontecer comigo?
-O conselho vai decidir. A única coisa que deve saber é que vai ficar preso, até a sua sentença ser proferida. - Falou Leiftan, em um tom solene.
Amin abaixou a cabeça e assentiu.
-Eu me certifiquei de que a sua mãe e a sua irmã tenham toda a assistência do Templo.
-Eu sei. Elas estão seguras aqui. Elas não têm culpa de nada.
-Então já viremos buscá-lo. - Disse Leiftan, saindo com Darien.
Quando subiram as escadas, escutaram uma gritaria e um alvoroço lá fora, e correram.
No jardim do Templo, Valkyon, Ykhar e Valentim chegavam, montados em Sheila.
As sacerdotisas se assustaram e armaram um escudo de magia ao redor da entrada do Templo.
-Calma, calma… - Falava Valkyon - Ela está nos ajudando, não vai lhes fazer mal… E tirem esse escudo de magia daí! Ela come magia!
E cutucou Sheila com os calcanhares. Ela se abaixou e eles desceram.
Ykhar tratou de sair dali depressa.
-Não sei como vocês me convenceram a montar nessa coisa!
-Nada aconteceu, não foi? - Disse Valentim, carregando as bagagens deles - Foi rápido e seguro.
-Ela… Fede!
-Os Kappas também fedem, e são legais. Não deveria ser diferente com a pobre Sheila.
-Pare de chamar esse bicho nojento pelo nome, Valentim! - Protestou ela.
Valkyon ofereceu cogumelos brancos para Sheila, que ronronou como um gato.
Leiftan e Darien estavam boquiabertos, e se aproximaram do bicho para ver mais de perto.
-Se me contassem, eu não acreditaria! - Falou Leiftan - É um ser das fendas? Como capturou um deles?
-Não fui eu… Foram os sobrinhos da Ykhar. Eles criaram a Sheila desde pequena, e a domesticaram. Ela é muito maior do que os outros, e nos defende deles. Não sabe que é um deles. Acha que é um mascote. - Respondeu Valkyon.
-Isso… Tem um nome? Sheila? Não poderia ser mais estranho! - Exclamou Darien, afagando o bicho. - Ela parece estar gostando da nossa companhia…
-Ela é como um gato gigante. Mas não se enganem com ela. Vi esse animal cortar vários deles em duas partes, com apenas um golpe da pinça.
Darien retirou a mão depressa.
-Então houve luta? Alguém ferido? Alguém da equipe morreu? - perguntou Leiftan.
-Alguns feridos, mas ninguém morreu. Esses bichos morrem facilmente. Mas não param de surgir. Há uma fenda enorme no vilarejo Brownie. Eles spawnam do nada, e se teleportam. Deixei as tropas lá, porque já sabem o que fazer. Estão ajudando a reconstruir as casas que eles destruíram.
Leiftan dirigiu-se à Ykhar.
-E as traduções?
-Terminamos! - Disse ela feliz - Já podemos começar a decifrar o enigma do texto!
-Como assim?
-Os texto tem um enigma, Leiftan. - Falou Valentim - Parece uma poesia, mas são metáforas que não compreendemos. Precisamos agora analisá-lo e entender o que quer dizer. Há muita coisa para ser decifrada ainda. As traduções foram apenas o começo…
-E eu pensando que tudo estava resolvido… - Disse ele, desanimado.
-Ah, mas vai se resolver! Agora será mais fácil! Teremos a biblioteca de Eel, Keroshane, Huang Hua! E todo mundo! - Continuou Ykhar, animada. - Mas vocês… Vieram nos buscar?
-Viemos levar Amin para a prisão de Eel. Mas se já terminaram aqui, podem voltar conosco.
-Irrrc! - Gritou ela - Amin de novo? Não quero viajar dias de barco com ele!
-Vamos de portal, Ykhar - Falou Darien - Não vamos de barco.
-Graças à Deusa!!!! Quando iremos?
-Assim que nos despedirmos de todos. - Disse Leiftan. E se dirigindo a uma das instrutoras - Vamos liberar aquele selo de magia da prisão de Amin e falar com Mãe Anya? Queremos partir agora.
Ela assentiu, e desceram para a prisão.
Enquanto isso, Ykhar e Valentim foram se despedir oficialmente de Mãe Anya e das outras, e juntaram suas coisas para partir.
Darien e Valkyon ficaram com Sheila.
-Sheila se teleporta através de uma distância considerável que consegue enxergar. Ela nos trouxe aqui em minutos, Darien. Uma cavalaria dessas seria muito útil numa batalha.
-Não acho que a Miiko aprovaria, Valkyon… - Disse Darien rindo - Mas eu estou tentado a experimentar cavalgá-la um dia desses… A Black adoraria isso.
-Vocês terão a oportunidade. Pretendo levá-la para Eel, assim que a infestação desses bichos estiver controlada na vila.
-A Miiko vai ter um derrame!
-Vai… Mas eu estou decidido. Ela obedece facilmente, e ao se alimentar somente com cogumelos, não crescerá além disso. Somente se comer magia.
-Então não será seguro deixá-la perto da Jow ou do cristal!
-Ainda preciso trabalhar nisso, antes de levá-la. Ela não comeu o cristal rosa do templo da Vila. Talvez não coma o nosso também.
-Talvez? Você não sabe? Então… Podemos testar… - Disse ele, tirando um orbe do bolso do manto, e estendendo para Sheila.
O bicho, que estava abaixado no chão, levantou a cabeça, esticou as antenas, cheirou o orbe, e voltou a deitar-se.
-Isso foi arriscado, Darien! E se ela comesse?
-Precisava de um teste… Já tem a sua conclusão. Pelo menos a Sheila não acha que o cristal azul seja um bom petisco… Não sei os outros irmãos dela.
-É o suficiente para mim. Levarei a Sheila para Eel.
-E se domesticássemos outros?
-Não temos tempo. As crianças estão há semanas cuidando dela. Não temos todo esse tempo. Gostaria que você começasse a preparar a Miiko para receber a Sheila. Diga que eu encontrei um novo mascote, e que ele é muito grande… Peça a ela para preparar um lugar para ele, talvez o porão.
-E aquela escadaria estreita?
-Conto com você para nos levar com um portal para lá, Darien. Levamos Sheila para a Terra para um lugar bem amplo e deserto, e depois de volta para o porão. Prepare-se para isso, quando eu o chamar de volta aqui. Traga as chaves de portal certas para nós.
Darien concordou. Olhando para aquele bicho enorme, com a carapaça cinzenta manchada de gosma reluzente, imaginou o impacto que aquilo teria nos habitantes de Eel.
Nesse momento, Ykhar e Valentim retornaram com as bagagens, e Leiftan retornou com Amin. Já tinham sido liberados por Mãe Anya.
O jovem Brownie estava preso com algemas de magia.
Ykhar olhava para ele com o rabo do olho, e Valentim procurava manter-se equilibrado. Tudo o que ele queria era arrancar o outro olho do Brownie, por tudo o que ele tinha feito.
-Eu gostaria de me despedir da minha família. - Murmurou Amin.
-Não temos tempo para isso, Amin. Eu pedirei à Miiko que programe uma visita delas a você, em Eel. Agora temos que ir. - Respondeu Leiftan, com a expressão séria e tranquila.
Amin assentiu e abaixou a cabeça.
Mas Ykhar não pretendia cruzar o portal com Amin.
-Eu prefiro que o leve antes, Darien… - Disse Ykhar - E depois venha nos buscar.
-Como queira, Ykhar. Levará apenas alguns minutos. Me esperem aqui mesmo.
Darien abriu o portal para a Terra e cruzou com Leiftan e Amin.
Quando o portal se fechou, ela olhou para Valkyon e Valentim.
-Eu não confio naquele cachorro! Eu não queria viajar com ele, mesmo tendo o Leiftan ao lado. Nãomerecriminemporfavorrrr!!!
-Claro que não… - Respondeu Valkyon - Não seria confortável para o Valentim ficar tão perto de quem o entregou para a morte. Você fez bem, Ykhar.
-Valk… Você não está pretendendo levar esse… Essa… Isso aí pro QG, está?
Valkyon afagou as antenas de Sheila.
-Estou sim, Ykhar. Ela será muito útil para nós todos.
-Mas não é seguro!
-Eu mesmo posso matá-la, se ela se rebelar… Mas não acho que eu vá precisar. Ela é dócil, Ykhar… Mas não vou agora para Eel. Preciso ficar aqui mais alguns dias, e garantir a segurança das fendas.
Ykhar suspirou, quando viu o sorriso estampado no rosto do Valentim. Ele tinha adorado andar de Sheila!
-Vocês, garotos, são complicados!
Alguns minutos depois, Darien retornou e levou Ykhar e Valentim pelo portal para o apartamento dele, na Terra, que ficava fechado, sempre a disposição para servir de base.
Valentim olhou ao redor, e depois foi até a janela e abriu.
Uma manhã chuvosa e fria… Há algum tempo ele não sentia os cheiros da Terra.
Ykhar percebeu a nostalgia, e sentiu medo. E se ele resolvesse não voltar para Eel? E se quisesse ficar na Terra? Ela mordeu o lábio, apreensiva… Mas rapidamente recuperou-se. Ainda tinha muito trabalho pela frente, para pensar nela mesma.
-Darien… Eu gostaria de deixar o tablet de Jow aqui, carregando. Eu o usei muito, e enquanto Valentim dormia, fotografei todas as páginas que traduzimos, e todo o material que tínhamos. Acabei com a bateria… E a bateria solar carrega muito devagar… Aqui tem energia elétrica… Será que…
-Claro, Ykhar! - E pegando o tablet e o carregador dela, conectou-o a uma tomada, deixando o aparelho sobre uma mesa de canto. - Quando quiser, eu venho buscar para você. Agora vá até aquela janela e traga o seu namorado de volta… Porque ele parece estar hipnotizado pela paisagem de Liverpool.
Ykhar sorriu e aproximou-se de Valentim, que ainda tinha o olhar perdido através da janela entreaberta.
Ela o abraçou por trás, apertando seu corpo contra o dele. Quando Valentim sentiu o abraço quente de Ykhar, relaxou os ombros.
-Eu poderia ficar aqui com você pelo resto da vida, Ykhar… Se…
-Se não tivéssemos um mundo à nossa espera, esperando para ser salvo… Não é, Soldado? Ela perguntou aquilo, prendendo a respiração, e temendo a resposta dele.
Valentim virou-se e a abraçou.
-Sim, Capitã! Mas nada impede que eu a traga um dia para passear aqui… Não é, Darien?
-Será um prazer trazê-los, quando quiserem. Mas agora temos que ir. A energia do orbe está no fim. Feche a janela, por favor…
Sem mais demora, Darien abriu o portal para Eel e eles cruzaram.
O portal de Darien os levou direto para o seu quarto no Mosteiro.
O dia em Eel estava sombrio também. Pesadas nuvens cobriam o céu, e as primeiras chuvas do inverno não tardariam a cair.
Eles cruzaram rapidamente o caminho que levava do Mosteiro até o Quartel, através do Mercado de Eel. E quando entraram no QG, havia um guardião à espera deles.
-Bem vindos de Volta! Miiko pediu para vocês a encontrarem na sala do Cristal. Eu posso levar as suas coisas e deixar na frente da porta dos seus quartos.
Ykhar suspirou.
Tudo o que ela queria era poder se enfiar numa banheira bem quentinha e relaxar… Para depois comer e se enfurnar de novo na biblioteca. Mas concordou com a cabeça e acompanhou o guardião, com Valentim e Darien, até a sala de Miiko.
Ela os esperava ansiosa, e quando os viu, correu para abraçá-los..
-Bem vindos de volta! Fizeram progressos? Estou tão feliz em ter vocês aqui de novo!
-Estou feliz em voltar, Miiko! -Disse Ykhar animada - Terminamos as traduções. Agora só nos falta decifrar os enigmas do texto.
-Enigmas???? Como assim?
-As traduções contam a história de toda a trajetória das Filhas da Lua, até a grande travessia, Miiko - Disse Valentim - Mas tem algumas metáforas e enigmas, poemas, termos que não sabemos o que é. Espero que a sua biblioteca tenha alguma coisa para preencher as lacunas desse mistério.
Miiko suspirou.
-Eu achei que quando estivessem de volta, tudo estaria resolvido!
-Infelizmente não está. Vamos voltar ao trabalho hoje mesmo. - Falou Ykhar determinada. - Como estão as coisas por aqui?
-Bem, fora o fato da Jow estar causando explosões e rachando o chão… Apenas a chegada dos prisioneiros e do Amin. Leiftan já identificou os Magos que ajudaram os mercenários, e eles foram presos, junto com os humanos. Não sabemos ainda o que fazer com eles. O Amikoh está de guarda lá embaixo, para ver se há mais alguém ou algo a ser revelado por eles.
-Bem… - Falou Valentim - Uma parte da nossa missão foi cumprida.
-Valentim… - Disse Miiko - Todos aqui já sabem quem você é. Não se preocupe mais em esconder a sua identidade.
Ele assentiu, e estava aliviado. Não precisar mais esconder ou se esquivar de respostas o deixava muito mais tranquilo.
-E vocês dois se acertaram, pelo que eu vejo… - Falou Miiko, olhando para as mãos unidas deles.
Ykhar ficou vermelha e largou a mão de Valentim.
-Miiko! Eu e o Valkyon já conversamos sobre isso!
-Não se preocupe, Ykhar. Cada um cuida da sua vida, da forma que achar melhor. - Falou Miiko sorrindo - Eu gosto de ver as pessoas felizes. Agora, se quiserem comer e descansar… Estão dispensados.
Valentim e Ykhar saíram, mas Darien ficou.
-O que foi, Darien? Faltou alguma coisa para dizer?
-Sim… - Falou ele - Valkyon precisa saber se aqui existe algum lugar para guardar um mascote bem grande…
-Claro, temos atrás do Mercado o viveiro dos Purrekos.
-Não, Miiko… Um maior… Um grande mesmo… Do tamanho de um… Elefante… Talvez maior.
-Descobriram um novo mascote? Não me lembro de termos um desse tamanho.
-Sim, me parece um novo mascote. O Valkyon tem um desse tamanho lá na Costa de Jade…
-Bem, se é assim, podemos arranjar alguma coisa. Ele é manso?
-Sim, ele é bem dócil, mas pode ficar nervoso às vezes. Precisa de um lugar fechado para ficar. Pensei no porão.
-Mas se ele é assim tão grande, como vai descer até lá? As escadas são estreitas.
-Eu posso levá-lo através de um Portal. E ele pode se teleportar.
-Ok. Não vejo nenhum problema, Darien.
Darien pensou que ela não via problema porque ainda não tinha colocado seus olhos em Sheila. Mas ela consentiu.Levariam o bicho para Eel com a autorização de Miiko.
Darien saiu dali e foi procurar a Black. Precisava contar a ela sobre a Sheila.
E a fina e fria chuva do Inverno começou a cair.
Capítulo 5 - A História Não Contada - Um mergulho no passado - Parte 2
A floresta, ao crepúsculo, era ainda mais infestada por insetos chupadores de sangue.
As Amazonas retiraram das bolsas dos cintos uma poção branca e leitosa e começaram a esfregar nas áreas expostas do corpo.
Clicia estendeu a dela para Skull.
-Passe isso onde suas vestes não cobrem, se não quiser morrer de tanto ser picado por insetos.
Ele agradeceu e as imitou, esfregando no pescoço e no rosto, onde as vestes não cobriam.
Seu longo manto de Monge não tinha sido feito para caminhar na mata. Ele esbarrava nos galhos da trilha e grudava nos arbustos. Às vezes, Skull tinha que rasgar o tecido, para libertar-se dos espinhos.
Uma das sacerdotisas acendeu uma aura de fogo para iluminar o caminho, que foi ficando cada vez mais escuro, com o cair da noite.
Maeve ia na frente do grupo.
Por algumas vezes, olhava para trás para checar as guerreiras e Skull, que com sua pele pálida, parecia um fantasma, encapuzado com seu manto negro.
Concentrada na sua missão, olhava fixamente para frente, a cabeça erguida, e quando passaram pelo território dos Avatares da Morte, cruzaram a linha de Magia que cercava o Templo.
Skull observou alguns de seus irmãos no alto dos muros, mas quando os olhos se voltaram para eles, eles rapidamente se abaixaram lá em cima.
Ele suspirou, e prosseguiu, seguindo as Amazonas, no final da fila.
O sol estava quase se pondo, quando eles chegaram à Cidade dos Humanos.
Tochas tremulavam, iluminando a entrada da vila.
Alguns soldados humanos os esperavam na entrada, e os saudaram, os escoltando pelo caminho.
Pelas ruas de terra batida, mais postes com tochas acesas deixavam o ambiente claro.
O grupo cruzou a cidade em silêncio, e por onde passavam, as pessoas, com medo deles, entravam nas casas e fechavam as portas e as janelas.
Maeve sacudia a cabeça, visivelmente irritada com aquela demonstração de medo.
Eles não precisavam ter medo delas! Elas é quem deveriam ter medo de humanos assassinos!
Ao chegarem na Prefeitura, o Prefeito estava ali, com quatro dos homens, amarrados, sentados no chão.
Eles estavam ensanguentados e tinham apanhado muito.
Maeve surpreendeu-se ao ver os assassinos ali, para serem entregues a eles.
-Mas falta um, Senhor Prefeito. - Disse ela, olhando para os homens no chão.
-Infelizmente, ele fugiu. Procuramos em todos os lugares, nos arredores, nas lavouras, e até na floresta. Mas temos os outros quatro, para mostrar a nossa cooperação com vocês. Podem levá-los.
Maeve olhou para Skull e perguntou.
-São eles?
Skull assentiu, em silêncio.
Ela voltou a se dirigir ao prefeito.
-Mas queremos todos. Se não encontraram o outro, nós o encontraremos e o levaremos conosco.
-Podem procurar em todas as casas, nossa cidade não tem nada para esconder. Eu já lhe disse, procuramos por todos os lugares, e só encontramos esses aqui…
Maeve olhou para Skull, e depois para as outras.
-Não temos nenhum motivo para não acreditar no Senhor Prefeito. Vamos voltar para a Cidade Élfica e entregar os assassinos para os Anciões Elfos. Eles decidirão seu castigo. - E voltando-se para o prefeito, ela estendeu-lhe a mão. Ele aceitou o cumprimento, apertou a mão de Maeve, e suspirou aliviado quando elas saíram.
Os soldados da Guarda da Cidade as escoltaram em silêncio até a saída da cidade. Elas agradeceram e entraram na floresta, arrastando os prisioneiros feridos e ensanguentados, que mal podiam andar e não falavam.
-Levem esses quatro para a Cidade dos Elfos e nos esperem lá. - Ordenou Maeve - Eu, Clícia e o Corvo vamos procurar o outro.
As Amazonas assentiram, e prosseguiram na trilha da floresta.
Maeve olhou para Skull e disse:
-Agora é com você, Corvinho. Faça sua mágica e encontre o último desgraçado para nós.
Skull concordou com a cabeça, em silêncio.
Uma névoa negra começou a se formar ao redor do seu corpo, e seus olhos escureceram completamente. Uma chama arroxeada saiu dos olhos de Skull e se projetou pela floresta, e ele começou a segui-la, em transe.
Maeve e Clicia se olharam, impressionadas, e seguiram Skull.
Se embrenhando cada vez mais na mata fechada, Maeve acendeu a aura de fogo para iluminar o caminho.
Skull prosseguia em silêncio perseguindo a chama arroxeada, quando as garotas repararam em parte da mata cortada, e rastros no solo. Alguém tinha passado recentemente por ali.
Elas ficaram alertas.
Skull entrava na mata fechada, sem se importar com seu manto agarrando e rasgando. As garotas cortavam os galhos com as espadas para libertar Skull.
Em um certo momento, a chama parou. Ele parou em frente à ela, e olhou para o chão.
A terra tinha sido escavada ali, recentemente. A Chama retornou para dentro dos olhos de Skull e ele saiu do transe, apontando para alguns galhos que estavam empilhados, disfarçando uma espécie de alçapão.
Maeve olhou para Clicia e afastou Skull, e gritou.
-Saia, humano, já sabemos que você está escondido aí! Vamos te tirar desse buraco, por bem ou por mal!
Silêncio total.
Maeve então invocou a Terra, e as raízes começaram a crescer ao redor da pilha de galhos.
Um grito abafado saiu do fundo da Terra.
-Ahhhh! Socorooooo!
Um jovem humano empurrou a pilha de galhos de baixo para cima, revelando um esconderijo improvisado.
A terra tinha sido escavada por debaixo da vegetação, formando uma toca, que foi revestida por galhos grossos para não desmoronar.
O rapaz estava sujo de terra e suado, e estava extremamente assustado.
As Amazonas olharam o rapaz, com uma mistura de pena e revolta.
O que poderia levar uma pessoa tão jovem a cometer atrocidades tão bizarras?
-Você está preso, humano! - Anunciou Maeve - Será julgado por invasão, destruição de propriedade alheia, sequestro e assassinato!
-Vocês não podem me prender! Não têm autoridade para isso! - Berrava o rapaz, enquanto as Amazonas o seguravam e o amarravam.
-Temos autoridade sim. O Prefeito nos entregou todos os outros, e só não nos entregou você porque você fugiu!
-Eu não fugi! Ele nunca me entregaria! Ele me escondeu aqui, porque ele é meu pai! Não podem me prender, eu sou filho do Prefeito!
Skull declarou.
-Você pode ser filho de quem for, mas agora está sob a guarda das Sacerdotisas Amazonas da Deusa da Lua. Elas são a maior autoridade do povo faery. Você será julgado pelo conselho dos Elfos.
O rapaz olhou com desprezo para Skull.
-Me surpreende muito, um humano como você estar a serviço dessas vagabundas!
Maeve puxou a espada e encostou no pescoço do rapaz, disposta a abrir sua garganta, pelo desaforo.
Mas Skull segurou a mão dela, impedindo-a de degolar o prisioneiro.
Seus olhos ficaram negros e ele assumiu uma aparência assustadora, com metade da face transparente, mostrando o fundo esqueletizado. Garras negras surgiram no lugar das unhas, e ele levantou o rapaz pelo pescoço. Sua voz era cavernosa, quando usou o seu lado Daemon para falar.
-Eu não sou humano. Eu sou faeliano. E se se faltar ao respeito mais uma vez com as Sacerdotisas da Deusa, eu vou arrancar a sua língua e os seus olhos. Não precisa estar vendo e nem falando para pagar pelos seus crimes, humano.
O rapaz ficou branco debateu-se, apavorado. A visão de Skull era assustadora. Ele soltou o rapaz no chão, e voltou à sua forma normal.
As garotas o olharam com mais respeito depois daquela demonstração de lealdade.
Maeve sorriu, satisfeita, e começaram a conduzir o prisioneiro para a aldeia dos Elfos.*****
-Não temos como agradecê-las. Nenhuma punição trará nossas crianças de volta, mas eles devem servir de exemplo, para coibir mais ataques como esses ao povo Faery. - Dizia o Ancião do povo Élfico às Amazonas.
-O que vai acontecer com eles? - Perguntou Maeve - Vão matá-los?
-O Conselho decidirá em alguns dias. Não posso dizer nada, antes do julgamento.
As Amazonas e Skull os deixaram e retornaram para o Templo da Lua.
Ao chegarem lá, se apresentaram à Mãe Yahn.
-Me admiro muito você ter conseguido cumprir a missão sem derramar sangue, Maeve!
Ela olhou para Skull e deu uma gargalhada.
-Hahahahaha! Eu estava prestes a matar um deles, que era o filho do Prefeito, mas o Corvinho intercedeu, e não permitiu.
-Pelo menos havia alguém sensato no seu grupo… - E virando-se para Skull - Ficará conosco aqui essa noite, Monge. Amanhã pela manhã eu mesma o acompanharei ao Templo da Morte.
Skull assentiu, e mantendo a cabeça baixa, permaneceu em silêncio.
-Estamos dispensados? Estou morrendo de fome, e provavelmente ele também!
-Sim, Maeve. Estão dispensados. Bom trabalho. Espero que os Elfos sejam sábios na hora de julgar os prisioneiros.
Maeve fez uma reverência para ela e saiu da sala com Skull.
-Está com fome, Corvinho?
-Sim, bastante. Usar magia me deixa com fome.
-Ahhh, comigo acontece o mesmo! Mas preciso de um banho antes, para tirar esse fedor de humanos de mim! - E olhando para o manto rasgado dele - É melhor fazer o mesmo, e jogar essa roupa esfarrapada fora… Acho que ela não vai mais servir, depois de ter sido toda destruída na trilha.
-Eu posso usar o mesmo quarto? - Perguntou ele.
-Claro, ele é seu, enquanto estiver conosco. Acha que ainda pode encontrar roupas que lhe sirvam naquele armário?
-Eu farei o possível.
-Se não achar nada, pode sair nu, hahahaha! Acredito que ninguém se importará!
Skull ficou vermelho, mas sorriu.
-Acho que não será necessário. Com certeza posso achar alguma coisa.
Maeve já ia dar-lhe seu “tapinha” amigável, quando lembrou-se de que quase o desmontou da última vez, e parou no caminho.
-Então… Me encontre depois na cantina. Já sabe o caminho.
E saiu para o seu quarto, enquanto Skull foi para o quarto dele.
Uma vez lá, ele livrou-se do manto rasgado, e tirou as roupas. A tina de madeira cheia de água limpa já esperava por ele no pequeno banheiro, e ele entrou, agradecido por ter sua própria água limpa para banhar-se, e não ter que utilizar a água suja que sobrava do banho dos mestres, como acontecia no Templo da Morte.
Skull tinha diversos arranhões pelo corpo, lesões que não se lembrava de ter sofrido, porque estava em transe quando transitou pela floresta atrás do fugitivo.
Seu pescoço, tórax e abdômen ainda exibiam veias arroxeadas e enegrecidas, por ter invocado a aura Daemon. Aquilo aos poucos desapareceria.
Ele esfregou os cabelos e o corpo com alguma espécie de bloco escorregadio e perfumado que estava na beira da tina. Aquilo fazia espuma e deixava um perfume agradável no corpo dele.
Nunca em sua vida ele estivera tão limpo. Em um único dia, tomou dois banhos, muito mais do que às vezes conseguia em um mês. Água não parecia ser um problema para as Sacerdotisas daquele templo. Ele descobriu o porquê: Elas conjuravam água facilmente.
Se ele aprendesse a dominar o elemento água, nunca lhe faltaria água para lavar-se. Era uma meta que agora ele elegia para a sua vida.
Depois de vestido com as roupas que mais lhe pareceram ser do seu tamanho, ainda que estivessem sobrando, Skull saiu do quarto e encontrou-se com as Amazonas no refeitório.
Todas estavam ali. Eram dezenas de garotas, e todas olharam para ele assim que ele surgiu na porta.
Visivelmente constrangido, Skull fez uma reverência, e permaneceu na porta, até que Maeve surgiu do nada e o arrastou para a sua mesa, onde estavam Clícia e as outras garotas que os acompanharam na missão.
-Sente-se conosco, Corvinho. Fique tranquilo, elas não vão te morder.
Skull deu um sorriso sem graça e sentou-se com elas, enquanto Maeve preparava um prato para ele.
Ela voltou com uma montanha de comida. Os olhos de Skull se arregalaram ao ver aquilo.
-Quantas pessoas vão comer desse prato?
-Oh, Corvinho, você deve está fraco e sem energia, precisa se alimentar! Come tudo!
Skull suspirou, porque estava com fome suficiente para comer aquilo tudo, porém achava uma afronta uma única pessoa comer sozinha, uma quantidade de comida que serviria cinco.
Olhou sem graça para as garotas, que tinham o prato ainda maior do que o dele, e começou a comer.
Elas olhavam divertidas para ele, que comia educadamente, enquanto elas faziam muita algazarra.
-Ele come como um príncipe, Maeve! - Disse uma delas - Vai perder os modos, se ficar muito tempo perto de nós!
Skull sorriu timidamente. Observava as Amazonas e as achava divertidas, extrovertidas e bonitas. Elas pareciam muito felizes ali. Ele gostaria de sentir-se feliz assim, no seu templo. Mas estava mais à vontade ali com elas, e tinha que confessar que estava bastante triste porque aquilo iria acabar.
Discretamente, olhou para Maeve, e surpreendeu seus olhos nele também. Desviaram o olhar depressa, o que não passou despercebido pelas suas irmãs.
-Olha só, Maeve e o Corvo estão trocando olhares, hahaha! Estão flertando!
-Ahhh cala essa boca, Clicia! Cuida da sua vida! - Falou ela sem graça.
Skull estava roxo de vergonha.
Mas Clicia não pretendia parar.
-Ahhh vai mentir que não gosta de olhar para ele? Até eu gosto, e olha que nunca me interessei muito por machos, hahaha! Ele é mesmo uma gracinha, Maeve… Não precisa se envergonhar.
Maeve encarou a amiga e disse:
-Gosto mesmo! Gosto de olhar para o corvo, ele é bonito, interessante e legal! E daí, está com ciúmes?
Skull afundava cada vez mais na cadeira, e a comida dava voltas no seu estômago.
Se ele pudesse, se enfiaria debaixo da mesa e nunca mais sairia de lá.
-Eu? Com ciúmes de você? - Perguntou Clícia, ainda rindo - Ah, Maeve, já tive de você tudo o que você poderia me oferecer. Sei que não passaria o resto dos seus dias comigo, e se gosta dele, vai em frente! E você, Corvo, gosta de olhar para ela tanto quanto ela gosta de olhar para você?
-Co- como assim? - Perguntou ele, roxo de vergonha.
-Ai, Corvo, não dificulta as coisas! Só responde sim ou não!
-Eu… Acho que não é apropriado falar disso…
-Viu, Maeve? Ele disse que sim!
-Eu não disse nada! - Defendeu-se ele.
-Então não gosta de olhar para mim? - Perguntou Maeve, séria.
-Eu não disse isso… Eu gosto sim, quer dizer, não é isso o que eu quis dizer…
-Aaaah, ainda bem! - Disse ela se divertindo, e voltando ao seu prato - Pensei que eu estava perdendo o meu encanto de seria, hahaha!
Todas riram às gargalhadas.
-Me desculpe - Disse ele envergonhado - Eu não quis faltar ao respeito com você.
-Me elogiar não é falta de respeito, Corvinho! Se dissesse que eu sou fraca ou que lutasse mal, aí sim, eu cortaria sua cabeça fora!
Skull ficou vermelho de novo.
O jantar seguiu com mais brincadeiras e provocações, até que finalmente todos terminaram suas refeições.
Skull não via a hora de entrar em seu quarto e desaparecer debaixo do seu colchão. Mas essa não era a intenção de Maeve. Ela se levantou e o segurou pelo braço.
-Venha comigo Corvinho. Quero te mostrar uma coisa interessante, que você vai gostar de ver.
Clícia berrou, quando eles se afastaram da mesa:
-Não se esqueça de lavar as mãos depois, “Corvinho”! Hahahaha!
Maeve estava se divertindo com aquilo, e tentou tranquilizar Skull.
-Não liga para aquelas cretinas, Corvinho. Não estou pretendendo levar você para a minha cama. Não nessa noite, pelo menos…
“Não essa noite? “ - Pensou ele assustado - “O que ela quis dizer com isso?”
Maeve levou Skull pela mão até a ala oeste do templo, e entrou numa enorme biblioteca, cheia de pergaminhos organizadamente catalogados.
Skull admirou a quantidade de informações ali guardadas.
-Nossa! É quase do tamanho da nossa!
-Também temos Sacerdotisas intelectuais no Templo. - Disse ela orgulhosa - Mas para mim, não servem para nada.
-Ah, mas eu disse que poderia ensinar você! E eu pretendo, se você quiser.
-Se eu tivesse paciência para aprender...
-Mas eu tenho paciência para ensinar.
Maeve olhou para ele, com um olhar curioso.
-Não ia gostar de me ter como aluna, Corvinho. Eu posso ser muito temperamental.
Ele riu.
-Eu posso correr o risco. Se você vai me treinar, eu preciso retribuir, não preciso?
-Pode me retribuir de várias maneiras… -Skull ficou vermelho e ela também. - Eu não quis dizer isso, quero dizer, existem várias maneiras de retribuir uma cortesia…
-Eu… Eu entendi, não se preocupe.
-Não que eu não pense nisso às vezes, sabe?
-Nisso o quê?
-Nada, Corvinho, você um dia pode tentar me ensinar e pronto. Vou tentar ser uma boa menina e me comportar com você, quando estivermos aqui estudando…
-Eu tenho certeza de que vai. Porque senão, eu posso colocar você de castigo.
-Hahahaha! Eu gostaria de ver você tentar…
Skull sorriu para Maeve, e ela sorriu de volta. Realmente, era bom olhar para Maeve.
Ela acompanhou Skull até a porta de seu quarto.
-Está entregue são e salvo. Inteiro e sem nenhum pedaço faltando.
-Obrigado pela companhia. Eu gostei muito… Da sua… Biblioteca.
-Mãe Yahn não me deixou ir ao Templo com vocês amanhã. Ela sabe que eu não gosto muito dos corvos de lá. Sabe, mas eu até que gosto de você.
-Obrigado. Eu também… Gosto de você.
-Gosta de mim? Está falando sério?
-Gosto sim, Maeve. Por que não gostaria?
-E por que gostaria?
Skull respondeu sem pensar.
-Você é destemida, forte, justa… E também é inteligente, divertida, e bonita…
-Aaaaahhhh, está certo, hahahaha! Eu sei que não sou bonita não! Mas aceito os outros elogios, obrigada! Agora vai dormir, antes que eu resolva entrar e dormir com você!
-O quê?
Maeve revirou os olhos.
-Eu estou brincando, Corvinho! Não precisa se preocupar! - E bateu no peito - Eu sou imune ao amor!
E deu nele um tapa no ombro, daqueles que ela chamava de “cumprimento”, e depois saiu, cantarolando pelos corredores.
Skull fechou a porta, esfregou o ombro dolorido pela pancada dela, e retirou as roupas para deitar-se.
Ao lembrar-se da risada alegre e escandalosa de Maeve, ele sorriu. Agora tinha uma boa lembrança para se apegar, durante as punições que com certeza nunca mais terminariam, quando no dia seguinte, voltasse para o seu lugar.*****
Skull dormiu como uma pedra, coisa que ele não costumava fazer no Templo da Morte.
O ambiente e a aura do Templo de Tsukiko eram leves e agradáveis. O sono vinha rapidamente, e com ele o repouso da mente e os sonhos agradáveis.
Talvez fosse pelo tratamento hospitaleiro que ele recebeu ali, talvez pela comida, ou até mesmo pela água limpa do banho.
Ou somente por ter Maeve por perto. Ele não sabia e nem queria saber… Porque aquilo tudo chegara ao fim.
Quando ele se levantou, já havia uma noviça esperando por ele na sua porta, e disse que ele deveria ir se alimentar, antes de partir.
Skull foi ao refeitório, onde poucas garotas comiam seu desjejum.
Elas o cumprimentaram como a um velho amigo.
Skull nunca havia se sentido assim, tão bem vindo em um lugar.
Ele retribuiu com uma reverência, e ele mesmo se serviu, mas de forma discreta.
Não podia se acostumar a ingerir sempre grandes quantidades de comida boa, porque aquilo tudo estava terminando.
Depois de comer, ele foi ao jardim da frente do Templo.
Maeve não estava lá. Ele lamentou-se por não poder se despedir dela. Talvez nunca mais se vissem.
Quando percebeu que Mãe Yahn estava ali, somente aguardando por ele, Skull começou a se desculpar pela demora.
-Não se preocupe com isso, Monge. Eu sei que Maeve deixa todo mundo sem energia, e depois do que fizeram ontem, imagino que precisava descansar.
Skull empalideceu.
-Como assim?
-O treino na Arena, a missão para prender os assassinos... - E ela de repente achou graça no que ele estava pensando. - Achou que eu estava falando de quê, garoto? Maeve atacou você durante a noite, foi?
-Oh, Claro que não! O treino, a missão! Como fui me esquecer?
-Parece que está feliz conosco. Eu tenho alguns planos para o futuro… Você gostaria de ficar aqui?
-Ficar aqui? Eu não poderia! Os Mestres nunca permitirão!
-Eu estou perguntando se você gostaria de ficar, Skull, e não se acha que eles vão deixar.
Skull respondeu prontamente.
-Eu adoraria!
Mãe Yahn riu da animação dele.
Depois disse à noviça.
Mande que preparem uma dúzia de quartos, minha filha. Vou voltar com alguns recrutas para as instrutoras. - E depois, se virando para Skull - Vamos. Não quero perder mais tempo.
Um grupo de cinco Amazonas acompanhou Mãe Yahn e Skull até o Templo da Morte.
Dessa vez, ele estava envolto em sombras, e Skull disse o feitiço para dissipar a névoa e deixá-los entrar.
O Templo da Morte era uma Pirâmide negra, com escadarias por todos os lados. No topo da Pirâmide, havia um terraço com uma mureta, de onde os Monges podiam ver todo o entorno do seu território.
Quando eles começaram a subir, um Monge veio interceptá-los.
-Os Mestres estão prontos para recebê-la, Mãe Yahn. Mas Skull não deve entrar junto.
-Skull entrará comigo. - Disse ela simplesmente, colocando a mão no ombro de Skull. - Pode ir lá e avisar seus mestres.
O jovem monge correu de volta.
Skull olhou para ela.
-Não se preocupe, Senhora, se eu não puder entrar eu não entrarei...
-Eu quero que entre comigo. - Anunciou ela, e nada mais disse.
As Sacerdotisas subiram devagar os últimos degraus antes de entrar na Pirâmide, e o mesmo monge que os recebeu, estava pronto para conduzi-los à sala do Grande Mestre.
Mãe Yahn entrou na sala, se apoiando no ombro de Skull.
O Mestre deu um olhar fuzilante para ele, que abaixou os olhos, em silêncio.
-Bom dia, Grande Mestre. Vim oficialmente informar que os seus dias de neutralidade chegaram ao fim. Precisamos da ajuda dos Avatares da Morte na luta contra os Humanos.
O Mestre arregalou os olhos, com o fato de Mãe Yahn ser tão direta.
Ela era uma Brownie com orelhas de gato, olhos amarelos e longos cabelos brancos.
O Mestre era um velho Brownie Coelho levantou-se da sua cadeira.
-Até agora, estivemos seguros contra a ameaça dos humanos, devido à nossa neutralidade. E a Senhora quer que entremos na guerra?
-Eu quero que façam a sua parte e ajudem a salvar nosso povo. Precisamos de vocês. Ninguém está seguro, enquanto houver animosidades entre nós.
-Isso é culpa sua, não é, Skull? - Falou ele com raiva, olhando para Skull - Foi por causa da sua insubordinação que você nos colocou nessa posição!
-Ele nos ajudou em um único dia, muito mais do que vocês todos em um século. - Informou ela - E agora todos devem ajudar. Deve estar sabendo do ataque dos humanos ao vilarejo dos Elfos, com o sequestro e assassinato das crianças. Ainda temos muitas crianças desaparecidas que foram sequestradas de vários vilarejos… Isso é confortável para você? - O velho virou o rosto, sem responder. - Foi o que eu pensei. Não quer nem saber, não é mesmo?
-Isso nunca foi problema nosso! Esse templo existe apenas para servir ao Deus da Morte! Assim como o seu existe para servir à Deusa….
Ela o cortou.
-Correção, meu caro. O nosso Templo existe para proteger o traseiro de vocês. Se até agora, não sofreram ataques, foi devido à proteção das Amazonas patrulhando o seu território!
Skull quase riu da cara que o Mestre fez, mas mordeu a língua até sangrar para não rir.
-A Senhora é a autoridade máxima aqui. Não posso negar, se está me dando uma ordem.
-Eu estou lhe dando uma ordem.
-E o que pretende fazer?
-Para começar, estou recrutando doze monges do seu Templo para treinar no meu. Não posso mandá-los para a guerra assim, crus em combate. Precisam saber se defender.
-Terá os doze Monges. E você, Skull, cumprirá sua punição a partir de hoje, por quebrar diversas regras do templo.
-Negativo! - Falou ela, ríspida - Skull é um dos doze que eu vou levar. E é ele quem vai escolher os outros onze. - E olhando para Skull - Faça isso agora mesmo. Temos pouco tempo. Assim que escolher, arrumem as suas coisas para partirmos.
Skull fez uma reverência e deixou a sala.
-Está tirando a minha autoridade na frente dos meus Sacerdotes!
-Estou. - Disse ela, com o olhar mais doce que encontrou - Espero que não perca suas noites de sono por causa disso, pensando em mim…
O velho Brownie olhou com raiva para as Sacerdotisas, mas não revidou. Apenas mandou que trouxessem água fresca e servissem à elas.
Algum tempo depois, Mãe Yahn retornava ao Templo com Doze Avatares da Morte para treiná-los nas Arenas da Deusa.
Ao chegarem, Maeve e Clicia os esperavam na entrada do Templo.
Quando elas viram Skull, sorriram para ele. Mas quando viram os outros…
-Ahhhhh! Mãe Yahn trouxe mais frangos, e ainda mais magros do que ele, Clicia! Olha o trabalho que vai dar para alimentar e treinar esses meninos! Vamos demorar séculos!
-Boa sorte, General! Você é a responsável pelo treinamento!
-Você também é General, Clicia! Todo mundo vai ter que ajudar! Não posso treinar todo mundo sozinha!
Clicia riu, e disse.
-Certo, eu treinarei o Skull.
-Nada disso! Ele já é MEU recruta!
-Eu sabia! - Berrou ela - Isso vai acabar em beijo!
-Deixa de palhaçada! Ele prometeu que vai me ensinar a ler!
-Sei! Na linguagem dos cegos!
-Idiota! - Berrou ela, saindo irritada para dentro.
Mãe Yahn reuniu as Sacerdotisas no grande Hall de entrada e anunciou.
-De agora em diante, teremos doze Monges hospedados aqui, para treinar nas Arenas. Quero que os tratem muito bem, e que colaborem para que ele se sintam o mais acolhidos possível. Eles treinarão com as Generais e com as Instrutoras, e também muitas de vocês ajudarão. Não os desrespeitem, só por eles serem rapazes, e nem os chamem de corvos.
Os rapazes se encolheram, quando as meninas riram. Skull riu também.
Mãe Yahn continuou.
-Lembrem-se de que eles são rapazes, e não pedaços de carne, então, não tentem arrastá-los para dentro das suas tocas a qualquer custo, como predadoras, se eles não quiserem!
Os Monges dessa vez ficaram roxos, incluindo Skull. As meninas riram de novo.
O grupo foi dispensado, e todos foram para o refeitório.
Depois de almoçarem como nunca comeram na vida, os rapazes foram levados aos seus quartos, e puderam tomar banho em água limpa. Deixaram seus mantos negros para lavar e vestiram roupas leves de treinamento.
A partir daquele dia, a rotina do Templo mudou.
As garotas não andavam mais nuas pelos corredores, e também começaram a policiar o palavreado, para não ofender os rapazes. Elas eram guerreiras. Eles eram Monges. Não estavam acostumados à rotina delas, e se cansavam mais rapidamente também.
Poucos dias se passaram, e Skull estava na Arena da Água com os outros monges e duas Instrutoras, quando de repente entrou em transe. Um ataque da Instrutora estava a caminho, mas ele não foi capaz de rebatê-lo, afundando completamente na água.
A Instrutora o pescou lá do fundo.
Skull tinha os olhos negros, quando os fragmentos de alma com que ele marcou os assassinos humanos começaram a chegar, retornando para ele.
A instrutora o levou para a beirada da Arena, e o segurou nos braços, quando um a um, os fragmentos iluminados com uma luz arroxeada penetraram pelos olhos de Skull.
Quando recebeu o último, ele despertou.
-Os humanos… Foram mortos. - Disse ele, tossindo.
-Precisamos avisar à Mãe! - Respondeu a Instrutora, ajudando Skull, encharcado, a subir as escadarias da Arena. - Continuem treinando! - Disse para os outros.*****
-Isso vai dar muita confusão. - Disse Mãe Yahn, andando de um lado para outro. - Se os Elfos mataram os humanos, e um deles era filho do Prefeito… Eles vão revidar. Precisamos estar preparados. Tenho certeza de que nem os Templos estarão livres dos ataques. Quero que levantem o campo de força ao redor do Templo, e que as sentinelas se posicionem nas Torres. Estamos sob ameaça de ataque. Mande uma noviça ao Templo da Morte avisar aos Mestres, para que se preparem. Ofereça abrigo aqui, se eles quiserem. Espero que os Elfos estejam preparados para a represália.
-Por que haveria represália? - perguntou Skull, na inocência - Eles apenas estavam revidando as mortes das crianças.
-Os humanos não vão deixar barato. Eles se acham os donos do mundo. Eles acham que podem matar faeries, mas não podem ser mortos por eles. Precisamos acelerar o treinamento de vocês.
Skull estremeceu. Agora estavam na guerra mesmo.
O escudo de magia foi suspenso, e as sentinelas se posicionaram nas torres, aguardando os ataques.
Algumas horas depois, um mensageiro dos Elfos chegou ao Templo da Deusa, avisando que tinham executado os humanos, e que suas cabeças foram enviadas para a cidade.
-Eles não deveriam ter feito isso! - Exclamou Mãe Yahn, preocupada. - Imaginem o prefeito recebendo a cabeça do filho num sacola! Isso não vai ficar nada bom… Chame Maeve aqui, preciso falar com ela. - Disse ela para uma noviça.
Maeve entrou com o rosto sério, acompanhada da Instrutora do Fogo.
-O que aconteceu, Mãe Yahn? O que quer que façamos? Os escudos já estão armados! devemos patrulhar o entorno?
-Não precisam fazer isso. As Sentinelas estão nas Torres. Mas agora devemos esperar ataques ao nosso Templo. Precisam estar prontas, Maeve.
Maeve suspirou, e levou a mão à espada.
-Entendi. O que faremos então?
-Apenas esperamos. Mandei avisarem aos Mestres no Templo da Morte. Disse que eles podem ficar conosco, não há muitos monges lá com ele.
-Duvido que aqueles corvos velhos aceitem. São muito orgulhosos, vão preferir morrer do que se juntar a nós.
-Eu as chamei justamente para saber dos Filhos da Morte. Como está o treinamento dos rapazes? Algum deles se destaca para ser guerreiro?
Maeve riu alto.
-Hahahaha! São um bando de frangos, Mãe! Nunca vi gente tão fraca e desnutrida!
-Mas parece que o Skull leva algum jeito. - Disse a Instrutora do Fogo - Você o respeita.
-O Skull… É diferente. - Disse ela, corando.
Mãe Yahn disfarçou um sorriso e perguntou.
-Diferente como?
-Ele… É metade Daemon! Tem um poder natural, eu o vi manifestar esse poder na floresta, quando o humano nos insultou. Ele acendeu uma aura violeta, e ficou lá, aceso, e aí metade da cara dele ficou transparente, tanto que a gente via o esqueleto por baixo… Aí ele pegou o cara pelo pescoço! Pá! E depois o suspendeu com uma só mão, assim… E o olhos dele estavam completamente negros, e ele o ameaçou, e… E…
Mãe Yahn ouvia com atenção, segurando o riso. Olhou para a Instrutora ali ao lado, que também segurava o riso. Maeve parou de falar, e corou de novo.
-Parece que ele a impressionou mesmo, e bastante… Isso é uma raridade. - Disse a instrutora.
-Isso não vem ao caso! - Disse ela irritada - O que interessa é que ele pode lutar! Na Arena, ele não precisa segurar uma espada para me atacar! Ele tem um poder muito… Bastante… Satisfatório!
-Parece que ele a impressionou duas vezes então, Maeve. As instrutoras me informaram sobre o poder de luta dele, e eu já tinha escutado o relatório sobre ele na floresta, mas não contaram assim com essa interpretação toda, com essa animação…
Maeve fez uma careta.
-Pare de querer me arrumar parceiros, Mãe! Eu não estou interessada nisso!
-Bem, se você não estiver interessada nele, tem outras que estão. Mas estão preocupadas com você, por acharem que ele é propriedade sua.
-Propriedade minha? Hahahaha! Onde já se viu? Somos amigos, mas não estamos interessados em acasalar, se é isso o que está insinuando.
-Já perguntou para ele então? - Perguntou a Instrutora do Fogo.
-Claro que não! Eu jamais faria isso! Que coisa!
-Então já tem certeza, e não se importa que outras irmãs venham a ter algum contato físico com ele?
-Claro que não! Mas só se ele quiser, está bem claro? Elas não devem obrigá-lo e nem usar magia para isso!
-Maeve… Tem certeza? Muitas estão interessadas nele.
-Mãe! Pare de leiloar o Skull como se ele fosse um pedaço de carne! Essas garotas estão assim tão necessitadas de um parceiro, que estão pegando qualquer um?
-Ah, então para você ele é qualquer um?
-Não, ele não é! Ele é um cara legal! E é por isso que não merece ser tratado como… Uma fatia de pão!
-Não será, eu garanto.
-Mãe!
-Maeve… Você sabe que o nosso protocolo estimula que as Filhas da Lua procriem, para dar seguimento à linhagem da Deusa. E não proibimos o acasalamento por diversão, desde que seja consensual. Também não posso proibir que as outras Sacerdotisas Amazonas tenham o mesmo direito, mesmo que não sejam da linhagem da Deusa. Mas se você se opuser, eu direi a elas que ele não está disponível, que o território é seu, e que elas devem abordar os outros.
-Por que eu me oporia? Ele não é território meu! Eu não sou a dona dele!
-Maeve… Pense bem… Para depois não reclamar e nem criar confusão com as suas irmãs. Nós sabemos como você é ciumenta e possessiva.
Maeve bufou irritada. Estava cada vez mais vermelha. Que ideia foi aquela de Mãe Yahn? Pedir a permissão dela para que as outras namorem Skull?
-Chega dessa conversa! Eu estava indo para as arenas com os corvos! Posso ir, ou vai ficar me interrogando mais sobre essa besteira?
-Pode ir, Maeve. Eu já me juntarei a vocês. - Disse a Instrutora do Fogo. - Mantenha os rapazes na linha.
-É o que eu sempre faço! - Berrou ela, e saiu da sala batendo os pés, com raiva.
Mãe Yahn recostou-se na cadeira, e riu. Olhou para a Instrutora do Fogo, e disse.
-Maeve é a única das Filhas da Lua com quatro marcas. De nós todas, só eu tenho as cinco. Se a Deusa se manifestar, será em mim primeiro. Mas precisamos ter outra… Ela precisa despertar a quinta, porque será a única opção da Deusa, depois de mim. Precisamos dar espaço à ela. Tenho certeza de que ela gosta dele.
-Ele também gosta dela, Mãe. Já percebi como se olham, e como o fogo aflora neles quando se vêem. Mas ele é treinado para suprimir as emoções. E Maeve é uma mula teimosa e empacada, que declara aos quatro ventos que é imune ao amor. Não vai dar o braço a torcer. Ela não quer despertar a marca do Espírito.
-Talvez tenha medo. Eu também tive. Mas vamos ver como ela se comporta se tiver concorrência. Ele é um rapaz muito bonito, algumas das garotas estão bem interessadas nele. Quero ver até onde Maeve consegue se segurar, vendo as outras dando em cima dele.
-Tenho certeza de que ela vai criar problema.
-Eu estou apostando nisso! - Disse ela, se divertindo - Se não dermos um empurrão, jamais teremos outro Avatar Híbrido aqui para servir, somente filhas da Lua incompletas. Vá, pode ir para a Arena com ela. Cuide para que ela se irrite bastante. Teste os limites dela. Depois me diga, se ela reivindicou o território...
A Instrutora do Fogo assentiu, fez uma reverência e saiu.
Capítulo 6 - No Mundo de Jane
-Tente mais uma vez, Hans! - Dizia Mark irritado - Você não está se esforçando!
Hans transpirava e tentava outra vez, levantar-se da cadeira de rodas onde estava sentado.
Olhava para Mark e Jane, e depois para a Deusa.
Tsukiko estava de pé, ao lado de Jane, em todo o seu esplendor, com a aura dourada iluminando toda a sala.
Mas nem as macumbas de Mark, nem a magia de Jane e nem o poder da Deusa da Lua estavam funcionando, para que Hans voltasse a andar.
Hans travou as rodas da cadeira, e mais uma vez apoiou-se nos braços, com a musculatura tremendo, e a camisa encharcada de suor. Mas quando tentava ficar de pé, caía no chão.
Ele fechou os olhos, e socou o chão da varanda, com raiva.
-Não adianta dar chilique! - Disse Jane, com toda a paciência do mundo - Não se reaprende a andar de uma hora para outra, precisa se concentrar, Hans!
-Jane, eu não consigo! Nada do que vocês fizeram adiantou! Vou ser um paraplégico pelo resto da minha vida, não está vendo?
Mark o ajudou a levantar-se, e a sentar-se na cadeira de rodas.
-Vamos dar uma pausa. Vou te ajudar a tomar um banho, Hans. Você precisa relaxar um pouco, comer e descansar.
Com uma piscadela para Jane, ele levou Hans para dentro de casa.
“-Ele não quer andar, Jane. “ - Falou Tsukiko - “-Ele é capaz, mas quer se punir. Acha que não merece voltar a andar. Nada do que fizermos vai adiantar, se ele não desejar andar. A mente de Hans é extremamente poderosa, e está trabalhando contra ele.”
-Se ele não quiser, não vamos conseguir, não é?
A Deusa fez que não com a cabeça.
-Tsukiko, não adianta ficarmos aqui, nesse mundo, se não há mais Cristal para guardar… Precisamos retornar.
“-Você está certa. Espere, porque Jow virá buscá-los. Ela está se preparando para isso.”
-Jow virá? Quando?
“-Muito em breve. Eu apoio essa decisão, mas não devo interferir. Ela precisa fazer isso sozinha.”
-Espero que não atrapalhe, Deusa Estúpida.
Tsukiko fez uma cara feia.
“-Não sei por que eu não acabo com você quando começa a me insultar assim!”
-Porque sabe que eu sou a única pessoa no mundo com quem pode conversar… - Disse Jane rindo - E no fundo, você precisa de mim. Não há mais nenhuma filha da Lua no Mundo. Precisa de mim… Para continuar o seu exército idiota de Avatares. Me diga a verdade… O que realmente está acontecendo lá fora?
Tsukiko olhou para o outro lado, e respondeu.
“- Quando eu criei as Filhas da Lua, para dominar os cinco elementos, eu cometi um erro. Deixei aberta a possibilidade de mesclar outros elementos… A responsável pela destruição dos mundos, na verdade sou eu.”
-O que quer dizer com isso? Você é a responsável pelas fendas que estão destruindo os mundos? Não era Kratos?
“-Kratos foi responsável pelos portais de sangue e o mundo intermediário. E a Jow é a responsável por abrir as fendas. E ela está drenando toda a energia que pode, e as fendas são o escoamento para isso. Essa energia vem dos outros universos. Jow não tem controle sobre isso. Ela vai continuar absorvendo toda a energia dos mundos, até não restar mais nada. E a culpa é minha. Eu deveria ter previsto isso… Quando a linhagem de vocês começou no Povo Celta.
-Depois você reclama quando eu a chamo de Estúpida! Já sabe o que vamos fazer para parar isso?
“-Ela já tem consciência de que é responsável por isso. Ela tem que ser capaz de fechar as fendas. Mas depois… “
-Depois o quê? Não vai fazer nada de ruim com a minha filha! Já fez o suficiente, Estúpida!
“- Ela é minha filha também. E você também é. E eu posso não saber expressar o meu amor por vocês… Mas eu as amo muito.”
-Chega de mimimi, Tsukiko. Eu não vou admitir que você faça nada que prejudique a Jow! Que se danem os mundos!
“-Isso não funciona assim, Jane. Depois de fechar as fendas, Jow tem que deixar de existir.”
-Então traga ela para cá! Deixe-a aqui comigo!
“-Não vai adiantar. Há uma fenda aqui agora. O processo não vai parar.”
Jane fechou os punhos, e sentiu vontade de socar Tsukiko.
-Você falou que ela pode fechar as fendas? Se ela fizer isso, não precisa deixar de existir.
“- Se ela continuar existindo, as fendas se abrirão de novo…
-Mas por que eu não abro fendas, e ela abre? Eu também tenho todas as marcas! Eu não deveria ser como ela? Um Avatar híbrido completo? Até a Arena da Lua eu abri! Tenho cinco elementos!
“-Mas a Jow tem um a mais, Jane. Eu não imaginei isso até ver o estrago nos mundos. Tenho que pensar como ela pode fechar essas fendas… Eu também não sei o que deve ser feito… Eu também não quero abrir mão dela. Ela é a minha melhor criação… Tão perfeita, tão completa… E tão mortal!”
-Chega, Estúpida! Não quero ouvir mais nada! Você vai dar um jeito de salvar a minha filha… E eu não quero nem saber como! Se vira!
“-Quando ela chegar aqui… Não conte a ela que sabe disso. Ela precisa ficar estável. Quando mais estressada, mais absorve energia.”
Jane olhou para a Deusa com cara feia, quando ela se foi. Depois entrou. Mark estava na porta, ouvindo a conversa.
-Desde quando escuta atrás das portas?
-Jane… Não podemos deixar essa Deusa idiota fazer nada com a Jow! Não mais! Já foi o suficiente o que ela fez com as nossas vidas!
-Eu sei. Vou pensar em algo. Agora me dê licença… Preciso preparar a casa para receber a nossa filha!*****
Leiftan desceu até a prisão, conduzindo Amin.
Quando eles chegaram, os humanos começaram a gritar.
Mas Leiftan incendiou os olhos e liberou as suas asas de dragão, enquanto gritava:
-CALADOS!!!!!!!!!!
Os homens se calaram e se encolheram, recuando nas celas.
A prisão nunca esteve tão cheia.
Amin foi colocado numa cela suspensa, sozinho, ao lado das outras, onde já estavam os outros 17 mercenários e os dois magos traidores.
Várias gaiolas pendiam sobre as águas do canal do porão, e os prisioneiros ali dentro pareciam galinhas assustadas, quando olharam para Leiftan, que permaneceu com os olhos em chamas até sair de lá.
Quando se viram sozinhos, começaram novamente a xingar Amin.
O jovem Brownie simplesmente deitou-se no chão da sua cela, e se encolheu.
Nem a morte seria suficiente para libertá-lo agora. Porque nem a Morte apagaria a mágoa do seu coração tomado pela dor, pelo ódio e pelo desejo de vingança.
Os homens acusavam Amin de tê-los entregue para a guarda de Eel, e de ter enviado a Bruxa que destruiu a base de Nevada para prendê-los. Os magos acusavam os mercenários de tê-los entregue também. Todos acusavam todos ali. Mas ali não havia nenhum inocente. E Amin tinha a certeza disso. O destino deles seria o mesmo, independente do grau de envolvimento. Todos tinham conspirado contra a Guarda de Eel. Mas Amin também odiava a guarda de Eel. Se pudesse, faria tudo de novo. Entregaria o Cretino do Valentim mil vezes , se pudesse. Só que dessa vez, não cometeria o estúpido erro de se deixar prender.
A gritaria foi ficando cada vez maior, até que sombras escuras invadiram o ambiente do porão. O ar ficou gelado.
Dezenas de Espectros de carniça, de lama e névoa negra saíram das paredes e voaram entre as gaiolas. Um cheiro de carne podre e enxofre impregnou o ar.
Os homens gritaram apavorados.
Amikoh, que permanecia ali, na forma invisível dos elementais, reconheceu aquela energia maligna. Eram os espectros que acompanhavam Thadeus Grimm, e que tinham sido levados com Kratos para dentro do cristal corrompido.
Ele ponderou se devia continuar ali, ou se teleportar para cima e alertar a guarda de Eel. Mas nenhuma ação sua seria rápida o suficiente para deter o que aconteceria ali.
Os mercenários e os magos berravam, apavorados, enquanto os seres de carniça se divertiam em enfiar as mãos esqueléticas entre as grades e agarrar as pernas e braços dos homens, puxando-os e os fazendo chocar-se de encontro às grades.
Amin encolheu-se no canto da gaiola e permaneceu petrificado. Quando ele ansiou por vingança, não imaginou que pudesse atrair seres nojentos como aqueles… Até que viu Kratos, transparente, segurando seu cajado, de pé no meio da prisão. E ao lado dele, impassível e silencioso, o Espírito transtornado, despedaçado e corrompido de Thadeus Grimm.
Quando os humanos viram seu antigo General, eles o temeram mais do que aos demônios de carniça. O mal que dele emanava era maior do que o que vinha dos Espectros. Uma energia enorme, pesada e ruim. Os monstros sibilavam e rosnavam.
Eles só se calaram, quando Kratos se aproximou. Grimm arrastava-se atrás dele, como um animal numa coleira, completamente dominado, os olhos cheios de ódio.
Kratos chegou até a gaiola de Amin e a abriu.
O rapaz encolheu-se no fundo da cela, recusando-se a sair. Mas Kratos tinha outros planos para ele.
-Está pronto para ter a sua vingança, Amin?
-O qu-que quer dizer com isso? - Perguntou Amin, apavorado.
-Eu fiz uma pergunta simples. Você só precisa me responder. Eu leio sua mente, eu sei o que você deseja. Mas estou querendo saber até onde vai sua determinação de se vingar.
-De quem?
Kratos suspirou, com paciência.
-Da guarda de Eel… Desses lixos humanos a quem você se aliou… - E se virando para trás, com um movimento das mãos, levantou uma névoa púrpura e tirou Amikoh da clandestinidade, tornando-o visível - E desse Silfo enxerido que está nos espionando aqui.
Os olhos de Amin se encheram de raiva, quando olhou para Amikoh.
O Silfo estava completamente dominado pelo poder de Kratos, e não conseguia se mover ou falar. Tentou teleportar-se, em vão. Não era possível sair daquela dominação.
-Ele estava aí? Que desgraçado! Como sabia que ele estava aí, Mestre?
-Eu fiz o que faço melhor, Amin… Eu li as mentes. Por isso eu sei o quanto você o odeia… Que está ansiando por se livrar dele.
Amin tremia de raiva, ao olhar para Amikoh. Os olhos verdes pálidos do Silfo expressavam ansiedade e medo. E Amin gostou daquilo.
-Eu quero… Quero vê-lo explodir! Quero que ele deixe de existir… E eu quero que a Juma saiba que ele deixou de existir! E que ele deixou de existir por causa de mim! Eu quero que ela sofra!
-Posso arranjar… Sumir com ele, mas sem envolver a pobre Juma nisso. Ela já sofreu demais para uma menina tão jovem.
-E eu? Não sofri também? Não fiquei morto pelo senhor? Não mereço ser recompensado por isso?
-Terá sua vingança, Amin… Mas preciso que me obedeça agora. Preciso distrair a guarda de Eel… Porque ela está na frente dos meus planos. Mas para isso, preciso de você… O que me diz?
Os homens queriam gritar, mas o poder de Kratos os estava silenciando. Até mesmo os Espectros de carniça estavam sob o controle do mago. Grimm permanecia calado, apenas com o olhar negro dirigido para Amin.
-E ele? - Apontou o Brownie para Grimm. - O que vai fazer com ele?
-Ele não vai nos atrapalhar, pelo contrário. Ele tem seus próprios planos… E a sua vingança pessoal. Já conseguimos atrair Jow para o nosso esconderijo, e ela já provou da energia negra que ele carrega. Logo logo vai começar a absorvê-la e a se fortalecer cada vez mais com ela. Só nos resta agir. O que você decide? Vai me emprestar seu corpo em troca de ficar livre do Silfo?
-Eu vou! - Berrou o Brownie. - Eu empresto!
-Então, Amin… Arranque algum sangue do seu corpo… E invoque o Ceifador.
-Não! Mestre… Um ceifador não! Ele vai me matar também!
-Eu não disse “UM” Ceifador… Eu disse “O” Ceifador… Aquele com quem eu fiz um acordo anos atrás, Amin…
-Eu… Como vou escolher o Ceifador?
-Apenas faça o ritual… Vou guiá-lo em como fazer. Apenas faça e no final do mantra vai dizer o nome dele… Skull.
Amin obedeceu. Arrancou uma das unhas com os dentes, e logo o sangue abundante escorreu pela sua mão. E comandado pela mente de Kratos, desenhou com o seu próprio sangue os símbolos no chão da gaiola, enquanto proferia as palavras do ritual.
Quando Amin terminou, o chão da prisão estremeceu e o ar ficou gelado.
Os homens, apavorados e silenciados pela magia de Kratos, só podiam suar e urinar nas roupas.
Amikoh permanecia congelado no canto onde estava. Não conseguia emitir um som sequer e nem se mover.
O chão e as paredes racharam. Um vórtice negro abriu-se em frente à cela de Amin.
Primeiro ele avistou a foice negra do Servo das Sombras que acompanhava o Ceifador.
Depois o Espírito Ceifador saiu dele, parando em frente à gaiola, olhando diretamente para ele.
O Ceifador trajava um manto negro e esfarrapado, e tinha a metade do rosto esqueletizado. A outra metade era a face de um homem jovem e bonito.
Seu olhar sério e penetrante fixou-se em Amin, até ele sentir a presença de Kratos e voltar-se para trás.
“-Você de novo!” - Exclamou ele, visivelmente irritado. Depois abriu um sorriso na face meio esqueletizada. “- Está morto! Como conseguiu esconder sua alma de nós?”
-É uma longa história, Skull… E temo não haver tempo para explicar agora… Precisamos dos seus serviços.
“-Serviços? E eu não sou seu empregado, mago! Não tem o direito de me chamar pelo nome! Pra que diabos me invocou? Não tem mais nada a me oferecer!
-Eu posso lhe oferecer… Eu posso! - Gritou Amin, de dentro da cela.
“-O que me oferece, garoto? Se não tiver nada que eu queira, vai apenas calar a boca e morrer com dignidade!”
-Eu tenho! Posso lhe dar meu amor… Assim como o Mestre fez um dia! Leve meu amor, ele é todo seu!
O Ceifador olhou para Amin, e chegou mais perto. Aproximou o rosto esqueletizado da gaiola e cheirou Amin.
“-Seu Amor foi rejeitado… Tem uma energia enorme… E o que quer em troca?”
-Leve aquele Silfo! Leve-o com você! - Berrou ele, apontando Amikoh.
O Ceifador fez um gesto negativo com a cabeça.
-Não posso fazer isso.
Kratos intercedeu.
-Leve todos esses prisioneiros, Ceifador… Eles são testemunhas, não podem nos denunciar. E me deixe intacto, assim como meus servos… Vou precisar deles. - Disse apontando para os seres de carniça e Grimm - Mas precisa levar aquele Elemental.
Skull olhou para Amikoh, preso na magia de Kratos, e chegou perto dele.
Amikoh arregalou os olhos, apavorado, incapacitado de oferecer qualquer resistência.
“-Sabe que não me é permitido ceifar Espíritos Elementais.”
-É por ele que eu o chamei! - Berrou Amin, da sua gaiola - Eu o chamei por causa dele! Para que o leve! Meu amor em troca disso! Leve o Silfo!
“- É pouco, garoto. As consequências que eu vou enfrentar se afrontar de novo a Deusa da Lua, são muito sérias.”
-Mas também tenho algo a lhe oferecer… -Disse Kratos - Algo que não tem preço. Uma pista para o fragmento de alma que você procura há séculos, Skull.
O Ceifador olhou para Kratos, espantado.
“-Você não pode, Kratos! Você não sabe…”
-Eu tenho uma aposta, Ceifador. Se quiser arriscar, pode ser que sua busca esteja terminada. Apenas faça o que o garoto pede.
O Ceifador prontamente concordou.
“- Se estiver errado, Kratos… Sua alma vai apodrecer no submundo! E eu cuidarei para que fique consciente e nunca reencarne! ”
-Não se preocupe. Eu não costumo estar errado.
“-Então está feito!”
E levantou uma das mãos.
O Servo das Sombras saiu de trás dele, carregando sua foice de névoa cinzenta… Voou pela prisão até as gaiolas, e com a foice, arrancou as almas dos prisioneiros, levando-as penduradas como se fossem trapos. Os corpos vazios caíram no chão das gaiolas.
Depois o servo do Ceifador aproximou-se de Amikoh, e golpeou-o com a foice.
O corpo etéreo do Silfo desmanchou-se em névoa branca e sua alma pálida também ficou aderida à foice de fumaça preta.
O Ceifador chegou até Amin, que ainda estava dentro da gaiola. Enfiou o braço esqueletizado e agarrou o pescoço do rapaz, arrastando-o de lá de dentro pela porta aberta.
Amin sufocava, esperneando, pendurado pelo pescoço, e o Ceifador chegou seu rosto bem perto do dele. Quando Amin já agonizava sem ar, uma pequena chama rosada saiu da sua garganta, entrando pelo olho do Ceifador, que largou Amin no chão como um saco de batatas.
Assim, o Amor de Amin se foi.
“-Eu vou achá-lo, Kratos…” - Disse ele, voltando para o vórtice negro - “ Já senti seu cheiro. Sabe que agora não pode mais se esconder de mim.”
-Eu não pretendo. Eu vou chamá-lo, quando for a hora.
Sem dizer mais nada, ele se foi, deixando atrás de si uma chacina.
Kratos olhou para dentro das gaiolas, para os cadáveres dos mercenários e dos magos.
Depois chegou até Amin, ainda sem sentidos no chão, e o sacudiu.
Amin gemeu e abriu os olhos, levando a mão ao pescoço, onde havia as marcas dos dedos do ceifador.
-Agora cumpra a sua parte do trato… Preciso que deixe-me entrar.
O Brownie assentiu com a cabeça, e fechou os olhos.
Imediatamente, o Espírito de Kratos apossou-se do corpo dele.
Calmamente, ele ordenou que seus espectros de carniça o acompanhassem, e eles, um a um, foram penetrando no corpo de Amin. Até que chegou a hora de Grimm.
-Entre também. Prometo mantê-lo sem dor até a hora chegar.
Grimm, calado, obedeceu. E no instante seguinte, Kratos, no corpo de Amin, trancou a gaiola, e se deitou no chão.
Ali ele experimentou a dor que Amin sentia, e o frio, e a fome. Sensações das quais ele não se lembrava mais… E a total falta de amor no coração do Brownie. Amin não tinha mais amor e nem vontade de viver. Teve a sua vingança, e agora estava vazio. Melhor para ele, Kratos. Não haveria remorsos no que ele precisasse fazer.
O corpo de Amin era jovem, mas frágil. Não era preparado para absorver tanto poder. Ele precisava retirar energia de algum lugar. E nada melhor para alimentá-lo, do que a principal fonte de energia que havia naquele mundo: Jow.
Kratos precisava agora atrair Jow para lá, e trocar energia com ela. E para isso, precisava interpretar um Amin apavorado e indefeso, que despertasse a misericórdia da pequena aberração. Se alcançasse a mente de Jow, ele poderia fazê-la ver o que havia acontecido com Amikoh… Para que ela ficasse com medo pelos seus outros amigos elementais.
Kratos se concentrou e descansou, acalmando a dor e a fome de Amin. Precisava se preparar para chamar por ela, com a mais pura miséria da qual podia se lembrar.*****
Jow passou a noite no quarto de Ewelein, cuidando para que ela se recuperasse completamente.
Quando amanheceu, Ewe acordou revigorada, nos braços de Jow.
-Bom dia Ewe! Preciso ir até a Miiko, amiga… Vamos, levante-se. Vá vestir-se e vá comer alguma coisa. Depois vamos até ela, pedir que chame a Oráculo.
-Jow… Precisa fazer as pazes com o North e o Ezarel. Não pode ir para uma viagem arriscada assim, de mal com eles. Vá por mim, escute a sua amiga, para não se arrepender depois…
Jow revirou os olhos, mas sabia que ela estava certa.
-Está bem, Ewe. Depois que se alimentar, me encontre na sala de Miiko.
Ewe se arrumou e saiu para o refeitório, enquanto Jow foi procurar North, e viu quando Darien chegou com Amin e Leiftan.
Saiu para o jardim e encontrou Sion e Kazai.
-Onde estão o Amikoh e o North? - Perguntou ela.
-Amikoh está em missão na prisão… - Disse Kazai - E o North está…
-O moleque está na praia com as sereias! - Disse Sion - Se eu fosse você iria depressa atrás dele, antes que perca seu namorado para alguma sardinha assanhada…
Jow arregalou os olhos e teleportou-se dali para a praia.
-Sion! - Repreendeu Kazai - Porque disse aquilo? Não é verdade! Não há sereia nenhuma com ele lá!
-Eu sei! Mas se a Pirralha estiver com ciúmes, vai mais do que depressa resolver esse assunto de uma vez! Porque eu já entendi que ela não pode ficar longe deles, Demônio de Fogo! Senão esse mundo vai ruir antes do tempo! Ela precisa equilibrar e depois gastar essa energia acumulada!
-Hihihi! O vovô Sion está me saindo melhor do que a encomenda!
-Não vá achando que eu apoio a pouca vergonha, Kazai! Isso é pelo bem dos mundos!
-Sim, eu sei, Sion… Eu sei, hihihi!
North estava mesmo na praia.
Mas quando Jow chegou ao Rochedo, ele estava sozinho. Não havia nenhuma sereia com ele.
Ela apareceu com um turbilhão de energia, e um pequeno tornado de fogo a envolvia.
-Ahhh! Jow! O que aconteceu? Está em chamas! O que foi que houve?
Ela sacudiu os cabelos curtos, e as chamas se foram. Olhou para um lado e para outro, procurando as sereias.
-O que foi, Jow? Está esperando alguém?
-Eu… Não… Eu vim procurar por você.
-Do jeito que você chegou, parecia estar em perseguição a um fugitivo… Achou que eu tava fugindo de você? Hahaha!
-Não seja idiota, Mar do Norte!
North sorriu. Há algum tempo ela não o chamava assim. Isso só acontecia, quando ela queria mostrar que era a dona dele. Ele a conhecia tão bem!
-Sente-se comigo, Jow… Vamos conversar.
-Eu não quero conversar, North. Só vim ver… O que você estava fazendo… Eu preciso fazer uma pergunta… Lembra quando você e o Ezarel foram me buscar na Arena da Lua?
-Como eu poderia esquecer?
-Como fizeram para achar o caminho? No Limbo?
-Nós projetamos o nosso amor por você, para fora da nossa alma… Os caminhos apareciam, e nós íamos seguindo. Sabe, não havia um mapa pra gente seguir… A gente só ia… - North segurou-a pela mão e a puxou para si. - Fique um pouco comigo… Por favor… Estou sentindo a sua falta, Princesa.
Jow deixou-se levar e sentou-se junto com ele. Ela também estava sentindo falta dele.
-Eu… Não posso me demorar. Vim apenas dizer que vou sair numa missão.
-É? E para onde vai?
-Vou procurar o Hans na Arena da Lua da minha mãe.
-O Quê? Não! Não pode ir lá! Jow, não pode fazer isso!
-North… Cale a boca! - Disse ela, e segurou o rosto dele com as duas mãos e lhe deu um beijo. North sentiu-se anestesiado pela quantidade de energia que vinha dela.
Uma bomba de luz explodiu ao redor deles, enquanto seus corpos se desfaziam em vapor e luz.
A energia desprendida empurrou as ondas para trás, e elas retornaram numa onda gigante, que varreu a praia inteira.
-O que… O que foi isso? - Perguntou ele, tonto.
-North… Eu amo você. Não encha o meu saco.
E teleportou-se dali, deixando North sozinho e completamente confuso.
Ele deitou-se no rochedo, enquanto as ondas explodiam nele, espirrando espuma por todos os lados, e recompondo seu corpo etéreo. E disse em voz alta...
-Eu entendi. Eu amo você também, Jow.*****
Saindo dali, Jow foi despedir-se de Ezarel.
Teleportou-se para a porta do laboratório, onde o Elfo estava com os recrutas.
Ele ainda processava a amostra de gosma verde que ela tinha recolhido do monstro das fendas.
Ela entrou, e ainda estava iluminada pela aura dourada.
Olhou para os recrutas, que a cumprimentaram e rapidamente saíram, deixando seus trabalhos inacabados nas bancadas. Quando Jow chegava, eles sabiam que deviam sair. Para o bem deles mesmos.
Ezarel sorriu, quando ela se aproximou dele.
-Que bom que está aqui, Maldita. Estou quase terminando com essa meleca aqui. Eu senti sua falta… Quer conversar?
-Não. Vim apenas informar que sairei numa missão, Ezarel.
-Para onde? Posso ir junto, se quiser.
-Vou buscar o Hans.
-O quê? Na Arena da Lua da sua mãe? De jeito nenhum, Jow!
Jow sabia exatamente o que devia fazer. Andou rapidamente até Ezarel e o empurrou de encontro à parede, e sem deixá-lo dizer nada, também o beijou, fazendo explodir ao redor deles outra bomba de luz.
Ezarel não sabia se estava sem ar ou se o ar era demais. Não sabia se estava sem chão, ou se o chão em que pisava estava sólido demais. Sua alma saiu e voltou ao corpo, sem espaço físico que a contivesse. Ele apertou Jow nos braços, mas não tinha certeza se ela era concreta, ou se ela era apenas feita de energia…
-Eu amo você, Maldito. Não me encha o saco você também!
E também teleportou-se dali para fora, deixando Ezarel sozinho.
Ele escorregou de costas pela parede até sentar-se no chão, e murmurou para si mesmo.
-Eu a amo também, Maldita… Mas se ficar fazendo isso toda hora, acho que não vai sobrar nada aqui para você depois… Você vai me pulverizar!
Jow estava agora com a energia equilibrada, e foi direto para a sala do Cristal, onde Ewelein já a esperava, com Eycharistisi e Kazai. Sentia-se segura e estável, e bastante feliz.
-Onde está a Miiko? Ela não veio?
-Miiko foi para o mosteiro com Leiftan… - Respondeu Eychi - Não precisamos dela para isso, Jow… E não quero correr o risco dela rejeitar sua decisão. Eu acredito que você pode sim, conseguir trazer o Hans de volta. Eu vou chamar a Oráculo.
E tocou a pedra.
Quando as cores da Oráculo encheram a sala, Ewelein virou o rosto, para não olhar para ela. E ela já sabia o que deveria fazer.
“-Posso levá-la ao Limbo, Jow… Mas não posso guiá-la. Deve achar o caminho sozinha, e isso não será fácil…
-Oráculo… Não me encha o saco também. Apenas me leve, OK?
-Eu vou junto, Bebê! - Informou a Salamandra - Não vai sozinha!
-Kazai, não! Você deve ficar! Não vou te arrastar comigo para uma jornada assim! Cuide de tudo aqui!
-Não, eu vou cuidar de você. Precisa de alguém, não deve fazer isso sozinha…
-Ela tem razão, Jow… - Disse Ewelein - Ela deve ir junto. Cuidaremos de tudo aqui, apenas traga o Hans de volta! Estaremos bem aqui!
Jow suspirou, e assentiu.
A Oráculo as abraçou e desapareceu com elas.
Ewelein abaixou a cabeça.
-Eychi… Sabe que nós fizemos isso, escondido de todo mundo?
-Só poupamos tempo e mimimi, Ewe! Vai dar tudo certo! Vamos confiar nelas!
North permaneceu na praia por algum tempo, sem se lembrar direito de onde estava e do que estava fazendo. Somente um tempo depois, ele se deu conta do que havia acontecido.
Jow ia sozinha para o Limbo, em busca de Hans! Ela o atordoou com uma bomba de luz e se foi.
Ele não podia deixar aquilo acontecer… E teleportou-se depressa para a sala do cristal.
Lá chegando, Ewelein e Eychi ainda olhavam apreensivas para o cristal.
Ezarel também demorou algum tempo no chão do laboratório, até os recrutas retornarem e o encontrarem desorientado.
-Ezarel! Você está bem? Ezarel! Você está bêbado? Cadê a Jow?
O Elfo percebeu que havia passado algum tempo, desde que Jow o anestesiou com aquela energia.
-Ahhhh! Aquela Maldita! - Berrou ele, se levantando, atropelando os recrutas e saindo depressa pela porta do laboratório. Desceu correndo as escadarias do Hall principal e entrou na sala de Miiko.
Mas já era tarde demais para impedir qualquer ato. Ali estavam Eychi, Ewe e North, e todos olhavam para o grande cristal azul, que com a sua solitária luz fria, dizia tudo por si só.
-Ela se foi, Ezarel! - Gritou North irritado - Ela foi para o limbo com a Kazai!
-Eu… Tentei chegar a tempo, mas não sei o que houve!
-Ela nos enganou, Elfo! Ela nos atordoou e ganhou tempo!
-Calem a boca! - Reclamou Ewelein - Eu disse para ela fazer as pazes com vocês, porque tudo o que ela precisa agora, é de equilíbrio! E o que vocês estão fazendo, é justamente o contrário! Ela precisava de vocês para equilibrar a energia dela e ir!
-Ewelein! Você sabia e não a impediu? - Perguntou Ezarel.
-Ela foi a única que se prontificou a ir buscar o Hans! Nem sabe se ele está vivo, mas foi! Ninguém, nenhum de vocês, moveu um músculo para me ajudar a trazê-lo de volta!
Ezarel e North se olharam, e o Elfo retrucou.
-Você não está raciocinando, Ewelein! Se a Jow se perder lá…
-Ela não vai se perder! Eu acredito que ela vai conseguir! Ela nem pode morrer… Ela já morreu… - Falou Ewelein, começando a chorar - E Hans pode ter morrido…
Eychi abraçou Ewe, tentando consolá-la, e olhou feio para os dois.
-Vocês são dois egoístas mesmo! Só pensam em vocês! Ninguém está se importando com a Ewe ou com o Hans, ou mesmo com a Jow, só estão olhando para o umbigo de vocês! Pensem com a cabeça certa!
-Eychi, isso não tem nada a ver…
-Cale a boca, Ezarel! Já falou o suficiente, agora já está feito, Jow e Kazai estão no limbo, e a única coisa que vocês podem fazer agora é torcer para que tudo dê certo, e voltar para seus trabalhos! Vá para o laboratório e acabe a análise da gosma verde. E você, North… Vá fazer qualquer coisa molhada! Sumam daqui!
North olhou furioso para Eychi e desapareceu dali.
Ezarel ainda abriu a boca para protestar, mas Eychi tinha razão. Nada mais havia a ser feito. E o mínimo que ele podia fazer agora, além de rezar para que a jornada desse certo, era terminar aquela análise depressa. E saiu também.
-Eu não vou sair daqui, Eychi. - Disse Ewe - Vou esperar, nem que leve dias ou meses, mas não arredo o pé daqui!
-E eu ficarei com você, Ewelein.*****
-Tem certeza de que não sobrou nenhum bicho aqui? - Perguntava Valkyon para Chrome, que coberto pela gosma verde, limpava a espada na roupa.
-Tenho certeza absoluta… - E olhou para Kiyoto, que afagava Sheila, e os espiava com o rabo do olho. - Esse animal é fantástico!
-Sim, tem razão. Pretendo levá-lo para Eel. Vocês querem voltar comigo?
-Não! - Respondeu Kiyoto prontamente - Ficaremos aqui, para garantir que todo bicho que cruzar essa fenda, morra rapidinho!
-Então está certo… Agora vão se lavar. Depois passem na enfermaria para cuidar dos ferimentos, e então voltem para cá. Fizeram um bom trabalho, continuem a patrulha!
Valkyon olhou para onde estavam os cogumelos, completamente cobertos com a gosma verde reluzente dos bichos. Os cogumelos tinham começado a murchar, e nenhum outro bicho saiu da fenda ali.
Chrome e Kiyoto saíram correndo, na direção do templo, mas quando Valkyon se virou, eles mudaram a direção.
Correram para uma das plantações, onde havia uma enorme quantidade de cogumelos brancos, e pularam a cerca, se embrenhando no meio da lavoura de cenouras.
Lá no centro, camuflado por um lençol, estava um caixote cheio de pequenos seres das fendas. todos eles cabiam na palma da mão. Eles guinchavam baixinho, e quando o lençol foi levantado, eles se aglomeraram na beira do caixote.
Kiyoto catou os cogumelos que nasciam ao redor do caixote e alimentou os bichos.
-Calma, pequenas Sheilas, tem pra todos! Não vai faltar comida, os papais trouxeram seu papá!
-Kiyoto, parece um retardado falando assim com os bichos!
-Cala a boca, lobisomem idiota! Me ajuda a alimentar os bebês! Eles precisam se acostumar com a gente depressa! Antes que cresçam e fiquem maus!
-Acha mesmo que vai conseguir domesticar essas coisas, rabudo?
-Claro! Se as crianças brownie fizeram, eu posso sim! Me ajuda, tapado!
Chrome catou mais cogumelos e ofereceu aos bichos, que começaram a ronronar como gatos.
-Viu? - Exclamou Kiyoto satisfeito. - Eles ficaram felizes, mais um pouco e começam a crescer, em breve teremos um exército de Sheilas para matar monstros!
-Se o Valkyon descobrir vai arrancar nossas cabeças.
-Ele nunca vai descobrir. Ninguém vem aqui nessa época, os campos não estão prontos para colher. Só temos que mantê-los escondidos e alimentados. A névoa rosa que sai do cristal rosa vai mantê-los aquecidos e protegidos. Vamos tomar banho logo, que eu ainda quero voltar aqui mais uma vez hoje.
E saíram depressa dali, deixando as “pequenas Sheilas” adormecidas no berço improvisado.*****
Jow e Kazai foram deixadas pela Oráculo no limbo. Dali seguiriam sozinhas em busca de Hans.
-Então… Por onde começamos, Bebê?
-Não faço a mínima ideia, Kazai…
-Você veio para cá… Sem um plano????
-Eu perguntei ao North como eles fizeram para me achar, quando vieram. Ele me disse que apenas projetaram para fora o amor que sentiam por mim, e os caminhos se mostravam… E eles iam seguindo.
-Parece tão vago… Vai! Projete para fora seu amor por seus pais, Jow!
-Isso é fácil, Kazai!
Jow iluminou-se completamente com a luz dourada do quinto elemento. Milhares de caminhos se projetaram dela.
-Oh… Acho que precisa ser mais específica, Jow… Parece que projetou seu amor pelo mundo inteiro! Há tantos caminhos!
-Kazai… Vamos escolher um e seguir… Preciso me concentrar nos meus pais.
A Salamandra concordou, e segurou a mão de Jow.
No mesmo momento, Jow mudou o seu elemento para fogo, vibrando na mesma sintonia que Kazai.
Elas percorreram uma enorme distância, flutuando… Com as chamas iluminando os caminhos cinzentos do limbo.
Nesse momento, a mente de Kratos alcançou a de Jow e ela despencou no chão.
Suas chamas se apagaram. Uma tristeza imensa tomou conta dela, e uma aura azul escorreu pelo solo pedregoso do limbo.
Jow soltou um gemido, e sentiu sua vontade de existir se esvair aos poucos da sua alma.
-O que foi isso, Jow? O que está acontecendo? - perguntou Kazai, espantada.
-É Amin! Ele está me chamando! Kazai! Ele está naquela prisão!!! - Jow tinha os olhos no nada, enquanto as cenas enviadas por Kratos se desenrolavam dentro da sua mente - Oh, Kazai! Um Ceifador entrou na prisão e matou todo mundo! Ele levou o Amikoh! O Amikoh, Kazai!
Jow segurava o peito e as lágrimas desciam pelo rosto dela.
-Calma, Jow! Como assim? Desde quando o Amin consegue falar com você? Ele não tem esse poder! E desde quando você chora?
Jow não escutava.
Kratos projetava para ela repetidamente, através da mente, todas as imagens do Ceifador coletando as almas dos mercenários e dos magos, e depois levando a de Amikoh com ele.
Os olhos de Jow vertiam lágrimas incandescentes, que continuavam a queimar, quando caíam no chão. Ela olhava, mas não via. Só tinha olhos para a cena que se acontecia como um loop dentro da sua mente. Era exatamente como quando Hans a fez assistir a morte do seu pai, através dos seus olhos.
Jow viu o olhar apavorado de Amikoh, e sua impotência, quando a foice do Ceifador com o rosto parcialmente esqueletizado desmanchou seu corpo etéreo, carregando sua alma alva pendurada na foice, como um lenço de seda.
Jow não conseguia mais raciocinar. Seu desespero em perder o Amikoh deixou a sua alma vazia. Uma energia escura começou a chegar sem parar e incorporar à energia dela.
Kazai a abraçou.
-Bebê… Me escute! Olhe para mim!
Kazai a sacudia pelos ombros.
Jow chorava e chorava, e repetia sem parar…
-Amikoh! O Amikoh, Kazai! Ele levou o Amikoh! Por que ele fez isso?
-Jow! Amin não tem esse poder! Amin não pode falar com a sua mente, nem te mostrar isso! É Kratos quem está fazendo isso, de alguma forma, Jow! É Kratos! Lembra?
-Kratos? - Perguntou ela, entre um soluço e outro - Como Kratos?
-Sim, Jow, Kratos! Só ele poderia fazer isso! Levante-se! Temos que continuar, se deixar essa tristeza tomar conta de você, vamos ficar aqui para sempre, Jow… Essa energia negra… Você tem que parar de absorver isso… Vamos!
Kazai puxou Jow pelo braço e forçou-a a ficar de pé.
-Amikoh… Meu Deus, Kazai… Como vou continuar sem o Amikoh?
-Não, Jow… Tristeza não! Sinta raiva! Raiva do Ceifador que levou Amikoh! Raiva de Kratos que a fez ver isso! Sinta raiva de Amin, que entregou Valentim! Sinta raiva, Jow! Deixe a ira tomar conta da sua alma! Deixe o fogo assumir, Jow!
Kazai instigava o fogo em Jow, e não parava de repetir.
-Sinta raiva de North e de Ezarel! Eles a estão pressionando para escolher, eles não deviam ter feito isso! Eles são egoístas, Jow! Eles estão fazendo você sofrer! Sinta raiva deles! Deixe o fogo assumir!
Jow ia se embalando nas palavras e na energia de fogo de Kazai, e num instante estava em chamas de novo.
-Isso, bebê! Agora sinta raiva da Deusa! Ela a deixou morrer! Ela não a protegeu, ela trancou você por séculos na Arena da Lua! Ela trancou sua mãe também! Ela deixou seu pai morrer! Sinta raiva dela, Jow! Ela fez essa bagunça na sua vida! Se não fosse por ela, o Amikoh não teria sido levado por um Ceifador! Sinta o fogo na alma, Jow! Deixe o fogo assumir!
Jow concentrou toda a sua energia no fogo, guiada pelo incentivo da sua Guardiã do Fogo.
Uma enorme labareda tomou conta dela, derretendo os pedregulhos do chão do limbo, que como lava incandescente, escorriam pelas rachaduras do solo.
-Agora projete essa raiva, Jow, e a use para achar seus pais! Projete seu amor por eles através da energia do fogo, deixe essa paixão incandescente sair e nos mostrar o caminho!
Uma explosão com toda a energia que estava acumulada nela se transformou em um sólido e longo caminho de fogo.
Kazai a segurou pela mão e seguiram o caminho, flutuando acima das chamas.
Jow ia projetando a energia através da escuridão do limbo, e seguindo o caminho de fogo, e elas rapidamente cruzaram o que lhes pareceu milhares de quilômetros de distância até a beira de um penhasco.
-O penhasco, Jow… A energia desce o penhasco. É o caminho! Vamos, Bebê, não podemos parar agora!
E Kazai agarrou Jow pelo braço e saltou com ela, flutuando e descendo sem parar.
O caminho de fogo continuava pelo ar, para baixo, mostrando a direção, e elas seguiram por ele, até chegarem à praia sem fim.
-A praia! É a praia da minha casa! - Gritou ela, correndo.
-Continue, Jow! Continue projetando sua raiva e seu amor! Não pode parar agora!
Jow obedeceu Kazai, e a cada explosão dela, o caminho se reforçava.
Ao final dele, estava a casa da praia.
Jow segurou Kazai e teleportou-se com ela para lá… E qual não foi a sua surpresa, ao ver Tsukiko de pé na varanda da Casa.
Jow, ainda em chamas, avançou para a Deusa, disposta a bater nela até cansar.
-Maldita! A culpa é sua, maldita! Sua desgraçada, se não fosse por você, nada disso estaria acontecendo!
Tsukiko segurou Jow pelos ombros e a sacudiu.
”-Fique calma, Jow…”
-Calma? Não me mande ficar calma! Eu quero te bater, eu quero… Eu quero acabar com você!
Kazai intercedeu.
-Jow… Pode se acalmar agora... Já chegamos… Calma, Bebê…
Jow ainda estava possuída pelo fogo. Nem a Deusa conseguia controlar a energia que emnava dela. Num instante, o piso de tábuas corridas da varanda estava pegando fogo.
-Jow, está botando fogo na casa da sua mãe! - Gritou Kazai.
Ouvindo a gritaria, Jane chegou correndo com Mark, e ao verem Jow pegando fogo, se assustaram, e pararam na porta.
-Minha filha! - Gritou ela - Nós estamos aqui!
-Mãe! - Berrou Jow, e as chamas se apagaram. Ela se atirou nos braços da mãe, e depois do pai.
Kazai apagou o fogo da varanda, e sorriu.
-Ela conseguiu! Conseguiu chegar!
“-Graças a você, Salamandra… Se não estivesse com ela, ela não conseguiria.”
Kazai olhou séria para Tsukiko. Ela também tinha vontades de bater na Deusa.
-Conserte isso tudo! - Disse Kazai para a Deusa - É mesmo tudo sua culpa!
“-É, a insolência das minhas filhas contaminou meus elementais. Não posso culpá-los, visto tudo o que está acontecendo.”
Jane, Jow e Mark continuavam abraçados. Jow não queria largá-los nunca mais, com medo de que desaparecessem.
-Eu senti tanta falta de vocês!
-E nós de você, meu amor… Venha, vamos entrar. Venha ver o Hans. - Falou Jane.
-Ele está vivo?
-Ele está vivo, Jow… - Disse Mark - Mas você precisa saber de algumas coisas, antes de encontrá-lo. Ele fraturou a coluna e lesou a medula. Está paraplégico.
-O quê??? Eu… Eu posso consertá-lo!
-Já tentamos de tudo… - Continuou Mark. - Sua Mãe é uma Deusa aqui, e nem ela e nem Tsukiko conseguiram fazê-lo andar. Ele está se sentindo culpado, e a mente dele está bloqueando toda e qualquer possibilidade de cura. É a forma que ele encontrou de se punir pelo que fez.
-Mas o que foi que ele fez de tão ruim?
-Além de abrir um portal de sangue aqui? Você deve perguntar a ele. - Falou Jane. -Venha, vamos entrar.
Jow olhou para Kazai, que fez um sinal com a cabeça mandando que ela fosse, e entrou com seus pais.
Hans já sabia que ela estava lá, e quando ela entrou em seu antigo quarto, ele chorava.
Jow abraçou Hans.
-Desculpe, Jow… Desculpe!
-Não foi sua culpa, Hans… E… Você está ocupando a minha cama! Saia da minha cama, idiota!
Ele tentou rir, mas as lágrimas não paravam de sair.
Jow tinha a mente aberta para ele, e ele a leu em segundos.
-Oh, meu Deus, Jow! O Amikoh!
-Hans… Foi o Kratos quem me fez ver isso, não foi? O Amin não sabe projetar a mente como vocês… Foi ele, não foi?
-Eu não sei, Jow… Só vou saber se encontrar com ele…
-Então vamos! Vamos embora daqui. Eu vou te consertar!
-Não adianta! Eu não tenho conserto!
-Você não quer, não é? Você quer ficar paraplégico! Você acha que merece! Idiota!
-Não é nada disso, você não sabe de nada! Desde quando começou a fazer análise nos outros?
-Desde que você compartilhou da sua mente comigo! Olha… Deixa eu tentar, Hans… Por favor!
-Não adianta, Jow! Tem uma cadeira de rodas ali, eu vou nela! Me tire daqui!
Mark e Jane estavam na porta do quarto, e entraram. Colocaram Hans na cadeira e saíram do quarto.
Lá fora, Kazai aguardava com a Deusa.
-Não vai nos impedir de ir embora? - Perguntou Jow, debochada - Afinal, estamos descumprindo uma ordem da Grande Deusa!
“-Kazai me disse que um Ceifador levou o Amikoh… Foi isso o que você viu?”
Os olhos de Jow se encheram de lágrimas de novo.
-Ele podia fazer isso?
“-Não. Eles não podem levar elementais. Eu imagino quem seja esse Ceifador. Ele desrespeitou o limite do Deus da Morte, e me enganou mais uma vez.”
-Mais uma vez? Ele já fez isso antes? Então acabe com ele! Mate ele e traga o Amikoh de volta!
“-Não posso matar um Espírito Ceifador. Não tenho esse poder.
-Mas isso não é justo! Ele pode matar Elementais, e você não pode matar um Ceifadorzinho de nada? Foi ele quem começou! Eu vou encontrá-lo, e eu mesma vou obrigá-lo a devolver o Amikoh! E vou acabar com ele, eu juro!
“-Isso você pode tentar, Jow… Talvez você esteja à altura de enfrentá-lo, com esse poder que adquiriu, e ele não consiga levar você.
-Eu juro que vou obrigá-lo!
Tsukiko fez um sinal com a mão para que eles fossem.
“-Não percam mais tempo. Jow… Vamos achar uma forma de fechar as fendas… Tenha fé e sabedoria. Não deixe as emoções atrapalharem você. Sua maior arma é o seu amor. Mas use a energia do Amor de forma racional”.
-Ahhh, cale essa boca, Tsukiko! - Berrou ela irritada.
Mas Kazai anotou aquilo na mente. A Deusa falava por enigmas, e nem sempre eles entendiam na hora o que ela queria dizer.
-O que vai acontecer com esse mundo, Tsukiko? - Perguntou Jane.
“-Ele continuará exatamente aqui, para você. Esse mundo fica dentro da sua alma, Jane. Ele estará aqui, quando quiser voltar.”
-Não, obrigada. Eu passo…
Jow agora sabia exatamente o que fazer para voltar.
-Abra um portal, Hans! - Mandou ela. - Abra um estúpido portal de sangue para Eldarya! Use a mim e a Kazai como chave de Portal!
-Está maluca? Não posso fazer isso!
-O estrago já está feito! Já existe uma fenda aqui, você sabe que os portais não aumentam as fendas, sou eu quem faz isso! Não podemos perder tempo, abra o maldito portal, Hans!
Hans suspirou, e estendeu a mão para ela.
-Faça as honras então. Tire sangue de mim.
Jow não esperou uma segunda ordem. E na mesma hora, estava cortando a pele da mão de Hans com uma lâmina de gelo e segurou firme no braço dele.
Hans conjurou o portal e Jow derramou o sangue dele na névoa, e o Portal se abriu para a sala do Cristal.
Capítulo 7 - A História Não Contada - Um mergulho no passado Parte 3
Maeve saiu da sala de Mãe Yahn cuspindo marimbondos. Onde já se viu uma ideia daquelas? Colocar Skull numa mesa e deixar as outras… Comerem?
“Só por cima do meu cadáver!” - Pensou ela - “Mas o que eu estou fazendo? Eu não tenho nada com isso!”
Chegou na Arena extremamente irritada e mau humorada. As Chamas se acenderam nela no momento em que ela desceu as escadarias.
Algumas Sacerdotisas e noviças estavam ali para assistir ao treino com os rapazes, e davam risadinhas e se cutucavam.
Maeve olhou para elas com desdém.
“Parece que nunca viram machos na vida! E olha que eles estão totalmente vestidos! Imagine se estivessem nus! Bando de galináceas, oferecidas… “
Ela pisou no solo sagrado, observando as colunas de fogo erguidas nos quatro cantos da Arena. As outras tinham chegado primeiro, e as erguido antes dela.
Os Monges esperavam, impacientes, com quatro Filhas da Lua que tinham a marca do fogo. Outras Sacerdotisas que também dominavam o fogo ali estavam.
Skull estava no meio dos outros monges. Mantinha o olhar tranquilo e o rosto sereno. As Arenas não eram mais um desafio para ele. Ele sentia-se confortável ali.
Maeve chegou no meio da Arena. Logo depois, a Instrutora do Fogo, que estava com ela e Mãe Yahn, chegou e desceu calmamente as escadarias. Depois anunciou.
-Vamos nos dividir em quatro grupos. Três monges e três Amazonas em cada um.
E começou a dividir os grupos, colocando Maeve em um time diferente de Skull.
Ela olhou para ele, para ver se ele parecia desapontado, mas Skull apenas parecia concentrado, quando acendeu a aura violeta dos daemon.
Maeve sentiu uma descarga de adrenalina percorrer seu corpo, quando o viu fazer aquilo.
Uma das garotas do grupo dele sorriu e o segurou pelo braço, olhando de lado para Maeve.
Ela sentiu o rosto arder de raiva, mordeu a língua para não gritar e aumentou as suas chamas.
E quando a batalha começou, Maeve começou a atacar com toda a vontade a garota que segurou Skull. Atacou tanto a coitada, que ela teve que sair da batalha, com queimaduras até a alma.
-Contenha-se, Maeve! - Advertiu a Instrutora - Estamos entre aliados, e não numa batalha de verdade! Está num treinamento com as suas Irmãs, e não numa guerra contra humanos!
Maeve fechou a cara, e atacou outro grupo.
Skull e os outros monges estavam manipulando as sombras, e os espectros com a foice atacavam os times opostos, mas a aura violeta do poder do Daemon se mantinha acesa ao redor dele, o destacando dos outros.
A Sacerdotisa mais bonita do Templo era uma faeliana, de olhos castanhos e um longo cabelo ruivo. Seu nome era Jaira. Ela tinha a compleição física e delicada das ninfas, com curvas bem pronunciadas, e estava no time de Skull. Maeve percebeu como ela olhava para Skull, e começou a atacá-la também. A garota se desviava das bolas de fogo com destreza, mas tropeçou e caiu. Skull e um outro monge correram até ela, e a ajudaram a levantar-se do chão. A garota tinha queimaduras de segundo grau nos braços.
A menina agradeceu e cometeu o crime de dar um beijo no rosto dos dois. Skull ficou sério, e acompanhou Jaira com o olhar, quando ela andou até a beira da Arena, para receber os cuidados médicos. Ela mais dançava do que caminhava.
Foi o suficiente para o sangue de Maeve acabar de ferver.
Skull passou a ser o alvo principal dela. Ele se defendia como podia dos ataques dela, mas sempre a atacava com cautela.
Skull e Maeve eliminaram todos os outros oponentes. Quando todo mundo já estava fora de combate, apenas os dois restavam na Arena.
Os outros já estavam sentados na arquibancada, e já havia torcida.
Algumas Sacerdotisas berravam o “Vai Corvo!”, enquanto outras gritavam o nome de Maeve.
Skull aparava sem dificuldade as bolas de fogo e as serpentes incandescentes dela. Mas lançava frágeis névoas que ela rebatia sem dificuldades.
-Não tenha pena dela, Monge! -Berrava a Instrutora. - Já vi frangos com ataques melhores do que os seus! Derrube Maeve, antes que ela o derrube! Seja mais agressivo! Quem ficar de pé no final, levará a vitória para o time!
Maeve percebeu que ele a estava poupando, e teve mais raiva ainda. Seus olhos se encheram de fogo, e ela aumentou a intensidade dos seus ataques.
Mas ele continuava maneirando na força dos seus ataques. E aquilo a irritou ainda mais.
-Você é um frango, não um corvo! - Berrou Maeve, para irritá-lo - Não é capaz nem de derrubar uma elfa velha com essa fumacinha ridícula! Cadê a foice? Isso mais parece uma vassoura!
A foice se formava e golpeava Maeve, e ela se esquivava.
-Faça de conta que eu sou um humano!- Gritava ela para ele - Não quero seus carinhos, corvo, sou um General, me ataque de verdade!
Mas Skull não se abalava. Continuava regulando a intensidade dos seus golpes.
-Eu não estou nem cansada, Corvo! Me derruba, anda! Você não é capaz! Você não pode nem derrubar um peixe! Você é fraco!
Skull achava graça na irritação dela, sorria e não se deixava afetar.
Um dos monges, que tinha a mão enfaixada pelas queimaduras de Maeve, gritou da arquibancada.
-Talvez ele esteja retribuindo o favor, já que você o protegeu dos castigos do Mestre! Ele precisou se esconder debaixo das suas asas!
Maeve escutou a provocação do Monge e deu uma gargalhada espalhafatosa. E Skull fechou a cara.
Ali estava seu colega, debochando dele, na frente de todo mundo. Sim, Maeve o tinha defendido do seu Mestre, na frente dos outros. E ela agora estava rindo dele. Isso era uma humilhação! Ele nunca imaginou que ela poderia ter feito aquilo para humilhá-lo. E sentiu a raiva inundar seus neurônios.
A aura violeta se intensificou, e os olhos de Skull ficaram completamente negros.
As veias pretas começaram a se formar no seu rosto e pescoço, e metade do seu rosto ficou transparente, deixando à mostra o esqueleto do crânio.
Suas mãos ficaram escuras, com unhas pontiagudas, e ele pareceu ficar maior.
A névoa negra do espectro com a foice cresceu, e ela desceu em cima de Maeve com toda a raiva que ele estava sentindo.
O chão tremeu, e Maeve foi atirada longe. O sorriso debochado morreu no seu rosto.
Ela também fechou a cara, e as chamas envolveram seu corpo.
As garotas que torciam por ela vibraram, quando ela envolveu Skull num redemoinho de fogo impossível de defender.
A túnica dele começou a pegar fogo.
Skull livrou-se dela, jogando na areia da Arena, ficando apenas com a calça e as botas. A parte exposta do seu corpo exposto mostrava as veias negras do poder dos Daemon bem marcadas na pele, como se fossem tatuagens, que se estendiam do abdômen até o queixo.
As garotas começaram a assoviar, deixando Maeve com mais raiva ainda. Ele estava se exibindo para elas? Ele quase não tinha músculos! Era magro como um frangote! O que ele tinha para mostrar?
Parte do seu cabelo também pegava fogo, mas a névoa escura o apagou.
A batalha se intensificou muito, depois daquilo.
Um estava disposto a matar o outro, e a instrutora não impediu. Continuou estimulando a agressividade deles.
Durante algum tempo, Maeve continuou sendo golpeada com toda a força pela foice, e mandando todos os seus ataques de nível superior, raios, relâmpagos e golens de fogo. Até que a névoa violeta entrou no solo de areia, e conseguiu chegar por baixo dela, a envolveu e a levantou no ar.
Skull manteve Maeve suspensa, e ela estava cada vez com mais raiva dele, porque as meninas começaram todas a gritar o nome dele, em torcida.
-Derruba! Derruba!
-Derruba ela! Joga Maeve no chão! - gritava Clícia.
Ela desvencilhou-se da névoa e começou a despencar no ar, mas antes que atingisse o solo, Skull a amparou nos braços.
Quando seus olhos se encontraram, Maeve percebeu que estava fascinada pela visão de Skull investido em todo o seu poder. Isso a desestabilizou, e a deixou ainda com mais raiva dele.
-Idiota! - Berrou ela, enfurecida - Você não podia ter me segurado! Não podia me deixar cair?
-Eu não podia permitir isso. - Disse ele, ainda com os olhos totalmente negros, colocando Maeve no chão. - Não quero machucar você.
Todos aplaudiam, e a Instrutora anunciou que o time de Skull foi o vencedor.
O rosto dele voltou ao normal, e a aura violeta desapareceu.
Maeve rosnou, irritadíssima. Ela detestava perder. Skull a humilhou na frente de todo mundo, salvando-a da queda, como se ela fosse uma fadinha frágil e delicada. E ainda tinha aquele fascínio todo, com o qual ela não sabia lidar.
Quando as garotas desceram para cumprimentá-lo, ela deu uma olhada de rabo de olho. Ele aceitava abraços e beijos de todas elas, e os rapazes também o felicitavam.
Ele parecia satisfeito, recebendo um monte de beijos da Jaira.
Seria ela uma das interessadas em comer um pedaço da carne dele?
Vermelha como uma pimenta, com a aura de fogo ainda acesa, ela foi até ele e lhe deu um dos seus explosivos tapinhas nas costas.
-Meus parabéns pela vitória. Você mereceu.
-Obrigado. - Disse ele. Mas Jaira o envolveu pela cintura, fazendo Skull se desequilibrar e se afastar de Maeve.
Ela então subiu correndo as escadarias da arena, sem dar chance nenhuma para que os outros falassem com ela.
Skull viu Maeve subir, e sentiu vontade de acompanhá-la, mas a horda de sacerdotisas ao redor dele não deixou que ele se movesse.
A instrutora sorriu ao ver Maeve desaparecer lá em cima. E sorriu mais ainda ao ver Jaira pendurada no braço de Skull.
Mais tarde, o salão do jantar estava muito mais animado do que o costume.
Skull, ao derrotar Maeve, a melhor das Generais dali, tornou-se uma espécie de celebridade.
Até seus irmãos monges passaram a respeitá-lo mais.
Algumas garotas começaram a se insinuar para Skull, e embora ele estivesse extremamente sem graça com aquilo tudo, sentiu-se orgulhoso dele mesmo.
A garota que estava colada nele, como um carrapato, Jaira, não era uma Filha da Lua, era uma das sacerdotisas comuns que dominava o fogo.
Ela arrastava Skull para todos os lados, agarrada ao braço dele.
Sempre que entrava alguém no refeitório, Skull olhava, na esperança de que fosse Maeve. Mas ela desapareceu, desde que sumiu na escadaria da Arena. Não apareceu para jantar.
Skull precisou recusar diversas vezes o convite para partilhar a cama de Jaira.
Entrou no seu quarto exausto, e quando tirou a roupa para dormir, as veias pretas ainda estavam marcadas no seu abdômen e tórax. Invocar o poder Daemon fazia aquilo nele.
Ele olhou para os seus braços. Não era possível que ele se parecesse mesmo com um frango. Realmente, era magro, não tinha um monte de músculos hipertrofiados como um guerreiro, mas decididamente, não era um frango! Ela foi injusta ao chamá-lo assim.
“Amanhã eu tento falar com ela. “ - Pensou ele. “Ela deve estar chateada por ter perdido a batalha, e deve estar cansada também… Por isso não foi jantar. Eu realmente gostaria de conversar com ela...”
Mas quando deitou-se, demorou muito a dormir.
O olhar incandescente de Maeve não lhe saía da mente, quando ele a segurou nos braços para ela não cair. Mas depois o encanto se quebrou e ela ficou furiosa. Aquilo foi apenas uma gentileza para uma amiga! Por que ela tinha ficado tão zangada?
Skull não encontrou Maeve pela manhã, nem na refeição da tarde, e nem na refeição da noite. Mas a linda sacerdotisa não saía do pé dele. Ela já tinha recebido carta branca de Mãe Yahn para investir em Skull.
Ela fez questão de fazer todas as refeições na mesa dele, e nos treinamentos, fez questão de estar no time dele todas as vezes.
Alguns dias se passaram, e Maeve não foi vista pelo templo. Ele começou a se preocupar, mas também não se atrevia a perguntar por ela. Sabia que se ela quisesse vê-lo, já o teria procurado. Isso o deixou bastante triste.
O escudo era mantido alto, e nenhum dos Mestres ou sacerdotes da Morte tinham vindo aceitar o abrigo que mãe Yahn ofereceu.
Naquela noite, a lua estava cheia, mas não se via o céu, por causa da redoma formada pelo escudo de magia.
Os monges conversavam no jardim da frente do templo, aproveitando a calma da noite e a proteção do escudo mágico.
Até que uma das sentinelas soprou a Ocarina do alto de uma das Torres.
-Abaixem o escudo, elas voltaram!
As instrutoras abaixaram o escudo de magia que protegia o templo, e Maeve entrou com Clícia.
As duas usavam as armaduras de couro branco, e estavam sujas de sangue.
Elas cruzaram o jardim da frente em silêncio, sem falar com ninguém, e Maeve olhou com o rabo de olho para Skull. A fã dele, quando a viu, tratou de segurá-lo pelo braço, marcando o seu território e se certificando de que Maeve visse.
Mas ela continuou olhando para frente, e seguiu com passos firmes para a sala de mãe Yahn.
-Eu não sabia que elas estavam fora. De onde elas estão voltando? - Perguntou Skull para Jaira.
-Elas estavam em campanha. Elas sempre fazem isso, saem sozinhas para ajudar em alguma batalha. São viciadas em lutar, não conseguem viver sem isso, não se separam por nada.
-Então elas estavam lá fora na guerra? Elas estavam cheias de sangue! Devem estar feridas!
-Não se preocupe. Aquele sangue poderia ser de qualquer um, exceto delas. Elas são excelentes guerreiras. Vivem para lutar… Sem tempo para mais nada e mais ninguém.
Skull suspirou, e deixou o olhar se arrastar até a grande porta do hall do Templo, onde as viu entrar.
Mãe Yahn aguardava na sala dela, quando as garotas entraram.
-Então? Como estão as coisas por lá?
-Muito feias, Mãe. - Disse Clicia - Os humanos e os Elfos estão se enfrentando na floresta, e muita gente já morreu. Os humanos atacaram hoje o Templo da Morte, e queimaram toda a floresta que cerca o território dos corvos.
-Vocês falaram com os mestres? tentaram convencê-los a virem para cá?
-Fomos até eles antes de voltar. Alguns corvos virão amanhã, quando raiar o dia. - Disse Maeve.
-Maeve… Está ferida?
Maeve escondeu o braço esquerdo, onde havia uma ferida extensa e profunda, coberta de sangue seco.
-Foi só um arranhão.
-Ela caiu numa armadilha feita pelos humanos, com lanças dentro, Mãe. Só não foi empalada, porque uma das lanças envenenadas atravessou o braço dela, e ela se apoiou nisso para subir. Mesmo assim, permaneceu com a lâmina da lança enfiada aí até chegarmos à aldeia dos Kappas. Foi lá que o médico retirou o metal e fez a limpeza da ferida. - Disse Clicia.
-Não quer contar mais nada? - perguntou Maeve, debochando - Conte para ela o que nós comemos de manhã também… E em que direção voavam os passarinhos!
-Eu me preocupei com você, idiota! - Berrou a amiga - Poderia ter morrido! Está com esse mau humor insuportável desde que a gente saiu daqui!
-Não enche! - Disse ela, irritada.
-Maeve, depois que se lavar e trocar de roupa, vá até a enfermaria. - Disse Mãe Yahn. E vendo que ela revirava os olhos - Isso é uma ordem! Você também, Clicia! Quero as duas examinadas e medicadas ainda hoje!
-Mas eu estou com fome! - respondeu Maeve, irritada.
-Terá muito tempo para comer. Ainda temos tempo até o jantar. Vá agora! Você não, Clicia. Fique, eu quero falar com você.
Quando Maeve saiu, batendo os pés, Mãe Yahn perguntou.
-Então?
-Está vendo esse comportamento insuportável? Tem sido assim desde que saímos daqui. Ela se recusa a dizer uma palavra sobre aquela batalha na arena. Ou sobre o corvo. Ou sobre qualquer outro assunto que não seja matar humanos e arrancar cabeças com lâminas de vento!
-Então, o que você acha, Clícia? É a melhor amiga dela. Qual a sua opinião?
-Nunca vi Maeve lançar magia com tanta raiva e determinação, como vi nesses dias. Ela parecia não se importar com as consequências. Não usou nenhum escudo protetor, confiando só na habilidade e na armadura. Se arriscou mais do que deveria, testando todos os seus limites. Por isso se feriu feio assim. Está autodestrutiva.
-Apaixonada, você diria?
-Não há a marca do Espírito nela, se é isso o que a senhora quer saber.
-Não é isso. Quero saber se você acha que ela está apaixonada. Pelo Corvo.
-Eu acho que ela pode estar, mas nunca vai admitir. Fica irritadíssima se a gente tenta tocar no assunto. Só em ouvir falar de marcas ela já acende a aura de fogo!
-Vamos ver no jantar. A Jaira está colada no Skull como um carrapicho. Nem sei como o rapaz consegue respirar.
-Eles estão juntos? Tipo… Ela conseguiu levá-lo para o covil dela?
-Não que eu saiba. Ela tem investido, mas ele parece não estar interessado. Já recusou a cama dela mil vezes.
-Nossa, hahaha! Coitada dela! Ele pode apenas não gostar de garotas.
-Quem sabe? Parece não gostar de nenhuma “outra” garota… Faça Maeve saber que ela está investindo assim. Quero ver a reação dela.
-Está certo. Mas ainda acho que isso não vai ser legal, mãe.
-Faça o que eu peço. Deixe o resto comigo.
-A senhora está agindo como as Salamandras, Mãe. - Disse Clicia rindo, e com uma reverência, saiu da sala.
-Eu espero que sim, minha filha… - Pensou ela em voz alta.
Maeve foi ao seu quarto e conjurou a água para o banho na tina. Depois a esquentou com a magia do fogo.
Quando ela tirou a armadura e as roupas, sentiu que todos os seus músculos doíam. A lança continha veneno, que se espalhou rapidamente pelo corpo dela, causando dores e espasmos musculares. Não dava para matar, mas a deixou bem mal. Maeve entrou na água, lavou bem as feridas e descansou um pouco. O ferimento do braço recomeçou a sangrar, e ela tentou cicatrizá-lo com a cura do fogo. Mesmo assim, o sangue ainda escorria e manchava a água da tina.
Ela soltou alguns palavrões e comprimiu a ferida. De forma alguma ela pretendia ir à enfermaria, e nem jantar no salão. Faria uma visita furtiva à cozinha e depois iria dormir, sem dar as caras no refeitório.
Mas mãe Yahn não dormia em serviço. Mandou uma noviça esperar na porta do quarto dela, e quando ela saiu, a garota a escoltou até a enfermaria.
Maeve foi obrigada a receber cuidados e curativos, ficando retida na enfermaria até a hora do jantar.
Depois foi escoltada de novo para o refeitório, onde Clícia já a esperava na mesa, também devidamente medicada e enfaixada.
-Mãe Yahn está nos obrigando a andar na linha… - Reclamou ela, olhando ao redor pelo refeitório.
-Está procurando alguém, Maeve?
-Não enche Clicia! Pode me deixar em paz um minuto?
-Hahahaha! Esse seu mau humor te deixa tão mais insuportável do que você já é!
-Por que então não me deixa em paz? Posso ficar ainda mais insuportável!
-Eu tenho certeza disso. Olha, ali estão os corvos! Estão bem enturmados agora… Nesse tempo que passamos fora, muita coisa deve ter acontecido aqui.- Observou Clicia, apontando para os Monges, que conversavam descontraidamente com as Amazonas.
Skull não tinha visto Maeve entrar. Talvez porque ela esgueirou-se por entre as mesas e cadeiras sorrateiramente. E também porque Jaira não lhe dava espaço nenhum. Ia atrás dele onde quer que ele fosse.
Quando ele escutou a risada de Clicia, esticou o pescoço, vendo as duas discutindo na mesa. Ele não tinha desistido de conversar com ela. Mas ao ver sua cara mal-humorada e irritada, pensou duas vezes. Talvez ela não estivesse nada disposta. Continuou olhando para ela.
Maeve sentiu o olhar de Skull queimando nela. E quando ela o olhou de volta, ele acenou, timidamente. Ela respondeu com um aceno de cabeça, e ao ver Jaira debruçada sobre ele, abaixou o olhar.
-Os urubus já estão fazendo um banquete nos despojos.
-Do que está falando? Não entendi, Maeve.
Ela fez um sinal com a cabeça, apontando Skull.
-Ahhhhh! Está falando da Jaira? Parece que ela decidiu mesmo que vai conquistar o seu amigo Corvinho. Está encantada por ele. Mãe Yahn falou que ela não sai do pé do Skull. Talvez até já tenham dormido juntos, enquanto estávamos fora, hahahaha!
-Ela é uma oferecida. Você… Você acha mesmo que ele já dormiu com ela?
-Não sei. Vou perguntar para ela, se você quiser saber.
-Não! Eu não quero saber!
-Você pode perguntar para ele então.
-Nem morta!
-Ora bolas… Por quê? Seria interessante se tivesse acontecido. Ele é tão… Sozinho!
-Ninguém o achava tão sozinho há alguns dias! Foi só ele me derrotar na arena, que todo mundo achou ele tão sozinho e resolveu bajular o Corvo!
-Você está irritada assim por causa disso? É ele a causa do seu mau humor?
-Não. Não é ele.
-Fala a verdade, Maeve!
Ela suspirou.
-É isso tudo, Clícia, sabe, essa guerra, esses humanos nojentos. Estou de saco cheio. Acho que vou passar uns dias na colônia Celta. A briga está boa para os lados de lá. Lá eu posso ser insuportável sem ter ninguém reclamando no meu ouvido!
-A briga vai esquentar para o nosso lado também! E você quer nos deixar bem agora, no meio dessa bagunça? Boa sorte ao tentar! Mãe Yahn nunca vai liberar você.
-Eu não pensei em pedir permissão.
-Vai fazer o quê? Vai escapar durante a noite? Não seria mais fácil fazer as pazes com ele e resolver isso logo?
-Pazes? De quem está falando?
-Do seu Corvinho.
-Clícia, você não sabe nada de mim! Não diga besteiras…
-Maeve… Eu te conheço como uma ostra conhece a concha, hahahaha!
Skull finalmente conseguiu se desvencilhar de Jaira e foi até a mesa de Maeve. Olhou para o curativo do braço dela.
-Oh, Maeve… Feriu-se?
-Não… -Debochou ela - Eu estou treinando para ser mumificada quando eu morrer.
-Ah… Ainda está chateada comigo?
-Eu? Chateada? Quem disse?
-Desculpe-me, Maeve, se eu fiz alguma coisa que aborreceu você, não foi a minha intenção. Eu gostaria que você me perdoasse, seja lá pelo que for.
Maeve fechou a cara.
-Não precisa me pedir perdão. Não aconteceu nada demais.
-Então por que você não quer mais falar comigo?
Clícia bufou.
-Boa noite para você também, seu Corvinho! Eu também estou na mesa, sabia? Onde está aquela sua educação de Príncipe que você tinha, quando chegou aqui? Oh, olá, Clicia, boa noite, eu estou feliz em ver você chegar viva também… - Disse ela debochada - E por falar nisso, Maeve… - Instigou Clicia - Por que mesmo você disse que não quer mais falar com ele? Responde o coitado!
Maeve deu um olhar fuzilante para Clicia.
Jaira chegou nesse momento, e segurou Skull pelo braço.
-Vamos passear lá fora, Skull. Está uma linda noite.
-Desculpe-me, Jaira, vá sem mim, eu preciso conversar com Maeve.
-Ela não parece interessada, você não está vendo? Ela está com a namorada dela… Deixa essa mal humorada aí. Venha comigo… - Falou ela, puxando Skull pelo braço.
-Ele disse que não quer ir, Jaira. Você é surda, ou é burra? - Respondeu Maeve por ele.
-Ihhh, irritou-se? Quem falou com você, Maeve? Não tem uma campanha para fazer, ou uns humanos para espetar com a sua espada? Não enche!
Maeve levantou-se e empurrou Jaira para trás. Ela caiu sentada, e levantou-se, irada, acendendo o fogo ao redor de si, enfrentando Maeve, e empurrando-a de volta.
-Jaira… Eu não quero matar você hoje. Saia daqui! - Falou Maeve, com os olhos cheios de fogo, controlando o seu próprio fogo interior.
Todos no refeitório olharam para elas, e Clicia se colocou entre as duas.
-Podem parar! Queremos jantar em paz! Querem botar fogo uma na outra? Perfeito! Usem a Arena lá embaixo!
Skull estava de boca aberta.
-Não precisam brigar.
-Cale a boca, Skull, não se meta! - Gritou Maeve - Vai passear com ela logo, e não me enche!
-Eu não quero passear, Maeve. Quero conversar com você… Você poderia me ouvir?
Jaira olhou com raiva para Maeve, que ao ver a outra com tanto ódio, não perdeu a oportunidade e respondeu.
-Claro, Corvinho. Então vamos lá pra fora conversar, está uma linda noite… - E segurou Skull pela manga da túnica, meteu a língua para Jaira e o levou para fora.
Jaira tentou segui-los, mas Clicia a segurou.
-Fique, Jaira! Isso é uma ordem!
Maeve mantinha os dentes apertados, e a mandíbula rígida.
Skull a acompanhou calado, sendo arrastado pelos corredores do Templo, até o jardim lá fora.
O escudo armado não deixava que vissem o céu. As sentinelas, no alto das torres, viram Maeve se aproximar e trataram de se virar para fora.
Ela o levou até um canteiro onde havia bancos de madeira, e sentou-se.
-Sente-se! - Mandou ela.
Skull obedeceu, calado.
-Então? Não queria conversar? Pois fale! Fale rápido, enquanto eu ainda estou disposta a te ouvir!
-O que foi que eu fiz de errado, para você ficar assim? Foi por causa do jogo na Arena?
Maeve olhou para ele, sem falar nada. Ele continuou.
-Eu não sabia que você ficaria assim, Maeve… Eu não tive a intenção de humilhar você, e muito menos de aborrecer você…
-Não é nada disso! Deixa isso quieto!
-Mas foi depois disso que você ficou assim… Éramos tão amigos… De repente… Eu… Perdi você pelo caminho! Eu não quero que fiquemos assim…
-Assim como, Skull? - Perguntou ela, irritada.
-Brigados… Sem nos falar… Você me ignorando… De mal humor. Você costumava ser tão alegre, vivia rindo… Me fazia rir…
-Bem… Esses tempos de palhaçada acabaram. Não estou mais com vontades de rir, e nem de fazer você rir. Estamos em uma guerra e eu não estou feliz.
-O que eu posso fazer para você ficar feliz?
Maeve olhou nos olhos verdes pálidos dele, e sentiu seu coração amolecer. Depois lembrou-se de Jaira, linda, que provavelmente já tinha dormido com ele, e endureceu de novo.
-Não pode fazer nada. Já terminamos aqui? Pode voltar para a sua namorada agora.
-Namorada? Quem?
-Jaira. Ela não é sua namorada?
-Claro que não!
-Ela é o que então? Sua amante?
-Maeve… Ela não é nada minha…
-Vocês dormiram juntos?
Skull ficou vermelho.
-Não. Não dormimos juntos.
-Mas ela convidou você, não convidou?
-Eu não devo falar sobre isso.
-Por quê?
-Não me parece apropriado.
-Você parece o Sion falando! Quantos anos você tem? Dois Mil e Quatrocentos?
-Maeve… É por causa da Jaira que você está chateada assim?
-Não!
-Você está com ciúmes de mim?
-Há! Claro que não! De onde você tirou essa ideia idiota?
-Mas você brigou com ela por minha causa?
-Não! Foi porque ela é uma idiota! E uma oferecida! Não está vendo que ela está a fim de você? Por que então não aceita o convite dela logo? Não gosta de garotas? Talvez prefira os rapazes! - Disse ela, olhando para o outro lado.
-Maeve, isso não tem nada a ver com gostar da garotas ou de rapazes. Eu sou um Avatar da Morte. Só nunca me pareceu justo manter um relacionamento amoroso com ninguém.
-Mas é proibido para vocês?
-Não, não é proibido. Mas…
-Mas você nunca se interessou por uma outra pessoa?
-Não. E eu nunca tive ninguém.
-E não pretende ter?
-Eu… Não sei. Por que está me perguntando isso?
-Por nada! Esquece, deixa quieto!
-Maeve, você está muito estranha. Fale comigo, por favor! Olha, não precisamos mais treinar juntos, se você não quiser… Ou então da próxima vez eu deixo você se esborrachar no chão, quando for cair…
-Ah, Skull, pára com isso! Você fica aí, se desculpando, e torna as coisas ainda mais difíceis para mim!
-Mas por quê? Me explica! Por favor!
-Corvinho… Você é tão ingênuo, e tem o coração tão bom… Eu realmente, não sei o que eu estou fazendo aqui, estragando você. Sou uma péssima influência para você, monge. É melhor a gente entrar. Era só isso? Eu não estou mais chateada com você, pronto! Satisfeito? - E levantou-se do banco.
Skull a segurou pelo punho, e a fez sentar-se de novo.
-Não faça isso… Não terminamos aqui!
-Me larga, Skull! O que ainda quer falar?
-Eu senti a sua falta.
Maeve sentiu outra pontada no peito.
-Sentiu a minha falta? E por quê?
-Porque eu gosto da sua companhia. Gosto de conversar com você, e de treinar com você, e de ouvir você. Eu fico triste quando você não está, e ansioso para você chegar. Nesses dias, eu não a vi e fiquei com vergonha de perguntar por você. Porque eu achei que estava me evitando de propósito!
-E eu estava! Eu estava mesmo! Eu pedi à Mãe Yahn para me mandar para a guerra, para que eu não tivesse que ver você, Skull!
Ele ficou chocado.
-Mas por quê? Achei que você gostasse de mim!
Maeve sentiu a adrenalina invadir a sua mente.
-É justamente por isso! Eu gosto de você! Eu gosto muito, e eu não quero gostar de você! Não entende? Eu não posso me apaixonar por você! Eu quero ser imune ao amor, e você é um Avatar da Morte, e nunca vai poder me pertencer, pode ser tirado de mim a qualquer hora, e como eu vou ficar?
-Você… Você está dizendo que… Está apaixonada… Por mim?
-Eu não deveria estar falando isso para você, Corvinho! Esquece essa droga!
-Não faça isso comigo, Maeve! Fale o que está sentindo! Termine o que começou! - Gritou ele, acendendo a aura violeta. Maeve ficou desconcertada com aquilo, e respondeu.
-Quando me desafiou na Arena, eu percebi… Que admirava você, sua habilidade, sua determinação, vi você se investir assim do poder dos Daemon e dos Filhos da Morte… Ah, eu estava encantada com aquilo tudo! E eu fiquei com raiva de ver a Jaira se atirando nos seus braços, e ela é tão delicada e linda!
Skull mordia o lábio, de nervoso. E ela continuou.
-Mãe Yahn veio me perguntar se eu estava interessada em você, e eu disse que não! Não e não! Nunca! Eu era imune ao amor! Aí ela me falou que isso dava livre acesso às outras! Mas eu não queria ver você com outras, entende? E eu não queria admitir também, que eu queria estar com você! Eu achava mesmo que era imune ao amor!
-Então você brigou com a Jaira…
-Estávamos competindo por você! Estávamos marcando território, não percebeu?
-Nossa! Nunca ninguém brigou por mim antes!
-Não fique orgulhoso disso! Seu idiota!
Skull sorriu para ela.
-Então você gosta de mim! E estava me evitando porque… Não quer gostar?
-Exatamente! Agora que já esclarecemos tudo, você pode voltar para a Jaira, ou para qualquer outro que queira!
-Mas eu não quero! Eu… Quero dizer que eu gosto de você também…
-Gosta? De mim? E por quê?
-Não sei… Eu sei que não deveria…
-Não deveria mesmo. Eu não tenho nada para que você goste de mim.
-Você tem sim… Tem tudo, Maeve.
-Corvinho… Eu sou desajeitada, estúpida, mal humorada, possessiva e ciumenta! Eu te tratei muito mal, de propósito, porque sou vingativa! Não gosto de perder, sou estranha, e competitiva! O que isso tem de bom?
Skull escutava em silêncio Maeve recitar toda a lista das péssimas qualidades que ela tinha, para desencorajá-lo.
Mas tudo o que ele conseguiu escutar foi o som da sua voz, dizendo que gostava dele. E sustentou o seu olhar escuro, sentindo que algo dentro dele havia acordado. E ele disse, decidido:
-Olha, Maeve… Eu não devia gostar de você, mas eu gosto. Você não devia gostar de mim, mas você gosta… Então, o que faremos a respeito disso?
-Como é que eu vou saber? Eu nunca passei por isso antes! Eu deveria ser imune...
-Imune ao Amor - Cortou ele - Eu entendi. Mas parece que não é… O que pretende fazer, Maeve?
-Antes de mais nada, pretendo deixar bem claro para a Jaira que ela deve manter distância de você!
-Então eu sou território seu?
-Claro que é!
-Nós estamos namorando?
-Não sei. Preciso pensar nisso. Não quero você na minha cama agora, só por causa disso!
Skull ficou vermelho.
-E não disse que queria isso!
-Você então não quer isso?
-Eu não sei! Nunca pensei nisso antes… Você quer?
-Eu não sei! Tudo o que eu quero agora é tentar não enlouquecer quando fico perto de você. E tentar não perder a cabeça se a Jaira se chegar, porque senão eu acabo matando ela queimada! Acho que nunca senti tanta raiva na minha vida!
-Eu não quero a Jaira, Maeve… Eu preciso ficar perto de você também. Podemos começar com isso. Gostamos de ficar perto um do outro. Então chegue mais perto, Maeve. Eu sei que pareço fraco, ao seu lado… Mas você não vai me machucar.
Maeve chegou mais perto dele, e ele a abraçou.
-Eu posso fazer isso, Maeve? Posso abraçar você?
-Claro! Eu gosto que faça isso!
-É bom abraçar você. Gosto do seu cheiro.
Maeve ficou vermelha de vergonha. Mas não perdeu a linha.
-Eu também gosto do seu.
-Eu fico feliz em ouvir isso.
Maeve afundou o rosto no pescoço de Skull. Ele fez o mesmo com ela.
Os dois riram depois.
As sentinelas estavam olhando para eles e rindo. Quando ela percebeu, gritou com elas.
-Vão vigiar olhando pro outro lado, suas enxeridas! Cuidem da vida de vocês! Nós estamos namorando, e daí?
-Estamos namorando, então?
-Eu acabei de dizer que sim, não foi? Agora já era, não tem mais volta. Elas vão contar para todo mundo.
Ele sorriu, e a abraçou de novo. Segurou as mãos de Maeve, calejadas da espada, e as beijou.
-Eu não sei namorar, Maeve. Mas vou aprender.
-Acho bom, porque eu também não sou muito experiente. Talvez você deva ler alguns pergaminhos e me explicar. Deve haver um manual em algum lugar naquela biblioteca.
-Eu não vou precisar ensinar, se você aprender a ler.
-Eu não tenho paciência para aprender. Prefiro que leia pra mim.
-Eu posso ler para você sempre que quiser, Maeve. Por favor, não fuja mais.
-Eu só posso brigar por você, Corvinho!
-Não precisa brigar. Estou aqui com você.
-Então não chegue mais perto da Jaira! Nem de nenhuma outra, ou de nenhum outro, ouviu? Eu já te disse que sou possessiva! E também sou muito ciumenta!
Skull sorriu, e concordou com a cabeça. Nunca na vida tinha se sentido tão feliz. Sentia que o suor escorria pela sua face, e ele estava muito nervoso, quando abraçou Maeve de novo.
Ela lhe deu um beijo no rosto e murmurou no seu ouvido…
-Sinto em você sal e calor…
Skull fechou os olhos, e se deixou levar pelos beijos dela.
-Eu… Descobri que eu também não sou imune ao amor.*****
Skull e Maeve passaram a noite no jardim, fazendo perguntas um ao outro, e aprendendo a namorar.
Pela manhã, Maeve foi à sala de Mãe Yahn. Ela já sabia de tudo. Ela sempre sabia de tudo.
-Nem tente me fazer perguntas indiscretas, Mãe! Skull não dormiu na minha cama! E nem eu na dele!
-Parece que já me respondeu… Eu sabia que estava apaixonada. Eu vi os sinais em você e vi nele também. Por que foi tão resistente, filha?
-Eu não queria gostar dele. Eu achava que era imune ao amor.
-Mas por quê, Maeve? O amor é tão lindo!
-Eu não queria gostar dele, porque ele é um Avatar da Morte. Ele um dia vai me deixar.
-E você é um Avatar da Deusa. Um dia pode deixá-lo também. Vivam a vida com o que têm hoje. Não se incomode com o futuro, Maeve. Seja feliz agora! O tempo para nós é precioso! Aproveitem enquanto podem.
-A senhora só está me dizendo isso por causa da marca, não é?
-Não, eu já tenho todas as marcas, Maeve. Se houver uma manifestação da Deusa, eu serei seu Avatar. Eu já abri a Arena da Lua.
-Oh… Eu não sabia que já tinha aberto a Arena da Lua!
-Então agora pode parar de se preocupar, e pode viver a sua vida em paz. E por favor, não mate as outras, com seu ciúme.
Maeve ficou vermelha.
-Mãe Yahn… Antes disso, eu só estive com a Clicia. Ficamos juntas algumas noites… Nunca estive com um macho antes. Não sei o que devo fazer. E parece que ele também não.
-Deixem as coisas acontecerem, Maeve. Ele realmente me parece bem… Inexperiente. Vocês vão descobrir juntos o caminho de vocês.
Nesse momento, uma noviça entrou às pressas na sala e as interrompeu.
-Mãe Yahn, um grupo de Corvos está do lado de fora do escudo pedindo abrigo!
-O que estão esperando? Mandem que entrem! Vamos lá fora, Maeve.
E saíram dali, correndo para fora.
O escudo foi abaixado, e muitos Monges entraram, carregando uma enorme quantidade de pergaminhos.
-Nosso templo foi atacado, e queimaram grande parte dele. Conseguimos salvar alguma coisa da nossa biblioteca, mas ainda há mais coisas intactas lá. - Disse um deles.
- O Templo está fora de perigo agora? Morreram muitos? - Perguntou a Sacerdotisa Mãe.
-Muitos de nós morreram. Todos os Mestres estão mortos. Nós queimamos os corpos, e viemos para cá. Só sobramos nós. Mas o Templo está parcialmente destruído.
Mãe Yahn contou pouco mais de vinte monges.
-Entrem. - E se virando para uma noviça - Leve-os para a biblioteca, para que deixem os pergaminhos. Maeve, reúna as Amazonas, alguns Monges e algumas noviças, e vão até o Templo pegar o restante dos pergaminhos. Precisamos tentar proteger os registros deles.
Maeve assentiu, correu dali, e foi procurar por Skull.
Logo, uma expedição deixava o Templo, com as Amazonas e os Monges, em direção à pirâmide da Morte.
Ao chegarem lá, evitaram as escadas queimadas pelo risco de desabamento.
As Sacerdotisas que dominavam a água apagaram os resquícios do incêndio que destruiu o Templo.
Chegando na biblioteca, conseguiram pegar tudo o que estava inteiro. Mas diversas prateleiras estavam arruinadas pelo fogo.
Skull lamentou aquilo.
-Faremos tudo de novo… - Disse um dos Monges, que era o Escriba, responsável pelos registros históricos. - Se todos ajudarem, podemos reconstituir tudo, e guardar no Templo da Lua. Lá tem uma biblioteca enorme!
Quando eles retornaram, carregando o restante dos registros dos Monges, o Escudo foi novamente erguido.
Mãe Yahn não tinha quartos para acomodá-los todos individualmente, e mandou que os monges dividissem os quartos com seus irmãos, em grupos de dois.
Skull chamou o seu amigo Escriba para ficar no quarto com ele.
Nos dias que se seguiram, as Amazonas realizaram algumas campanhas, ajudando na luta dos Elfos contra os Humanos, mas nenhum deles se atreveu a atacar o Templo da Lua.
Maeve e Skull iam aprofundando os laços que os unia, e descobrindo um ao outro lentamente.
Skull passava tardes inteiras na biblioteca, com seu companheiro Escriba, copiando os pergaminhos parcialmente destruídos.
Mave não teve paciência para aprender a ler. Mas era habilidosa em copiar o que estava escrito.
-Você deveria copiar esse aqui, Maeve. - Disse Skull para ela, colocando à sua frente alguns pergaminhos chamuscados. - Esse conta a história da linhagem da Deusa e dos Avatares Híbridos. Está na língua natal do Escriba. Essa parte dos pergaminhos está intacta, mas essa outra aqui está quase toda destruída. Acha que consegue enxergar bem e reproduzir o que está escrito aqui?
Maeve olhou para os pergaminhos manuscritos, em uma língua estranha, com uma caligrafia desenhada.
-Essa língua é faery? - Perguntou ela ao escriba.
-Não, esse é um dialeto humano, da minha Terra Natal, onde vivem os Saxões. Eu pretendo esconder alguns desses manuscritos junto a eles, para que não se percam. Acho que esses registros estão em perigo aqui.
-Vai roubá-los? Não devia fazer isso. Deixe-os com os Kappas. Os humanos têm medo deles, porque comem carne humana. - Disse ela. - Mãe Yahn me disse que os Dragões estão criando um novo mundo para nós, talvez seja seguro levá-los para lá.
-É o sacrifício Azul. Mas esse mundo novo vai demorar séculos para ser criado, porque os Daemon deram para trás. - E olhou para Skull - Sem ofensas, Skull, sei que você é só um mestiço, não poderia ajudar mesmo. Mas se os Daemon e os Dragões trabalhassem em conjunto, o novo mundo ficaria pronto mais rápido. Os FengHuang estão administrando a criação, com a energia que possuem, mas também não podem fazer muito. O poder dos Daemon seria crucial nisso.
-Quem pode recriminar uma raça por querer se proteger da extinção? - Perguntou Maeve. - É justo que eles sintam medo. Eu já vi o medo nos olhos dos outros. É uma coisa indescritível. Não acho que devemos espalhar por aí que o Skull é meio Daemon. Os faery estão caçando Daemons para se vingar da traição, e eu não quero que ele corra perigo.
-Eu concordo. - Disse o Escriba - Olhe, aqui tem pena e tinta, Maeve. Copie essas linhas aqui, o mais parecido possível.
Maeve segurou a pena e mergulhou na tinta. Depois cuidadosamente começou a desenhar as palavras que via no pergaminho chamuscado.
Skull observou o trabalho dela e riu.
-Está bom, Maeve. Mas tente ser mais firme nas curvas, está parecendo a escrita de uma criança, hahaha!
Ela riu.
-Vou tentar. Mas lembre-se de que eu não faço ideia do que estou escrevendo. Se sair alguma coisa torta e errada, a responsabilidade é de vocês.
-Depois vou ler para você o que está escrevendo. Quem sabe se anima a aprender…
-Eu duvido muito - Falou ela, entediada - Estou aqui somente pela sua companhia, Corvinho!
-E eu estou adorando que esteja aqui comigo. - Disse ele, pegando uma das mãos de Maeve e beijando.
O escriba bufou.
-Que lindos, os dois pombinhos! Mas estou ficando enjoado com tanta doçura, será que vocês podem trabalhar em silêncio, ou falar de comida, ao invés dessa melação toda na minha frente?
Maeve fez uma careta, e continuou a trabalhar.
No final do dia, havia diversas páginas copiadas com a caligrafia torta e inexperiente de Maeve.
O escriba examinou o trabalho.
-Serve, Maeve. Até que fez um bom trabalho. Dá para ler o que você copiou, embora ainda se pareça com a caligrafia de um mico.
Maeve riu.
-Quer melhor, faça você mesmo! Eu não sei ler! Pelo valor que está me pagando, está muito bom até!
-Eu não estou lhe pagando nada, sua recompensa é ficar perto do seu “Corvinho”.
-Vamos, Maeve - Chamou Skull - Vamos para outro lugar, deixa esse enjoado aí. Vou ler para você a história dos Avatares Híbridos, descrita na poesia desse idiota.
E saiu dali com Maeve, levando as folhas de pergaminhos copiados por ela.
Capítulo 8 - Era Uma Vez...
Jane e Jow cruzaram o portal na frente, seguidas por Mark, que empurrava a cadeira de Hans, e depois por Kazai. Uma vez todos dentro da sala do cristal, o portal de sangue fechou-se.
A luz azul do Grande Cristal preenchia toda a sala.
Hans prendeu a respiração ao lembrar da Fada causadora de toda aquela treta.
Eychi e Ewelein estavam na sala, esperando por eles.
Ao Ver Hans na cadeira de rodas, Ewelein cobriu a boca com as mãos, e depois o abraçou.
-Oh, Minha Deusa! O que aconteceu com você?
Hans, nos braços de Ewelein, sofria pelas dores da travessia, e mais bolhas apareciam nos braços dele. Mas ele só sabia se desculpar.
-Me perdoa, Ewelein! Me perdoa!
Jane também se contorcia de dores.
-Ahhhhh! Eu estou morrendo!
Jow rapidamente abraçou a mãe e a envolveu nas chamas. Ali, Jane era apenas uma humana. Nada de Deusa. E estava sofrendo com os efeitos da travessia também.
Kazai abraçou Hans e Ewelein, e os teleportou para a enfermaria.
Ewelein na mesma hora começou a examinar Hans.
Jow também levou Jane rapidamente para lá, e a fez engolir uma poção de sono.
Mark permaneceu com Eycharistisi na sala do cristal, e Miiko entrou acompanhada por Leiftan.
-O que está acontecendo? A terra tremeu aqui no QG! - E olhando para Mark, e depois para Eychi - O que você fez, Eycharistisi????
Leiftan também olhava para ela com um olhar inquisidor.
Eychi resolveu chutar o balde e dizer logo tudo de uma vez.
-Eu chamei a Oráculo! E ela levou Jow e Kazai para o limbo, e elas trouxeram de volta o Hans e os pais da Jow! Pronto! Fiz mesmo! E daí? Quem se importa? O mundo está desmoronando mesmo! Que se dane!
Leiftan sorriu e abraçou Eychi.
-Muito bem, Eychi! Estou orgulhoso de você! Resolveu vários problemas ao mesmo tempo!
-Eu resolvi?
Miiko olhava para Eychi, e mostrou que também estava orgulhosa.
-Sim, Eychi. - Disse ela - Enquanto nós resolvíamos problemas referentes à guarda, você assumiu seu posto de Sacerdotisa do Cristal e resolveu problemas relacionados a ele! Nós precisamos do Hans, entende? Não sabíamos como fazer para resgatá-lo!
-Então… Eu não fiz besteira?
-E mesmo se tivesse feito, meu amor… - Falou Leiftan - Estava sozinha para decidir, precisava agir de alguma forma. Ninguém poderia recriminar você. Mas não fez besteira nenhuma, fez a coisa certa!
Eychi estufou o peito e sorriu, orgulhosa.
-Fiz mesmo, não foi? Precisamos então de um belo jantar de comemoração! O que acha, Miiko?
-Eychi… Você ultimamente só pensa em comida?
-Podemos comemorar de qualquer jeito, com ou sem jantar… - Disse Leiftan, abraçando Eychi - Podemos comemorar a volta de Hans, dos pais de Jow, de Ykhar e Valentim… A prisão de Amin, dos magos…
-A Prisão! - Exclamou Mark, se lembrando - Jow falou alguma coisa sobre um Amin tê-la contactado da prisão! Precisam checar a prisão imediatamente e ...
Leiftan olhou alarmado para Miiko, depois saiu correndo para a prisão.
Mark olhou para Miiko e continuou.
-Ela falou também sobre um Ceifador levar embora seu amigo Silfo… Ela estava transtornada!
-Um Ceifador? Aqui? Pela Deusa!
E Miiko saiu correndo da sala atrás de Leiftan. Pelo caminho, esbarrou em Nevra e o arrastou com ela, correndo, pelas escadarias do porão.
Mark saiu timidamente para o corredor das portas e entrou no Hall. Ali ele era apenas um fantasma. Vendo sua filha na porta da enfermaria, subiu as escadas e foi encontrá-la.*****
-Oh, eu não aguento mais, Valentim… Não consigo mais ler nem escrever uma linha sequer! Tentar decifrar o significado desse bendito poema está fritando os meus miolos!
Ykhar deixou a cabeça cair em cima dos manuscritos.
Valentim mexeu nos cabelos dela.
-Coragem, Capitã! Quer fazer uma pausa?
-Quero… Uma pausa enorme! Podemos dar uma volta pelo jardim…
-Podem ir… - Disse Keroshane, que trabalhava ali com eles. - Eu posso continuar aqui, tentando entender isso.
-Kero… Não misture as páginas… Por favor!
-Calma, Ykhar… Não vou misturar. Quando eu terminar, vou deixar tudo na mesa do canto ali, e quando voltarem podem continuar.
-Está bem! - Falou ela animada, se levantando e puxando Valentim pela mão. - Venha, vamos ao Jardim do Piano!
Valentim a acompanhou até o jardim, que estava lindíssimo e florido.
Mas uma chuva fina e fria começou a cair.
-Ahhh, essa não! Quando as chuvas do inverno começam, chove por dias sem parar!
-Podemos ir para outro lugar… Que tal, Ykhar?
-Para onde podemos ir, sem ninguém nos incomodar, Valentim?
-Que tal irmos para o meu quarto?
Ykhar ficou vermelha.
-Sério?
Valentim notou o constrangimento dela.
-Se não quiser, podemos ir para outro lugar… Mas se queremos ficar sozinhos, será difícil com tanta gente no QG… E está chovendo agora… Podemos levar um lanche e comer lá dentro.
-Um piquenique no quarto?
-E por que não?
-Ótima ideia! Vamos para a despensa pegas as coisas!
Ykhar e Valentim passaram na despensa e conseguiram facilmente que Karuto liberasse comida para eles. Ele estava ocupadíssimo, preparando o “Maior Jantar da História de Eel”, então nem se preocupou com as investidas na despensa.
Uma vez na paz do quarto, Ykhar e Valentim esticaram uma colcha colorida no chão e se sentaram, para o piquenique.
Como se estivessem ao ar livre, e em pura comemoração, brincaram de faz-de conta, admirando o céu azul, escutando o canto dos pássaros e sentindo os perfumes da floresta.
Valentim abriu o garrafão de hidromel.
-Ei! Não podemos nos embebedar, Valentim! Senão jamais voltaremos ao trabalho! Já estava planejando isso?
-Não, Ykhar! Podemos beber só um pouquinho, não precisamos beber a garrafa inteira!
Ykhar sorriu, e estendeu o seu copo para ele.
-Cale a boca, Soldado, e encha logo o meu copo! Até a boca!
-Sim, Capitã! - Disse ele, enchendo o copo dela e também o dele.
Depois de comerem todo o lanche roubado da cozinha, e já terem dado cabo de metade do garrafão de hidromel, só restou a eles se deitarem no chão, abraçados um ao outro.
-Há muito tempo eu não me sinto tão feliz… - Disse Ykhar, de olhos fechados.
-Eu também. Acho que desde o tempo da Escola Militar, eu não me sinto assim tão feliz.
-Aquela escola… Onde você tinha uma namorada?
Valentim abriu os olhos, e olhou para ela.
-Eu não tinha uma namorada lá.
-Tinha sim… Aquela que te deu o chaveiro de coelhinha!
-Como você sabe… Ykhar! Você jogou verde!
-Eu sabia! Sabia que tinha sido presente de uma garota! - Disse ela, se sentando.
-Você está com ciúmes?
Ykhar cruzou os braços e olhou para o outro lado.
-Claro que não… Não posso ter ciúmes… Do que não existe mais…
Valentim sentou-se também, e delicadamente puxou o rosto de Ykhar para que ela olhasse para ele.
-Ela não existe mais mesmo, Ykhar… Ela está morta.
A Coelhinha arregalou os olhos verdes.
-Oh, Valentim! Me desculpe! Eunãotiveaintençãodetemagoareunãotiveeujuro…
-Calma, calma! - Falou ele, abraçando Ykhar. - Eu venho evitando tocar nesse assunto com você, desde que a minha identidade foi revelada. Mas acho que agora é hora de parar de fazer de conta que isso não existe e enfrentar o meu passado. Você gostaria de ouvir a minha história, Ykhar?
Ela fez que sim com a cabeça, e Valentim suspirou.
-Muito bem… Então lá vai.
E Valentim começou a contar toda a sua história, desde que era um menininho sem mãe, que amava o pai acima de todas as coisas… Seu grande herói, sua maior inspiração. Passou pelos desfiles militares do seu país, depois pelo colégio Militar, e finalmente chegou em Hase… O grande amor da sua vida, mas que nunca se consumou.
Valentim contou sobre o chaveiro de coelhinha, que ele comprou para ela e pendurou nas chaves da biblioteca, em homenagem ao nome dela. E também sobre como ela abriu os olhos dele para as atrocidades do pai… E despertou seu interesse pelos faeries. Se não fosse por Hase, ele não teria aprendido alemão, e nem enxergado os segredos nos manuscritos.
Foi graças a ela, que Valentim se rebelou contra o pai e fugiu, tentando seguir uma vida diferente da vida que ele tinha planejado para si.
Quando descobriu que ela tinha partido para Eldarya, ele buscou pistas para segui-la, e descobriu que ela tinha se casado. Assim, seu sonho de amor desmoronou.
Valentim então confessou que chegou a pensar em retornar para a casa de seu pai e pedir perdão por tudo o que fez. Mas pensando em tudo o que tinha aprendido com Hase, ele desistiu, e resolveu viajar para a Alemanha e investigar os manuscritos originais dos Contos de Grimm… Que seu pai tinha mandado roubar.
Foi graças a ela que Valentim ingressou na causa rebelde que protegia os faeries das injustiças, e também seguiu a sua vida em busca de respostas para as suas teorias… Até descobrir que Hase tinha morrido em uma rebelião. Isso, ao invés de deprimi-lo, lhe deu mais forças para prosseguir com a sua pesquisa, e buscar os registros restantes sobre o Avatar Híbrido. E foi quando ele se alistou nas tropas de seu pai e se infiltrou nos acampamentos militares, para libertar faeries.
Assim, ele chegou até o Templo da Fênix, onde Hua o acolheu e o ajudou.Música sugerida
-Então… - Falou Ykhar - Desde o início você estava em busca da Jow! Só que não sabia o porquê! E foi guiado por Hase…
-Sim. Hase me trouxe até aqui, e até você. Se não fosse por ela, nós não estaríamos aqui hoje… E nem estaríamos tentando salvar esses mundos juntos, Ykhar.
-Pois então, acho que eu deveria fazer um altar para ela, e agradecer por ela ter entrado na sua vida! Porque senão, você não teria entrado na minha!
-Podemos fazer um altar juntos, quando tudo isso terminar…
-Mas agora, eu não quero mais nenhuma mulher aqui nesse quarto conosco! Nem a Jow, nem a Hase, nem ninguém!
Valentim sorriu e deu um beijo de leve nos lábios dela. Mas Ykhar o puxou para si e o beijou com paixão. A paixão acumulada e guardada que eles tinham vivido até aquele momento. Ela não queria nem saber se Valentim tinha um passado, e quais foram os motivos dele ter entrado na sua vida. O que importava para ela agora, era que ele estava na sua vida. E ela não pretendia deixar que ele saísse mais.
Ykhar puxou a túnica de Valentim para cima, fazendo com que ele a tirasse, e por alguns segundos, observou as cicatrizes e hematomas que ele ganhou nos últimos dias, correndo as pontas dos dedos por cada uma delas, lembrando que cada uma tinha uma história com ela. Acariciou a tatuagem do braço dele, e sorriu.
-Vou te contar uma história também, Valentim… - Disse ela. - Escute em silêncio… Era uma vez um humano rebelde e misterioso, e até meio tapado…
-Ykhar…
Ela calou-o com um beijo. E depois continuou…
-E que veio para Eldarya com a ideia fixa de salvar faeries e encontrar uma Deusa…
-Ykh…
Ela calou-o com outro beijo, e prosseguiu.
-Mas acabou achando uma coelha obstinada, estressada, e muito inteligente…
-Yk…
Ykhar dessa vez tampou a boca de Valentim com a mão.
-Pare de me interromper! Quando for a sua vez, você fala! - E continuou - Era uma vez, esse humano bonito, mas tapado, que tropeçou pelo caminho, e acabou caindo nos braços da coelha… Mas essa coelha estava comprometida com um amor do passado, e custou muito a aceitar a bagunça que acontecia dentro do seu coração… Eu confesso que ela lutou bastante para negar o que estava sentindo, porque achava errado se apaixonar por um desconhecido… Só que o destino, que quase os matou algumas vezes, também foi responsável por uni-los… E de repente eles eram uma equipe, e era tão perfeita, que a coelha começou a precisar cada vez mais desse humano tapado para continuar seguindo em frente… Era uma vez um humano quase morreu algumas vezes, e precisou ser salvo pelas garotas, ao invés de salvá-las, como um bom soldado herói… Mas a coelha entendeu que precisava dele, e conseguiu encontrar o caminho certo para que ficassem juntos… - E Ykhar começou a chorar, e terminou a frase em soluços. - Era uma vez uma Coelha e um Humano Tapado que vivem juntos em mundo de faz de conta que está acabando, e eles não sabem quanto tempo ainda vai restar para que possam viver esse amor…
Foi a vez de Valentim puxar Ykhar para beijá-la. Ele enxugou as lágrimas dela, e disse:
-Não chore, meu amor! Agora é a minha vez… Era uma vez uma Coelha maluca, de pernas longas, e muito bonita… Não vai me interromper para eu te beijar também? - Ykhar fez que não com a cabeça - Então tá… E que era a pessoa mais inteligente que o humano havia encontrado na sua vida… Tem certeza de que não vai me interromper? - Ykhar deu um cascudo nele - Ui! E que fica violenta, quando é contrariada, mas eu não me importo… Era uma vez uma mulher coelha maravilhosa, corajosa, e cheia de vida, que trouxe para esse humano tapado o verdadeiro sentido de existir… E que… E que… - Ykhar chorava de novo, e ria junto. - Ah, Ykhar! Não chore! Chega de faz de conta, eu amo tanto você!
Ykhar abraçou Valentim com força, como se tivesse a certeza de que ele desapareceria dali.
-Ah, Valentim! Eu também amo você! Mesmo que o mundo acabe, eu não quero mais ficar sem você!
-Eu não vou me afastar de você nunca mais. Aconteça o que acontecer, eu vou te proteger, Ykhar. Não vou deixar ninguém te ameaçar, eu te protegerei com a minha vida! -Ykhar afundou o rosto no peito de Valentim, e ele deixou-se ficar ali, respirando o cheiro doce dos cabelos dela. - O que será que vai acontecer agora, Capitã?
Ykhar respirou fundo e sorriu, enxugou os olhos com as costas da mão, e decidida, empurrou Valentim de costas no chão.
-O que vai acontecer? Eu espero que agora aconteça tudo, Soldado! Tudo o que já deveria ter acontecido, mas monstros, piratas, mercenários, fendas e fantasmas do passado não deixaram acontecer! Eu espero que aconteça o que eu estou esperando acontecer, há muito tempo, e você também!
Valentim riu da determinação dela, e estendeu-lhe os braços.
-Então, o que está esperando, Capitã? Livre-se logo dessa farda desconfortável, e junte-se a esse soldado tapado… Antes que o mundo acabe!*****
No porão, Kratos, dentro da sua cela, sabia que tinha alcançado Jow. Ele sentiu a energia desesperada que ela enviou de volta, ao assistir a cena do Ceifador levando Amikoh. Foi o suficiente para que ele pudesse se estabilizar dentro do corpo de Amin.
Viu que Jow estava no Limbo com a Salamandra, numa jornada para encontrar Hans. Se ela conseguisse, e com certeza a pequena aberração conseguiria, seu disfarce estaria perdido. Hans saberia que ele tomou conta do corpo de Amin… Mas o que era isso, para alguém com o poder de Kratos? Ele poderia simplesmente fazer todos ali o aceitarem, com a sugestão mental. Mas por enquanto, não tinha forças para aquilo. Tinha usado toda a energia que sobrou para dominar os prisioneiros e o Silfo, então ainda necessitava encenar o comportamento medíocre de Amin, até recarregar as baterias. Precisava de aliados ali. Afinal, ele não pretendia destruir nada, pelo contrário, ele queria consertar tudo! Ele deveria ser o salvador daquele mundo!
Kratos concentrou-se por algum tempo, para equilibrar a sua alma com a alma perturbada do jovem Brownie, e varrer de uma vez por todas toda a vontade que poderia ter sobrado nele, e dominá-lo de vez. Amin era um receptáculo perfeito… Sem amor e sem vontade de viver.
O som de pessoas correndo pela escadaria da prisão tiraram Kratos de sua meditação, e Leiftan entrou correndo, ofegante, com os olhos em chamas.
Olhou com raiva para os homens mortos nas gaiolas.
-O que aconteceu aqui? Responda, Amin! Quem matou os prisioneiros?
Amin (agora Kratos) ajoelhou-se no chão da gaiola para responder.
-Kratos entrou aqui com seus demônios e me obrigou a invocar um Ceifador… Eu… Eu não pude resistir! - Gritou ele, mostrando a mão ensanguentada, e os símbolos desenhados com seu sangue, no chão da sua cela.
Leiftan sacudiu a cabeça, transtornado.
-E por que ele poupou você? Me responda logo!
-Acho que ele teve pena de mim… Eu não sou nada, e não ofereço nenhuma ameaça a ele…
Leiftan teve que concordar. Amin não era nada. Amin era um pobre diabo que esteve a mercê de Kratos a vida toda.
-Amikoh! Onde está você? - Chamou Leiftan, olhando ao redor - Amikoh!
-O Silfo… Também foi levado.
Leiftan parou e farejou o ar. Depois virou-se lentamente e olhou para Amin e o fogo nos seus olhos ficou escuro.
-Você não me engana, Kratos… Eu sei que está aí… Eu sinto o cheiro da sua carniça!
Kratos não esperava por essa. Como ele achou que Leiftan não o reconheceria? Que seria enganado por ele? Precisava agir depressa, porque Leiftan seria o aliado perfeito!
-Não se precipite, Leiftan. Eu estou do lado de vocês…
-Não, você está do lado de dentro da gaiola, seu idiota! E vai ficar aí!
-Eu ficarei aqui, Leiftan. Só lhe peço que me escute… Eu sei o que está acontecendo com os mundos, e eu posso ajudar a resolver o problema… Apenas me ouça… Se depois que eu terminar, ainda quiser, pode me matar.
-Você já está morto, Kratos!
Kratos suspirou. Precisava ter paciência e tato com Leiftan. Precisava dele como aliado.
-Leiftan, a guarda de Eel pode atrapalhar o destino do mundo intermediário. Você precisa me ouvir, para que eles não sejam um empecilho para o que precisa acontecer.
-E por que eu deveria ouvi-lo? Você é o que é, Kratos! Um mentiroso, manipulador, uma criatura desgraçada e infeliz que só veio ao mundo para destruir tudo! Tudo isso é sua culpa!
-Eu sei.
-Sabe? Então por que acha que eu vou escutá-lo?
-Porque eu sei de coisas que vocês não sabem. Me escute apenas, antes de entregar meu disfarce… É só o que eu peço a você.
Nesse momento, Miiko chegou com Nevra, e deu um grito.
-O QUE ACONTECEU AQUI????????????? Onde está o Ceifador????
Leiftan olhou para Kratos com o rabo do olho, e respondeu à Miiko.
-Kratos obrigou Amin a invocá-lo, ele matou todos e se foi. E levou Amikoh também. Amin só foi poupado por ser um lixo inútil.
Kratos suspirou aliviado. Leiftan guardou seu segredo, porque estava no mínimo curioso, e provavelmente queria ouvir o que ele tinha a dizer. Então voltou a encarnar a face assustada e submissa de Amin, enquanto Miiko segurava a cabeça com as duas mãos, e Nevra subia de volta as escadarias para avisar aos outros.
-Ahhhhhh, Minha Deusa!!!! A Jow vai enlouquecer! Ela vai acabar destruindo tudo isso aqui! Isso quase aconteceu hoje de manhã!
-Como assim, Miiko? - Perguntou Leiftan, intrigado - O que aconteceu?
Miiko olhou para Amin, encolhido na sua gaiola, e respondeu.
-Vou mandar alguém recolher esses cadáveres daqui. Não adianta nada deixá-los aqui para que apodreçam. Vamos subir, Leiftan… Preciso conversar seriamente com você.
Leiftan virou-se para Amin e disse:
-Espero que não nos crie problemas. Mais tarde eu vou voltar aqui para que me dê seu depoimento sobre o que presenciou aqui. Enquanto isso, não fale com mais ninguém!
Kratos assentiu, e permaneceu calado.
E quando Leiftan e Miiko subiram as escadarias de volta, ele sorriu.*****
-Beba, Hans! Beba logo essa droga! - Gritava Ewelein, nervosa - Vai fazer suas dores passarem!
Hans olhava para a bebida amarela. O Ezarel mascarado tinha inventado aquilo, e chamava de xixi de corko, e Ezarel já tinha reproduzido a droga. Agora Ewelein estava enfiando aquilo goela abaixo de Hans.
Hans engoliu a bebida amarela amarga e fechou os olhos, deitado em uma das macas da enfermaria.
As dores da travessia dos portais de sangue faziam com que seus ossos parecessem geléia. Todas as articulações doíam, inclusive os quadris, joelhos e tornozelos. O que não deveria acontecer, uma vez que ele estava paraplégico.
Jow já tinha arrancado as botas e as calças dele, e Hans nem tinha conseguido protestar. Ewelein o examinava com ela, enquanto Kazai e Mark permaneciam ao lado de Jane, adormecida pela poção do sono.
Com um martelo de borracha, Jow testava os reflexos tendinosos de Hans. Não havia nenhum.
-Arreflexia total, Ewelein. Condiz com a lesão medular ao nível de T6, como meu pai falou… Mas se ele sente dores, não há lesão definitiva!
-Mas ele não respondeu a nenhum dos nossos tratamentos, Jow… - Falou Mark, desanimado - Nem à magia de Deusa da sua mãe, nem à de Tsukiko. Parece que ele não quer responder.
Ouvindo aquilo, Hans abriu os olhos e protestou.
-Não é isso, Mark! Eu não consigo! Não funcionou!
-Tsukiko disse que isso é da sua mente, Hans! Que se você quiser, vai se recuperar! Ela disse que você quer se punir! - Gritou Jow irritada com a teimosia dele.
Ewelein segurou a mão de Hans.
-Não precisa se punir. Eu sei que estava enfeitiçado, quando fez isso tudo. Não foi sua culpa, Hans… Eu não estou culpando você!
-Não estou me punindo… Eu realmente não consigo!
-Vamos dar tempo ao tempo, Hans… - Falou Jow - Quem sabe com fisioterapia… Você se recupere. Está muito abalado agora. Deve descansar para se recuperar das lesões dos portais de sangue. Preciso ver o Amin… Um ceifador levou o meu Amikoh, Ewelein!
-Espere, Jow… - Falou Hans, segurando a mão dela - Eu nem te agradeci. Obrigado por ir me buscar.
-Quer me agradecer? Então trate de andar, Hans! - E teleportou-se para o porão.
-Eu… Juro que vou tentar… - Disse ele para Ewelein. -Obrigado, Mark. Você e Jane, fizeram tudo por mim. Até Tsukiko…
-Não foi nada, Hans. Mas Jow tem razão. Se quer agradecer, trate de ficar bom. Ewelein, Jane vai dormir por muitas horas?
-Ela vai dormir por algumas horas, Mark. Você pode ficar aqui com ela. - E se virando para Kazai... - Kazai, você pode nos levar para o meu quarto? Prefiro que o Hans fique comigo lá.
Kazai deu a sua risadinha de sempre.
-Hihihi! Claro! É pra já! - E segurando Hans e Ewelein, os teleportou para o quarto dela.
Jow chegou ao porão apreensiva, olhou os homens mortos nas gaiolas e sentiu uma tristeza enorme. Sua energia estava azul. Quando Kratos a sentiu entrar, sentou-se no chão da gaiola e manteve o ar triste e submisso de Amin.
-Amin! Eu o ouvi me chamar! O que aconteceu? Como foi que um Ceifador entrou aqui e matou todo mundo? Por que ele levou Amikoh?
Kratos endireitou o corpo, e procurou usar o tom mais solene possível.
-Mestre Kratos me obrigou a invocar um Ceifador… - E mostrou a mão cheia de sangue de onde ele tinha arrancado a unha - Depois mandou que ele levasse os homens e descobriu Amikoh camuflado aqui embaixo. Nós não sabíamos que ele estava aqui! Eu não tive culpa, Jow! Eu só conseguia pensar em pedir a sua ajuda…
Jow teve pena dele. Parecia um rato assustado.
-Por que ele não ceifou sua alma, Amin? Por que foi poupado, enquanto todos morreram? Me explica!
-O mestre teve pena de mim. Eu preferia que ele tivesse me levado. Não tenho mais motivos para viver… A Juma… Ela era minha motivação. Sem ela, não há mais nada para mim aqui. Eu implorei para ele me levar! Ele me deixou vivo para me punir, tenho certeza!
-Eu mesmo o mataria, Amin, se a Miiko deixasse! Mas tenho certeza de que ela deve ter outros planos para você! Espero que sua mão esteja doendo bastante! Onde está o Kratos?
-Eu… Eu não sei. Ele simplesmente se foi depois disso.
Jow emitia fagulhas elétricas pelo ambiente. Havia tanta energia ali, uma energia poderosa e sombria, que ela começou a absorver sem perceber.
Lágrimas incandescentes começaram a escorrer dos seus olhos azuis. O chão começou a tremer, e pequenas rachaduras começaram a se abrir nas paredes da prisão.
Kratos, ao ver aquilo, assustou-se. Se não agisse depressa, Jow ia fazer aqueles túneis ruírem.
-Não fique triste assim, Jow! O Mestre falou alguma coisa sobre ter a pista de algo que o Ceifador procurava por séculos… Se descobrirmos o que é, talvez possamos oferecer em troca da alma de Amikoh!
-Por que eu deveria acreditar em você? Você odeia o Amikoh! Você foi capacho de Kratos durante anos!
-Eu não tenho mais nada a perder. Por que eu mentiria para você? Você sempre foi boa comigo… Eu não tenho nada contra você, Jow…
Jow teve pena dele de novo. Amin era um menino assustado, rejeitado pelo seu amor, que perdeu tudo. Agora estava preso e seria condenado a sabe-se lá o que… Mas ainda era um criminoso, que tinha entregue Valentim aos mercenários. A Deusa mandou que ela usasse seu amor da forma racional, e ela lembrou-se disso. Não podia deixar a pena que sentia de Amin atrapalhar seu julgamento. Ele podia ser digno de pena, mas não era seu amigo. E ela se fechou completamente para ele.
Kratos tentou ler Jow e não conseguiu mais. Só lhe restava continuar a apelar para a bondade e o amor enorme da pequena aberração.
Jow extinguiu as lágrimas e olhou para os cadáveres nas gaiolas. O perfume da morte estava ali, tão presente, que ela sentiu um arrepio. Fechou os olhos e cheirou o ar, e sentiu mais e mais, e fechou os olhos, quase se embriagando com ele.
Kratos ficou surpreso.
-Você sente o cheiro dela!!!
-Dela quem?
-Da Morte! Você sente o cheiro da Morte no ar!
-Eu sinto o cheiro de um perfume… Como você sabe disso???
-O cheiro da Morte… É a energia do Ceifador!
-Eu sinto o Perfume da Morte, sempre senti… Não é um cheiro ruim, é um cheiro que vicia. Desde criança, eu sinto esse perfume quando as pessoas vão morrer.. E depois que se vão, o perfume permanece no ar.
Naquele momento, Kratos teve quase certeza de que ela tinha o que o Ceifador procurava. Mesmo com a mente dela fechada para ele.
-Talvez tenha algo em comum com os Ceifadores … Você é uma médica, sempre lidou com a vida e a morte.
-Vou invocá-lo, e vou obrigá-lo a me devolver o Amikoh! Você vai ver, Amin!
-Para o ritual, precisa de sangue. Você não tem sangue, Jow… Quando precisar, eu posso fazer isso para você. Eu sei fazer esse ritual, eu vou ajudá-la, Jow. Posso lhe dar meu sangue!
Jow olhou desconfiada para Amin, e teleportou-se dali.
Kratos sorriu.
Jow sentia o perfume da Morte. Ela decididamente tinha fragmentos de alma de um Ceifador. Jow tinha que ter os fragmentos de alma que Skull procurava há séculos!*****
Keroshane repetia em voz alta o poema que Ykhar tinha traduzido dos manuscritos dos Kappas, e que tentava em vão entender.
“Não vejo derrota no Tempo Esperado...
Apenas nos olhos fechados de Medo.
Abrigas na alma e no corpo marcado
As Sombras que selam os antigos Segredos…
E a Filha da Lua, trará dor ou luz...
Achando nas sombras sentidos de ser.
A Marca da Morte se infiltra na mente,
E a espera do Nada reforça o teu Ser.
E mais que perfeita, o poder absorve...
Usando essa parte de mim, que levaste.
Para ser capaz, de num vórtice negro,
Levar todo o mal contra o qual tu lutaste.”
Coragem, Maeve, que estás mais segura.
Levanta teus olhos que estás mais capaz...
E usa essa força que agora te habita.
Devolve a esse povo o caminho da paz. “
-Que droga, parece que isso foi escrito para alguém! Por que diabos estaria num registro histórico? E quem diabos é Maeve?
Keroshane usava diversos livros que flutuavam ao redor dele, procurando mapas, outros pergaminhos antigos, livros, mas não encontrava nada a respeito de uma Maeve. Talvez fosse um poder, ou um lugar…
-Coragem, Maeve… Pode ser um povo, talvez uma cidade… Mas não acho raios de cidade nenhuma com esse nome, na Terra Antiga! Como uma cidade pode levar o mal num vórtice negro? E para onde essa meleca vai? Meus neurônios estão derretendo! - Berrava Kero, falando sozinho.
Enquanto Keroshane fritava seu cérebro tentando desvendar um enigma por detrás de um poema, Ewelein tentava convencer Hans de que ele era inocente.
-Já disse que você não teve culpa de nada, Hans! Estava enfeitiçado!
-Eu leio mentes, Ewelein! Eu deveria ver o Kratos por trás da Oráculo!
-Mas ele não estava ali, para você ver… Ele a estava controlando através do Cristal… Não tinha como saber… Eu sei o poder que a fada tem, Hans. Você jamais estaria livre de uma ilusão. Mesmo com toda a sua habilidade mental.
-Ewe… Me perdoa!
-Se me pedir perdão mais uma vez, eu vou enfiar uma poção do sono em você! Agora levante-se e ande! Você pode, Hans…
Hans sacudiu a cabeça.
-Me dê um tempo… Eu juro que vou tentar… Mas estou muito cansado, e cheio de dores da travessia.
Ewe deitou-se ao lado dele e o abraçou.
-Não vou mais deixar você sair de perto de mim, Hans. Porque sempre que se afasta, algum espírito ou coisa ruim toma conta de você.
-Eu sou um inútil agora, Ewelein. Não deve mais se prender a mim.
-Você é um idiota, se pensa que eu estou com você apenas pelo seu corpo, Hans. Você para mim é muito mais do que um par de pernas ou… Apêndices interessantes. Você é um coração e uma alma. É por isso que eu amo você.
-Ewelein, eu sei que não mereço seu amor. Eu estou transtornado pela culpa.
-É essa culpa que não o deixa ficar bom. Você é mais poderoso do que pensa, e se quiser, vai dominar seu corpo e vai ficar curado. Eu estarei ao seu lado, queira você ou não. Agora cale essa boca e me dê um beijo, Hans! Eu preciso disso, agora! Você fraturou a coluna, não a língua!
E agarrou o rosto de Hans, e lhe deu um beijo.*****
Jow retornou do porão ainda desorientada.
Então o Ceifador queria alguma coisa, que procurava há séculos. O que poderia um Ceifador querer? Um Ceifador era um espírito transtornado, que levava almas para o Além. E era ainda mais… Mais… Mais o quê? Ela viu que não sabia nada de Ceifadores. Precisava aprender então. E o que seria melhor para isso, do que uma biblioteca?
Ela teleportou-se para a biblioteca, e lá estava Keroshane, falando sozinho, com livros flutuando ao redor dele, e os pergaminhos de Valentim e Ykhar.
“-Coragem, Maeve, que estás mais segura.
Levanta teus olhos que estás mais capaz...
E usa essa força que agora te habita.
Devolve a esse povo o caminho da paz. “
-Wow! - Berrou ela, fazendo Keroshane dar um pulo, e os livros caírem no chão. - Que coisa mais linda! Você está apaixonado, Kero? Para quem está recitando isso? Quem é Maeve?
-Ahhh, Jow! Por que você sempre faz isso comigo? Já chega me assustando!
-Escreveu um poema para Maeve, Keroshane? Ela é sua namorada?
-Não! Não é nada disso! - Defendeu-se ele - Eu não sei quem ela é.
-Escreveu um poema para uma mulher que não conhece? Pirou das batatinhas?
-Ahhh, Jow! Não fui eu quem escreveu isso! Isso está nas traduções da Ykhar!
-Oh… Mas é um poema, sem dúvida…
-Eu sei que é um poema… Vou ler para você.
E leu o poema inteiro para Jow.
Ela sorriu.
-Puxa, quem escreveu isso estava muito apaixonado! É uma carta de amor?
-Claro que não! Quero dizer, não pode ser… Isso está nos registros históricos do Avatar Híbrido! É um pergaminho da aldeia Kappa, que a Ykhar traduziu. Não é uma carta de amor!
-Keroshane… Eu sei muito bem o que é amor. Vivi o amor intensamente quando era viva, e agora ainda mais. E isso, definitivamente, é um poema de amor. Se estava aí no meio, e não está no contexto, alguém deve ter colocado isso aí por engano… Ou pra confundir a sua cabeça.
-Se foi para isso, fez um excelente trabalho! Porque eu não sei mais o que pensar! Não temos ninguém vivo que seja dessa época, isso foi escrito séculos antes da Grande Travessia…
-Tem uma data aí?
-Não consigo reconhecer essas datas, parecem datas humanas, mas há também datas faeries. Não consigo saber nada sobre isso. Valentim é Historiador, e disse que deve ser de 400 anos AC, por causa da referência aos povos que viviam na Eurásia nessa época.
-Será que tem coisas nesses pergaminhos sobre o povo Celta?
-Tem sim, por quê?
-Por que eu tenho descendência Celta. O Sion me disse uma vez, e contou um monte de histórias da minha família Celta, de quem ele tomava conta…
-Sion? Ele viveu nessa época?
-Sim, ele viveu em todas as épocas! Sion deve ser mais velho que os Dinossauros, ele deve ter participado do Big Bang com seu cajado!
-Oh, Jow! Você me deu uma luz enorme agora!
E ela repetiu, pensativa:
“-E a Filha da Lua, trará dor ou luz...
Achando nas sombras sentidos de ser.
A Marca da Morte se infiltra na mente,
E a espera do Nada reforça o seu Ser.”
Bem… Eu posso trazer dor à beça para todo mundo, porque eu estou destruindo os universos… E também sei explodir bombas de luz… Mas nunca encontrei nada nas sombras, a não ser no limbo, quando fui com a Kazai buscar o Hans. Lá é tudo sombra, Keroshane. Foi nas sombras do limbo que eu encontrei o caminho para achar o Hans… A marca da morte pode ser alguma marca como as marcas dos elementos, que eu tenho… Uma marca na alma.
-Jow… Onde você esteve esse tempo todo, que nunca te recrutamos para ajudar aqui? Isso tudo é sobre você e seus ancestrais! Você é uma Filha da Lua, e se a Oráculo disse que a resposta para essa desgraça toda estava aqui, e isso tudo é culpa sua… Sem ofensas… Ninguém melhor do que você para ajudar a decifrar as traduções!
-Onde eu estava? Por aí, destruindo mundos, abrindo fendas, resgatando amigos… Atraindo bichos enormes e cinzentos que comem magia. Nada demais… - Disse ela com pesar. - Posso ajudar, com muito prazer… Mas vim aqui em busca de informação sobre os Ceifadores. O que pode me dizer sobre eles?
-Eles ceifam almas.
-Wow! Sério? Eu não sabia! Pensei que eles entregavam Pizza!
-Jow! Você está ficando igualzinha ao Ezarel!
-Kero… Me conte algo que eu não saiba… Um Ceifador esteve lá embaixo na prisão, matou todos os prisioneiros e levou o Amikoh! Preciso saber tudo sobre eles! Preciso achar uma forma de trazer o meu Amikoh de volta!
-Oh… Me desculpe, Jow, eu não sabia… Fiquei enfurnado aqui o dia inteiro, eu não estou ciente de nada… Como isso aconteceu?
Jow então contou para ele que tinha ido resgatar o Hans com Kazai, e foi inundada pela visão da mente de Amin. Chegou à Arena da Lua da sua mãe, e voltou com seus pais, e o Hans. E depois o que tinha acontecido na prisão, e a sua conversa com Amin.
-Então Kratos obrigou o Amin a invocar um Ceifador? E ele levou um Elemental? Jow, Ceifadores não deviam poder fazer isso!
-Foi o que Tsukiko me disse.
-Você esteve com ela de novo?
-Estive sim, na Arena da Lua da minha mãe.
Keroshane estava tonto.
-Mas então o Amin disse pra você que o Ceifador está a procura de algo, e que se você encontrar, pode oferecer em troca pelo Amikoh? E por que ele aceitaria isso? Ceifadores não agem dessa forma!
-Eu sei lá, Kero! Vou invocá-lo de qualquer forma, e vou obrigá-lo a me devolver o Amikoh!
-Se ele levou o Amikoh, Jow, pode levar você também!
-Será que ele aceitaria minha alma em troca, Kero? Uma alma por outra… Eu faria isso.
-Não fala isso nem brincando! Ceifadores não pensam, Jow!
-Mas parece que esse pensa… Como isso é possível? Ele vem, porque chamaram, e depois leva um elemental, que não pode… E procura algo que não devia. Parece muito complicado… Eu preciso saber mais sobre eles. Como são criados, como morrem…
-Ceifadores não morrem, são espíritos escravizados. São criados pelo Deus da Morte. Eles são o resultado dos Avatares da Morte, que depois de serem possuídos pelo Deus, exaurem tanta energia vital, que morrem. Suas almas enlouquecidas se tornam os Ceifadores, obedecendo ao Deus da Morte por toda a eternidade.
-Eca, que nojo! Esse Deus nojento é ainda pior do que a Tsukiko! Me lembre de invocá-lo também e chutar o traseiro dele, como vou fazer com esse Ceifador!
Kero teve que rir. Jow não sabia de nada.
-O que esse Ceifador tem de diferente, que faz isso? Não é um comportamento normal deles, Jow.
-Talvez ele seja um rebelde como eu. Tsukiko nunca me controlou, ela tentou me manter na Arena da Lua e North e Ezarel me ajudaram a fugir! Se é um rebelde, talvez eu possa conversar com ele. Gostaria de conhecer um Avatar da Morte para fazer algumas perguntas. Eles ainda existem?
-Que eu saiba, não existem mais. Mas você não trouxe o seu pai? pergunte a ele, um Ceifador levou a alma dele, quando ele morreu. E por favor, Jow… Nem pense em invocar um Ceifador! É muito perigoso!
-Eu sei, Kero. Mas a minha existência tem sido assim… Fazer coisas perigosas, e depois morrer. Talvez deva ser isso mesmo que eu tenha que fazer, no final…
Keroshane sacudiu a cabeça, e Jow desapareceu da sua frente.
-Sion… - Lembrou-se ele - Preciso encontrar o Sion!
E deixando os manuscritos todos largados pelas mesas, Keroshane correu dali, para procurar por Sion.
Jow achou seu pai na enfermaria, ao lado de sua mãe adormecida.
-Ela ainda não acordou?
-Não. Ela se mexe, geme, mas continua dormindo.
-Pai… Do que se lembra quando morreu? Lembra de ter visto um Ceifador?
-Não me lembro de nada, Jow. Lembro de sentir dor quando Grimm cortou meu pescoço, e lembro de olhar para a sua mãe… Depois dormi. Acordei no Limbo com a Oráculo, e ela me deu um monte de informações para ajudar você. Não sei onde estava antes, não vi nada lá, e se vi, esqueci. Por que me pergunta?
-Porque talvez pudesse ter encontrado um Ceifador. Queria saber mais sobre eles… Preciso do Amikoh de volta, pai!
E Jow também contou a Mark a conversa que teve com Amin, e sobre alguma coisa que o Ceifador procura.
-Não posso ajudar, filha, infelizmente. Mas… Por favor… Não chame um Ceifador aqui. Já viu que eles são problema!
-Eu vou trazer o Amikoh de volta, pai. Eu juro!
-Filha, já não acha que tem problemas demais para resolver?
-Agora eu tenho mais um. - Disse ela, e saiu dali.
Jow não sabia mais o que fazer.
Sentia a mente fritando também.
Precisava decidir o que fazer. Estava se sentindo perdida.
Pensou nos seus amores, na decisão que ela a obrigavam a tomar, nos seus pais, nos seus amigos, e por final, em Amikoh. Ela sabia que não poderia permitir que o desespero tomasse conta da sua alma. Precisava usar o amor de forma racional.
Foi até o laboratório e viu Ezarel dormindo apoiado em cima da bancada, onde as amostras de gosma verde ferviam. Ele segurava um timer, que provavelmente tocaria para acordá-lo, quando a amostra estivesse pronta.
Jow aproximou-se dele e acariciou seus cabelos.
Ezarel despertou e abriu os olhos, e viu Jow sorrindo para ele.
-Você voltou! - Disse ele, agarrando Jow em um abraço apertado. - Ah, JOw, não fica fazendo isso comigo! Eu não sei o que eu faria se algo acontecesse a você… E se vocẽ não conseguisse voltar pra mim??
-Ezarel… Vou dizer uma coisa para você, e não vou precisar repeti-la para o resto da sua vida. Eu juro que sempre voltarei para você, não importa onde eu tenha ido, não importa quanto tempo demore… Eu sempre voltarei para você. Lembre-se sempre disso, e nunca mais tenha dúvidas!
E abraçou seu Elfo com força, mas não conseguiu esconder que estava triste.
-Obrigado por me dizer isso, Jow. Mas o que aconteceu? Vocẽ conseguiu resgatar o Hans?
-Sim, Ezarel. Eu cheguei na arena da Lua da minha mãe, e trouxe o Hans e os meus pais.
E contou para ele tudo o que havia acontecido, inclusive sobre o Ceifador que levou Amikoh.
-Oh, Jow! Você deve estar transtornada! Amikoh é muito importante para você!
-Eu estou, Ezarel. Mas Tsukiko me disse para usar meu amor com a razão. E eu farei isso. Vou invocar o desgraçado e trazer o Amikoh de volta.
Ezarel arregalou os olhos. Quando pensava que Jow estava segura, lá estava ela de novo, fazendo coisas impensáveis.
-Você está louca?
-Kratos acha que eu tenho algo que o Ceifador procura. Só preciso ter certeza. POsso oferecer em troca da alma do Amikoh. E vou fazer isso, Ezarel, e ninguém vai me impedir!
-O que os outros acham disso? Falou com o North, a Kazai, o Sion? Tenho certeza de que eles não vão aprovar!
-Não preciso da aprovação de ninguém. Já decidi que vou e acabou. Ninguém pode me impedir, Ezarel, nem você, nem ninguém. Só preciso saber o que esse cara quer, para ter e dar, em troca do Amikoh. Só isso, é simples assim.
Ezarel coçou a cabeça. Sabia que quando Jow escasquetava uma ideia, já era!
-Então precisamos achar o Kratos e perguntar o que o Ceifador procura.
Jow sorriu, ao ver que Ezarel estava do lado dela. E o abraçou de novo.
-Obrigada! Obrigada por não me deixar sozinha, Ezarel!
-Eu nunca deixarei de apoiá-la, Jow. Seja lá a maluquice que precisar fazer, eu estarei do seu lado. Só me prometa que vamos bolar um plano antes. Está bem?
Ela assentiu, e olhou a gosma fervendo.
-Já descobriu o que é isso?
-Quase terminando. É um tipo de resina selante. Mais alguns testes e saberei exatamente o que é e o que faz.
-Vou voltar à biblioteca, para continuar lendo as traduções de Ykhar. Vou tentar descobrir mais alguma coisa, porque todos aqueles manuscritos dizem respeito aos Avatares Híbridos. Talvez haja alguma luz para mim lá.
-Ótima ideia! Assim, não invoca ceifadores enquanto a gente não está vendo!
Jow sorriu e deu um beijo nele.
Depois voltou para a biblioteca e mergulhou nos pergaminhos.
Capítulo 9 - A História Não Contada - Um mergulho no passado Parte Final
O fim de tudo. O começo de tudo
Skull passou uma tarde inteira na Arena da Terra, lendo para Maeve os pergaminhos que ela tinha terminado de copiar, com a jornada das Filhas da Lua. Às vezes ele mesmo tropeçava para decifrar as palavras que ela tinha escrito, e ria.
Ele estava encostado em uma árvore da Arena, e Maeve estava deitada no seu peito. Skull lia e Maeve ouvia.
E quando ele terminou, viu que Maeve sorria, e sentiu o quanto gostava dela. Levantou o queixo dela e lhe deu o primeiro beijo de verdade, daqueles de tirar o fôlego e fazer sentir calor.
Maeve sentiu o sangue esquentar. Nunca tinham se beijado assim, de maneira tão profunda e tão intensa, mergulhando um no outro.
Quando ele se afastou dos lábios dela, Maeve estava vermelha.
-O que foi, Maeve? Não gostou? Fiz alguma coisa errada?
-Eu sinto que há um vulcão no meu estômago! Eu não consigo explicar… Mas eu gostei! Vamos fazer de novo!
Skull a beijou de novo, e dessa vez ela o puxou para si num abraço mais apertado.
-Precisamos praticar isso. - Decidiu ela - Pode ficar melhor…
-Dá pra ficar melhor? Eu estou achando muito bom assim.
Maeve começou a fazer vários testes com os beijos de Skull, e eles realmente estavam se divertindo muito ali, até que Sion apareceu.
-O que vocês pensam que estão fazendo? Que pouca vergonha! Esse é um solo sagrado, vão procurar outro lugar para profanar, seus depravados!
-Ih, Sion, deixa de ser chato! Não estamos fazendo nada demais!
Sion apontou em volta.
-Olha a quantidade de roseiras vermelhas que você conjurou aqui, Maeve! Imagino o que não estavam fazendo antes de eu chegar!
-Estávamos só praticando uns beijos, Sion… -Disse ela.
-Me poupe dos detalhes! Sumam daqui, vão para a Arena do fogo, que é mais apropriada para o que vocês vão fazer em seguida! - reclamou ele.
-O que vamos fazer em seguida? - Perguntou ela, rindo da cara dele.
-Eu não quero nem saber! Sumam!
Maeve e Skull subiram as escadarias correndo, rindo de Sion.
-Para onde vamos? - Perguntou ele.
-Vamos para a Arena do Fogo! A ideia foi dele!
-Já está de noite, Maeve, daqui a pouco está na hora de jantar. Não está com fome?
-Estou faminta, e pelo jeito, você também, senão não teria falado em comida.
-Então vamos para o refeitório. Depois podemos ficar onde você quiser.
-Eu quero… Que vá comigo para o meu quarto hoje.
Skull ficou tenso.
-Tem certeza disso?
-Eu nunca tive tanta certeza na minha vida, Corvinho. Ninguém precisa ficar sabendo, se você não quiser.
Ele estava sem graça.
-O Escriba, meu colega de quarto, vai saber se eu não passar a noite lá.
-Eu não me importo!
-Então eu também não me importo, Maeve.
Depois do jantar, Maeve levou Skull para o seu quarto. Ela fechou a porta e ele a abraçou. Quando se beijaram de novo, Maeve acendeu a aura de fogo e ele a aura Daemon.
Maeve então afastou-o e livrou-se rapidamente das próprias roupas, ficando completamente nua e deixando Skull vermelho.
Era engraçado ver como elas não tinham a mínima vergonha da nudez. O corpo de Maeve não era delicado como o das ninfas, Maeve era uma elfa grande, forte e musculosa, tinha pernas longas e bem definidas. Uma guerreira. E era essa força dela o que mais encantava Skull. Maeve tinha o corpo coberto de cicatrizes de batalha.
Skull ficou parado, admirando-a. Maeve estava de costas, soltando os longos cabelos pretos e os destrançando, deixando-os caídos até abaixo da cintura.
O quarto estava iluminado por lamparinas de magia e pelas auras deles. Nas suas costas, ele viu a tatuagem com os quatro elementos nela. Ela percebeu que o olhar dele estava nela, e virou-se.
-O que foi? Afinal, você gosta do que está vendo?
-Eu gosto. - Disse ele, ainda vermelho. - Gosto muito de olhar para você.
-Eu não tenho a delicadeza das princesas, eu sei.
-Eu não estou procurando uma princesa, você sabe muito bem disso.
Maeve abraçou Skull, colando seu corpo no dele.
-Acho muito bom, porque eu sou capaz de espetar como uma uva qualquer cabeça de princesa na ponta da minha espada, se ela for o foco da sua atenção. Vamos nos livrar rápido dessa sua roupa, porque eu também tenho o direito de olhar para você. - Disse ela, despindo Skull e atirando a roupa dele num canto.
-Sim, você decididamente não parece um frango… - Disse ela - Eu também estou gostando muito de olhar para você… - Falou ela, observando cada detalhe dele enquanto andava ao redor. - Espero que tenha trazido o manual.
-Que manual?
-De acasalamento, claro!
Skull ficou ainda mais vermelho. Maeve tinha a estranha habilidade de quebrar o clima romântico e deixá-lo completamente sem graça.
-Você falou isso de propósito, Maeve! Para me deixar envergonhado!
-Corvinho, a menos que você tenha pelo menos lido uma só vez o manual, isso pode ser um sucesso ou um desastre.
-Eu não me preocuparia com isso… - Disse ele, envolvendo Maeve num abraço quente. - Nós fomos muito bem na parte dos beijos. Não sei porque teríamos dificuldades no resto.*****
Pela manhã, quando Skull acordou, Maeve ainda dormia. Ele estremeceu quando viu nas suas costas, a tatuagem completa, com os cinco elementos, a flor de cinco pontas e a lua negra no centro.
Ficaria ela furiosa, em ter quebrado o último selo, ou não se importaria? Maeve às vezes era um mistério para ele.
Ao contrário do que se pensava, às vezes ela tinha reações completamente diferentes das esperadas pelos outros.
Ele se sentiu culpado por ter despertado aquela runa… Porque Maeve agora podia servir de Avatar para a Deusa Tsukiko, estando apta a terminar o treinamento do Avatar Híbrido.
Ele olhou para si próprio, e também descobriu que tinha marcas no corpo. Mas eram marcas das unhas de Maeve.
Já devia estar tarde, e talvez todos já tivessem comido a primeira refeição.
Ele cobriu as costas dela de beijos e ela despertou.
-O que pensa que está fazendo, Corvinho? Sai, eu quero dormir!
-Já dormimos demais. É melhor se levantar.
Ela rolou para o lado e o puxou para si.
-Levantar? Nem pensar! Não vamos sair desse quarto hoje. Acho que vamos ficar aqui por alguns dias.
-Vamos morrer de fome.
-Você está acostumado a passar fome. Mas vai notar a diferença entre o que acontecia na sua pirâmide e entre o que vai acontecer aqui.
-Eu disse que não precisaríamos de manual.
-Descobrirmos sozinhos foi divertido. Mas talvez não tivéssemos perdido tempo, se você tivesse estudado, como prometeu.
Skull fez uma careta.
-Não existe um manual para isso. Mas podemos escrever um, se você quiser.
Foi a vez dela fazer uma careta.
-Não me fale em escrever! Eu escrevi o suficiente para o resto da minha vida!
-Ainda temos mais pergaminhos para restaurar.
-Terão que fazer sozinhos. Isso não é para mim, é trabalho intelectual, eu sou uma Amazona. Só sei espetar os outros com a espada e lançar magia elemental.
Skull pigarreou.
-Por falar em magia elemental…
Ela fechou os olhos, e completou, imitando a voz rouca dele.
-”Falando em magia elemental, Maeve, você tem uma quinta marca na sua pele”...
-Você já sabia?
-Depois do que aconteceu ontem, eu sabia que ela iria aparecer.
-Isso quer dizer que você me ama, Maeve?
Maeve riu sem falar nada, levantou-se e conjurou água para o banho.
-Pode tomar banho primeiro. Quer que eu aqueça a água?
-Se você entrar comigo, a água vai ficar quente sozinha.
-Gostei da ideia, Corvinho! Lembre-se de colocar isso no nosso manual!
Depois do… “Banho quente”, eles se vestiram e saíram do quarto.
E para variar, havia uma noviça esperando por ela na porta, do lado de fora.
-Está me perseguindo? - Reclamou Maeve, com uma careta.
-Desculpe, Maeve, mas Mãe Yahn convocou todas as Generais para uma reunião na sala dela. Só estão esperando você acordar… Já passou muito da hora do almoço, eu estou aqui desde que o dia raiou!
-Espero que não tenha encostado o ouvido na minha porta. Não ia gostar do que ia escutar.
A menina ficou vermelha, e saiu.
-Bem, Corvinho, o dever me chama. Acho melhor você ir comer sozinho, porque pode ser que eu me demore lá.
-Não se preocupe comigo. Eu vou esperar você. Estou acostumado a passar fome, como você disse.
Ela sorriu e se foi.
Skull foi para a biblioteca. Seu amigo escriba já estava lá, trabalhando.
-Como foi a noite, “Corvinho”?
-Não é da sua conta, fofoqueiro.
-Você não voltou para o quarto.
-Estava me esperando ansioso? Queria passar a noite comigo?
-Eu estava pensando nas consequências, só isso.
-Quais delas?
-A primeira de todas, é você transformar Maeve em uma viúva. Depois, a marca do Espírito nela. Aposto que ela apareceu… - E olhando para a cara irritada de Skull - Eu sabia. E por fim…
-Chega, já entendi. Estamos cientes dos riscos. Resolvemos viver o presente.
-Há muito sofrimento no final, quando tiverem que se separar.
-Estamos cientes disso também. Concentre-se na sua poesia, que eu cuido da minha vida.
-Preciso registrar tudo, não se ofenda.
-Não me importa. Não estarei mais aqui, quando forem ler sobre as nossas intimidades. Mas não espere que eu vá lhe dar detalhes. - Disse Skull, dando de ombros.
-Estou falando da fragmentação de almas, Skull. Maeve e você já trocaram fragmentos entre si.
-E daí?
-E daí que o Pai vai requisitar esses fragmentos da sua alma que estão com ela.
-Como sabe disso?
-Eu li nos livros proibidos, que encontrei nos quartos dos mestres.
-E por que o Pai faria isso?
-Porque pertencem a ele, desde que você foi recrutado. E é assim que ele controla a alma dos Ceifadores. Devemos evitar o envolvimento emocional, para não ver a alma do nosso amor ser ceifada, para que o Pai peneire os pedaços da nossa alma para levar com ele.
-Maeve é uma Filha da Lua. Ele não a levaria.
-Maeve não completou o treinamento do Avatar Híbrido. Ele pode apressar a morte dela, se quiser. Deve esconder a alma de Maeve dele.
Skull empalideceu.
-E como posso esconder a alma de Maeve dele? Você sabe uma forma?
-Eu estava prevendo o que ia acontecer com vocês dois. E decidi ajudá-los. Estive estudando os livro proibidos e descobri um jeito. Deve colocar nela a marca da Morte. E o Pai não enxergará a alma dela, até que ela morra naturalmente. Ela estará sob a sua tutela de Avatar da Morte.
-Preciso conversar sobre isso com ela.
-Não acho prudente fazer isso. Quanto menos ela souber, melhor será para ela.
Ele fechou os olhos e assentiu.
-Você está certo. Obrigado, eu vou fazer isso imediatamente.
E saiu, indo até a porta da sala da Sacerdotisa Mãe.
Do lado de fora, ele pôde ver Maeve de costas. Ela usava a túnica que deixava a tatuagem exposta. E parecia exibir orgulhosa a tatuagem completa das Filhas da Lua. Então lançou a marca invisível da Morte, que percorreu a sala e alcançou Maeve, pousando sobre ela e marcando a sua alma. E com aquilo, deixou mais um fragmento da sua alma com ela.
Maeve nem sequer sentiu nada. Continuou escutando Mãe Yahn discorrer sobre as estratégias da Guerra. Em breve, eles sairiam juntos para lutar contra um grupo de humanos que estavam escondidos na floresta, e estavam queimando aldeias Celtas. O Povo Celta era aliado dos faery.
Os Kappas tinham capturado alguns humanos, e o interrogatório revelou diversas localizações de acampamentos deles.
As Amazonas sairiam para caçar esses humanos.
Skull saiu depressa dali.
Maeve provavelmente iria partir em breve. Não sabia quanto tempo teriam juntos, mas queria que esse tempo fosse o melhor da vida dela. E ele se empenharia nisso.*****
O casal de namorados ainda aproveitou bastante a companhia um do outro durante alguns meses, até o Solstício do Inverno.
Embora as Amazonas saíssem em campanha para se juntar ao exército faery e aos guerreiros Celtas, sempre retornavam alguns dias depois. Maeve sempre tinha um bom motivo para voltar, e lutava de forma centrada precisa, sempre usando a proteção do seu escudo de ar.
A luta tinha sido empurrada para além das colinas, e a região onde ficava o Templo, agora estava em paz. O escudo de magia não era mais necessário.
Os treinamentos continuavam sendo aplicados, e Sacerdotisas e Monges já se afinavam na luta em conjunto.
Muitos deles já acompanhavam as Amazonas nas campanhas, e trabalhavam como uma equipe.
Maeve passou a treinar apenas na Arena do Amor, com seus quatro Guardiões Elementais. Além de Sion, havia uma Salamandra, uma Ondina e Uma Sílfide.
Ela mal conseguia acompanhar os treinos normais das Sacerdotisas e dos Monges, pois precisava ela mesma se equilibrar sozinha com os cinco elementos.
Os Humanos, sempre criadores de tretas, além de perseguir o povo Faery e o povo Celta, estavam inventando guerras entre eles mesmos.
Grandes batalhas estavam sendo travadas por toda a Eurásia, o que estava obrigando o Povo Celta a migrar para áreas menos povoadas.
Durante a festa do Solstício de Inverno, quando todos estavam com a guarda mais baixa, Mãe Yahn obrigou as instrutoras a armarem o escudo. Ela estava com um pressentimento ruim.
As sentinelas se revezaram nas torres de vigia, e a fogueira foi acesa na frente, do lado de dentro dos muros do Templo, e ao lado, montaram o Altar da Fada do Inverno.
Maeve e Skull acenderam suas velas com seus pedidos, e aproveitaram ao máximo a energia da fada.
E durante a madrugada, no meio da festa, o Templo da Lua foi atacado.
Munidos de Trebuchetes, os guerreiros humanos começaram a tentar derrubar os muros do Templo.
As sentinelas sopraram as ocarinas, e as sacerdotisas subiram às Torres, começando a defesa do Templo com seus ataques de magia.
Apesar do poder mágico delas, os arqueiros conseguiam acertar algumas Guerreiras no alto das Torres.
Foi quando Mãe Yahn uniu a sua energia à energia dos seus próprios guardiões dos elementos, e cedeu seu corpo à Tsukiko, e o Avatar Híbrido, em todo o seu Terror e Esplendor, dizimou completamente as tropas que faziam o cerco ao Templo.
Uma segunda e depois uma terceira onda de ataques foram feitas ao templo, e os soldados eram tão numerosos, que os corpos se amontoavam no chão, cobrindo de cadáveres a entrada da floresta. E mesmo assim, eles não paravam de chegar.
As sacerdotisas já estavam cansadas, com a energia mágica fraca, e as Amazonas começaram a abrir mão da magia e a enfrentar os soldados corpo a corpo, com as suas lanças e espadas de metal forjado com mágica.
Os monges também lutavam, com a magia dos Avatares da Morte, e Skull invocava sua aura Daemon para dar mais força aos seus ataques com o espectro da foice.
O Templo era impenetrável, e a magia deles era invencível.
Tsukiko era imbatível.
A terceira e última investida contra as sacerdotisas foi um fracasso para os humanos. Não havia sobrado nenhum guerreiro vivo… E todos os Guerreiros e Guerreiras do templo estavam vivos, apesar de estarem exaustos e alguns terem sido feridos pelas flechas envenenadas.
Foi quando um grupo de crianças faery, todas vestidas de branco, vieram correndo de dentro da floresta, escalaram a montanha de cadáveres e correram em direção aos muros do Templo, implorando por ajuda.
Elas pareciam feridas, algumas tinham sangue nas roupas, outras tinham bolhas na pele.
Ao avistar as crianças, as sentinelas avisaram às instrutoras para baixarem o escudo, e os pequeninos foram recolhidos ao interior do Templo.
Os ataques cessaram.
Ao sinal da vitória, Tsukiko deixou o corpo de Mãe Yahn, intacto, para que ela pudesse retornar à liderança.
Os feridos começaram a ser tratados.
As Sacerdotisas do fogo auxiliavam as médicas e Alquimistas do Templo com a cura do fogo.
As crianças acolhidas eram de várias raças faeries, que tinham sido levadas como prisioneiras pelos humanos, nos massacres contra as aldeias durante todo aquele tempo. Elas estavam magras, famintas e doentes.
O próprio Hall Central do Templo foi usado para abrigar as crianças doentes.
Uma semana após o final da batalha, as mortes começaram a acontecer no interior do Templo.
Os primeiros a morrer foram as crianças.
Depois, algumas sacerdotisas começaram a apresentar as bolhas negras que as crianças tinham na pele, e que iam confluindo até não restar mais nenhum tecido são cobrindo os músculos.
As poções e a cura do fogo eram muito limitadas, no combate àquela doença.
Foi quando Mãe Yahn se deu conta de que aquele tinha sido o quarto ataque feito pelos humanos. Um ataque fatal e certeiro.
Eles sequestraram as crianças com antecedência, e inocularam aquela doença nelas, sabendo que elas as acolheriam, e a doença se espalharia entre as Amazonas, matando todas elas.
Era o único jeito de conseguirem vencer a magia do Templo.
Maeve tratava dos doentes com a cura do fogo, e ela mesma não foi afetada pela infecção. Mas Mãe Yahn foi, e Clicia, sua melhor amiga também. As duas morreram de uma forma horrível nos braços de Maeve, apodrecendo em vida.
A dor da perda se espalhou pelo Templo, enquanto elas tentavam desesperadamente salvar algumas de suas irmãs.
Apenas dois monges morreram. Alguns dos outros contraíram a doença, e permaneceram com muitas cicatrizes decorrentes da necrose da pele, mas sobreviveram.
Skull, por algum motivo, parecia imune. Talvez pela sua metade Daemon.
Ao final de um ciclo lunar, a população do templo estava reduzida a um terço.
Os mortos eram queimados nas piras, mas os funerais eram silenciosos. Todos os dias eles viam um ou dois amigos morrendo.
Maeve já sabia quando alguém estava morrendo. Ela começou a sentir o cheiro da Morte, quando ela estava ali presente, por causa da marca que Skull deixou nela. E por causa disso, toda hora ela abraçava Skull para cheirá-lo, e ter certeza de que ele não seria tirado dela daquela forma insana.
A única salvação para suas almas machucadas eram as noites em que dormiam nos braços um do outro.
Após realizarem o último funeral, quando não havia mais nenhum sinal da infecção, uma das instrutoras, que assumiria o posto de Sacerdotisa Mãe do Templo, chamou Maeve para falar em particular. E ela já sabia o assunto.
-Você precisa abrir a Arena da Lua, Maeve. Você é a única opção da Deusa, agora.
-Mas eu não posso fazer isso agora! Não estou com o espírito em paz! Estou com a alma cheia de sofrimento, por todas essas mortes! Como terei o desprendimento necessário?
-A dor é a melhor aliada para isso. Você precisa ir, com seus guardiões, o quanto antes.
-Então tire Skull daqui! O Escriba vai levar os registros históricos para o povo Celta e o povo Kappa! Faça com que ele o acompanhe! Quando ele voltar, eu já terei concluído o treinamento. Se ele ficar aqui, eu não conseguirei!
-Está bem, Maeve. Farei com que eles partam hoje mesmo, ao final do dia. Mandarei duas Amazonas com eles.
-Desde que não seja a..
-Desde que não seja a Jaira. Eu sei, Maeve. Jaira não pode ir. Ela está grávida.
-Oh… Eu não sabia.
-Você não sabe de muitas coisas, minha querida. Eles partirão ao Crepúsculo. Quer se preparar e se despedir dele? Tire a tarde de folga…
Maeve fez uma reverência e deixou a sala, indo buscar conforto nos braços de Skull.
E tiveram uma bela sessão de despedida, fechados no quarto dela.
Ao pôr do sol, Skull partia, acompanhando o Escriba e duas Amazonas, para encontrar o Povo Celta e o Povo Kappa, e deixar os registros históricos guardados com eles, no exílio.
O Escriba pediu a Skull que terminasse o restante dos seus registros, sobre os Avatares Híbridos, para que a história não se perdesse. E que usasse metáforas, para não correr o risco de outra pessoa, que não faery, se servisse daquilo contra elas.
-Deve ser preciso nas suas descrições, Skull. Talvez fosse prudente fazer Maeve copiar, com aquela caligrafia rústica dela. Assim torna mais difícil o entendimento, caso isso caia em mãos erradas.
-Mas Grimm… Não seria melhor você terminar o que começou? Não foi para isso que se infiltrou entre nós, fingindo ser faeliano?
-Eu vim pelos registros históricos do povo faery. Vim para oferecer conhecimento, eu não tinha mais nada a oferecer. E eu só posso registrar o que presenciei. Mas você vai viver o resto da História, meu amigo. Pode terminar essa parte para nós.*****
Maeve reuniu-se com os seus guardiões na entrada da Arena da Lua, e não teve nenhuma dificuldade em abri-la.
Ao chegar naquele seu mundo, seus guardiões deram a ela as explicações necessárias para que ela concluísse o treinamento do Avatar Híbrido. Deveria praticar unir sua energia às energias dos quatro guardiões, para quando fosse a hora, estar preparada para receber a Deusa.
-Aqui, Maeve, é o refúgio do Tempo. - Dizia a Ondina - O tempo pode passar rapidamente, ou parar, de acordo com a sua vontade e necessidade. Você aqui é a Deusa. Pense bem no que deseja para a sua vida… E para essa vida que você carrega no ventre.
-O QUÊ? Então eu estou…
-Claro que está! - Berrou Sion mal humorado - Então achou que ia ficar de pouca vergonha com o Corvo e que não haveria nenhuma consequência? É isso o que acontece quando se pratica atos de acasalamento repetidas vezes!
Maeve começou a se desesperar.
-Por que está assim? - Perguntou a Salamandra- Devia estar feliz! É a vontade da Deusa que as Filhas da Lua continuem a linhagem!
-Não quero ter uma filha no meio dessa guerra! Há tantas doenças, e mortes! Isso não será bom para ela! Os humanos estão caçando as Filhas da Lua, para interromper a linhagem da Deusa! Eles as estão queimando em fogueiras!
-Podemos esconder a criança. - Sugeriu Sion.
-Como assim? Como podemos esconder uma criança mágica faery? Ainda mais se ela nascer com as minhas orelhas pontudas de elfa! Não há tempo para isso! Como vou lutar, quando estiver com a barriga enorme?
-Sion tem razão, Maeve… Podemos tratar disso tudo… - Falou a Sílfide - Aqui você é a Deusa. Faça o tempo passar, acelere sua gravidez, tenha a criança aqui, sele a magia dela, e dê um jeito nas orelhas para que ela pareça humana…
-Eu posso levar a criança para o meio do Povo Celta. - Falou Sion - Eles são nossos aliados e estão sempre migrando. Os humanos jamais pensarão em procurar uma Filha da Lua entre eles mesmos. Vão se concentrar em faeries. A linhagem vai continuar existindo, em silêncio. A menina não terá acesso à magia, nem ao treinamento… Não saberá manipular os elementos. E a força mágica está cada vez mais fraca, com o uso da energia faery para a criação do novo mundo. Ela ficará segura.
-E eu não vou vê-la crescer… Nem treiná-la para a Deusa… E como vou contar para Skull? Que abandonei nossa filha com o povo Celta? Ele nunca vai me perdoar!
-Skull não deve saber que ela existe, Maeve. Porque assim ela ficará mais segura. Ninguém mais deve saber da existência dessa criança. - Disse Sion.
E ela chorou. Maeve “Coração de Pedra” chorou lágrimas de verdade, ao invés de verter fogo pelos olhos. E no final, concordou.
-Seja o que for melhor para ela. Devem protegê-la, prometam! Devem olhar por ela, quando eu faltar!
-Não se preocupe com isso. O Povo Faery precisa de você agora. E sua filha precisa de um lar seguro e de paz para sobreviver. Se tudo correr bem, em breve não precisaremos de Avatares Híbridos para a defesa do nosso povo. O Novo Mundo ficará pronto e iremos embora daqui. - Disse a Salamandra.
E Maeve fez o que devia ser feito.
Parou o tempo na Arena da Lua. Treinou com os seus guardiões. E depois Acelerou o tempo, enquanto do lado de fora, apenas poucas horas se passaram. A sua filha nasceu, e ela permaneceu ali com ela por alguns dias. Teve o prazer de amamentá-la e experimentou o amor incondicional de uma mãe por um filho… O que é amar alguém apenas por esse alguém existir, sem exigir nada em troca. E assim, fragmentos da sua alma foram passados para a alma da sua pequena filha recém-nascida.
Ela não lhe deu um nome. Se referia a ela apenas como Pirralha. Não deveria saber nada dela, nem seu nome e nem o seu paradeiro.
Quando finalmente saiu da Arena da Lua, e abriu os olhos na escadaria que dava para lugar nenhum, ela olhou pela última vez para sua filha adormecida nos seus braços, e pediu a Sion.
-Teleporte-se com ela, Sion… Leve essa Pirralha daqui depressa, antes que eu me arrependa e desista! Leve-a para o povo Celta, diga que ela foi encontrada em uma vila atacada, e ache para ela uma boa família! Lembre-se de que Skull está indo para lá, e por favor… Não encontre-se com ele!
Ela entregou a criança para Sion, que imediatamente desapareceu com ela.
E Maeve chorou mais.
Suas guardiãs a abraçaram, para tentar consolar Maeve, mas ela estava inconsolável. E Chorou mais e mais, até cansar.
Depois enxugou os olhos e levantou-se do chão.
E sem olhar para trás, subiu as escadarias da Arena da Lua, para informar às suas irmãs que estava pronta para cumprir o seu destino.*****
“Não vejo derrota no Tempo Esperado...
Apenas nos olhos fechados de Medo.
Abrigas na alma e no corpo marcado
As Sombras que selam os antigos Segredos…
E a Filha da Lua, trará dor ou luz
Achando nas sombras sentidos de ser.
A Marca da Morte se infiltra na alma
E a força do Nada reforça o teu Ser.
E mais que completa, o poder absorve...
Usando essa parte de mim, que levaste.
Para ser capaz, de num vórtice negro,
Levar todo o mal contra o qual tu lutaste.
Coragem, Maeve, que estás mais segura.
Levanta teus olhos que estás mais capaz...
E usa essa força que agora te habita.
Devolve a esse mundo o caminho da paz. “
Skull tinha escrito em forma de versos, as instruções para Maeve, que aprendeu nos livros proibidos dos mestres. Quis tentar deixar registrado como ela conseguiria utilizar o novo poder que agora abrigava.
A Marca da Morte lhe deu mais força, e uma habilidade a mais: Absorver a energia que estava ao redor e usá-la para fortalecer seus ataques, como os Avatares da Morte faziam, para invocar o guerreiro de fumaça com a Foice. A explosão de energia que ela era capaz de provocar conseguia derreter tudo o que havia ao redor,
Maeve seria capaz, quando fosse a hora, de criar o Portal para o além, através de um Vórtice de magia da Trevas, e sugar para dentro dele tudo o que estivesse ao redor, se entrasse nele. Era o mesmo Portal que os Ceifadores abriam e atravessavam.
Para conseguir isso, ela precisava absorver toda a energia que pudesse, que estivesse disponível, toda a energia vital ao seu redor, a energia dos elementos, a energia solar, se fosse preciso, explodir essa energia para fora e destruir tudo ao redor. Depois atrairia de volta toda a energia que liberou, e o vórtice negro se abriria em um portal para o além.
Ele esperava que ela fizesse isso, quando fosse a hora de partir, e assim, ela acabaria com a guerra e estaria com ele finalmente, quando ele se tornasse um Ceifador.
Mas a sua grande dúvida era… Como ela reagiria a isso, quando chegasse a hora? Iria ela com ele, enganando a sua Deusa, fugindo do seu Destino e do Deus dele, para encontrarem conforto nos braços um do outro, juntos, no Além? No mundo dos mortos?
Skull queria acreditar que sim. Que ela ia querer, que ela seria capaz de desejar estar com ele mais do que tudo na vida. Que não restaria aqui na Terra nada mais para eles, enquanto um futuro incerto esperava por eles, no submundo. E como todos os que ela amava estariam mortos, apenas ele, Skull, teria os fragmentos de alma que faltavam para completar a alma dela. E seu Espírito sairia do esquecimento, ela o reconheceria, e eles poderiam prosseguir juntos.
Eles levaram grande parte dos pergaminhos e manuscritos, e os dividiram entre os Celtas e o Povo Kappa.
Os Kappas também tinham Escribas, que faziam registros históricos de tudo.
E estavam também sempre em movimento, como um povo nômade, fugindo das batalhas.
Ele retornou da Aldeia Celta algumas semanas depois, numa manhã fria e chuvosa, com as duas Amazonas, deixando lá seu amigo Grimm, o Escriba, e encontrou uma Maeve muito triste.
Ela o esperava no alto de uma das torres dos muros do templo.
Desde que que saíra da Arena da Lua, Maeve passava alguma parte do dia no alto das Torres com as Sentinelas, esperando Skull voltar.
Quando ela o viu, desceu correndo e o abraçou.
E chorou.
Skull espantou-se.
-Oh, Maeve! O que aconteceu com você? Eu nunca a vi chorar lágrimas de verdade!
-Você demorou séculos para voltar! Eu já estava perdendo a cabeça, Corvinho!
-Mas você sabia que eu estava seguro… Não precisa mais chorar, estamos de volta! Preciso do seu sorriso, Maeve!
Ela deu um sorriso forçado.
-Ah, assim não… Quero um sorriso de verdade...
-É o melhor que eu posso fazer…
-Bem… Então anime-se! Temos algum trabalho na biblioteca!
-Ahhh, Não, de jeito nenhum! Não o esperei semanas inteiras para matar as saudades na biblioteca! - E o arrastou para seu quarto, tomando o cuidado de ter ingerido poções anticoncepcionais, para evitar mais preocupações.*****
Skull passou a ir todas as tardes com Maeve para a biblioteca, e a fez copiar todos os pergaminhos que ele escrevia, para completar os pergaminhos de Grimm, com a história das Avatares Híbridas. Levaram muitas semanas nisso.
Ela apenas copiava, devagar, sem saber o que estava escrevendo.
E quando Maeve ia treinar na arena do Espírito, Skull fazia questão de acompanhá-la, para observar e apoiar o treinamento da nova habilidade de Maeve, que ela não sabia de onde tinha vindo.
Ela conseguia facilmente absorver o poder e a energia de quem estava ao redor, e usar de uma maneira extremamente destrutiva.
Somente os seus Guardiões conseguiam batalhar com ela ali. Skull às vezes tinha que sair, porque ela o exauria de toda a sua energia.
Sion olhava de lado para ele, cada vez que o via chegar com Maeve. Mas não conseguia disfarçar que gostava muito dele, vendo seu apoio e seu empenho para que ela sempre se superasse nos treinamentos.
Quando novas grandes guerras caíram sobre o continente, Manannán, o Deus da Morte, começou a reclamar seus Avatares.
Sua diversão era lutar na guerra, e uma vez que os poucos Monges que restaram estavam tendo treinamento, ficou muito mais divertido para ele ocupar seus receptáculos. Eles duravam muito mais, pois estavam mais bem alimentados e mais fortes.
Skull sabia que logo chegaria a sua vez.
Ele precisava preparar Maeve para aquilo.
E numa noite, após o treinamento de Maeve na Arena do Amor, ele tomou coragem para falar no assunto com ela.
Foram para o quarto mais cedo, e ele começou.
-Maeve, você foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida, e eu preciso que você saiba disso.
Ela olhou bem dentro dos olhos verdes pálidos dele, e disse.
-Por que eu tenho certeza de que não vou gostar do que eu vou ouvir a seguir?
-Porque você me conhece muito bem.
-Você vai me deixar. - Concluiu ela, sentindo a alma vazia.
-Não por escolha minha. Não vai demorar para que o Pai reivindique meu corpo como Avatar.
-Eu estou ciente, Skull. - Disse ela, triste.- Nós sabíamos que isso poderia acontecer, um dia. Eu estou vendo seus irmãos sendo levados. Os monges não podem desaparecer do nada assim. Manannán os está levando, aquele maldito cretino!
-Eu estava com medo de falar nisso com você.
-Não tenha medo de falar nada comigo. Eu não vou mentir para você. Eu não estou preparada para perder você, Corvinho! Mas não há nada que possamos fazer a respeito disso. Fomos criados Avatares. Esse é o nosso triste destino.
-Se um dia você acordar e eu não estiver aqui, saiba que o pai me requisitou. Eu jamais a deixarei dormindo, para acordar sozinha e sem saber onde eu fui. Eu sempre vou acordar você com beijos, para que saiba que eu ainda estou aqui. Mesmo que você reclame e me expulse, querendo dormir mais. Esse será o nosso pacto.
-Eu já gostei dessa parte!
-Eu também estou com medo do… Depois.
-Mas isso será tão fácil, Skull! Se você se transformar em um Ceifador, apenas venha e me leve!
-Eu descobri que não é fácil assim, Maeve. Eu li muito sobre isso nos pergaminhos proibidos do Templo da Morte. Ceifadores não podem levar Avatares Híbridos Completos. Apenas o Pai e a Deusa podem.
-Mas então peça que ele me leve, seja rebelde, Skull! E fácil sim!
-Você tem um caminho importante ainda aqui, Maeve. É o único Avatar Híbrido completo, para defender nosso povo. E temo que não haverá mais tempo para treinar mais nenhum.
-Então eu devo esperar séculos até que meu caminho esteja completo, e mesmo assim, posso não conseguir ficar com você? A Deusa ou o Deus vão me levar, e não você?
-Existe um meio sim. Mas só deve fazer isso quando estiverem prestes a terminar essa guerra, Maeve.
-Me ensine, Skull, e eu faço!
-As guerras estão longe de terminar. Você vai enfrentar muitas delas. E deve viver por séculos, Maeve. Você é uma Elfa. E ainda é da linhagem da Deusa, o que a fará viver ainda mais. Mesmo que o Pai nunca me requisitasse, você viveria muito mais do que eu. A Morte nos separaria da mesma forma. Mas a Morte pode ser nossa aliada. Ela pode nos unir, no final.
-O que devo fazer então?
-Você pode manipular as Sombras, Maeve, e é isso que permite que você absorva a energia de tudo o que está em volta. E isso acontece porque eu lhe dei a Marca da Morte. - Confessou ele.
-Me deu a Marca da Morte? E por que você fez isso? Onde estava com a cabeça?
-Era a única forma de esconder você do Pai, caso eu morresse. Nós trocamos fragmentos de almas, Maeve, com o nosso amor. E o Pai iria atrás de você, mesmo sendo uma Filha da Lua, para coletar os fragmentos da minha alma que você carrega. Apenas de posse de todos eles, ele pode controlar o meu espírito, depois que eu me tornar um Ceifador. Se eu colocasse em você a Marca da Morte, sua alma estaria sob a minha tutela, e ele não a acharia para levar. Mas nesse tempo, você tornou-se um Avatar Híbrido Completo, e agora é a única opção da Deusa. Eu não tenho como retirar a marca de você, e é ela o que a faz tão poderosa. Você pode absorver e usar a energia que está disponível por aí, por causa da marca. É como se fosse a marca do Nada, o Nada pode absorver tudo o que está ao redor. Você não domina mais só cinco elementos. Domina seis.
Maeve sacudiu a cabeça, para colocar as ideias no lugar.
-E no que isso nos ajuda agora? Se tem pedaços da sua alma comigo, ele nunca controlará você!Para mim, continua sendo fácil… É só me levar, Skull, quando quiser.
-Não posso. Como Ceifador, nunca serei capaz de ceifar a alma de um Avatar Híbrido Completo. Mas você pode vir até mim, se quiser, porque esse elemento a mais pode permitir que você consiga expulsar a Deusa do seu corpo.
-E como farei isso?
-Absorvendo toda a energia que puder, durante toda a sua vida. Vai ser capaz de gerar uma enorme explosão, que será atraída de volta para você. Isso fará as sombras abrirem um portal para o Além. Um vórtice negro. É dessa forma que os Ceifadores saem do além. Eles absorvem a energia das almas, causam uma explosão e absorvem novamente. Se a Deusa a reivindicar, a marca da Morte permitirá que sua alma se mantenha consciente, mesmo com ela possuindo o seu corpo. Pode criar o portal, expulsar a Deusa e entrar nele, ele vai ajudá-la a sugar tudo e todos os que estão ao redor, e levar para o Submundo, onde eu estarei. Ficará comigo e trará a paz para o nosso povo.
-Oh! Isso parece assustador!
-Eu não posso obrigá-la. Mas se desejar mesmo, você conseguirá fazê-lo. E levará toda a guerra ao redor de você junto. Pode acabar com toda essa dor com um único portal. Trará luz e paz para o mundo, Maeve.
-E o que nos espera do outro lado?
-A Eternidade. Estaremos juntos para Sempre, e se eu tiver todos os fragmentos da sua alma, ela estará livre do esquecimento. Vai me reconhecer, do outro lado.
-Claro que eu vou fazer!
-Apenas quando chegar a hora, lembre-se sempre disso! Nunca antes! Ainda tem a missão de ajudar o nosso povo! Por mais triste que esteja, por mais saudades que sinta, por mais tempo que leve… Prometa que nunca fará isso antes do tempo!
-Pode levar séculos! - Disse ela, abraçando Skull.
-Talvez. Nunca vamos saber, não posso prever o futuro.
-Os Oráculos, descendentes das Moiras, podem! Vamos perguntar para eles!
-Nem eles podem. Eles apenas vêem as possibilidades de futuro. Não é uma certeza.
-Espero ser forte o bastante, Skull. Mas chega disso! Se não podemos mudar o destino, vamos fazer como sempre fizemos… Vamos viver o presente, Corvinho… Ainda tem muito amor aqui para você. A minha marca do quinto elemento é sua… Vem pegar! - Disse ela rindo.
Skull sorriu e a abraçou. Não tinha certeza de que Maeve tinha compreendido exatamente o que ele disse para ela, mas não se importou. O tempo parava quando estavam juntos.*****
Alguns dias depois, o Deus da Morte requisitou Skull, como era esperado, e ele desapareceu no meio de uma noite, sem deixar vestígios.
Maeve só acreditou nisso quando procurou por ele por todo o Templo, e não o encontrou. Não bastou saber que ele não estava ali, quando ela acordasse. Ela precisava se certificar.
Os guardiões elementais esperavam por ela na Arena do Espírito, quando ela desceu correndo as escadarias, desesperada.
-Vocês viram o Skull? Me digam que viram!
-Aconteceu, Maeve. - Disse Sion para ela - Ele se foi. Nós o sentimos partir.
-Oh, pela Deusa! Por que teve que ser assim? - Perguntou ela, se incendiando.
-Eu sabia que não estaria preparada para isso! - Berrou Sion irritado.
Ela olhou para Sion, enquanto lágrimas de fogo escorriam pela sua face.
-Você está enganado, Sion! Eu estou preparada! Me ataquem! Agora! - Disse ela, enquanto recitava para si mesma, entre soluços, o poema decorado que Skull tinha escrito, com as instruções…
-Não vejo Derrota no tempo Perdido… Apenas nos olhos fechados de medo...
E treinou por dias seguidos, sem pausa nenhuma, sem parar para dormir ou se alimentar, usando apenas a energia disponível, que absorvia com a Marca da Morte.
Depois, comportou-se como se nada houvesse acontecido, voltando à sua rotina normal.
Maeve treinou duro por anos consecutivos, se empenhando o máximo possível para estar preparada, quando chegasse a hora.
Ela foi requisitada pela Deusa diversas vezes, e quando a guerra expulsou os Celtas para os limites do continente, ela obrigou Sion a deixá-la, para servir de Guardião Silencioso para sua filha, junto ao povo Celta.
Outro Gnomo assumiu seu lugar como guardião de Maeve, e nos séculos que se seguiram, Tsukiko sempre manteve seu corpo intacto, para ser usado de novo, pois só havia ela.
Nenhuma outra Filha da Lua teve o treinamento do Avatar Híbrido completo, depois de Maeve, pois elas tiveram que migrar diversas vezes, para proteger-se e proteger os faeries, e não tiveram mais nenhuma oportunidade de construir novos templos para Tsukiko e treinar outras Amazonas.
Durante séculos, uma a uma, as filhas da Lua que sobreviveram foram caçadas e mortas pelos humanos, assim como as suas descendentes.
Os manuscritos que restavam no Templo da Lua foram levados pelos Kappas, incluindo os que Maeve transcreveu, para que a história não se perdesse. Embora os Kappas não pudessem ler a língua estranha de alguns, eles foram os verdadeiros guardiões dos registros históricos.
Por volta do Século 15 DC, a criação do Novo mundo foi precariamente concluída, e uma grande guerra religiosa dos Humanos obrigou o povo faery a migrar precocemente para ele.
Os faeries eram queimados em fogueiras como feiticeiros, e as Filhas da Lua que sobraram, lutavam apenas como Amazonas, usavam precariamente a magia, devido à escassez da força mágica, e morreram entre eles.
Durante todos esses séculos, Maeve não teve nenhuma notícia da sua filha e nem das descendentes dela, confiando que Sion as guardaria, e que viveriam uma vida humana normal e sem magia, guardadas pela cultura Celta, diluindo a cada geração a linhagem élfica que ela trazia.
Nenhuma vez se questionou sobre a sua decisão de deixá-la escondida no meio dos humanos.
Fugindo da Dominação dos Romanos, todas as Raças faery começaram a se dirigir para a Mesopotâmia, que era onde seria aberto o Portal para a Grande Travessia.
Maeve foi mantida viva e saudável pela Deusa, e viveu entre as diversas raças Faeries, auxiliando seu povo no que precisasse e treinando as guerreiras que conseguia treinar na arte da luta. E quando foram finalmente expulsos pelas guerras humanas, o Grande Portal para Eldarya foi aberto pelos FengHuang e começou a Grande Travessia.
Maeve, nessa época, estava vivendo escondida junto aos Elfos há décadas, mantendo coberta sua tatuagem e sua identidade de Filha da Lua. Já tinha as marcas da idade, e fazia parte do conselho dos Anciões Élficos, quando uma última vez foi requisitada pela Deusa, e o Avatar Híbrido, na sua forma monstruosa e poderosa, dizimou muitas tropas humanas que ameaçavam a Grande Migração.
Quando a travessia estava quase no final, uma horda de milhares de soldados Romanos chegou ao local do Portal.
Estavam sendo auxiliados por Druidas humanos, que também conheciam a manipulação da magia.
O portal estava correndo perigo, e com ele, a esperança da salvação no Novo Mundo.
Maeve entendeu que aquela era a hora para qual Skull a preparou. Ela poderia acabar de uma só vez com aquela guerra e trazer paz e luz para o seu povo, protegendo-os no final da Travessia, eliminando as testemunhas do Portal.
E na forma monstruosa do Avatar Híbrido, colocou-se entre os faeries e o imenso exército humano.
Quando o último faery atravessou, toda a energia que ela absorveu durante todos os séculos, e toda a energia que ainda restava do Grande Portal para Eldarya foi usada para gerar uma enorme explosão, que destruiu todas as tropas humanas, a vegetação ao redor, secou as águas dos rios, derreteu a areia do deserto, e soldou as rachaduras do solo, transformando em um só bloco de material fundido tudo o que estava ao redor. Depois toda a energia da explosão foi novamente atraída pela marca da Morte, e o Vórtice Negro foi aberto.
Graças à marca da Morte, Maeve foi capaz de expulsar Tsukiko do seu corpo, e entrou no vórtice para ir para o Além, enganando a Deusa.
Tudo o que estava ali foi atraído por Maeve para o Portal do Submundo, como um grande buraco negro.
As almas foram coletadas pelo caminho, e Skull estava lá, esperando para levar a dela com ele.
Mas quando finalmente se encontraram… A Alma de Maeve não estava completa.
Ela olhou para ele confusa e não o reconheceu, porque faltava um fragmento nela, que era necessário para libertar a alma do esquecimento.
Skull também não tinha a alma completa, pois parte dela estava com Maeve, e parte dela tinha sido transferida para a filha. Por isso, o Deus da Morte nunca conseguiu controlá-lo plenamente.
Ele começou a fazer acordos, quando ceifava almas para as pessoas que o invocavam, e em troca exigia o amor deles, para alimentar a alma de Maeve.
Skull precisou manter a alma de Maeve adormecida, e repleta de amor, para que ela não enlouquecesse, protegida no submundo, enquanto ele ia vagar eternamente em busca desse fragmento, que tinha sido guardado na alma da filha, que ele nunca soube que teve.
Capítulo 10 - Quando Nem Tudo Está Perdido.
-Por favor, senhor Gnomo, venha comigo!
-Unicórnio, não me aborreça! Eu não quero ir com você a lugar nenhum! - Berrava Sion, enquanto Keroshane pedia de joelhos. - E trate de se levantar, está ridículo assim! Está sujando toda a sua roupa de lama, nessa grama molhada! - E bateu na cabeça dele com o cajado.
-Ai! Não precisa ficar violento! - Falou Kero, esfregando a cabeça. Muah sibilava para ele, e ele se encolheu.
North estava assustado.
-Por que você tá fazendo isso, Kero? Temos coisas tão importantes para resolver! A Kazai nos disse que um Ceifador levou o Amikoh! Jow deve estar desconsolada! Precisamos achá-la!
-Oh, eu sei… A Jow me disse isso, sei que ela vai resolver tudo… Eu preciso tanto da ajuda do senhor Sion!
-Como assim a Jow vai resolver tudo? - Perguntou North - O que ela vai fazer?
-Ahhh, eu sei lá, vai invocar um Ceifador e chutar a bunda dele, pelo que ela disse… Venha comigo, Senhor Gnomo!
-Eu não vou a lugar nenhum com você!
-Mas precisamos entender coisas que o senhor pode saber!
-Que coisas? Não sei de nada sobre seus assuntos!
-São as traduções… Estamos com um enigma que ninguém resolve… Um enigma antigo, e o senhor viveu naqueles tempos!
-Me poupe, Unicórnio! Vamos, Moleque, vamos encontrar aquela Pirralha inconsequente! Invocar Ceifadores? Ela tem titica na cabeça!
E segurou North pelo braço, se teleportando dali.
Keroshane suspirou e levantou-se do chão.
Sion poderia ser de grande ajuda, se quisesse.
E percebeu que realmente estava sujando os joelhos de lama na grama molhada. A chuva fina e persistente do inverno ainda caía.
Ykhar e Valentim não voltaram para a biblioteca depois do almoço, e ele estava sem saber por onde continuar.
Mas não tinha o que fazer. Estava em um impasse. Precisava de uma pausa também.*****
Leiftan desceu as escadarias para a prisão para conversar com novamente com Kratos. Ele realmente estava disposto a escutar o que ele estava planejando. Não era obrigado a concordar… Mas estava bastante interessado em ouvir.
Miiko já tinha mandado retirarem os cadáveres dali, e Leiftan encontrou Kratos sozinho na gaiola dele, quando chegou lá embaixo.
Ao vê-lo, Kratos levantou-se.
-Que bom que veio, Leiftan.
-Fale logo o que pretende, Kratos. Não posso perder meu tempo aqui. O que quis dizer com poder ajudar?
-A Jow é a causa dessa ameaça toda, Leiftan.
O Dragão riu.
-Jura? Pensei que eram as mariposas amarelas da Costa de Jade!
-Vocês já sabiam disso?
-Sabemos de tudo. Sabemos inclusive que o mundo intermediário em ruínas foi causado pelos SEUS PORTAIS de sangue! Então, no fundo, o culpado é você. Não sabe de nada que nós já não saibamos!
-Eu não estou negando minha culpa, Leiftan. Ainda assim, sei de coisas que não sabem.
-Então me diga uma, Kratos. Como fechar as fendas?
-Eu ainda não sei. Mas vou descobrir!
-Hahahahaha! Você é um idiota completo. Se não sabe fechar as fendas, não pode ajudar em nada!
-Se Jow continuar aqui, mesmo que consigam fechar as fendas, elas se abrirão de novo.
Leiftan incendiou os olhos, disposto a acabar com Kratos. Aquele idiota estava apenas repetindo o que tinha lido nas mentes dos outros, não sabia nada de novo… Ele se aproximou da gaiola e estendeu a mão, agarrando Kratos pelo pescoço.
-Estou perdendo meu tempo com você!
-Não! Espere… Leiftan! Precisam se livrar da Jow para que as fendas não se abram de novo! Existe um meio!
Leiftan começou a apertar o pescoço de Kratos, com muita raiva.
Kratos tinha exterminado todas as testemunhas e todos os humanos, invocando um Ceifador, e de quebra levou o Guardião do Ar de Jow… E agora, ali estava, no corpo daquele lixo inútil do Amin, dizendo coisas que todos já sabiam, e com ideias de se livrar do único ser que podia ser capaz de fechar as fendas… E que era amiga deles!
Kratos esperneava no ar, já sufocando.
Mas Leiftan lembrou-se que, se matasse Amin, Kratos estaria solto de novo por aí. Não sabia como controlá-lo, não era capaz de impedi-lo de agir, não sabia o que fazer. O melhor seria tentar mantê-lo ali, sob sua vigilância. No fim, decidiu soltá-lo no chão.
Kratos já perdia os sentidos, quando Leiftan o sacudiu.
-Eu poderia fazer isso pelo resto da minha vida, Kratos… Asfixiá-lo e depois deixar você se recuperar apenas para fazer de novo! Seria tão divertido e gratificante!
-Leiftan… - Disse Kratos, esfregando o pescoço - Esse Ceifador pode levar a Jow embora de vez…
-A enxurrada de asneiras vai continuar… Posso apertar seu pescoço um pouco mais, não deve ter sido o suficiente, vamos lá! Recomeçando….
-Espere! Ceifadores não podem levar elementais, Leiftan. Eles são controlados pelo Deus da Morte. Mas há um Ceifador que pode fazer isso, apenas um, que não é totalmente controlado pelo Deus. E foi esse que nós invocamos aqui. Ele levou o Silfo. Ele pode levar a Jow, e ela quer desesperadamente ter seu amigo de volta.
-Está propondo que a Jow se ofereça em troca do Amikoh?
-Não, de jeito nenhum. Ele não faz acordos como esse. Esse Ceifador procura há séculos por um certo fragmento de alma. E eu tenho quase certeza de que a Jow tem esse fragmento, Leiftan. Se ele a levar, terá esse fragmento que ele busca.
-A Jow é o tipo de alma que se ofereceria de bom grado para partir, se disso dependesse a segurança de quem ela ama. Basta ter certeza de que isso vai resolver. E se ela não tiver esse fragmento?
-É por isso que eu preciso de você. Ela está disposta a confrontar o Ceifador para conseguir o Silfo de volta. Se eles se encontrarem, ele terá certeza se que ela tem esse fragmento que ele quer.
-Aí ele pode ceifá-la, Kratos! Não queremos isso!
-Sim, é isso o que nós queremos. Ela pode estar disposta a isso, você não disse isso? Ela fará qualquer coisa para consertar isso!
-Mas antes temos que fechar as fendas, estúpido!
-Oh… Então está considerando a opção do Ceifador levá-la?
-Não estou considerando nada! O que você ganha com isso, Kratos?
-Paz… Redenção. Eu fiz o que fiz para salvar esse mundo, e acabei causando sua destruição. Eu preciso consertar as coisas.
-Tudo o que você fez para consertar acabou ferrando ainda mais o mundo. Acho melhor parar!
-Leiftan… Apenas pense no que eu disse. Eu não irei a lugar nenhum, tem a minha palavra.
Leiftan virou-se e começou a subir as escadarias.
-Sua palavra vale menos do que a de um verme podre!
Leiftan chegou lá em cima tentando ordenar os pensamentos.
A Oráculo tinha dito isso para ele e para Eychi… No dia em que ela revelou que Kratos a controlava, quando Hans foi levado por ela… Ela foi bem clara quando disse que ninguém poderia saber disso, porque senão não iriam concordar. Ela foi bem clara, em pedir para manter de fora os Elementais e o Ezarel. Porque Jow precisava encontrar uma forma de deixar de existir… E agora, Kratos tinha a solução.
Leiftan tinha a cabeça a mil. Precisava conversar sobre aquilo com Eychi. Ela era sempre sensata, ela era a voz da sua consciência, sua ilha de sanidade no meio daquele mar de loucura. Ela ia pirar, quando soubesse que Kratos tomou posse do corpo de Amin. Ela não confiava nele, assim como Leiftan também não.
Mas precisava falar com ela. Precisava contar tudo e pedir seu conselho.
Ele tomou coragem, e entrou na sala do Cristal.*****
Sion e North encontraram Jow na biblioteca, lendo os manuscritos.
O Gnomo bufou, irritado.
-O Unicórnio queria me arrastar para cá, e aqui acabo eu, atrás da Pirralha!
-Estavam me procurando?
-Jow! Você vai invocar um Ceifador? - Perguntou North na lata.
Ela suspirou.
-Infelizmente, eu não posso fazer isso… Eu não tenho sangue para o ritual. Mas Amin pode, e vai fazer por mim! Só que eu ainda não sei o que fazer para obrigá-lo a me entregar o Amikoh… E eu estava pensando nisso, quando acabei aqui, mergulhada nas traduções da Ykhar… Então o Keroshane falou com você, Sion? E o que você acha? Sabe o que é Maeve?
Sion, que rosnava e reclamava, calou-se. Ficou tenso, pigarreou, tossiu e pareceu se engasgar.
-Sion? - Perguntou North - Você está bem, Cara de Sapo?
-Onde ouviu essa palavra, Pirralha? Onde? Diga, onde????
-Calma, Sion! Eu ouvi do Kero. Ele recitava um poema, que tinha esse nome nele. Esse aqui que está na minha mão… Pensamos que podia ser um lugar, ou uma pessoa… Eu pessoalmente acho que é uma pessoa, porque parece um poema de amor escrito para uma mulh….
-Jow! Cale essa boca um minuto! - Berrou Sion - Leia isso para mim!
Jow revirou os olhos, e pegou o pergaminho com a tradução de Ykhar e leu para eles o poema.
Sion entristeceu.
Sion… O que foi? Você ficou triste de repente? - Perguntou ela - Você sabe o que é Maeve?
-Sei.
-E o que é? - Perguntou North.
Sion olhou para Jow e sorriu, se lembrando de Maeve. Jow era parecida com ela em tantas coisas… Há muitos séculos ele não sorria assim, se lembrando da sua aprendiz, amiga e da sua pequena protegida.
-Ahhhh! Socorro, o Sion está sorrindo! North, mais fendas vão se abrir, prepare-se para os cataclismas! - berrou ela.
-Pirralha! Tenha foco!
-Então, Sion… O que é Maeve?
-Não é o quê, Jow. É quem. Ela é a sua ancestral. Maeve era uma Filha da Lua.
-Oh… Faz sentido… Esse manuscrito é sobre as Filhas da Lua. Mas por que esse poema é tão importante? Quem pode tê-lo escrito para ela?
-Um Monge, um Avatar da Morte. O namorado dela. Mas não entendo nada do que ele quis dizer com isso.
-Mas já é alguma coisa… Não é? Saber que Maeve é uma garota, e foi uma Filha da Lua…
-Não apenas uma Filha da Lua, ela completou o treinamento do Avatar Híbrido. Eu tive a honra de me unir a ela, como fiz com você. Eu era o guardião da Terra de Maeve.
-Nossa, Sion! Que história mais linda! E foi dela que você tomou conta, até chegar a mim?
-Sim, foi dela.
Jow abraçou Sion, com a aura dourada acesa. North estava boquiaberto, com aquela revelação de Sion. Ele sabia que ele tinha cuidado das ancestrais de Jow, mas não sabia mais nada. Sion nunca contou aquilo a ninguém.
-Estou tão emocionada, Sion!
-Eu também, Pirralha, mas já vai passar!
-Então, não sabe mais nada do que pode significar isso?
-Talvez tenha sido apenas um poema, que aquele perturbado escreveu para ela. Ele vivia escrevendo coisas, junto com o escriba.
-Como ele era, Sion?
-Fraco, magro, chato! Mas ele lutava bem, nas arenas. Era metade Daemon.
-Wow! Que legal!
-Não era legal, pirralha! Foi com ele que ela quebrou o selo do Espírito!
-Mas isso é legal, Sion… Um amor de verdade, como o meu e do Ezar… - Ela olhou para o North e calou-se. Ele virou a cara na mesma hora.
Sion deu um sorriso malvado.
-Acho que você falou demais, pirralha, hahaha! Agora o moleque ficou chateado!
E aproveitou para teleportar-se dali, e não dizer mais nada. Precisava pensar naquilo tudo sozinho.
North virou-se para o outro lado, e abaixou a cabeça.
-Me desculpe, North… Eu não tive a intenção de magoar você.
-Eu sei. Não é por isso que dói menos.
-Eu estou perturbada, North, por causa de vocês! - Disse ela, começando a soltar fagulhas de novo. - Ah, caramba, agora vou destruir a biblioteca! Vamos sair daqui! - Disse ela, segurando North e se teleportando para o jardim.
A chuva ainda caía enquanto anoitecia.
Jow sentou-se na fonte do piano e fechou os olhos para tentar controlar-se, deixando a chuva escorrer pelo seu corpo etéreo.
North percebeu o que estava acontecendo. Completa distorção na aura de Jow, com uma grande quantidade de energia acumulada. Então ele decidiu chutar o balde, e mandar o plano do Ezarel para o buraco.
Abraçou Jow e a manteve segura, enquanto dizia.
-Jow… Esqueça essa ideia toda de você escolher! Eu não quero mais que escolha, eu farei o que você precisar que eu faça, estarei ao seu lado sempre, não precisa mais escolher! Eu ficarei com você, mesmo que decida ficar com os dois! Mesmo que o Ezarel não queira! Eu estarei sempre aqui… Mesmo que seja para continuar dividindo você. Não me importa! Eu sei que você ama nós dois, temos uma história juntos, mas vocês também têm uma… E isso nunca vai mudar, Jow. Eu entendo.
Jow apertou mais North no abraço. Era tudo o que ela precisava ouvir. Ela precisava daquilo, ela precisava de North, precisava dele ali com ela, vibrando na mesma frequência, sem causar distúrbios.
-Obrigada!
-Quero que fique comigo para sempre, Jow. Mas fique comigo do jeito que você quiser. Não me importa mais. Vivemos assim até agora, porque eu a obrigaria a mudar? Eu estive ao seu lado a vida inteira, quando nem se lembrava de mim. E eu estarei ao seu lado, sempre, enquanto me quiser. Fiquei uma existência vivendo às margens da sua vida, só olhando pra você! E agora que tenho a chance de estar com você, jamais vou jogar isso pela janela! Que se dane o Elfo, que se dane o nosso ciúme! Se for invocar um Ceifador para trazer o Amikoh de volta, eu quero estar com você. Eu vou apoiar você, seja lá qual for a sua decisão.
Jow explodiu uma bomba de luz e seus corpos viraram energia. E por um momento, a energia negra, que não parava de chegar, foi expelida para longe, e depois foi novamente atraída para ela.
Pequenos vórtices negros começaram a se formar, mas a pouca energia desprendida não permitiu que eles confluíssem.*****
Valentim levantou-se com cuidado para não acordar Ykhar.
A Coelhinha dormia profundamente, abraçada a uma almofada.
Era madrugada, e provavelmente já ia amanhecer.
Valentim sorriu e vestiu-se. Estava agitado, e tinha tido alguns sonhos estranhos, com os manuscritos e os prisioneiros do porão… Algo sobre estarem todos mortos. Acordou com uma leve impressão de que uma voz chamava seu nome.
Precisava andar um pouco, estava quase amanhecendo, e ele queria ir à biblioteca, para ver se os sonhos loucos que ele teve ajudariam em algo.
Aquele poema não lhe saía da cabeça.
Mas quando estava se preparando para subir os degraus para a biblioteca, teve uma vontade incontrolável de ir à prisão.
Onde ficava mesmo? No porão? Por que ele queria tanto ir até lá?
Valentim sacudiu a cabeça, e esbarrou com Nevra no caminho.
-Oh, Valentim, já acordou? Está muito cedo.
-Mas você também levantou.
-Eu dificilmente durmo, sou um vampiro, esqueceu? Onde estava indo?
-À biblioteca… Ou à prisão… Não tenho certeza.
-E por quê?
-Ver os prisioneiros, não sei…
-Então não está sabendo? Onde andou ontem o dia todo? A Ykhar te manteve bem ocupado, não foi? Não os vi o dia todo!
Ele ficou vermelho.
-Nevra, pare com isso!
-Oh, o que foi? Acho muito bom alguém manter a Ykhar feliz, o Valkyon é um banana mesmo, e…
-O que quis dizer com eu não estar sabendo? O que foi que eu perdi?
-Os prisioneiros foram todos mortos ontem! O Amin foi dominado pelo Kratos… Já sabe quem é o Kratos, não sabe? Ele obrigou Amin a invocar um Ceifador, que levou todos eles! E o Amikoh!
-Meu Deus! Eu não sabia!
-Só sobrou ele. O Leiftan foi interrogá-lo, mas…
- E por que o cretino do Amin não morreu?
-Ele era discípulo de Kratos. O maldito teve pena dele. Agora está lá, esperando a Miiko dar para ele uma poção para apagar a memória.
Valentim ficou revoltado.
-Essa é a punição dele? Por tudo o que ele fez?
-Miiko é a chefe. Ela decidiu que vai apagar a memória dele, para dar a ele uma chance de recomeçar.
-Pelo que eu sei, ele já teve uma chance de recomeçar… E eu quase morri por causa dele!
-Sim, meu amigo, nós sabemos. Mas a Miiko costuma tomar as decisões certas, por isso ela é a líder daqui. Se discorda disso, converse com ela.
-Ou então eu posso ir à prisão e acabar com ele, eu mesmo… - Disse Valentim irritado.
-Eu não vou impedi-lo. Se você for, eu não direi para ninguém que eu encontrei você aqui… Mas duvido que tenha sangue frio para matar um jovem desarmado. Você é uma pessoa frágil… A não ser que não seja um fraco, como todos pensam que é… Vai lá! Mostra que não é um fraco!
-Fraco? Eu fui um soldado, Nevra! Vamos ver se sou fraco! - Disse Valentim irritado, vermelho, e com muita raiva. Desceu as escadarias da prisão correndo.
Nevra olhou para ele e com os olhos vazios, retornou para o seu quarto, se deitou e dormiu, sem se lembrar de nada.
Kratos abriu os olhos e sorriu.
Nevra sempre foi fácil de alcançar, sempre com a mente aberta e à disposição. E do jeito que Kratos estava fraco, só conseguia mesmo era influenciar as mentes, sem conseguir controlá-las.
Logo Valentim chegou na prisão, ofegante, e viu as gaiolas vazias.
-Então é verdade! Você invocou um ceifador, Amin! Quando vai parar de fazer besteira?
Kratos então olhou bem para ele e rapidamente, Valentim parou, sentiu a mente de Kratos forçando o controle sobre a dele.
-Oh, Valentim, tão apaixonado pela Coelhinha!
-Cale essa boca, Amin!
-Eu não sou Amin… Eu Sou Kratos… Eu tomei posse do corpo desse pobre coitado… É um poder muito útil, Valentim… Me diga… O que o seu pai diria, se o visse assim, envolvido de corpo e alma com uma faery? Vamos perguntar para ele?
E a névoa negra deixou os olhos de Kratos, e lentamente tomou a forma distorcida e atormentada de Thadeus Grimm.
Ele olhou para Valentim com ódio nos olhos.
“-Eu preferia vê-lo morto do que com uma faery! “
-Meu Deus! Meu pai, como pode continuar dizendo uma coisa dessas? Depois de tudo o que aconteceu? Não aprendeu nada?
“-Não me chame de pai! Meu filho morreu ao se tornar um rebelde! Você me traiu, me envergonhou, sujou meu nome!”
-Eu não sujei seu nome, você é quem sujou o meu! - Berrou Valentim. - Por que não ficou morto?
O poder de Kratos estava fraco, e ele não conseguia dominar Valentim.
“- Você gostou disso, não é, Valentim? De me ter fora do seu caminho, para virar amante de faeries… Mas isso não vai continuar por muito tempo. Porque eu vou lá torcer o pescoço de uma certa coelha fedorenta, e vou fazer isso por você. Depois pode me agradecer!”
-Não se atreva a chegar perto dela!
“- E o que vai fazer? Morder a língua até sangrar? Matar quem já está morto? Eu tenho o caminho livre, Valentim, para fazer o que eu quiser… Posso entrar no corpo dela e fazê-la botar fogo em si mesma… Seria divertido, já comeu coelho assado? É saboroso, tem um gosto adocicado…”
Valentim estava apavorado. Imaginou Grimm se apossando do corpo de Ykhar, e o queimando. Começou a transpirar, e sentiu o coração disparar. Mas a razão falou mais forte.
-Você não pode fazer isso, pai. Eu não sei muito sobre possessão, mas tenho certeza de que não pode possuir um corpo sem ser autorizado pelo dono dele! Idiota, acha que eu sou estúpido?
-Não, Valentim… - Falou Kratos - Você está certo. Seu pai precisa de autorização para possuir um corpo. E ele precisa da sua autorização, porque ele quer mesmo é possuir o seu.
-Eu nunca vou permitir isso! Vai ter que me matar!
-Não pretendemos fazer isso, Valentim… Você vai permitir… Porque se não permitir, eu posso dominar a mente da Ykhar e fazê-la botar fogo no próprio corpo Eu posso dominar as mentes.
“-Não faça isso, Kratos Coitado do meu filho. Não ameace a mulher que ele ama assim, ele está apavorado, virou um fraco, o medo tomou conta dele… Quem sabe podemos chegar a um acordo… Afinal, ele é meu filho, merece uma chance. “
Kratos olhou para Grimm, com um sorriso maldoso na cara, e depois para Valentim.
-Grimm é um idiota. Eu sei que vocês se odeiam, eu posso ler a sua mente… Não existe nenhuma chance de acordo entre os dois. É melhor você ir lá ter com a coelha, Grimm.
Valentim saiu correndo de lá, e subiu as escadarias da prisão o mais depressa Que pôde. Cruzou o hall das portas e chegou ao seu quarto quase sem ar. E quando entrou, achou Ykhar sentada na cama, nua, com o,olhar vazio. Grimm estava ao lado dela, com um sorriso na cara parcialmente destruída, enquanto ela repetia automaticamente a mando da Kratos…
-Preciso ir à forja… Preciso me queimar… Preciso ir à forja… Preciso me queimar...
Valentim estava apavorado. Sacudiu Ykhar pelos ombros, mas ela continuava repetindo como um mantra que precisava se queimar.
-Você não vai conseguir nada, pai! Vou mantê-la trancada aqui!
“-Hahahaha! Por quanto tempo, filho querido? Um ano? A vida inteira?”
-O tempo que for necessário!
“-Ela também pode parar de respirar… Kratos. faça a coelha sufocar…”
Ykhar calou-se e parou de respirar. Valentim a sacudiu.
-Ykhar, acorde! Resista!
“-Não vai adiantar, ela está em transe, Valentim. Kratos está na mente dela… Coitada. Vai sufocar.”
Valentim empurrou Ykhar na cama, e começou a fazer ventilação boca a boca nela. Seus lábios já estavam ficando azulados e pequenas manchas hemorrágicas surgiram nas suas conjuntivas.
-Respire, Ykhar! - E se virando para Grimm - Oh, pai, por favor! Pelos anos que vivemos felizes, por tudo o que já passamos juntos! Não deixe que ele faça isso com a Ykhar! Eu jurei protegê-la com a minha vida!
“-Está me propondo um acordo, meu filho?”
Valentim estava em desespero.
-Estou! O que o senhor quiser, pai! Desde que deixe a Ykhar fora disso! Prometa que Kratos não vai machucá-la! Faça-o parar!
“- Não sufoque a coelha, Kratos. Meu filho quer conversar… “
E Ykhar voltou a respirar. A cor dos seus lábios foi voltando ao normal e ela mergulhou no mais profundo sono.
Valentim suspirou e olhou com raiva para o pai, que rosnava.
“-Me deixe entrar, Valentim!
E passou através de Valentim, que resistiu. A névoa negra o fez estremecer. Valentim precisava proteger a Ykhar.
- Eu não posso! Não posso deixá-lo fazer isso, eu não confio em você!
Grimm voltou, com um sorriso nos lábios.
“-Ele está sendo difícil, Kratos. Estou perdendo meu tempo? Devo desistir dele e me concentrar na Coelha de novo?”
-Não se atrevam! - Berrou Valentim, furioso.
“-Muito bem, Valentim… Você não tem muita escolha. Pode acreditar na nossa palavra, e correr o risco da sua coelha viver, ou pode ter certeza de ficar aí parado e assisti-la morrer de uma forma horrível. Coopere. Prometemos deixar a sua Coelha fedorenta inteira e viva. Não vamos feri-la.”
-Vão protegê-la! Não vão machucá-la! Prometam!
“-Eu prometo… Agora deixe-me entrar. Feche os olhos, filho querido…”
Valentin tinha lágrimas nos olhos, quando os fechou, acreditando que não tinha escolha. Que o mundo se danasse. Que Thadeus matasse todo mundo, desde que deixasse a Ykhar em paz.
A névoa negra entrou pelos olhos de Valentim, e a consciência dele ficou abolida pela consciência podre de Thadeus Grimm.
No corpo do filho, Grimm sacudiu os braços e moveu o pescoço para os lados.
“Então, Thadeus? Como se sente?” - Perguntou Kratos alcançando a mente dele.
-Sinto nojo desse corpo, Kratos! Só de pensar o que ele andou fazendo com uma Faery!
“Então saia dele e volte para cá, idiota!”
-Não! Vou ter a minha vingança!
“-Não toque na coelha. Senão a consciência dele pode lutar com a sua, entendeu? “
-Eu não vou chegar perto dessa… Coisa! Pode ficar tranquilo… Vou apenas me vingar dessa guarda de Eel.
“Saia desse quarto logo! E queime os manuscritos que estão na biblioteca. Quando eles estiverem arruinados, somente eu saberei conduzi-los a uma solução. Eles vão precisar de mim. Vá lá e faça isso logo, Thadeus… Eu estarei bem aqui, se precisar de mim, caso as dores voltem…” - Disse Kratos, se recostando na sua cela e fechando os olhos, com as mãos atrás da cabeça.
Grimm olhou mais uma vez para Ykhar adormecida na cama do filho, e teve uma ânsia de vômito. Deixou o quarto de Valentim, e dirigiu-se à biblioteca, tendo o cuidado de se lembrar de cada parte daquele lugar, de quando esteve lá. Sua memória era fotográfica. Ele não ia demorar muito, para executar seu plano.
Só precisava matar os guardiões, e a Miiko… Queimaria a biblioteca e depois o laboratório, para começar.
Grimm foi até a forja. Lá sempre havia fogo aceso, para derreter metal. Segurou uma brasa incandescente com um alicate e a levou para a biblioteca. Ela estava aberta.
Vários pergaminhos e manuscritos velhos estavam espalhados por cima de algumas mesas, e era perfeito para começar o fogo.
Grimm colocou a brasa em cima da mesa e cuidadosamente atiçou o fogo com as traduções de Ykhar, conseguindo rapidamente uma fogueira, largando o alicate no chão.
Depois espalhou o fogo pelas prateleiras das paredes e pegou um livro em chamas, para ir ao laboratório de alquimia.
Mas quando estava saindo da biblioteca, ouviu pessoas correndo. Só teve tempo de largar o livro no chão, e entrar correndo na enfermaria.
Mark estava ali, sentado ao lado da maca onde Jane dormia.
Grimm assustou-se ao vê-los, e seus olhos se encheram de ódio. Ele não tinha matado Mark? Ele era mais um fantasma no QG? Todos os mortos tinham sido levados de volta para Eel?
Mark levantou a cabeça.
Grimm olhou para Mark sem dizer nada, e saiu depressa, indo para o laboratório. Talvez ainda tivesse tempo para fazer um pequeno estrago, antes de ser pego. Só que ao entrar, viu Ezarel adormecido sobre uma das bancadas, enquanto um líquido verde fervia em um frasco.
“Que droga! “ - Pensou ele, saindo e descendo as escadas.
Não sabia para onde ir.
Foi nesse momento que alguns guardiões saíram do corredor das portas, e viram o incêndio na biblioteca.
Eles gritaram, e correram para cima.
Já era tarde demais para salvar qualquer coisa que fosse da biblioteca.
Grimm praguejou pela sua burrice. Se tivesse matado os guardiões antes, não teria chamado atenção e não teria acordado ninguém.
Mas agora era tarde para se lamentar.
Ezarel saiu do laboratório, desperto pelo barulho, e juntou-se aos guardiões para tentar apagar as chamas.
-Ache Jow e a Ondina, Valentim! - Berrou ele, ao ver Grimm lá embaixo.
Ele virou-se para sair, com a intenção de sumir de vista, mas Jow apareceu do nada no Hall das portas, deixando Grimm estagnado de pavor.
“A Bruxa! A Bruxa está aqui! “ Pensou ele, sem reação.
Junto a ela, havia uma espécie de homem azul, que parecia feito de água.
Grimm sacudiu a cabeça. Aquelas aberrações todas eram demais para ele. Ele continuou assistindo, quando a Bruxa e o homem azul desapareceram diante dos seus olhos, reaparecendo na porta da biblioteca, e conjuraram água do nada, inundando a biblioteca.
Aos poucos o fogo se extinguiu.
Com o barulho, Ykhar despertou no quarto de Valentim, vestiu-se depressa e chegou correndo no Hall.
Ao ver a biblioteca destruída pelo fogo, caiu de joelhos no chão, e sentiu as lágrimas começarem a descer pela face.
Grimm, ao vê-la de novo, sentiu Valentim estremecer dentro dele, e lembrou-se do que Kratos falou: Devia ficar longe da coelha, para evitar que Valentim lutasse com ele, e acabasse conseguindo expulsar seu espírito do seu corpo.
Mas antes que pudesse sair dali, Ykhar o viu, levantou-se e correu para ele, o abraçando.
Ela não parava de chorar.
Grimm manteve-se duro, enquanto Ykhar desabava num pranto convulsivo, abraçada nele.
Ele estava morrendo de nojo dela, e não sabia o que fazer, até que seu asco falou mais forte, e ele a empurrou.
-Afaste-se de mim!
Ykhar, ainda com lágrimas nos olhos, olhou para ele sem compreender.
Valentim tinha acabado de empurrá-la? Há algumas horas, eles tiveram a mais maravilhosa noite de amor das suas vidas, aquela esperada pelos seus sonhos, e ele a estava mandando afastar-se? Ela não queria crer!
-Valentim… O que… O que aconteceu? - Disse ela, se aproximando dele e segurando seu braço.
Grimm olhou bem nos olhos verdes dela e disse, com um sorriso de satisfação nos lábios.
-Eu não gosto de você, Coelha! Nunca gostei! Apenas estava me divertindo com você… Espero que tenha aproveitado, tanto quanto eu… Mas agora, mantenha-se longe de mim!
E desvencilhou-se dela, a empurrando de novo, e saiu do Hall para fora do QG.
Ykhar estava catatônica, com os olhos arregalados, as lágrimas queimando seu rosto como se fossem feitas de ácido.
Ela não suportou. Sentiu as pernas bambearem e desmaiou.
Um guardião a amparou, antes que batesse no chão, e a carregou para a enfermaria.
Grimm sorria satisfeito. Esperava ter afastado Ykhar o suficiente, com aquele fora, e não precisava mais se preocupar com ela.
Sentia Valentim debater-se dentro dele, mas o medo de ver Ykhar ferida era ainda maior do que a dor de vê-la sofrendo.
Do lado de fora, o dia começava a raiar, e ele via o tumulto que assolava o QG.
Precisava agora se acalmar e pensar em como mataria os guardiões de Eel.*****
Jow e North jogavam jatos de água e apagavam o fogo. Quando as chamas se extinguiram, Ezarel entrou com eles.
Estava tudo arruinado… Os livros, as estantes, os pergaminhos e as traduções.
Todo o trabalho de Ykhar e Valentim estavam perdidos.
Ele colocou a mão na cabeça, sem acreditar.
O que fariam agora? Como descobrir uma forma de fechar as fendas?
Ele olhou para Jow, que estava pensando a mesma coisa que ele. Ela tinha um olhar triste.
-Coitada da Ykhar… - Disse Nevra, ao entrar ali. Ela desmaiou ao ver isso tudo assim!
-Oh… Nevra, onde ela está? - Perguntou Jow.
-Um guardião a carregou para a enfermaria. Eles foram chamar a Ewelein.
Jow correu dali para ver Ykhar.
-Está tudo perdido… - Falou Ezarel para North - As traduções e as chances de fecharmos as fendas… Tudo perdido!
-O que faremos, Ezarel? - Perguntou ele - E agora?
-Só nos resta esperar a Ykhar acordar e ver do que ela se lembra, para tentar restaurar alguma coisa. Ela deve estar em choque!
-O Sion também sabe de alguma coisa… Ele pode ajudar.
Ezarel olhou espantado para ele.
-O Sion?
-É, o Cara de Sapo conhece algumas coisas do que as traduções falam. Ele viveu naquela época. Disse que foi guardião da ancestral de Jow, a que os manuscritos se referem… Talvez ele saiba ainda de mais coisas…
Ezarel suspirou. Nem tudo estaria perdido, se tivessem sorte. Mas ele reparou na ausência de Valentim.
-Onde estará o Valentim? Eu o mandei procurar vocês! O cara estava aqui parado, olhando apatetado para o fogo…
-Ele estava no Hall quando chegamos. Ele nos viu. Deve estar com a Ykhar.
-Vá falar com o Sion, North! Vou para a enfermaria.
Ezarel foi para a enfermaria, onde Jow tentava reanimar Ykhar. Sua mãe estava acordada, e a ajudava. Valentim não estava ali.
-Pensei que Valentim estaria aqui.
-Eu também. - Disse Jow - Encontre-o, Ezarel, ele deve estar tão transtornado quanto a Ykhar.
Ezarel saiu depressa, e foi procurar Valentim.
-Puxa vida, que inferno! - Falava Jow, enquanto aplicava o soro na veia de Ykhar - Quando a gente avança um passo, escorrega três para trás! Assim nunca vamos conseguir nada! Como esse fogo começou? Pai… Você estava aqui o tempo todo...Ouviu alguma coisa?
-Eu escutei um barulho de coisas caindo, e tinha um rapaz aqui me olhando, com uma cara assustada, eu não o conheço… Depois ele saiu e o fogo começou. Provavelmente, ele deve ter visto algo, Jow. Ou então foi ele quem começou o fogo…
-Como ele era?
-Era jovem, fortão, loiro e tinha umas mechas verdes nas pontas do cabelo.
-Era o Valentim! Você descreveu o Valentim!
-Esse que vocês estão procurando? Ele começaria o fogo por algum motivo, Jow? Ele não era o parceiro da Ykhar?
-Sim! Mas essa descrição que você deu é dele… Ele não começaria o fogo! Ele vem em busca desses manuscritos há anos! Ele quase morreu por causa disso!
-Então, não deve ter sido ele.
-Mas é estranho… Por que ele estaria aqui? Se viu o fogo começar, ele seria o primeiro a alertar.
Mark deu de ombros, não podia responder.
Olhou para Jane, que ajudava Jow com Ykhar. Ela olhava para ele e sorria. Estava no ambiente dela, com a sua filha amada, e com ele. Parecia quase uma vida normal, a não ser pelo fato que ele e Jow eram espíritos…
Ezarel encontrou Valentim próximo ao mercado. Ele andava sem rumo, parecendo estar perdido.
-Valentim! - Gritou ele, quando o viu.
Grimm olhou para trás e viu Ezarel, e um arrepio de raiva percorreu seu corpo. O Elfo insolente, debochado e insuportável, namorado da Bruxa. Ele o conhecia bem.
-Para onde estava indo? - Perguntou Ezarel - Venha, estão todos procurando por você… A Ykhar está na enfermaria, está tudo arruinado!
-É… Eu vi… O que faremos agora? - Disfarçou ele.
-Não faço ideia. O trabalho está todo perdido, toda a biblioteca está destruída! Quem faria uma coisa dessas?
-A Miiko?
Ezarel olhou para ele espantado.
-A Miiko? Claro que não! Está maluco? Venha, vou pedir à Jow para examinar você, deve estar desorientado com o que aconteceu, está delusional!
E o escoltou para dentro do QG.
Grimm deixou-se levar, não sabia o que fazer mesmo, e nem para onde ir. Talvez, se fingisse que estava traumatizado, e que não se lembrava de nada, tivesse uma chance de ficar entre eles sem levantar suspeitas.
Entrou na enfermaria e viu Ykhar desacordada, um soro corria na sua veia, enquanto Jow e Jane conversavam sobre ela. Mark estava lá, num canto, observando tudo. Quando ele entrou, Mark disse.
-Foi ele quem eu vi, Jow.
Os olhos se voltaram para Grimm. Ele permaneceu de boca fechada.
-Esse rapaz estava aqui, Ezarel, quando o fogo começou. - Disse Mark. - Eu o vi.
-Você viu alguma coisa, Valentim? - Perguntou Jow.
-Eu não me lembro… - Falou ele, com o olhar frio.
Jow estremeceu, ao olhar nos olhos de Valentim. Sentiu frio, dor e raiva. Sentiu ódio e revolta.
-Você está bem, Valentim? - Perguntou ela - Sente-se aqui, eu vou examiná-lo.
Grimm obedeceu e sentou-se.
-Tire a camisa, Valentim. Quero ver se tem queimaduras.
-Eu não cheguei perto do fogo! - Protestou ele.
-Mas não se lembra, então pode ter estado lá. Tire a camisa! - mandou ela.
Grimm rosnou e tirou a camisa.
-Deite-se na maca, Valentim! - Mandou ela de novo.
Quando Valentim de deitou, ela colocou a mão nele e começou a examiná-lo. Grimm sentia-se desconfortável, quando Jow o tocava, com a sensação de amor o inundando. Ele se remexia e estremecia a cada toque dela.
-Fique quieto, Valentim… Está nervoso?
-Não. Não gosto que ninguém me toque!
-Desde quando? Há algumas horas estava se agarrando com a Ykhar pelos cantos, agora não gosta que o toquem? O que está acontecendo?
-Não sei. Não me lembro de nada. Não me lembro de estar… Me agarrando com essa… Com a Ykhar também.
Jow olhou para Ezarel e depois para Jane e Mark.
-Fiquem aqui com ele, para o caso dele sentir alguma náusea. Eu já volto.
E teleportou-se para a frente do quarto de Ewelein.
Ela já estava acordada quando Jow bateu na porta.
Hans estava sentado na cama dela, e Ewelein estava pronta para sair.
-Um recruta veio me chamar, Jow. Já sei que a biblioteca pegou fogo. Tem muita gente ferida?
-Não, Ewe. A Ykhar desmaiou e o Valentim parece estar com alguma espécie de… Amnésia. Por isso eu vim. Preciso do Hans.
Ele olhou espantado para ela.
-De mim? O que eu posso fazer?
-Hans… Valentim está estranho. Ele não parece com ele… Precisa ler o Valentim. Ele deve ter visto algo e não se lembra.
-Oh… Está certo, eu vou… Me ajudem com a cadeira.
-Não diga nada para ele, Hans… Você nunca o encontrou. Nunca se viram, ele não o conhece… Apenas o leia e não diga nada, por pior que pareça o que viu… Fique calmo, está bem?
-Está me assustando, Jow.
-Eu me assustei também, quando eu o vi. Senti que ele me odeia e tem medo de mim.
Alguns minutos depois, Jow teleportava-se para a enfermaria com Ewelein, e Hans na cadeira de rodas.
Hans olhou para o rapaz que estava ali, deitado, e estremeceu.
Não disse nada, apenas ficou ali na porta, de olhos arregalados.
Grimm olhou para Hans e o reconheceu.
“O telepata! Estou ferrado!”
Hans rodou a cadeira e saiu da enfermaria, e quase despencou das escadas, de tão desorientado que estava.
Jow e Ezarel saíram atrás dele.
-O que foi, Hans? O que você viu? - Perguntou ela.
-Grimm! - Disse ele.*****
Miiko andava de um lado para outro, na sua sala, com Kero, Nevra e Hua a rodeando.
-O que faremos? E agora, isso é uma desgraça, Hua!
-Precisamos manter a calma. Ezarel já aplicou um selo de magia no Valentim, o Espírito do Grimm não vai poder sair, enquanto o selo durar. Vamos pensar, Miiko!
-As traduções estão perdidas… Está tudo perdido! Cadê o Leiftan?
-Ele já vem, Miiko. Eychi também. Estão no refeitório.
-Como alguém pode pensar em comer em uma hora dessas?
-Não são todos como você, Miiko. - Disse Nevra - Alguns de nós pensam melhor com o estômago cheio. Tenha calma.
-Não me peça calma, Nevra! Kero, você se lembra de alguma coisa das traduções?
-Alguns versos, talvez…
-Versos? Que versos??? Estavam lendo versos ao invés de tentar decifrar os enigmas?
-Os enigmas são versos, Miiko! - Berrou Kero, enquanto seu chifre acendia e brilhava de nervoso.
Miiko sentou-se em uma cadeira, ao redor da grande mesa de reuniões.
-Sinto que vou pirar. Precisamos reunir todo mundo aqui. Kero… Reúna todos, vamos pensar juntos. Quero ouvir todo mundo, mande Ezarel colocar Valentim para dormir, deixe Ewelein com ele, e mande todos os outros para cá! Quero a Ykhar acordada também. Por maior que tenha sido o trauma dela, ela é a que mais pode ajudar agora! Quero os elementais, a Jow, o pai dela e a mãe também! Todo mundo!
Keroshane assentiu e saiu para chamar os outros.
Leiftan saiu do refeitório com Eychi e foi encontrar Hans na enfermaria. Não precisou falar nada, apenas olhou para ele… Leiftan não queria que Hans entregasse que Kratos estava no corpo de Amin. Não ainda. Ele precisava esperar… Pelo menos mais um pouco!
Hans olhou para Leiftan e faz que não com a cabeça.
Leiftan ponderou… Apenas mais um pouco, umas poucas horas!
Hans voltou a negar. Leiftan suspirou, e saiu da enfermaria.
Algum tempo depois, todos estavam ali, quando Jow entrou amparando Ykhar. Ela ainda estava sob efeito de poções sedativas.
Eles se sentaram ao redor de uma grande mesa redonda que Miiko mandou colocar ali.
-Vejam essa reunião como a Távola redonda… Onde os Cavaleiros mais importantes se reuniam para tomar as decisões cruciais para seu reino. O Destino do mundo depende de nós. - Começou Miiko. - Pra começar, preciso perguntar se alguém mais viu alguma coisa estranha, antes do fogo começar.
-Só eu, Miiko - Falou Mark - Eu vi o Valentim na porta da enfermaria.
-Bem, se ele é o Grimm… Ele começou o fogo.
-Ele começou o fogo - falou Hans - Ele pretendia fazer uma matança aqui, entre os guardiões… E matar a Miiko, incendiar a biblioteca e o laboratório.
-Como ele foi parar em Valentim? Ele não estava com Kratos? - Perguntou Nevra.
-Você não se lembra, não é, Nevra? - perguntou Hans.
-De quê, Hans?
-Você foi usado pelo Kratos, para atrair o Valentim para a prisão.
Nevra olhou para ele sem entender, e sacudiu a cabeça.
-Desculpe, Leiftan… Desculpe, Eycharistisi… - Falou Hans - Preciso dizer tudo o que vi naquele desgraçado. Não podemos mais esconder as coisas uns dos outros. Isso não está dando certo. - Leiftan ainda sacudiu a cabeça, dizendo que não, mas Hans continuou. - Kratos está no corpo de Amin. Ele assumiu o controle, logo após o ceifador sair. Ele libertou Grimm e aquele desgraçado tomou conta do corpo de Valentim, ameaçando a Ykhar.
Escutando aquilo, Ykhar recomeçou a chorar.
-Foi por isso que ele a insultou, Ykhar… - Continuou Hans - Kratos ameaçou sua vida, se ele
não permitisse que Grimm se apossasse dele. Foi para proteger você.
-O que Kratos quer? - Perguntou Ezarel. - Você sabe, Hans?
Hans olhou para Leiftan, que continuou fazendo que não com a cabeça. Eychi continuava calada.
-Kratos acha que precisamos dele. Ele pensa que pode ajudar.
-Ajudar? - Falou Kazai, irritada - Aquele cão não fez o suficiente? Acabou com o mundo, e agora diz que quer ajudar? Não podia ficar morto?
-Como ele quer ajudar? - perguntou Ezarel - Não podemos confiar nele.
-Ele acha que Jow tem que deixar de existir para que as fendas não se abram de novo.
-Hahahahaha! - Jow soltou uma gargalhada cínica e todos olharam para ela. - Mas isso a gente já sabia! Se eu sou a causa das malditas fendas… Somente se eu deixar de existir é o que vai garantir que as fendas parem de abrir. Que idiota! Descobriu a pólvora! Ele disse como fechar essa bagaça?
-Não. Ele não sabe.
-Eu imaginei. Esse blábláblá não vai ajudar em nada. - Falou ela - Deixe-me agora falar um pouco aqui. Tsukiko mandou eu usar o meu amor com a razão e é o que eu estou fazendo agora. Gostaria de assumir o controle da reunião, Miiko, se me permite… - Miiko assentiu e Jow se levantou, andando em volta da mesa.
Hans não sabia como continuar, então olhou para Leiftan e resolveu esperar, e ouvir o que Jow tinha a dizer.
-Não adianta ficar martelando os problemas, enquanto nós precisamos é de soluções. Temos um fator que merece foco, que é o fato das traduções estarem perdidas. Isso não tem volta. Ykhar, você se lembra de alguma coisa para que a gente tente restaurar o que vocês traduziram?
Ykhar fez que não com a cabeça. E quando Jow ia continuar, seus olhos brilharam e ela levantou-se.
-Espere! Eu tenho tudo fotografado lá no seu tablet! Está no apartamento do Darien na Terra!
-Como assim, Ykhar? Fotografou tudo?- Perguntou Miiko.
-Tudo! Os manuscritos, os desenhos, as traduções! Tudo! Tive medo de perder algum detalhe, e usei o tablet da Jow para fotografar! deixei carregando na casa do Darien na Terra, porque o carregador solar era muito lento… Está tudo lá!
Ela suspirou aliviada e voltou a sentar-se, o sorriso brotando de novo no seu rosto.
Jow sorriu.
-Viu? Uma solução já foi! Próximo foco… O poema. Sion… Conte para todos aqui o que sabe a respeito de Maeve.
Todos olharam para Sion.
Ele olhou para Jow, que tinha o olhar determinado nele, e pigarreou.
-Maeve era uma Avatar Híbrida. Eu fui o seu guardião da Terra, há muitos séculos. Ela era ancestral de Jow. Aquele poema provavelmente foi escrito para ela, pelo seu… Parceiro. O que quebrou seu selo do quinto elemento.
-É um poema de amor, não é? - Perguntou Ykhar.
Sion negou.
-Ele estava transcrevendo com ela alguns pergaminhos que estavam imprestáveis no seu templo, que foi incendiado pelos humanos. Ela estava ajudando, e eu não faço ideia de como ela poderia fazer isso, porque nunca aprendeu a ler.
-Então… - Falou Ykhar, pensando - Foi ela quem escreveu os manuscritos. Eu disse, que tinham sido escritos por alguém que não sabia a língua… Ela apenas copiou o que viu, sem saber o que estava fazendo.
Sion assentiu.
-Eles estavam passando bastante tempo na biblioteca do Templo, fazendo isso. Mas esse poema… Eu não tinha conhecimento dele. Não parece uma carta de amor, embora tenha muito amor nas palavras dele. Ele era um Avatar da Morte, um Monge do Templo das Sombras.
Eles se olharam, curiosos. Keroshane tomou a palavra.
-Eu li sobre eles. Eles eram Avatares do Deus da Morte, assim como as Filhas da Lua eram Avatares da Deusa da Lua. Eles serviam em Templos, desde crianças.
-Então… - Disse Ykhar - Aqueles versos podem não representar nada! Podem ser apenas versos apaixonados de um amante!
-Não é possível! - Falou Kero - A Oráculo disse que as traduções continham a solução para as fendas!
Mark decidiu perguntar.
-A mesma Oráculo que enganou o Hans e mentiu para todos, dominada pelo Kratos?
Todos olharam para ele.
-A Oráculo está livre dele. - Disse Hans - Ela não está mais dominada.
-A Oráculo do Ezarel mascarado nos mostrou coisas - Disse North - E também falou dessas traduções. Ela não estava dominada pelo Kratos.
-Então… - Continuou Jow - As traduções ainda têm um enigma para lermos. Ykhar e Sion devem trabalhar juntos!
-O QUÊ? FICOU LOUCA, PIRRALHA?
-Exatamente o que ouviu, Sion. Você vai esclarecer para a Ykhar sobre tudo o que puder a respeito do tempo em que viveu junto de Maeve. Kero vai junto. Trabalhem na Terra. É mais seguro!
Sion bufou, e olhou para Ykhar, que também não estava feliz com a decisão.
-Terceiro item em foco… Eu vou falar com o Kratos.
-VOCÊ ENLOUQUECEU??? - Foi a vez do North berrar.
-Ele está disposto a ajudar, e eu e o Hans vamos lá falar com ele e descobrir o que ele sabe. Está de acordo, Hans?
Ele concordou com a cabeça, e olhou para Leiftan, que não olhou para ele. Ainda não tinha falado tudo, e se deixasse Jow descobrir sozinha, então não estaria entregando Leiftan e Eychi, por saberem daquilo antes. E era Jow quem devia decidir, não ele.
-Muito bem… Terceira solução encontrada. Viram como se conduz uma reunião? Alguém mais tem alguma coisa a acrescentar?
Ezarel levantou-se.
-Terminei a análise da substância verde. Ela é uma espécie de resina selante.
-Isso quer dizer que ela fecha buracos? - Perguntou Hua. - Não podemos testar nas fendas? Ela vem dos bichos daquele mundo! Talvez a resposta estivesse na nossa frente o tempo inteiro!
Jow olhou para Hua e sorriu.
-Só vamos saber testando, não é mesmo? Então, preciso voltar lá e ver se a gosma veda as fendas.
Ezarel abriu a boca para protestar, mas um olhar dela o calou.
-Eu vou de qualquer forma, queiram vocês ou não. - Disse Jow. - Já sei como entrar e sei como sair.
-É verdade... A Pirralha deixou um caminho marcado, estava planejando isso o tempo todo! - Reclamou o Gnomo.
E Jow deu um soco na mesa, olhando para as caras de todos ali, desanimadas…
-Gente! Não estão vendo o que está acontecendo aqui? A Oráculo mandou que compartilhássemos tudo! Estamo fazendo isso só agora, e vocês viram o quanto avançamos em alguns minutos!
-Jow tem razão. - Disse Leiftan, tomando a frente da reunião. - Ezarel, mantenha Valentim sedado, e com o selo de magia ativado. A última coisa de que nós precisamos é de um Grimm piromaníaco andando pelos corredores e tacando fogo em tudo. Nevra, reúna os guardiões e montem patrulhas, sabe-se lá o que Grimm aprontou pelo QG, no corpo de Valentim. Eychi, reúna-se com Miiko e a Hua e chamem a Oráculo, vejam se ela tem algo a acrescentar, ou mais alguma ideia para nos dar. Kero, chame Darien. Você irá com Ykhar e Sion para a Terra com ele, preparem-se para ficar por lá até descobrirem tudo o que puderem sobre os enigmas. Mark e Jane… Vocês são o que mais se aproximam agora de uma equipe médica, podem ajudar a Ewelein na enfermaria. Tem bastante gente intoxicada pela fumaça do incêndio. Kazai e North, acho que vocês podem acompanhar a Jow no mundo intermediário, assim que retornarmos lá de baixo.
-Retornarmos? - Perguntou Nevra - Você vai descer lá de novo?
-Eu ainda não acabei de interrogar nosso prisioneiro. Acho que dessa vez eu vou usar uma abordagem diferente. Vamos, Jow? Pode nos teleportar para a prisão, ou teremos que empurrar a cadeira de rodas do Hans pela escadaria abaixo?
Jow não esperou mais, segurou em Leiftan e Hans e os levou para o porão.
Capítulo 11 - Os Guardiões da Alma
Valkyon dava as últimas ordens para os guardiões da Obsidiana que permaneceriam na Costa de Jade.
-Não deixem de fazer patrulhas a cada hora. Depois que esses cogumelos brancos ficaram recobertos pela gosma verde, nenhum bicho mais apareceu. Mesmo assim, fiquem atentos. Talvez se destruirmos os cogumelos, eles parem de sair das fendas.
-Ou talvez o cheiro horrível dessa gosma espante os bichos…. - Sugeriu Kiyoto. - Onde a gosma fedida espalha, os bichos não spawnam mais.
-Pode ser. Vou avisar isso quando chegar a Eel. O mascote das sacerdotisas já deve estar chegando em um ou dois dias, com a minha mensagem para Miiko. Darien deve chegar em poucos dias, e iremos embora. Têm certeza de que vão ficar?
-Vamos ficar. - Disse Chrome - Temos muito trabalho aqui ainda na reconstrução da vila.
-Vai levar a Sheila para lá mesmo, Valkyon? -Perguntou Kiyoto.
-Vou sim. Ela está completamente acostumada a ser cavalgada agora. Só espero que a Miiko não tenha um colapso, quando eu aparecer lá com ela.
-As crianças vão ficar tristes… Eu ficaria, se tivesse uma Sheila, e ela fosse tirada de mim… - Disse ele.
-Mas eu cuidarei bem dela. Vou deixar que se despeçam dela, antes de partirmos.
Enquanto Valkyon continuava dando ordens aos guardiões, Chrome e Kiyoto voltaram para a plantação, onde estavam os filhotes dos bichos.
Eles estavam crescendo depressa, e já os reconheciam.
Quando eles chegavam com os cogumelos, eles guinchavam e se sacudiam, e se debruçavam na beirada da caixa, para comer.
-Em breve não vamos conseguir mantê-los na caixa, Chrome. Eles estão crescendo depressa.
-Onde vamos esconder oito Sheilas, Kiyoto? Devíamos ter pensado nisso, antes de pegar essas coisas! E os cogumelos estão mais difíceis de achar, eles estão escassos, como vamos alimentá-los?
-Vamos achar outra coisa que eles comam. Eu vi o Valkyon dando cenouras para a Sheila. Talvez a gente possa começar a oferecer para eles também.
Chrome arrancou uma cenoura da plantação e quebrou em pedaços, e ofereceu aos bichos.
Eles guincharam e comeram as cenouras.
Os dois se olharam e sorriram.*****
Leiftan e Jow chegaram com Hans na prisão.
Hans olhou para Amin, e viu claramente o Kratos dentro dele.
-Então vieram em comitiva para me ver… - Disse ele, sem se levantar.
-Eu não quis acreditar quando eles me disseram. - Reclamou Jow - Eu estive aqui, disposta a conversar com você, morrendo de pena… E você estava me enganando o tempo todo! Bem que eu percebi que não podia confiar em você! Seu idiota!
-Oh, Jow… Eu não a enganei. Tudo o que eu lhe disse era verdade.
-Você soltou o Grimm no Valentim, e ele queimou todos os manuscritos! Seu cretino!
-Acalme-se, Jow. Se ficarem presos apenas aos manuscritos, não verão o verdadeiro caminho. Você deve me deixar chamar o Ceifador.
-Eu ainda não me resolvi sobre isso!
Hans lia Kratos, que tinha a mente totalmente aberta para ele. Se descobriu mergulhando na história do passado de Skull. Teve certeza de que acreditava cada vez menos nas boas intenções de Kratos.
-Bem, fale tudo o que ainda não falou, Kratos. - Disse Leiftan - Estamos aqui para ouvir.
-Mas não há mais nada a ser dito, eu falei tudo, para você, Leiftan. Abri minha mente para o Hans. Eu estou do lado de vocês.
Jow olhou para Leiftan e ele assentiu.
-Eu já sabia que ele estava aqui, Jow.
-Então você já sabia que Kratos estava aqui? Perdi alguma coisa no caminho?
-Me desculpe, Jow. A Eychi também sabia. Nós não sabíamos até que ponto acreditar no que ele dizia, e nem como dar essa notícia para todo mundo. Pedi que Hans escondesse que ele estava aqui, no corpo do Amin, mas ele se recusou. E foi a coisa certa a fazer. Não devemos mais esconder nada de ninguém. Tenho mais uma coisa a lhe dizer. O que Kratos nos disse, a Oráculo também nos disse. É um impasse que não sabemos como resolver.
-O fato de eu ter que deixar de existir? Deixem essa decisão comigo, Leiftan. Não se envolvam nisso. Quando chegar a hora, eu farei o que deve ser feito.
-Nós não queremos abrir mão de você. Deve haver outra alternativa.
- Leiftan, às vezes, não podemos ter tudo o que queremos. Eu estou aprendendo isso com o North e o Ezarel. Esperar por outra alternativa talvez não seja uma boa escolha. Os mundos desmoronando não vão concordar em esperar.
-Eu devo lembrá-la de Grimm e seus Demônios. - Falou Kratos.- Nós precisamos da energia negativa dele… Você precisa, Jow.
-Eu não preciso de mais demônios, Kratos! Você é o suficiente na minha vida!
-Você pode precisar… Podem manter o Grimm adormecido, mas se houver um momento em que você precisar de energia, e não souber de onde tirar… Pode usar o ódio dele, Jow. Essa bomba de energia negra que ele carrega. É energia demais e está sendo desperdiçada.
Jow fez uma careta. Não queria precisar de energia negra nenhuma. Queria era o Valentim de volta.
-Agora, Hans, vamos falar sobre sua paralisia. - Continuou ele.
-Não se meta nisso, Kratos!
-Você é um livro aberto para mim, Hans. Você não está mais paraplégico. Jane e Mark o curaram. Levante-se e ande.
-Eu não consigo, idiota! Acha que eu estou gostando de andar nessa porcaria de cadeira?
-Sua mente está bloqueando sua capacidade. Você está se punindo, porque sente culpa. Lembre-se de que eu sou o culpado de tudo.
- E eu deveria me sentir melhor por isso? Eu nem posso matar você, porque já está morto, desgraçado! Você acabou com a minha vida!
-Você não está aleijado, Hans. Não seja estúpido. Se quiser andar, vai andar.
-Agora todo mundo virou psicólogo! Que lindo! Todo mundo se metendo na minha vida!
-Chega desse mimimi. Vamos sair daqui. Kratos não tem mais nada a acrescentar. - Disse Leiftan.
-E se ele quiser sair daí? - Questionou Jow.
-Ele não pode… - Falou Hans - Ele está fraco, não pode deixar o corpo do Amin, e também não está em condições de influenciar ninguém.
-Então vamos arrancar o Grimm de dentro do Valentim! - Berrou Jow irritada. - Ele não pode mais ferir a Ykhar!
-Não, Jow. - Disse Leiftan - Sei que é um sacrifício para o Valentim, ser receptáculo para o espírito podre do pai, mas é uma forma de termos o Grimm sob controle. Sabe-se lá o que aquele diabo vai fazer, se ficar solto por aí. Valentim é a melhor opção de prisão.
-Vocês agora sabem tudo o que precisam saber sobre o Ceifador. Jow… Esse poema das traduções… - E riu, quando ela arregalou os olhos - Sim, eu li isso em você, antes de fechar sua mente para mim… Esse poema foi escrito por esse mesmo Ceifador, enquanto ele ainda era um humano. Ele pode ter as respostas que vocês precisam. Decididamente, você carrega o fragmento de alma que ele procura há séculos. O encontro entre vocês vai ser uma coisa muito interessante…
-O encontro entre a Jow e um Ceifador não vai acontecer, Kratos. - Disse Leiftan decidido. - Jow, tire a gente daqui.
E se teleportaram para fora dali.
-Jow… - Disse Hans, assim que ela o levou para o seu quarto - Eu sei que você está mesmo pensando em se encontrar com esse Ceifador. Você não pode fazer isso!
-Eu já me decidi, Hans. Ele tem que me devolver o Amikoh. E se ele escreveu os enigmas e ele tem as respostas…
-É, foi ele quem escreveu os enigmas. Li no Kratos que Maeve copiou os manuscritos, e não há nada lá sobre fechar as fendas. Como você pode ter os fragmentos de alma dele? Não havia nada sobre isso na cachola do Kratos! Se for verdade, e Kratos não sabe de nada… É porque esse Ceifador também não sabe. Não há nenhum esclarecimento naquele ser. Ou então é mentira daquele lixo inútil! Ele pode estar chutando, empurrando você para se encontrar com esse monstro, apenas para se livrar de você!
-Hans, você acha que eu já não pensei nisso? Acha que eu estou acreditando que o maldito do Kratos realmente quer ajudar?
-Ok, Jow, mas você é uma alma boa. Não se iluda, o Kratos pode tratar você bem, mas ele se refere a você como “A Pequena Aberração”. É o que ele pensa de você, ele nunca aceitou o fato da Deusa dele ter misturado seu sangue aos faeries… Muito menos em ter um humano na linhagem dela! Ele não é seu amigo e nem gosta de você. Lembre-se de tudo o que ele já fez de mal, e se os mundos estão desmoronando, a culpa é dele. Ele é o verdadeiro culpado de todas as nossas desgraças!
-Você tem razão, Hans. Tsukiko mandou que eu usasse meu amor com a razão. Não se preocupe comigo, eu estou fazendo isso agora. Cada vez mais o caminho vai ficando claro para mim.
-Por que eu acho que não vou gostar do que está pensando, Jow? Abra sua mente para mim!
-De jeito nenhum! Você realmente não vai gostar do que vai ver. - Falou ela, saindo do quarto e fechando a porta.
Jow foi caminhando até o laboratório. Ainda restava testar a Resina que Ezarel descobriu, e ver se ela podia realmente vedar as fendas.
Ezarel escorria a resina verde para dentro de um frasco. Quando ela entrou, ele olhou para ela.
-Vai mesmo fazer isso, não é?
Jow parou para pensar, e olhou para ele, confusa. Ela tinha decidido fazer tanta coisa, que não sabia mais a quê Ezarel se referia…
-Você… Está falando sobre o quê, Maldito?
-Estou falando de testar a resina nas fendas, Jow.
-Oh, sim, eu vou!
-O que Kratos disse?
-Nada que não soubéssemos, e ele afirmou que foi o Ceifador que levou o Amikoh, o autor dos manuscritos. Ele era o namorado da Maeve.
-Então aquilo era mesmo um poema de amor?
-Eu tenho certeza que sim. E não há nada lá sobre fechar as fendas… Então temos que continuar seguindo o nosso plano.
-Seu plano!
-Ok. Meu plano.
Ezarel abraçou Jow.
-Por favor, tenha cuidado. Não sei o que eu vou fazer se acontecer alguma coisa com você.
-Ezarel… Vou deixar uma coisa bem clara para você. É mais fácil você destruir a minha vida, me pressionando a escolher entre você e o North. Não vai acontecer lá dentro nada pior do que já está me acontecendo aqui fora.
- Não importa o que você decidir fazer, nem me importa mais se vai decidir ou não, escolher um de nós. Não estamos num bom momento para isso. Você não está em um bom momento para isso. Nós não devíamos ter feito isso com você, Jow.
Jow abraçou Ezarel.
-Obrigada por isso, Maldito. Eu preciso estar focada para tentar tomar as decisões necessárias. Eu preciso tanto de vocês ao meu lado!
-Eu já disse que estarei do seu lado. Vou apoiar suas decisões, sejam elas quais forem. - E vendo que ela ia explodir uma bomba de luz no meio da ideia dele... - Espere! Não faça isso agora, Jow, esper…..!!!!
Mas era tarde demais para impedi-la.*****
-Darien, assim que deixá-los na Terra, volte imediatamente, OK? Recebemos uma mensagem do Valkyon, e ele precisa voltar para Eel. Disse que já combinou tudo com você. - Falava Nevra com o metamorfo, enquanto caminhavam para o Mosteiro.
Ykhar e Keroshane estavam logo atrás, com sua bagagem, e Sion mantinha-se mais atrás ainda.
Não parou de resmungar durante todo o caminho, reclamando que não sabia como a Jow o tinha convencido a acompanhar os dois naquela missão na Terra.
-Não quero nem imaginar esses três no meu apartamento - Falou Darien - Eles vão se matar lá!
-A melhor forma deles se entenderem é deixá-los sozinhos. Eles vão ser obrigados a se entender e vão cooperar uns com os outros.
-Eu espero que você esteja certo, Nevra.
-Eu estou certo. E precisamos tirar a Ykhar de Eldarya. O Valentim não pode ficar refém da influência de Kratos sobre ela. Assim ela estará segura, e ele estará livre para expulsar o Grimm quando for a hora.
-Como pode ter tanta certeza de que ele pode fazer isso?
-Quando o Kratos dominou a mim e ao Valkyon, pela primeira vez, nossas consciências ficaram vagando por uma espécie de limbo cinzento, dentro das nossas mentes. Nós éramos capazes de escutar algumas vezes, o que acontecia aqui fora. Mas era como estar em um pesadelo e não conseguir acordar. O Hans conseguiu alcançar o Valentim, nessa área sombria. Ele está de acordo quanto ao fato de servir de prisão para o Grimm, até que seja a hora de botá-lo para fora, mas quer que a Ykhar esteja segura. Foi o único pedido dele… Tirarmos a Ykhar de Eldarya.
-Não gosto nem de imaginar a mulher que eu amo à mercê de um demônio daqueles. Fico pensando no que eu faria, se fosse a Black.
-Hahaha! Se fosse a Black que eu conheço, ela estraçalharia o Kratos, o Grimm e seus demônios com os dentes, e cuspiria os olhos numa privada!
Darien sorriu. Podia ser verdade, mas mesmo assim, preferia que Black estivesse fora das garras do Kratos.
Chegando ao quarto dele no mosteiro, Darien escolheu cuidadosamente nas sua estante, as chaves de portal adequadas às suas jornadas.
Ykhar deu um abraço apertado em Nevra.
-Cuide-se, coelhinha. - Pediu Nevra - Nós cuidaremos de tudo aqui.
-Nevra, diga a Jow que eu terei as informações em breve! Não vou decepcioná-la!
-Gostaria que isso acontecesse antes dela se encontrar com esse tal Ceifador, que ela insiste em confrontar. Quer ter o seu amigo Silfo de volta…
-Ela precisa esperar, Nevra! Ela não pode ir assim, enfrentar uma coisa dessas, sem fechar as fendas antes! E se ele a levar? Como levou o Amikoh?
-Mas ela ainda acha que ele pode ter informações pertinentes, Ykhar.
-Um Ceifador ter informações? Como assim? Que informações ele poderia ter?
-Kratos disse para eles que foi esse Ceifador o autor do poema, Ykhar, enquanto ele ainda era um humano. Ele era o Avatar da Morte que namorou a Maeve. E se a Jow tiver mesmo o fragmento de alma que ele procura…
-Oh… Será um fragmento da alma de Maeve? Então seria uma verdadeira história de amor?
-Eu sei lá! E por que diabos isso foi parar na Jow? Não faz sentido, Ykhar!
-Bom… Se Maeve é ancestral da Jow… Ela poderia ter trocado fragmentos de alma com sua filha, e ele ter acabado na nossa Jow. Se ela puder esperar, talvez fosse melhor, Nevra.
Ela se despediu de Nevra e o portal foi aberto para a terra, levando Ykhar, Keroshane e Sion.*****
Hua e Miiko estavam avaliando os estragos na biblioteca, quando Jow apareceu do nada em frente à elas, berrando.
-Estou pronta, Hua! Vamos! Me fragmenta!
-Ahhhhh! Jow! Não faça isso! - Berrou Miiko, dando um pulo para trás.- Pare de nos assustar!
-Estou pronta para a fragmentação de almas! Faça logo o ritual comigo, Hua!
-Pela Deusa, Jow! Acha que é uma boa hora?
-Não há uma hora boa para isso. Você disse que me ajudaria, Hua… Eu estou pronta! Cadê a sua tesoura??? Corta logo a minha alma em pedaços!
Hua olhou para Miiko, que fez que sim com a cabeça.
-Já escolheu os guardiões para a sua alma?
-Sim, eu escolhi.
-Leve-os para a sala do cristal, Jow. Vamos preparar o ritual lá, onde há mais energia. - Disse Hua, e saiu com Miiko para a sala do cristal.
Jow foi para a enfermaria.
-Mãe… Pai… Preciso de vocês. Por favor, venham comigo. Agora.
Jane e Mark se olharam e olharam para Ewelein, que ainda medicava guardiões intoxicados pela fumaça.
-O que está aprontando, Jow? - perguntou a Elfa.- Não costuma falar assim, com tanta gravidade. O que está acontecendo?
-Não posso contar agora, Ewe. - E segurou os pais, se teleportando com eles para a sala do cristal.
Assim que ela chegou com eles, Miiko aplicou um selo de magia na entrada, para que ninguém mais entrasse.
-Somente seus pais? - Perguntou Hua - E Ezarel e North…
-Eles não devem saber de nada. - E estendeu o anel verde de North e o colar com a tartaruga de Jade - Você disse que poderíamos usar objetos. E eu quero usar esses dois. Vou deixá-los aos cuidados deles.
Jane e Mark se olhavam e olhavam para Jow, sem entender nada.
-Podem nos dizer o que está acontecendo? - Pediu Jane - O que exatamente vai acontecer aqui?
Vamos fazer um ritual de fragmentação de almas, mãe. - Explicou Jow. - Você e o papai serão os guardiões de partes da minha alma.
-VOCÊ ENLOUQUECEU??? - Gritou Jane - Quer se transformar em um Lich?
-Ela já é um espírito, Jane. - Disse Miiko - Nunca será um Lich.
-Mas por que precisa fazer isso? - Perguntou Mark.
Foi Hua quem explicou.
-O que Jow precisa fazer para fechar as fendas pode ameaçar a sua existência. Seja lá o que for, podemos protegê-la, separando sua alma em partes, para depois restaurá-la de novo. E ela quer que vocês sejam os guardiões de parte da sua alma.
-Por favor, mãe! Colabora!
-Mas Jow… Já não chega de fazer coisas perigosas? Não está satisfeita?
-Acha que eu tive escolha? Você, mãe, teve escolha?
Jane deu um olhar triste para Mark. Não… ela não teve escolha também.
-Vamos fazer o que tiver que ser feito. - Decidiu ele - Se isso vai proteger a alma da Jow, vamos ajudar.
Jow sorriu, agradecida.
-Mas como restaurar a alma de volta? Faremos outro ritual? - Perguntou Jane.
Hua olhou para Miiko, e depois para Jow.
-A volta não é tão simples. Se ela mantiver seu corpo etéreo intacto, um ritual como esse resolve. Mas se ela perdê-lo… Apenas a Deusa pode restaurar sua alma, com um novo corpo.
Jow franziu a testa.
-Esse corpo não pode continuar existindo, Hua… Ele é a causa das fendas. Eu continuo absorvendo a energia dos mundos, e mesmo se eu fechar as fendas, se meu corpo continuar existindo… Elas vão se abrir de novo. Mas e se a Deusa não quiser colaborar, me montando como um lego?
-Ah, mas ela vai! - Gritou Jane decidida - Ela nos deve isso! Ela fará o que eu mandá-la fazer!
-Desde quando você manda na Tsukiko, mãe?
-Desde que fizemos um certo acordo lá na minha Arena da Lua. Isso agora não importa, Jow. Façam o que tiverem que fazer, moças. E deixem a Tsukiko comigo. Se o corpo da Jow for destruído, EU GARANTO que a Tsukiko vai remontá-lo!
Miiko suspirou aliviada.
-Hua… - Prosseguiu Jow - Separe a alma em partes, para os dois objetos e para os meus pais. Mas Kratos me afirmou que eu tenho o fragmento de alma que o Ceifador quer. É meu único poder de barganha para conseguir o Amikoh de volta. Lembre-se de separar esse dos outros. Deixe esse comigo.
-Então deixaremos apenas dois fragmentos no seu corpo etéreo, Jow. Um seu, essencial para que o seu espírito continue controlando seu corpo etéreo… E o fragmento estranho. A magia do ritual pode separá-los.
-Mas se esse Ceifador quer o fragmento que está com ela… E se você deixá-lo com a Jow… Caso eles se confrontem, ele não pode simplesmente arrancá-lo dela, e melar o plano todo? - Perguntou Jane.
-Eu não sei. Mas é uma decisão que somente a Jow pode tomar. - Respondeu Hua.
-Deixe-o comigo. Eu tenho um plano. - Disse ela, decidida.
-O que estamos fazendo, Mark? Nossa filha está prestes a separar a alma em pedaços, para depois dar um jeito de deixar de existir… Como chegamos a esse ponto?
-Calma Jane. Tudo vai dar certo. Ela está tendo fé em nós. Vamos ter fé nela. Vamos apoiá-la. Vamos apenas ser o que ela precisa. E ela precisa dos seus pais.
-Então preparem-se. Vamos iniciar o ritual. - Disse Hua.
Miiko levantou o cajado e o fogo azul acendeu-se. O grande cristal respondeu imediatamente, enchendo a sala com sua luz e as cores da Oráculo.
Um círculo de magia começou a se formar no centro da sala, e Hua caminhou para lá, conduzindo Jow pela mão. Ela começou a soltar fagulhas pela sala.
No momento em que Hua começou a entrar em transe, Jow entrou também.
Hua recitava o encantamento para a fragmentação da alma de Jow, enquanto Miiko segurava os dois objetos que Jow entregou a ela.
Delicadamente, empurrou os pais de Jow para o limite do círculo e entregou-lhes o anel e o colar.
-Segurem isso, cada um de vocês dois. Eu devo conduzir o ritual de fora, como Guardiã das Almas de Eel. Permaneçam do limite externo do círculo. Assim que Jow assinar os pergaminhos de magia, os fragmentos de alma vão alcançar vocês aqui.
Hua tinha os olhos brancos e Jow também.
Conforme ela recitava o encantamento, quatro pergaminhos de magia começaram a se materializar no círculo, levitando ao redor de Jow.
Com um comando de Hua, Jow estendeu a mão e tocou cada um deles, deixando uma marca iluminada, a assinatura daquele pacto.
Uma névoa dourada desprendeu-se do corpo de Jow, e separou-se em quatro partes. Uma delas alcançou Jane, outra alcançou Mark, e se fundiram com as almas deles. Outro fragmento iluminou o anel de gelo verde, e o último a tartaruga de jade. Nesse momento, ela parou de espernear e voltou a ser uma escultura inerte.
O corpo de Jow ficou transparente por alguns segundos, e depois absorveu completamente toda a luz do círculo, voltando a apresentar a mesma consistência de antes.
Apenas Miiko reparou nos minúsculos vórtices negros que se formaram ao redor do círculo, e depois se dissiparam.
O círculo de magia foi desfeito, e Hua e Jow saíram do transe.
-Como se sente, Jow? - Perguntou a fênix.
-Como se nada tivesse acontecido… Pensei que eu fosse sentir minha alma vazia, ou que talvez algum sentimento se fosse… Mas não! Parece que não fizemos nada!
-Esse é o objetivo. Você não deveria se sentir diferente. Sua alma está intacta, nada mudou dentro de você. Apenas seu corpo etéreo não é mais o único receptáculo para a sua alma. Sua consciência permanece intocada.
-E vocês? Perguntou Miiko para os pais de Jow - Sentem-se diferentes?
-Talvez mais preocupada. - Afirmou Jane. - Mas fisicamente, não sinto nada de diferente.
-E você, Mark?
-Também não sinto nada diferente. Apenas preocupação com o que pode acontecer à Jow.
-Então o ritual foi um sucesso. - Disse Hua, sorrindo.
-Agora me entreguem os objetos. - Pediu Jow - Vou deixá-los com o North e com o Ezarel.
-Jow! Isso deveria ficar trancado em algum lugar seguro! - Disse Miiko - Se eles se perderem ou forem destruídos… Adeus fragmentos de almas!
-Eu sei. Acho que estarão perfeitamente seguros com eles.
-Você é tão teimosa! - reclamou Miiko - Gosta de brincar com o perigo! É melhor a gente encerrar logo essa reunião!
-Ainda não, Miiko. Tenho mais um pedido a fazer, para quando o meu corpo etéreo for destruído. - Falou ela, com um olhar muito sério. - Mas isso jamais deve sair dessa sala. Não devem comentar isso com ninguém, muito menos com o North ou com o Ezarel.*****
Darien e Black chegaram à Costa de Jade por um portal que se abriu na Aldeia Brownie.
-Obrigada por me trazer, Darien. Eu estava mesmo doida para vir com você e chegar com esse bicho no QG… Quero ver a cara da Miiko, hahaha!
-Eu achei que não iria querer perder isso, Black…
Valkyon estava na frente da vila, com alguns de seus guardiões, e Sheila.
Ela tinha no dorso uma espécie de sela de couro e metal dourado, e estava deitada no chão, cochilando.
Os sobrinhos de Ykhar, abraçados a ela, estavam inconsoláveis.
-Não queremos que a Sheila vá embora, tio Valkyon!
-Mas nós precisamos dela, crianças. Ela estará segura comigo, posso afirmar.
-Prometa que vai trazer ela de volta depois! - Pediu a garota.
Valkyon pensou, antes de prometer algo que não poderia cumprir.
-Eu prometo que farei o possível, está bem? - E vendo Darien chegar com Black - Aí estão vocês! Podemos ir agora? Crianças, despeçam-se da Sheila.
As crianças agarraram o bicho e o cobriram de beijos e mimos, tanto que a lagosta despertou e ronronou como um gato.
Black olhou para o animal com um brilho nos olhos.
-Puxa, ela é maravilhosa!
-Eu disse que era demais, não disse? Precisa montar nela para experimentar.- Falou Darien.
-Não vejo a hora.
-Teremos muito tempo para isso, depois do enterro da Miiko. - Respondeu Darien - Porque eu tenho certeza de que ela romperá um aneurisma quando vir a Sheila!
-Não será tão ruim assim… - Valkyon dava tapinhas na lagosta - Ela vai aprender a amá-la, como todos nós.
-Vou abrir um portal para o deserto, Valkyon. E de lá para os fundos do mosteiro, na estrebaria dos Rawists. É o melhor lugar para abrigarmos a Sheila.
-Faça isso logo, Darien. - E despediu-se dos guardiões da Obsidiana que permaneceriam na Costa de Jade.
Darien abriu um portal enorme para a Terra. Valkyon montou em Sheila, acenando para as crianças, que já choravam de saudades do mascote, e atravessou o portal, seguido dos seus homens e depois de Black e Darien.
Eles saíram no meio de um deserto inabitado, na Terra.
Assim que fechou o portal, Darien abriu outro para Eel, dessa vez para o estábulo.
Uma vez todos em Eldarya, o portal foi fechado.
Um dos monges já esperava por eles, e mesmo tendo sido avisado por Darien, não pôde deixar de ficar de boca aberta ao ver Sheila sendo cavalgada por Valkyon.
-Agora a missão mais difícil… - Falou Valkyon para seus soldados - Manter a Miiko viva e raciocinando depois dela ver nosso mascote. Darien… Vá buscar a Miiko. E traga a Ewelein junto com algumas poções calmantes… Acho que a nossa líder vai precisar.*****
-AHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH! O QUE É ISSO, VALKYON?????? - Berrou Miiko, ao chegar nos estábulos, com o fogo do cajado aceso.
-Não, Miiko! - Gritou Valkyon - Magia não! Eles crescem com magia!
Miiko estava vermelha e sacudia o cajado no ar, com o fogo aceso.
-O QUE TE DEU NA CABEÇA, SEU RETARDADO? ONDE JÁ SE VIU TRAZER UMA COISA DESSAS PRA CÁ? POR QUE NÃO MATOU ISSO????????????????
-Miiko, confie em mim… - Dizia ele, impassível - Ela é nossa aliada, é perfeitamente seguro…
-Seguro???? - Miiko já estava rouca de tanto gritar. Ewelein tentava acalmá-la, mas também parecia estressada com o bicho.
Black se divertia com o pavor da Miiko em relação ao bicho.
Ezarel e Nevra se aproximaram de Sheila, e ela ronronava.
-Ela pensa que é um gato? - Perguntou o Vampiro, rindo. - Eu gostei dela, Valkyon. Essa sela aí, é pra gente montar nela?
-Não Nevra. - Respondeu o Elfo - É um dispersor de biscoitos, hahaha! Que pergunta mais doida, hahaha!
Nevra nem ligou para a gracinha do Ezarel, apenas aproximou-se de Sheila e estendeu a mão para ela. Ela cheirou e lambeu.
-Eca! Ela fede! - Disse Nevra, retirando a mão, coberta da baba grossa da boca do bicho.
-Ela não fede. - Disse Valkyon - Ela apenas… Exala um cheiro forte.
-Isso quer dizer que ela fede, Valkyon - falou Ezarel, e acariciando o bicho. Ela parece dócil.
-Ela foi criada pelos sobrinhos da Ykhar. Ela está domesticada. Mas não se iludam… Estão vendo essas pinças dela? Ela parte os outros bichos ao meio com um único golpe disso!
Ezarel afastou-se depressa, mantendo uma distância segura das pinças de Sheila.
Miiko ainda estava zangada.
-Se isso aí come magia, vai querer comer o cristal!
-Não, já testamos com o orbe. - falou Darien. - Ele não se interessou.
-Vocês o quê???? Ahhhh o que eu faço com vocês????
Ewe tentava acalmar Miiko.
-Calma, Miiko, se o Valkyon diz que é seguro, devemos confiar nele. Afinal, se ela fosse selvagem, já teria matado todo mundo.
Miiko ainda tremia, e gesticulava muito.
-Não quero esse bicho perto do QG! Mantenham ele aqui!
-Pode deixar, Miiko. Não pretendo tirá-la daqui, a não ser que ela precise lutar. Vou deixar sempre alguém da obsidiana de guarda aqui.O QG ficará seguro, e o refúgio também.
Miiko saiu bufando e reclamando, com Ewelein nos seus calcanhares, tentando acalmá-la.
-É, parece que a Miiko não ficou feliz. - Comentou Darien.
-Ela acaba se acostumando… - Disse Ezarel, ainda com os olhos nas pinças de Sheila - Diga uma coisa, Valkyon, se eu precisar de mais gosma verde, podemos pegar um pouco dela?
-Creio que sim. Essa carapaça sangra fácil, e não parece afetar a saúde deles, talvez eles não sintam dor, ainda não compreendo muito bem a fisiologia desse bicho. - Respondeu Valkyon. - Talvez fosse interessante chamar o Purreru aqui para dar uma olhada nela, afinal, ele é nosso especialista em mascotes.
-Mas ela não é um mascote, esse bicho não existe em Eldarya, como ele vai entender algo dele? - perguntou Ezarel.
-Sei lá. Se o Keroshane ajudar, talvez…
Ezarel interrompeu Valkyon.
-Keroshane não está em Eldarya. Há algumas coisas que você ainda não sabe, Valkyon… Precisamos atualizá-lo sobre os últimos acontecimentos do QG…*****
Jow deixou a sala do cristal, e foi procurar Ezarel.
Encontrou-o nos estábulos com Sheila. Nevra e Valkyon ainda estavam lá com ele, esperando o Purreru.
-Wow! O que eu estou vendo? Um ser das fendas!
-Essa é a Sheila, Jow. - Respondeu Valkyon - O mascote dos sobrinhos da Ykhar.
-Ui! Como assim um mascote? Esses bichos comem magia! - Disse ela, mantendo-se afastada de Sheila.
-Sim, mas a Sheila come cenouras… Não quer fazer um teste? Chegue perto, Jow…
-Valkyon! Tá maluco? - Berrou Nevra - Jow já faz coisas imprudentes mesmo sem ser estimulada, e você manda ela chegar perto da Sheila?
Ezarel concordou.
-Não é seguro mesmo! Nevra está certo, Valkyon, você tem o que na cabeça?
Mas era tarde. Jow já estava coçando a cabeça de Sheila. Ao sentir a magia dela, Sheila levantou a cabeça e cheirou a mão dela. Mas não resolveu prová-la…
Antes que pudessem impedir, Jow já estava montada na sela de Sheila, que levantou-se, e caminhou com ela.
-Parece que vocês a domaram bem, ela não se interessou pela minha magia!
Ezarel olhou para Valkyon.
-Não sei se bato em você primeiro ou se eu grito com ela antes! Não sei quem é o mais inconsequente!
-Olhem, nada aconteceu. E se eu quero manter a Sheila aqui, para lutar ao nosso lado, preciso testar todos os riscos, incluindo a Jow.
-Vá testar com a sua namorada, e não com a mulher dos outros!
-Impossível. Eu não tenho uma namorada… - Respondeu ele, calmamente.
Jow já ia longe com Sheila, e o bicho se movia se teleportando.
Ela dava risadas lá de cima, e Ezarel já estava ficando louco, quando elas finalmente voltaram.
-Adorei! Todos precisam andar nela pra ver como é bom!
-Jow, pelo amor da Deusa!!!! Faz isso comigo não!!
-Ezarel, você se preocupa muito. - Disse valkyon - Eu falei que era seguro.
Ezarel deu um olhar fuzilante para Valkyon. Mas assim que a Jow desceu, Nevra subiu em Sheila e saiu com ela por aí.
O Elfo sacudiu a cabeça, em desaprovação.
-Valkyon… - Falou Jow - Sheila é uma fofa.
-Eu sei… Ela é.
-Ezarel… Precisamos conversar.- Falou Jow mudando bruscamente de assunto.
-É! Precisamos sim, Jow! - Disse ele irritado - Vamos sair daqui!
Ele segurou Jow pela mão, e a levou até o jardim do piano, sem falar nada durante o caminho. E quando chegaram lá, ele começou.
-Jow… Eu disse que a apoiaria em tudo o que fizesse. Mas por favor! Pense um pouco antes de fazer coisas assim! Montar num bicho que come magia, num ser das fendas! Foi o fim da picada! Apenas pense antes de fazer coisas assim!
-Sim, você está certo, Ezarel. Eu não pensei. Vou ter mais cuidado, prometo.
Ele relaxou.
-Obrigado, Maldita. Mas o que você queria conversar comigo?
Jow tirou o colar com a tartaruga de Jade do pescoço, e o pendurou no pescoço do Ezarel.
-Quando eu for ao mundo intermediário, para testar a resina… Não poderei levar objetos sólidos. Por favor, cuide da Blêmia.
Ezarel estranhou.
-Ela parou de espernear… Por quê?
-Ezarel… Eu não sei nem porque ela começou a se mexer, talvez tenha acabado a magia nela. Talvez eu a tenha absorvido de volta. Será que você pode cuidar dela? Ela é como se fosse… Nossa filha. Ela é muito importante pra nós, ela representa algo muito grande na nossa vida. Quando eu voltar… Você me devolve ela, está bem? Cuide dela, proteja-a, não deixe que ela se perca… Não deixe que ela se quebre… Faça de conta que ela tem uma parte da minha alma… Você poderia tomar conta da minha alma, Ezarel?
-Claro, Jow. É um pouco de exagero, mas eu posso fazer isso.
-Obrigada, Maldito. - Disse ela, abraçando Ezarel - Você não imagina como isso é importante pra mim.
-Jow, você não imagina como você é importante pra mim. Qualquer coisa que me peça, eu farei. Quando eu pedi para pensar um pouco mais antes de agir, eu não quis dizer…
-Eu sei, Ezarel. Eu entendo. Eu sempre ajo sem pensar. Mas isso vai acabar. Eu vou ter mais cuidado. Eu prometo. Daqui para frente, eu serei diferente. Você está olhando para uma nova Jow.
-Hahaha! Quem escuta, até acredita! Jow, eu sei que você não vai mudar, não é isso que eu estou pedindo, apenas tenha mais cuidado, está bem?
Jow sorriu.
Mais um guardião agora tinha uma parte da sua alma.
Faltava convencer o North.
Jow acompanhou Ezarel de volta ao QG e foi procurar North.
Encontrou-o com a Kazai na praia. Ela parou na escadaria e ficou observando. Ele dava orientações a um grupo de sereias sentinelas.
-É melhor ter sempre alguém ao lado da fenda submarina. Ela decididamente aumentou, as bolhas estão maiores e em maior número. Pra começar a sair bichos dali, não levará muito tempo…
As sereias discutiam a melhor forma de montar guarda, quando North viu Jow. Ele acenou com a cabeça, e Kazai foi até ela.
-Oh, Bebê, você sumiu por horas! Onde estava?
-Estava com a Miiko e a Hua, e depois fui ver o bicho das fendas que o Valkyon trouxe.
-O que disse? Valkyon trouxe… Um ser das fendas… Para Eel?
-Sim, Kazai, mas a Sheila é boazinha!
-Já deram um nome? Hihihi, isso não vai acabar bem!
-Ela está domesticada. Eu até a cavalguei…
-Jow! Montou em um monstro que come magia? Às vezes tenho que concordar com o Sion! Você é uma pirralha inconsequente, hihihi!
-Ah, mas ela não se interessou pela minha magia. Ela come cenouras.
Kazai revirou os olhos.
-O que eu faço com você?
-Não precisa fazer nada. Já prometi ao Ezarel que não vou mais fazer coisas desse tipo.
-Oh, e ele acreditou? Que tolinho! Claro que você vai fazer coisas assim, a vida toda!
Nesse momento, North terminou com as sentinelas e juntou-se a elas.
-Desculpe, Jow, não pude te dar atenção, estava organizando a guarda junto à fenda submarina.
-Não tem problema, North… Que tal você me levar para ver como está a fenda submarina?
-Você quer mesmo ver? Vamos então.
Jow despediu-se de Kazai. Queria ir a um local onde a Salamandra não podia acompanhá-los, e Kazai era esperta, com certeza pescaria algo estranho no ar, quando Jow entregasse o anel para North guardar.
North estava orgulhoso do seu papel naquela missão, e queria que Jow se orgulhasse dele também.
Pelo caminho, enquanto nadavam, foi explicando o que descobriu sobre os distúrbios que a fenda submarina causava nas correntes e na temperatura da água, o que aquilo impactava na vida marinha, e como organizou as sentinelas para vigiar a fenda.
Jow ouvia em silêncio, e deixou North falar tudo, até chegarem junto à fenda.
Ela avaliou se daria para entrar por ali, mas embora a fenda estivesse muito maior, somente na projeção astral ela entraria por ela. Não, não era um bom caminho…
Quando North terminou seu relatório, ela lhe entregou o anel de gelo verde.
-North, quando eu entrar na fenda para testar a resina, não posso levar nada sólido comigo. Não quero estragar minha aliança, ela significa muito pra mim.
-Oh, eu faço outra para você, Jow!
-Não, North. Ela já tem a nossa energia, ela não pode ser destruída, nem se quebrar, e nem se perder. Eu quero essa, e não outra. Só queria que você a usasse… Enquanto a minha missão não terminar… Será que você poderia fazer isso por mim?
E Jow segurou a mão direita de North e colocou a aliança do dedo anular dele.
-Se fôssemos seres de matéria sólida… - Disse ele, com um olhar triste.
-North, não precisamos de matéria sólida para termos o nosso compromisso. Olha, agora sou eu quem está te fazendo uma proposta… Essa aliança deve simbolizar o nosso compromisso, e você não pode perdê-la e nem substitui-la, ela é como se fosse uma parte da minha alma, que eu estou deixando aos seus cuidados… Será que você entende isso? Essa aliança agora representa todo o amor que eu sinto por você. Proteja-o.
North estava emocionado, e feliz ao mesmo tempo.
-Eu vou protegê-la, com certeza!
-Mas eu a quero de volta, assim que isso tudo terminar. Apenas coloque no meu dedo de novo, e devolva minha alma, Mar do Norte!
-Hahaha! Isso soa engraçado! Combinado, Princesa. Assim que isso tudo terminar, eu devolverei a sua alma pra você.
-E faremos uma festa.
-Sim, faremos uma festa para comemorar nosso compromisso.
-Prometa.
-Prometo, Jow.
Jow abraçou North.
Estava feito.
Sua alma estava fragmentada em partes e os guardiões escolhidos já tinham a guarda dos pedaços dela.
Só lhe restava agora cumprir seu destino.
Capítulo 12 - A Batalha Pode Estar Perdida, Muito Antes de Começar?
Sion estava impaciente, achando que estava perdendo tempo.
Afinal, não precisavam dele ali para nada, a não ser para tirar dúvidas inúteis.
Ykhar já tinha toda a tradução reescrita. Ele admirou a disposição da coelhinha em refazer rapidamente tudo o que havia sido queimado.
Ela num piscar de olhos, passou para o papel, devidamente traduzido, tudo o que havia sido fotografado no tablet.
Keroshane ajudava organizando as imagens, separando folhas, repetindo frases e fazendo leituras em voz alta… Mas era Ykhar quem fazia a maior parte do trabalho.
-Não sei o que eu estou fazendo aqui! - Reclamou ele, entediado - Vou sair para dar uma volta!
-De jeito nenhum, senhor Sion! Não vai nos abandonar agora! E se o senhor sair por aí, e eu precisar lhe fazer alguma pergunta? - Reclamava Ykhar.
-Ela tem razão, senhor Gnomo. - Defendia Kero - Podemos precisar tirar alguma dúvida.
Sion bufou.
-A que horas o metamorfo vai vir hoje? Estamos aqui há um dia inteiro e ele ainda não voltou. - Perguntou ele, sacudindo o cajado com Muah.
-Darien só virá hoje à noite, como ele prometeu. Mesmo se eu terminar, ainda devo permanecer aqui, para minha proteção. Mas o senhor e o Keroshane poderão ir embora.
Sion andava pela sala, ia até a janela, entrava na cozinha, abria a torneira, e até mesmo enfiou o dedo numa tomada. Parecia uma criança presa dentro de casa, sem poder brincar em um dia de chuva.
Depois de mais algumas horas escrevendo, Ykhar se deu por satisfeita.
-Terminei! Reproduzi todas as minhas traduções!
-Ótimo! Meu trabalho acabou! - Disse o Gnomo satisfeito. -Posso sair agora?
-Náááá! Agora sente-se aqui e nos conte de novo, desde o começo, toda a história de Maeve. Não entendi o enigma do poema ainda! Ainda não estou segura em saber que a Jow vai confrontar o Ceifador que levou o Silfo, e já que ele foi o autor do poema, eu…
Sion a interrompeu bruscamente.
-O QUE VOCÊ DISSE, YKHAR???????????????
-Ahhhh não grita! Eu não sou surda! Eu disse que você precisa me contar de novo a história toda da Maeve e dep…
-Não, não isso! Você disse que a Jow vai confrontar o Ceifador… Que é o autor desse poema? Foi isso que eu ouvi?
-Exatamente… Jow quer o Amikoh de volta, e ela tem na alma dela um fragmento de alma que esse Ceifador, antigo namorado da Maeve, está procurando há séculos. Então eu ach…
-ISSO NÃO É POSSÍVEL!!!!! Qual a probabilidade de ser o mesmo Ceifador? Entre tantos milhares de almas atormentadas no além, o Ceifador que levou o Amikoh tem que ser o… O Corvo, o Skull?
-EunaoseiSionenemadiantavoceficarmepressionandopararespondercoisasqueeunaoseirespondere…
-Pare, Ykhar! Pare! Onde você escutou isso? De quem, quando, como? - Perguntava Sion, transtornado.
-Do Nevra… Ele me contou antes de entrarmos no portal para cá… Que a Jow ia se encontrar com esse Ceifador, e o Kratos disse que ele era o Ceifador autor do poema. Ele deve estar falando a verdade, já que foi aquele lixo que invocou o Ceifador…
Sion coçou a cabeça.
-Macacos atormentados me mordam! Isso faz sentido! Os acordos, a troca do favor pelo amor, na barganha… É mesmo ele! Ele deve estar com a alma da Maeve, durante todos esses séculos, e se procura por um fragmento… A alma da Maeve não está completa, ela não vai reconhecê-lo! Agora tudo faz sentido!
-Não estou entendendo o seu desespero, senhor Gnomo. - Disse Kero - Pensei que todos já tinham conhecimento disso…
-Eu não tinha conhecimento disso, eu não estive com os prisioneiros! Essa parte é nova para mim, unicórnio! Eu nem teria vindo, se soubesse disso antes!
-Por quê? Por que o senhor não viria conosco, Senhor Sion? - Perguntou Kero, na inocência.
Sion estufou o peito, e ordenou.
-Sentem-se aqui! - Disse ele, apontando o sofá - Vou contar a história toda de novo, por uma nova perspectiva, e acrescentar alguns fatos que eu não contei. E podem ir se despedindo de mim, porque assim que o Metamorfo chegar, eu irei embora com ele! Jow corre perigo! Ela precisa de mim ao seu lado, quando for encontrar-se com ele!
-Mas por quê?
-Porque eu o conheço há séculos! E essa informação eu também escondi dele… Por séculos!*****
-Conte-me mais sobre esses seres do mundo ressonante, Valkyon… - Pedia Jow, enquanto Valkyon organizava a forja.
Com a ausência prolongada, Jamon cuidou de tudo ali, mas nunca era como ele queria… Havia elmos para polir, espadas para afiar e metais para serem forjados. Uma bagunça!
Valkyon suspirou e sentou-se com ela, já que ela não o deixaria mesmo em paz.
-Bem, o que posso falar deles? Resumindo… Eles crescem com a magia, o que você já sabe. Eles se teleportam, chamam os outros através de uivos ultrassônicos, o que você já sabe...
-Ah, Valkyon, me conte algo que eu não saiba!
-Eles morrem facilmente com os golpes de espada e lança… E a gosma verde deles…
-Isso! Ezarel descobriu que é uma resina, vou testá-la nas fendas! O que pode me dizer sobre isso?
-Bem, a gosma verde tem um cheiro forte e muito característico, que incomoda a gente...
Jow revirou os olhos. Às vezes tinha vontades de sacudir o Valkyon para ver se ele pegava no tranco… A lentidão e a passividade dele a deixavam louca de ansiedade!
-Sim, sim, ela fede, eu sei disso também… E o que mais? Você acha que sua propriedade selante pode funcionar para fechar as fendas?
Valkyon coçou a cabeça, pensativo.
-Tenho certeza que sim… Nós percebemos que onde a gosma esparramava, os bichos paravam de spawnar… Os cogumelos paravam de crescer. Até então, eu não tinha pensado nisso como se fosse um material selante. Mas agora que o Ezarel descobriu isso… Minhas dúvidas terminaram. Decididamente, a resina dos bichos fecha as fendas.
Jow deu um sorriso triunfante.
Era só do que ela precisava, para elaborar um plano… E nem precisava mais fazer testes e desperdiçar tempo. Se não tivesse ido infernizar o Valkyon, ele não teria compartilhado a informação, por achar irrelevante.
-Que maravilha! Agora posso ir lá no mundo ressonante e tacar gosma nas fendas! Lá de dentro, é fácil perceber onde elas estão, porque os esporos que estão suspensos no ar saem por elas!!
Valkyon continuava com o ar de passividade que tanto incomodava Jow, quando acrescentou.
-Mas Jow… Onde vai conseguir gosma suficiente para selar todo o mundo ressonante? Mesmo se espremermos a Sheila até ela secar, ainda não haveria o bastante para…
-Isso!
-Isso o quê? Quer espremer a Sheila?
-Não, Valkyon! Mas você me deu a solução que eu procurava! Se eu for lá dentro e matar os bichos que estão lá… E jogá-los contra as paredes…
Valkyon sacudiu a cabeça.
-Como isso seria possível? Você sabe o tamanho desse mundo? Vai percorrê-lo inteiro, sabendo lá quanto tempo vai levar, procurando fendas que não sabe onde estão? Isso levaria toda a eternidade! Talvez não haja esse tempo todo.
-Olha, eu não sei o tamanho desse mundo, mas sei que ele não é infinito, Valkyon.
-Como pode ter certeza?
-Raciocine comigo… Se ele é o resultado da abertura dos portais de sangue do Kratos, sabemos que ele, e qualquer pessoa dos universos alternativos que tenha usado os portais… Não abriu portais para todos os universos existentes. Foi para um certo número de mundos só. Podem ter sido muitos, mas não são infinitos. E se esse mundo existe fazendo fronteiras com eles… Somente as fronteiras conectadas estão com fendas… Como um retículo endoplasmático, sabe?
Valkyon fez cara de paisagem.
-Não, não sei o que é isso.
Jow revirou os olhos.
-Esquece… O que importa é que esse mundo é decididamente finito.
-Mesmo assim, você disse que quase se perdeu lá dentro, e quando entrou lá, se passaram dias aqui fora. Se o tempo lá dentro passa diferente daqui, ainda é possível que você demore uma eternidade nisso, Jow… E você não pode usar magia. Sua magia faz eles crescerem… o que fará para matá-los? Vai espetá-los indefinidamente com uma lança até eles vazarem toda a gosma para dentro daquele lugar? Isso não é sensato.
-Você tem razão, Valkyon. Preciso de uma estratégia… Vou pensar nisso agora. Se eu explodir umas bombas de luz neles… Eles explodiriam junto?
-Talvez eles cresçam mais com as suas bombas de energia, Jow. Pense em outra coisa. - Disse ele, voltando sua atenção para suas armas.
Jow viu que a conversa ali estava encerrada. Mas ela já tinha as informações que queria.
-Obrigada, Valkyon! Você me ajudou bastante!
-Não tem de quê. - Falou ele, sorrindo, e recomeçando a afiar as espadas.
Jow saiu da forja pensativa.
Agora ela já tinha quase tudo planejado.
Já tinha se livrado da sua alma.
Já tinha dado para North e Ezarel os artefatos com a parte que cabia a cada um deles.
Já sabia que possuía o fragmento de alma que o Ceifador procurava.
Já tinha a certeza de que a resina dos bichos vedava as fendas.
Já tinha combinado com North e Ezarel de que não invocaria um Ceifador sem avisar a eles, de modo que só lhe restava invocar o Ceifador agora, quando seus amores não estariam na sua cola.
Ela tinha que fazer isso sozinha.
Ela apenas, e mais ninguém. Ninguém, além de Kratos… Mas isso era detalhe. Ela só precisava que ele o invocasse, com o sangue de Amin… O resto seria com ela.
Ao passar pela enfermaria, Jow viu Ewe tratando de um guardião ferido, e entrou para oferecer ajuda. Ewelein tinha as luvas ensanguentadas e terminava de suturar profundas feridas nas costas do homem.
-Boa noite Ewe. Precisa de ajuda? O que aconteceu aí?
Ewelein olhou para Jow, sorriu, e voltou a sua atenção para o paciente.
-Boa noite, Jow. Ele caiu de um barranco em cima de rochas cortantes. Mas não precisa se preocupar, estou quase terminando aqui, obrigada!
Jow então foi até o fundo da enfermaria, onde havia um biombo protegendo uma das macas.
Valentim estava ali, adormecido sob efeito de sedativos, algemado à maca, mantendo o espírito de Thadeus Grimm preso no seu próprio corpo, graças ao selo de magia de Ezarel.
-Que horrores você não deve estar passando aí, Valentim… - Murmurou ela, segurando uma das mãos frias dele.
Somente naquele toque, sentiu a energia negra que estava ali aprisionada percorrer seu corpo etéreo, como uma corrente elétrica distorcida. Mesmo assim não retirou a mão.
Ewelein terminou a sutura e o curativo, e dispensou o paciente. Retirou as luvas e foi até Valentim.
-Coitado dele. - Disse a Elfa - Fugiu a vida inteira do pai e agora é obrigado a ficar preso com ele, dentro do próprio corpo!
-Ele fez isso por amor, Ewelein. O que nós não fazemos por amor? - Perguntou Jow, com um olhar triste para ela. - Somos capazes de perdoar traições… Somos capazes de abrir portais para universos alternativos e ficar paraplégicos… E passar por cima do orgulho, aceitando coisas que jamais aceitaríamos em outras condições… Somos capazes de invocar ceifadores e deixar de existir…
-Eu sei muito bem do que você está falando, Jow. Hans conversou comigo sobre isso. Eu queria que, mesmo que já esteja decidida sobre o que fazer… Pensasse mais um pouco sobre o assunto.
Jow abraçou Ewelein.
-Sinto muito, minha amiga. Não há muito o que pensar... E não há tempo para pensar mais. - E se separando dela - Então está bem… Depois a gente se fala.
E já ia saindo da enfermaria, quando Ewelein a chamou de novo.
-Jow… Há uma coisa que pode fazer por mim sim…
Jow parou e olhou para ela.
-Claro, Ewe! É só falar.
-Eu sei como você pode ser teimosa e obstinada. Mas antes de se jogar de cabeça nas suas decisões… Será que pode ir conversar com o Hans? Desde que ele entrou em contato com o Valentim, dentro da mente dele… Ele tem estado muito reservado. Sei que há coisas que ele viu e que não pode compartilhar com os outros. É a maldição de um telepata… Guardar os segredos de todos. Mas talvez ele possa conversar com você. Eu vou passar as primeiras horas da noite aqui com o Valentim, antes de um recruta me substituir. Vá ao quarto do Hans e converse um pouco com ele… Por favor.
Jow sorriu.
-Claro, eu vou agora mesmo!
Ewelein sorriu, quando Jow desapareceu.
Ela teleportou-se para a frente da porta de Hans e bateu.
-Hans! Posso entrar?
-Entre. - Respondeu ele lá de dentro.
Quando Jow entrou, Hans estava apoiado na cadeira de rodas, tentando levantar-se. O suor escorria pela sua testa, e ele deixou-se cair sentado de volta.
-Não diga nada - Pediu ele, olhando para o outro lado.- Eu estou tentando!
-Eu não preciso dizer. Você já me leu.
-Ewelein pediu que você viesse… Nada que diga vai mudar o fato de eu não conseguir andar, Jow…
-Eu não estou escondendo isso de você. - Disse ela, sentando-se na cama, perto dele e o abraçando. Mas não foi por isso que eu vim.
-Oh, Jow… Você entrou em contato com a energia do Grimm no Valentim! - Disse ele, estremecendo ao contato dela.
-Ewe falou que você ficou muito perturbado com a sua conversa com ele, Hans… Não quer se abrir comigo? Faz de conta que eu sou seu terapeuta!
Hans riu.
-Jow, minha conversa com o Valentim foi bastante triste. Mas ainda mais triste foi o que eu vi dentro do desgraçado do Grimm, que também estava lá… Isso te interessa. Eu vou te contar. Na hora em que você me levou para aquela enfermaria, após o incêndio...*****POV’s Hans*****
Jow nos teleportou para a enfermaria. Um rapaz loiro, com tatuagens no corpo, estava deitado em uma das macas... Valentim.
Não entendi na hora o que estava acontecendo ali. Muitas mentes confusas gritando dentro da minha ao mesmo tempo… Um incêndio, muito tumulto, o trabalho da Ykhar perdido… E quando olhei para Valentim… Vi Grimm.
O General desgraçado, pai daquele pobre rapaz, tinha feito com ele o que Kratos tentou fazer comigo… Tomar conta do corpo físico!
Grimm tinha possuído o corpo do Valentim.
Entrei na mente dele e vi que ele me reconheceu. Não consegui esboçar outra reação, que não fosse pavor.
Virei a cadeira e saí depressa dali, e quase despenquei escadaria abaixo.
Comecei a sentir náuseas, quando Ezarel e Jow saíram atrás de mim. Jow me perguntou:
-O que foi, Hans? O que você viu?
-Grimm! - Disse eu, sem pestanejar.
Jow e Ezarel se olharam, e depois olharam para mim.
-Como assim... Grimm? - Perguntou Ezarel.
-Thadeus Grimm! Seu espírito tomou posse do corpo do Valentim, Ezarel!
-Era só o que me faltava! - Berrou ele, irritado. Mas Jow não estava surpresa.
-Eu sabia! Eu senti a energia estranha dele, e a forma com que ele me olhava… Seu medo no olhar…
-O que faremos, Maldita? O que faremos com ele?
Jow tinha o olhar tranquilo, quando respondeu para Ezarel.
-Vamos descobrir o que ele quer, o que ele sabe.
-Você está certa, Jow. -Respondi, resignado. - Pois foi exatamente para isso que eu vim aqui. Vamos voltar lá para dentro, que eu vou fuçar a mente daquele desgraçado até derreter os seus olhos!
Jow não esperou por uma segunda ordem, e empurrou minha cadeira de volta para dentro da enfermaria.
Quando entramos, Grimm arregalou os olhos, e levantou-se depressa, empurrou Ezarel para o lado, e pegou uma tesoura que estava dentro da pia para ser lavada. Eu li nele a sua intenção… Enfiar a tesoura no pescoço de Ezarel, e depois partir para cima da Ykhar, que também estava ali sendo tratada pela Jane!
Tive décimos de segundo para me decidir. Eu tinha todos os poderes de Kratos, e embora não dominasse nem um centésimo deles... Eu sabia que podia fazer aquilo. Eu era capaz de pará-lo! Juntei toda a minha vontade, como tinha aprendido com Kratos, no tempo em que ele compartilhou do meu corpo… E obriguei Grimm a parar.
Ele ficou paralisado, com a tesoura no ar, o tempo suficiente para que Ezarel se esquivasse e o derrubasse no chão. E ali eu o mantive paralisado, até que ele fosse contido à maca, preso por algemas.
Ykhar tentava se levantar e chorava, enquanto Jane a segurava e a abraçava.
Mark e Jow se aproximaram, e quando Jow estendeu a mão para tocar novamente em Grimm… Seu espírito vaporoso, escuro e fedorento começou a sair do corpo de Valentim. Ele ia se libertar, ia fugir de nós! Eu não podia deixar aquilo acontecer.
Foi nesse momento que eu acabei descobrindo um upgrade da minha habilidade de projeção astral. Lancei uma projeção em direção a ele, senti que saí do meu corpo, me agarrei com o espírito imundo do Grimm e mergulhei com ele no limbo da consciência de Valentim.
Caímos num campo cinzento e cheio de névoa. Ali, parecíamos de carne e osso… Mas não éramos. Eu me atracava com Grimm, trocando socos com ele, rolando pelo chão cinzento. Seus golpes me acertavam e não me machucavam, e acontecia o mesmo com ele. Poderíamos ficar uma eternidade nos socando em vão, se eu não tivesse sentido Valentim ali. Segurei Grimm, que emitia grunhidos e rosnava, e chamei por ele.
-Valentim! Estamos aqui! Tente nos encontrar!
Valentim tentava nos encontrar, e eu procurei guiar a sua mente para a nossa direção, até que ele nos achou.
Eu estava no chão, segurando Grimm por trás, tentando imobilizar seus braços.
-Solte-me, faery nojento! Tire as suas patas de cima de mim! - Berrava ele.
Grimm agora achava que eu era faery. Seu espírito perturbado e corrompido agora combinava perfeitamente com o seu corpo destruído pelo esquartejamento da sua morte.
Valentim olhou para o pai e eu só vi tristeza e pena dentro dele.
-Quem é você? - Perguntou ele para mim - E como chegou aqui?
-Eu sou Hans. E eu sei que você sabe o que ele fez, Valentim! O seu espírito compartilhou dos sentimentos dele, mesmo que estivesse perdido aqui!
Valentim assentiu, deprimido.
-Eu não tive escolha… Eu tive que deixar! Eles estavam matando a Ykhar!
Eu sabia. Eu lia Valentim, e cada vez mais, tinha raiva do Kratos e do Grimm. Mas o que ele não sabia, era que a Ykhar estava condenada de qualquer jeito. Porque Grimm não pretendia deixá-la viver. Ele planejava matá-la na frente de todos, para ver Valentim sofrer. Era sua vingança por ele ter se aliado aos faeries… Da mesma forma que o próprio Grimm tinha ordenado que caçassem e matassem a mulher ruiva, Hase, durante uma invasão a uma embaixada faery.
Grimm tinha agora, como objetivo, vingar-se de todo mundo… Dos faeries que ele odiava, de Jow, matando Ezarel, e de Valentim, fazendo com que ele visse Ykhar morrer. Nós não podíamos permitir que aquela… Coisa perturbada ficasse solta. E foi com muito pesar que eu projetei para a mente de Valentim tudo aquilo que eu sabia. Era a forma mais rápida de contar as coisas.
Pobre rapaz, ficou transtornado! Vi que ele estremecia e lágrimas começaram a escorrer dos seus olhos!
-O quê… Mas o quê…??!!!
-Desculpe, Valentim… Desculpe te mostrar tudo assim de uma vez! Eu sei que você ainda ama demais o seu pai! Mas estamos com pouco tempo para tomar decisões… Agora você sabe das intenções dele! Precisamos tomar uma decisão!
-Como??? Eu quero matá-lo! Como se mata quem já está morto?
Grimm começou a rir, e sua risada tornou-se uma gargalhada insana. A energia negra que emanava dele começou a me deixar mais nauseado, e sem forças. Logo ele ia conseguir sair dali. Ele parecia mais forte do que eu, com a força ruim de todos os demônios que o acompanharam por décadas!
-Não podemos matá-lo. - Disse eu para ele - Mas talvez possamos prendê-lo…
-Como assim? Como se prende um espírito? - Continuava Valentim, revoltado.
Foi o próprio Grimm quem deu a solução, sem perceber.
-Exatamente! Não podem me prender! Assim que eu estiver mais forte, vou ter energia para tentar sair daqui de novo, e vocês vão ver o tipo de barbaridade que eu posso inspirar nos vivos!
Foi quando Valentim berrou.
-Não vai sair! Eu não vou deixar! - E olhando para mim - Vocês têm que dar um jeito de prender esse desgraçado aqui! Não o deixem sair do meu corpo, até descobrir como acabar com ele!
Grimm continuava com suas gargalhadas insanas. O espírito dele, além, de corrompido, estava enlouquecendo.
Eu não sabia muito bem o que fazer, eu não entendia nada de possessão! Ainda imobilizando Grimm pelos braços, por trás, eu alcancei a mente de Ezarel. Ele saberia o que fazer. E consegui! Em frações de segundos, deixei que ele soubesse de tudo que nós sabíamos…
“-O que faremos, Ezarel? “ - Perguntei, apavorado - “Não vou conseguir segurar essa coisa por muito mais tempo! A energia ruim dele está drenando a minha! “
“-Vou aplicar nele um selo de magia, Hans! Assim ele não poderá deixar o corpo do Valentim, por algum tempo! Mas se você não sair daí quando eu fizer isso, vai ficar preso junto com eles! “ - Respondeu meu amigo Elfo.
Eu precisava informar ao Valentim que ele ia servir de prisão para o louco do pai dele.
-Isso pode ser feito, Valentim. Ezarel pode aplicar um selo de magia no seu corpo e trancar vocês aqui. Não é definitivo, mas nos dará tempo para descobrir uma solução.
-Mas eu tenho uma condição! - Pediu Valentim - Tirem a Ykhar de Eldarya! Ela está vulnerável, o Kratos ainda está lá! Levem-na daqui! Vocês têm que protegê-la, a qualquer custo! É a única coisa da qual eu preciso, Hans… Hase já morreu por minha causa. Não posso permitir que a Ykhar tenha o mesmo destino, por causa do meu p… Desse maldito!
Pobre Valentim. Perdeu a mulher que amava, e agora perdeu de vez todo o amor e respeito que tinha pelo pai. Mas aquilo não era um pai. Aquilo era um capeta. E tinha que ser tratado como merecia.
-Vamos dar um jeito de proteger a Ykhar, eu prometo.
E mais uma vez, alcancei a mente do Ezarel, e sincronizamos a minha saída com o selo de magia.
Uma vez do lado de fora, minha consciência voltou para o meu corpo. As náuseas ficaram insuportáveis e eu comecei a vomitar.
Ewelein chegou nesse momento e ficou apavorada.
Jow e Jane tinham aplicado drogas sedativas no Valentim, e agora Ewelein me espetava no pescoço com alguma coisa… Que na hora me fez parar de vomitar.
Todos chegaram à enfermaria naquele momento… E quando Leiftan entrou, eu vi o que ele sabia.
Leiftan sabia! Kratos estava no corpo do Amin… Na prisão. Foi Kratos quem mandou Amin invocar o Ceifador… Foi Kratos quem mandou matar os prisioneiros… Foi Kratos quem mandou o Ceifador levar o Amikoh, para satisfazer a vingança do Amin, e assim ganhar acesso ao corpo dele… Foi ele quem ajudou Grimm a chantagear Valentim ameaçando a Ykhar. E Leiftan sabia!
Ele olhou para mim e saiu. Eu não sabia o que fazer. Não podia mais esconder dos outros coisas importantes assim… Foi isso que nos levou todos à desgraça.
Eu precisava pensar.
-Preciso sair daqui! - Pedi á Ewelein.
-Você vai ficar aqui, Hans! - Ordenou Ewelein - Vai ficar na enfermaria até que essa hemorragia esteja controlada!
Foi aí que eu vi que tinha vomitado sangue.
Eu não tive escolha.
Ali eu fiquei, até que Leiftan retornou, sozinho. Olhou para mim, e sem dizer uma palavra, me pediu que não contasse nada. Ele precisava saber o que Kratos queria, por que achava que podia ajudar… Mas eu sacudi a cabeça. Não podia compactuar com aquilo. Eychi também sabia de tudo. Eles não podiam me obrigar a esconder mais aquilo de todo mundo. Eu não ia cometer o mesmo erro de novo!*****
Jow saiu do quarto de Hans, após a conversa, mais decidida do que nunca a encontrar o Ceifador. Seu desprezo por Kratos lentamente se transformou em revolta. Ela agora tinha mais planos na cabeça. Procurou Kazai para dizer que estaria com Ezarel a noite toda, e que ela não deveria interrompê-los… Sim, estava se tornando uma artista na arte de mentir.
Após se desvencilhar de todos os que ela mais amava… Jow desceu para a prisão.
Kratos dormia na cela, com um prato de comida que mal foi tocado, à sua frente.
Jow olhou para o corpo jovem de Amin, e dessa vez, enxergou Kratos.*****POV’s Jow*****
Olhei para o Amin adormecido. Mas só consegui ver o Kratos.
Livrar-me da minha alma, aumentou a minha percepção. O amor imenso que eu tinha em mim, atrapalhava um pouco a minha razão. Usar o amor de forma racional... Era isso o que eu estava fazendo. E eu ia usar racionalmente o meu amor, e todos os outros recursos que eu pudesse encontrar… Para trazer o Amikoh de volta.
Cheguei perto da gaiola e o chamei.
-Kratos!
Ele despertou num sobressalto.
Tinha olheiras e cheirava mal. Não o cheiro de um corpo sujo… Mas o cheiro podre do seu espírito imundo.
-Jow… Que surpresa boa! O que a traz aqui no meio da noite? Não me diga que…
-Eu vim para me encontrar com o Ceifador. Invoque-o logo, Kratos.
O Brownie desgraçado sorriu. Ele olhou para mim, com um olhar vitorioso, e sorriu. Mal sabia ele que eu apenas o estava usando, como ele fazia com todo mundo. Mas ele não saberia. Minha mente estava fechada para aquele palhaço.
-Seja feita a sua vontade, Jow… Preciso só de um pouco de sangue…
Eu agarrei a mão de Kratos pelas grades da gaiola, e tive o prazer imenso de eu mesma abrir uma ferida, com uma lâmina de vento. O vento do meu Amikoh… Meu Vento Amigo.
O sangue escorreu pela sua palma, e ele desenhou no chão da gaiola os símbolos para o ritual, e ao recitar o mantra, acrescentou o nome do Ceifador ao final:
-Skull…
As tochas acesas com magia, que estavam presas às paredes, se apagaram.
A escuridão tomou conta da prisão. Apenas minha leve aura dourada iluminava a cela de Kratos.
O chão estremeceu e um ar gelado tomou conta do lugar.
O pior de tudo, é que eu não tive nenhuma dificuldade em me acostumar com a energia pesada que pairava ali.
Skull… Eu conhecia aquele nome. Sion já tinha falado dele, quando contou a história de Maeve. Skull era o Avatar da Morte, que quebrou o selo do Espírito de Maeve. O Amor da vida dela. Aquele amor estava ferido. E eu agora, tinha como consertar aquilo também.
Um vórtice negro abriu-se na frente da gaiola de Kratos… E dele saiu o Ceifador. Ele caminhou até a gaiola, lentamente.
A aura negra escorria pelo seu manto preto esfarrapado, e uma névoa escura de espectros atormentados pairava ao seu redor.
Uma figura enorme, escura e apavorante, segurando uma grande foice negra, parecia esperar na retaguarda dele, somente aguardando um sinal para agir e levar para o submundo as almas que ele buscava coletar.
Ele afastou-se do vórtice e se dirigiu a Kratos, aborrecido.
-Maldito Kratos! Está virando uma rotina eu sair do portal e encontrar o seu focinho de cachorro!
Eu estava de olhos arregalados, atrás dele. Estava assustada, mas ao mesmo tempo… Encantada.
Olhei para ele, que também segurava uma foice… A face parcialmente esqueletizada de um lado, e do outro, o que restava do rosto de um belo jovem. No ar, o perfume maravilhoso da morte que sempre me embriagava, de tão bom.
Ele sentiu o meu olhar queimar na sua aura de sombras, percebeu a luz da minha energia, e virou-se.
-Você… O que é você? Um Elemental… Um Elemental bebê... Não… Não é um simples Elemental… Você tem uma energia esquisita!
Dessa vez foi a minha vez de fazer uma cara de espanto.
-Não sabe o que eu sou? Eu sou um Elemental de Cinco elementos.
Ele me olhou de cima abaixo com desprezo e riu.
-Não sei o que você é, bebê esquisito, mas garanto que não existem Elementais assim.
-Eu sou o único.
Nesse momento, Kratos abriu a boca.
-É ela quem tem o Fragmento de alma que você procura. Olhe para ela! Não o sente? Ela o tem!
O Ceifador olhou para mim, sem acreditar nas palavras de Kratos. Mas eu estava muito irritada e com muita raiva daquele Ceifador. Ele… Ele levou o Amikoh! E foi a mando do maldito do Kratos!
-Está preparado para me enfrentar, Ceifador? - Perguntei, acendendo mais a aura dourada do Espírito… Meu elemento mais poderoso.
Quando viu aquilo, o Ceifador deu um passo para trás.
-Você me trouxe aqui para lutar comigo? Quer que eu lute com você? - E se virando para Kratos - O que tem na cabeça, cão? Acha que pode me fazer perder tempo para batalhar com um elemental bebê? Uma coisa esquisita dessas? Achei que tínhamos um trato!
-Eu só preciso que me devolva o Amikoh! - Berrei eu, ainda com muita raiva.
-E o que seria um amikoh?
-O Silfo! O Silfo que você levou daqui! - Gritei eu para ele.
O Ceifador me olhou com mais raiva do que eu.
-Preciso do Amor reprimido que ele tem dentro dele! E ele foi uma barganha! Não pretendo abrir mão dele!
-Barganhe comigo então… Não precisamos lutar, Ceifador.
-Estou quase tendo um colapso de riso imaginando como pretendia lutar comigo, criança.
-Eu não pretendia… Eu VOU lutar com você.
O Ceifador riu alto, e sua risada rouca ecoou pelas paredes da prisão.
-Faremos isso, se é da sua vontade. Faz tempo que eu não me divirto tanto. Já levei um elemental enxerido por barganha… Não me custa levar outro atrevido por diversão, mesmo que seja um bebê esquisito. A consequência será a mesma. Isso vai ser rápido… - E elevou as mãos, conjurando a aura negra ao redor do espectro da foice. As sombras ficaram espessas e os lamentos das almas em sofrimento foram ouvidas por toda a prisão.
Kratos começou a gritar. Aquele maldito estava se metendo onde não era chamado.
-Não o trouxe aqui para lutar com ela, Skull! Trouxe para lhe entregar o fragmento de alma que você quer! Não precisa haver luta! Pegue-o!
Mas eu não estava mais ouvindo. A Deusa não tinha me dado todo aquele poder a toa, eu estava disposta a pulverizar aquela coisa macabra que ria de mim.
Elevei as mãos, e quando ele viu que eu pretendia atacá-lo com alguma energia, ele enviou imediatamente o espectro da foice contra mim.
O monstro de sombras e de olhos vazios, avançou de encontro a mim, e levantou a foice, com o intuito de me golpear com ela. Mas de repente, parou à minha frente, e permaneceu ali, com a foice levantada, imóvel.
Eu já tinha armado um escudo de ar… E não entendi o porquê dele não me bater. Ele apenas ficou ali parado, imóvel, enquanto o Ceifador movimentava a própria foice que trazia nas mãos, e esbravejava.
-O que está esperando, servo? Ceife a alma dessa coisa!
Sem saber como, eu comecei a drenar toda a energia negra que aquele espectro estava emitindo. As sombras foram atraídas pelas minhas mãos, se misturaram ao meu corpo etéreo, e o monstro se desfez.
Uma enorme bola de luz e faíscas se formou ao meu redor, fazendo as paredes estalarem... E eu a arremessei de encontro ao Ceifador.
-Não o ataque, Jow! As paredes vão ruir! - Berrava Kratos.
Mas já era tarde Eu não escutava.
Eu estava perdendo a razão.
Tudo o que eu queria era exterminar de vez aquela coisa arrogante.*****
Darien chegou tarde da noite, em seu apartamento na Terra, e Sion já estava impaciente para partir com ele.
-Oh, mas o senhor vai voltar comigo?
-Cale essa matraca e me leve embora, Metamorfo, antes que seja tarde demais! A Jow pode estar encrencada, eu preciso ajudá-la!
-Mas a Jow não está encrencada… Ela estava há alguns minutos no refeitório, com o Ezarel, e aposto que está muito bem, e fazendo coisas muito divertidas com ele agora!
Sion ficou vermelho e ainda mais irritado com a gracinha de Darien.
-Não subestime a pirralha! Ela é capaz de criar muita encrenca em segundos, imagina se tiver alguns minutos! Anda, me tira daqui!
Darien olhou para Ykhar e para Keroshane, que assentiram.
Depois suspirou e abriu um portal de volta para a Eel.
-Vamos então.
Sion não esperou segunda ordem.
Empurrou Darien para o lado, atravessou na frente e, ao pisar no solo de Eldarya, desapareceu aos olhos de todos. Darien voltou para dentro do portal e olhou para Ykhar.
-Então? O que eu perdi?
-O senhor Sion tem informações importantíssimas para a Jow e para o Ceifador, Darien. Eu sei que eu devia ficar aqui, a pedido do Valentim. Mas o que o Sion nos contou preenche algumas lacunas naquelas traduções. Ele tem muitas das respostas, e se o que ele está pensando é verdade… O Ceifador tem as outras. E eu preciso conversar com a Jow… Eu preciso voltar!!!
-Ykhar! Você sabe que não pode!
-Darien! Eu sou a Mensageira de Eel! E o Valentim está lá, possuído e preso com o porco imundo do pai dele! Se você acha que eu vou ficar aqui, e deixar o amor da minha vida nessa situação, então você não me conhece! Eu esperei a vida inteira por ele, e não vou abandoná-lo agora! Vou dar um jeito de arrancar o espírito nojento do Grimm de dentro do Valentim, e vou chutar a bunda dele até ele chorar, e posso te afirmar que isso não vai ser bonito de se ver!
-Oh, Ykhar, espero que não esteja falando sério!
-Nunca falei tão sério na vida… Bem, talvez já tenha falado… E eu não vou ficar aqui esperando, enquanto o fedorento do Grimm está no corpo do MEU HOMEM, entendeu??? Quero ele de volta! Olha… Vamos deixar o tablet aqui, para o caso do meu trabalho se perder de novo. Mas dessa vez, memorizei tudo o que é necessário. Para destruir, tem que arrancar a minha cabeça fora!
Darien sentiu-se vencido. Não tinha como rebater a decisão da Ykhar. Todos ali estavam tentando proteger quem amavam. E ela não ia fazer diferente.
Atravessaram todos de volta.*****
Sion tinha um mau pressentimento.
E seus pressentimentos ruins sempre eram… Péssimos! Além de péssimos! Extremamente péssimos! Horrivelmente péssimos!
Começou a procurar a energia de Jow e a encontrou na prisão… E quando se teleportou para lá, viu Jow atirando uma bomba de luz em Skull!
O Ceifador foi atingido pela bomba de luz de Jow, e foi atirado a muitos metros de distância.
Kratos gritava de dentro da gaiola.
As paredes estavam rachando e pedaços de concreto, pedregulho e cascalho caíam do teto.
Quando Skull se recuperou do impacto, a metade esqueletizada do seu rosto estava completamente recoberta por pele, idêntica à outra.
Sem crer no que tinha acontecido, ele tocou a própria face, e sentiu a pele macia por cima do esqueleto ressecado.
-O quê… Como é possível? Como você fez isso? O que você é, sua esquisita? Eu não posso ceifar a sua alma! Você absorveu a energia do meu servo das sombras!
Ela sorria, vitoriosa.
-Então… Eu só mandei uma pontinha do que sobrou aqui, nessa casca vazia… Ainda acha que eu não tenho nada para lutar com você?
-Jow, o que você está fazendo? - Berrou Sion para ela.
O Ceifador levantou-se do chão, e olhou para o Gnomo. Ele não parava de se surpreender.
-Sion! É mesmo você, seu Gnomo velho e rabugento?
-Eu tenho que vir mais uma vez salvar o seu traseiro de corvo! Se eu demorasse mais um pouco, Jow o teria pulverizado e destruído a prisão! - E se virando para Jow, que olhava espantada - Pirralha! Apague essa luz agora! Não jogue mais nenhuma energia aqui! Obedeça!
Jow, a contragosto, apagou a aura dourada.
Skull levantou-se do chão, ainda tocando a face recomposta, e com cautela, aproximou-se deles.
E quando ele chegou perto, eles puderam observar o seu rosto restaurado.
-Como diabos você veio parar aqui, Sion? - Perguntava Skull.
Mas Jow estava irritadíssima.
-Então as duas princesas se conhecem! Perfeito! O que está fazendo aqui, Sion? Não deveria estar na Terra?
Sion bufou.
-Eu vim para terminar a parte da história que eu nunca contei… - E vendo que Jow abriu a boca para protestar - Para nenhum de vocês dois!
Ela calou-se.
O Ceifador não dizia nada.
A foice estava abaixada.
-Não creio que você acredite que está aqui para me salvar, Sion… - Falou Skull. Sua hemiface voltou a ficar esqueletizada, com a energia negra retornando para ele.
-Corvo, você não faz mesmo ideia de quem ela é, faz? - Perguntou Sion, apontando para Jow.
-Eu não sei o que ela é! É uma coisa esquisita que não pode ser ceifada! O que ela é, além de uma criança insolente e abusada? Estou esperando você me iluminar, Sion. - Disse ele, irritado.
-Diga para ele quem você é, Jow. - Mandou Sion.
-Eu já disse. Ele não acredita que eu sou um elemental de cinco elementos.
-Eu nunca vi um elemental assim! - Respondeu Skull - A troco de quê a Deusa iria criar um ser… - E olhando de novo para ela - Então é isso… Você é uma criação da Deusa para me punir, por tudo o que eu já fiz de errado…
Jow revirou os olhos.
Skull era mesmo arrogante e orgulhoso, um Ceifador pretensioso. Achou que a Deusa a criou exclusivamente para irritá-lo?
-Você está enganado, Ceifador. Eu sou da Terra. Eu era uma humana. Nunca tive magia. Fui trazida para Eldarya e me descobri quebrando selos e ganhando marcas… Cinco marcas. Treinei no Templo da Lua da Costa de Jade. Lutei uma guerra contra os Humanos… Fui mortalmente ferida e abri a Arena da Lua, onde completei o treinamento do Avatar Híbrido. Fui possuída pela Deusa, lutei mais uma guerra contra os humanos e salvei o povo faery dos Humanos. Depois morri, voltei para a Arena da Lua, fui resgatada pelos meus amores e a Deusa me transformou em um elemental… Um Elemental de Cinco Elementos. O único. Um monstro, uma coisa esquisita, como pode ver. Parece que temos muita coisa em comum.
Skull estava tonto com tanta informação.
-Impossível! Não havia Filhas da Lua entre os Humanos. A linhagem da Deusa era toda Faery! Eu ajudei a escrever a sua história! Eu sei tudo sobre as Filhas da Lua!
-Você vai escutar uma história que você não escreveu. Uma história que não conhece. - Informou Sion - Maeve teve uma filha, Skull. Sua filha. Ela nasceu na Arena da Lua, quando você estava ausente… Quando acompanhou o Escriba a uma viagem até o povo Celta para levar os manuscritos do Templo.
Skull estava incrédulo.
-Isso não é possível! Você está mentindo, Sion! Isso nunca aconteceu! Eu não vi Maeve grávida! E ela jamais esconderia uma coisa dessas de mim!
-Mas escondeu. E essa criança foi levada por mim justamente para o lugar onde vocês estavam. Eu a escondi junto ao povo Celta. Nós fizemos isso para protegê-la dos humanos. Algumas dezenas de anos depois, eu deixei Maeve, para me dedicar à proteção dessa criança. Acompanhei todas as descendentes dela, até a Jow. - E apontando para Jow - Esse bebê esquisito e abusado aí na sua frente.
Se o Ceifador pudesse respirar, estaria sem fôlego. Se seu coração pudesse bater, estaria acelerado. Sua cara era de puro espanto.
-Como Maeve pôde fazer isso comigo? Esconder que tivemos uma filha?
-Para a proteção de ambos. Você não sabia que ela existia, e não sofreu. - Continuou Sion - Maeve sofreu sozinha, a dor de abrir mão da filha e do seu amado. A linhagem de Maeve se perpetuou através dessa criança. Sua filha é ancestral da Jow. No final, você também é ancestral da Jow.
- Então o fragmento que falta… Eu jamais o encontraria!
-Confesso que foi um plano brilhante deles. - Disse Jow.
-Eu morri sem saber que tive uma filha! - E se voltando para Jow - Agora eu compreendo o seu poder. Você tem fragmentos da minha alma na sua, além do fragmento da alma de Maeve que eu procurava. Sua energia… Era como a energia dela nas Arenas! Se você é o que é, precisa saber de uma coisa importante… Uma coisa que eu revelei para Maeve, há séculos atrás. E pelo jeito ela nunca revelou isso para Sion... Quando ela despertou todas as cinco runas, eu coloquei nela a marca da morte, para que o Deus da Morte não a encontrasse e a ceifasse, a fim de coletar os fragmentos de minha alma e me controlar. Por isso Maeve tinha seus cinco elementos, e mais o sexto, que eu dei à ela… As sombras. Ao final da guerra, ela abriu um portal para o além, como eu lhe ensinei, naqueles versos…
-Então o poema… Eram instruções??? - Jow então repetiu para ele…
“-E mais que completa, o poder absorve...
Usando essa parte de mim, que levaste.
Para ser capaz, de num vórtice negro,
Levar todo o mal contra o qual tu lutaste.”
-Eu escrevi isso para ela decorar e saber como abrir o portal para me encontrar.
-Você é um desgraçado egoísta, Corvo! Arrastar Maeve para o seu buraco escuro, apenas por capricho!
-Não foi por capricho, Sion! Foi por amor! - Foi Jow quem respondeu.
Skull já estava de boca aberta para responder, mas calou-se ao ouvir Jow protestar.
-Mesmo assim não é justo, Pirralha!
- A vida não foi justa conosco, Gnomo! Maeve fez a sua escolha! Ela abriu o portal e se juntou a mim. Mas nela só havia o esquecimento! Ela não me reconheceu! Para que a alma carregue as lembranças com ela, ela precisa estar completa. E agora eu sei para onde foi o fragmento que faltava… Foi para a nossa filha!
-E agora está comigo. E você o quer, não quer?
- E você está disposta a me entregar? - Perguntou Skull, irônico - Por que faria isso?
-Porque eu quero o Amikoh de volta… Pode me devolver?
-Se seu amigo Silfo ainda tiver seu corpo etéreo... Se não tiver sido degradado pela energia das sombras… Eu posso devolvê-lo.
-Mas se ele estiver degradado… A Deusa pode cuidar disso! Tsukiko pode restaurar o corpo etéreo dele!
-Hahahaha! - Tsukiko? Ela não quebraria regras. O Deus da Morte teria que permitir que ele saísse do submundo… Entrar é fácil. Mas não é tão fácil sair.
Nesse momento, Kratos abriu a boca para cuspir seu veneno.
-Para que essa falação sem cabimento? Haja, Skull, e acabe com a sua busca, e com o nosso problema! Ceife esses dois elementais e pronto!
-Seu desgraçado! - Gritou Jow - Eu sabia que seu plano era só se livrar de mim! Nada de salvar o mundo!
-Eu tinha a breve ideia de salvar o mundo, mas mudei de ideia, ao ouvir essa melação toda de vocês… Amor… É uma coisa que eu não tenho há muito tempo. Porque eu o ofereci para esse Ceifador egoísta, em troca dele ir embora e nos deixar em paz.
-Isso porque você me invocou para ganhar uma guerra imunda… - Respondeu Skull. - Mas eu não atendi aos seus objetivos, não é mesmo, cão?
-Não. Você me traiu. Agora leve logo esses elementais e acabe com isso de uma vez por todas!
-Eu não posso levar uma Filha da Lua, não tenho esse poder! Não viu como o servo das sombras simplesmente congelou na frente dela? E mesmo se pudesse… Por que eu faria isso?
-Por que você não tem nenhum sentimento por essa pequena aberração! - Berrou Kratos, agarrado às grades da gaiola - Ela não significa nada para você, não é nada sua, e até alguns minutos atrás, você nem sabia que essa filha e essa aberração existiam!
Jow, ao ouvir Kratos chamá-la de pequena aberração, lembrou-se das palavras do Hans.
Kratos sempre a desprezou. Sempre a odiou. Ele odiava as filhas da Lua, por tornarem impuro o sangue da Deusa.
O olhar de Jow escureceu. Tornou-se frio como o olhar de uma Guerreira Amazona na guerra.
-Mas por outro lado, Skull, você não teria problema nenhum em levar o Kratos… Teria? - Perguntou Jow, com um sorriso nos lábios - Porque ele odeia as filhas da Lua, você o ouviu, para ele são todas pequenas aberrações, inclusive a sua Maeve…
Skull olhou com raiva para o Kratos. Não, ele não tinha problemas com isso. E Jow era o único elo entre ele e Maeve.
Skull não esperou uma segunda sugestão. Invocou novamente o Espírito ceifador, que desceu a foice em Kratos com toda vontade, e levou pendurada nela o espírito negro dele e o de Amin, de quebra. Kratos não teve tempo nem de protestar. O corpo de Amin caiu morto no chão da gaiola.
Sion estava abismado.
Nunca imaginou que Jow faria uma coisa daquelas. E ao olhar para ela, viu que ela não mostrava nenhum arrependimento. Apenas tinha o rosto sereno... O rosto de uma Amazona que tinha acabado de executar o seu inimigo.
Skull olhou para Jow com admiração.
-Você tem seis elementos, Jow. As sombras fazem com que você absorva energia. Isso acontece mesmo sem o seu controle. E pelo que sinto, você está prestes a absorver toda a energia que falta para ser capaz de abrir um portal para o meu mundo.
-A energia que Maeve absorvia era por causa disso, Corvo?
-Exatamente, Sion. A marca da morte permitia que ela manipulasse as sombras. É a marca do nada. O nada absorve tudo.
-Então… É por isso que essa energia vem chegando sem parar! Eu não consigo detê-la!
-Não conseguirá detê-la, vai absorver a energia até ela explodir. E quando isso acontecer, vai destruir tudo o que está ao seu redor, e vai atrair a energia de volta. É o que fará o portal se abrir.
-Então quando eu abrir um portal para o Além, você pode ter minha alma, com o fragmento da alma de Maeve! Está tudo resolvido!
Sion olhou para Jow, mais incrédulo ainda.
-Pirralha! Você está bem? Está delirando???
-Não está nada resolvido. - Disse Skull - A marca da Morte é um fragmento da minha alma, que você carrega também. Se atravessar o portal, vai carregar esses fragmentos para lá, e o Deus da Morte me controlará, e eu não terei Maeve.
- E se houver um acordo entre Deuses? Se Tsukiko entrar em acordo com o Deus da Morte, e libertar vocês dois?
Sion estava tendo um chilique.
-Agora ela está delirando de vez!
-Ahhhh cala essa boca Sion! Você não sabe de nada! Saia daqui!
-Não vou sair, Pirralha!
-Então cale a boca! - E se dirigiu novamente a Skull - Skull... Eu quero fazer um acordo. Você me devolve o Amikoh. Eu vou resolver o seu problema.
-Como vai conseguir isso?
Jow sorriu.
-Tenho uma carta na manga… Uma não… Duas.
Skull olhou para Jow e enxergou Maeve, sempre tão confiante e decidida.
-Não preciso de acordos para ajudar você agora. Torça para que seu Silfo ainda tenha seu corpo etéreo, Jow.
Ele conjurou novamente o espectro da foice, e ele trazia a alma branca de Amikoh pendurada nela. Skull arrancou a foice das mãos dele e a sacudiu, derrubando Amikoh no chão. Ele estava transparente, mas ainda tinha seu corpo etéreo.
Jow foi até ele e o segurou nos braços.
Amikoh tinha os olhos fechados, e parecia dormir.
-Ele está adormecido. Não sei quanto tempo vai ficar assim. O submundo vai exaurindo a energia do corpo etéreo, até sobrar apenas o espírito. Provavelmente, ele não vai se lembrar de nada.
-Obrigada!
-Não me agradeça. Está me dando uma esperança, Jow. Há muito tempo eu não acredito em esperança. Mesmo que não consiga nada…
-Vou conseguir! - Rebateu ela. -Você vai ver!
Sion estava perplexo.
Em alguns minutos, Jow invocou um ceifador, o domou, conseguiu descobrir a causa do seu distúrbio, mandou Kratos e Amin para o Além, resgatou o Amikoh e fez uma promessa de esperança para o casal de amantes, cujo amor atravessou os séculos. Era coisa demais para uma pirralha só.
Mas ela não parou por aí. Sua mente analítica estava trabalhando a mil por hora.
-Eu entendi que não há escapatória. O portal se abrirá de qualquer forma, não é?
-Sim. Quando a energia for suficiente, ela vai explodir. Você a atrairá de volta, e isso abrirá o portal. Você já coletou quase toda a energia necessária para isso.
-Posso fazer mais um pedido a você?
-Peça o que quiser.
Jow chegou bem perto dele e cochichou algo no seu ouvido, que Sion não conseguiu ouvir. Skull assentiu, sorriu e o vórtice negro abriu-se, levando com ele o Ceifador e seu servo de sombras.
Jow abraçou-se com força a Amikoh, que lentamente despertou.
-Oh, Melequenta… Está me amassando assim… Por quê?
Jow ria e chorava.
-Ah, Amikoh! Que bom que está aqui!
-E onde é aqui? - Perguntou ele, olhando em volta, confuso. -A prisão?
-Sim… A prisão… Vamos sair daqui, Amikoh!
E se teleportaram para fora, para o Jardim do Piano.
Amikoh sentiu o vento da noite e olhou para Sion.
-Por que estávamos na prisão?
-Não se lembra, não é mesmo, Silfo imprudente? - Perguntou o Gnomo - Um Ceifador o levou, Amikoh!
-Ceifadores não levam Elementais, Sion. - Respondeu ele, rindo.
-Sim… Nós sabemos. Mas esse levou - Respondeu Jow - Mas ele te devolveu, Amikoh! Isso é o que importa!
E o abraçou de novo.
Sion estava preocupado.
-Pirralha… Precisamos conversar sobre esse portal!
Jow olhou para Sion e seu rosto estava sereno.
-Sion… Você manteve um segredo com Maeve que guardou por séculos, e escondeu isso do mundo inteiro. E nunca quebrou a promessa, até a verdade ser mais importante do que o segredo. Agora eu preciso dessa mesma fidelidade. Ninguém pode saber que eu abrirei um portal para o além. Ninguém, Sion!
-Não posso fazer essa promessa!
-Eu posso... - Disse Amikoh, ainda confuso, lentamente perdendo a consciência de novo.
-Ah, Sion, você também pode! Porque eu vou contar para você uma coisa que ninguém mais pode saber. Serão dois segredos, pelo preço de um! E a promessa de nunca mais precisarem se preocupar com esse conflito entre os elementos!
Sion estava relutante, mas ao ver o olhar seguro de Jow, fez que sim com a cabeça, e Jow falou tudo o que tinha para falar, e pediu tudo o que tinha para pedir.
Quando terminou, ele foi obrigado a concordar. E já ia acrescentar mais alguma coisa, porém calou-se, porque Kazai chegou com North
Quando viram Amikoh, transparente, adormecido nos braços de Jow, que ainda tinha lágrimas nos olhos, eles perceberam o que tinha acontecido.
-Você encontrou-se com o Ceifador! - Gritou North - Enganou todo mundo! Como pôde fazer isso conosco? Você mentiu pra gente!
-Não importa. - respondeu Sion, para o espanto deles - Ela trouxe o Amikoh de volta.
-Cara de Sapo! Vai apoiar essa loucura que ela fez?
-Eu estava com ela, Moleque... Eu estava lá também.
Kazai arregalou os olhos.
-Você estava lá? Não estava na Terra?
-Acabei de voltar.
-O que aconteceu?
Sion olhou para eles, e desapareceu sem responder, deixando no ar um cheiro de mangue.
-Vocês saberão quando for a hora. - Disse Jow, piscando um olho. - Ahhh estou tão feliz que poderia explodir!
E também teleportou-se, levando Amikoh para a enfermaria, onde passou o resto da noite cuidando dele.
Capítulo 13 - Os Últimos Planos
Ewelein ainda cumpria seu horário na enfermaria quando Jow chegou com Amikoh e o deitou em uma maca.
Jow estava confusa.
-O que devo fazer, Ewe? Para que ele melhore? Nunca aprendi medicina de elementais!
-Também não sei, Jow… Elementais não ficam doentes… Não somos treinados para isso.
-Ele está tão transparente!!! Eu estava assim, quando a Deusa me trouxe de volta da Arena da lua… Mas depois fui melhorando.
-Mas você não voltou do portal da Morte, Jow. Ele estava lá, tendo sua energia drenada pelos ceifadores…
Mark, que observava da porta, resolveu opinar.
-Quando a Oráculo me trouxe da morte, Jow, eu também estava transparente. Me sentia completamente fraco e sem energia nenhuma… Mas ela me forneceu energia, e rapidamente eu melhorei. Quem sabe, se vocês fizerem o mesmo com ele…
-Obrigada pai! - gritou Jow, enquanto carregava uma enorme bomba de luz para atirar em Amikoh.
-Não, Jow! É energia demais para começar! - Disse Ewelein - Vamos começar com pequenas quantidades de energia, para ver como ele reage…
Jow revirou os olhos, porque estava com pressa de ter Amikoh de volta. Mas aceitou o conselho de Ewelein, e começou a aplicar pequenas quantidades de energia em Amikoh.
Kazai e North chegaram e ficaram ao lado dela, e apesar de estarem bastante zangados com a atitude dela, ajudaram Jow a transferir energia para Amikoh, sempre em pequenas quantidades, e lentamente..
O Silfo continuava inconsciente, transparente e fraco.
Darien entrou com Black e disse para ela:
-Bem que o Sion falou que se você tivesse alguns minutos, poderia transformar o mundo! O que você foi fazer?
Jow olhou para eles e sorriu.
-Fui pegar o Amikoh de volta.
Black sorriu de volta.
-Adoro quando você faz isso! Parabéns, Jow! Parabéns por trazer seu amigo de volta! Vamos sair daqui, Darien. Não vamos ajudar em nada ficando aqui, em cima deles.
E puxou Darien para fora, dando passagem para Ezarel.
O Elfo olhou para o Silfo, deitado na maca, depois para North, e finalmente para Jow.
-Jow… Você nos enganou! - Disse Ezarel, irritado - Disse que não iria invocar o ceifador, sem nos avisar! Por que fica fazendo essas coisas com a gente?
-O Sion está apoiando ela, Ezarel! Aquele Cara de Sapo está apoiando as doideiras da Jow, pela primeira vez!
Ezarel olhou espantado para ela, que não dizia uma palavra, concentrada em fornecer energia dourada para Amikoh.
-Sion apoiou você? E por quê?
- Porque ele achou que deveria, Ezarel. Vocês não estavam lá, não podem avaliar a nossa necessidade daquele momento.
Ezarel escolheu as palavras com cuidado dessa vez.
-Nós não estávamos lá… Mas foi porque você não quis, Jow… Não estamos te julgando por fazer o que achou certo, compreenda… Nós estamos apenas dizendo que gostaríamos de estar ao seu lado num momento assim!
-Eu sei, Ezarel. Eu sei disso tudo. Mas eu não poderia arriscar colocar vocês em risco, olhem pelo meu ponto de vista… - Dizia ela tranquilamente.
-Mas o Sion foi lá! - Disse North - Você não teve medo por ele?
-Sion apareceu do nada! Eu não o chamei ali, por mim ele não teria ido lá! Mas foi, e foi importante ele estar lá.
Ykhar entrou como um furacão na enfermaria, e quando viu Amikoh, entendeu na hora o que havia acontecido.
-Você chamou o Ceifador! Você conheceu seu bisotataratrisavô!
Jow concordou com a cabeça.
-Sion… Sion você sabia! - Continuou Ykhar.- Sabia que ela ia fazer isso!
-Sion chegou antes de eu pulverizar o Ceifador.
North e Kazai se olharam.
-O que quer dizer com… Seiláoquêavô? - Perguntou ele - E o que o Cara de Sapo sabia que não contou pra ninguém?
Foi Ykhar quem respondeu.
-Ele não sabia, mas sabia, e no final acabou descobrindo, e sabendo, que o Ceifador era ancestral da Jow!
Ezarel arregalou os olhos para Jow.
-Como você pode ter um ceifador como ancestral? Isso não faz sentido!
Jow revirou os olhos e pediu.
-Podem sair daqui só um pouquinho? Não estou conseguindo me concentrar… Preciso ajudar o Amikoh! Posso explicar depois? Explico o que quiserem, rastejo pedindo perdão! Mas agora preciso ajudar o Amikoh!
-E a senhorita? - Perguntou Ezarel para Ykhar - O que está fazendo aqui? Deveria ter ficado na Terra! Foi o Valentim quem pediu! O Kratos pode novamente ameaçar a sua vida!
-O Kratos não será mais um problema. A Ykhar não corre mais perigo. - Respondeu Jow.
-Como assim? - O Elfo estava com as orelhas vermelhas, percebendo que já vinha ali mais uma bomba - Por que ele não será mais um problema, Jow?
-Porque eu instiguei o Ceifador a levá-lo. - Disse Jow, olhando para Ezarel com muita calma. - O Plano de Kratos era que ele me levasse, e eu sugeri que ao invés disso, ele levasse o Kratos. E ele levou. Olha… Eu menti para vocês. Menti muito e enganei todo mundo. Porque por mais que dissessem que me dariam apoio, ninguém me apoiaria nisso. Eu não estou arrependida, vocês iam me atrapalhar… Como estão me atrapalhando agora. Me deixem cuidar do Amikoh, gente!
Ezarel estava cada vez mais assustado com ela. Jamais imaginou que Jow fosse capaz de uma coisa dessas, embora fosse o que todos desejavam fazer.
-Então o Amin…
-Foi junto. Estão os dois no além, no inferno, na casa do cacete, onde deveriam estar há muito tempo. Não precisamos mais deles.
Dessa vez foi North quem olhou espantado para ela. Os olhos verdes arregalados e a boca aberta.
-Feche a boca, Ondina, hihihi! - Falou Kazai - Foi bem feito para aqueles dois cães! Eles… Só criaram confusão, desde que Kratos começou a fuçar nos outros mundos! Muito bem, Jow!
Jow permaneceu séria, concentrada, aplicando energia em Amikoh.
Mas Ewelein também estava assustada com as revelações. Só que, do jeito que conhecia Jow, não adiantava dar sermão agora. Depois poderia conversar com ela com calma, e quem sabe Jow a escutaria. Essas imprudências realmente preocupavam todo mundo.
Ykhar, que se segurava para não saltar de ansiedade, e segurava diversas folhas das suas traduções, suspirou aliviada.
-Obrigada Jow! Obrigada por mandar aquele cretino pro inferno! - Disse ela, muito feliz. E passou direto por Jow e os outros e foi até o fim da enfermaria, onde Valentim estava deitado, dormindo, sob efeitos de sedativos.
-Eu voltei, meu amor. - Falou ela, dando um beijo nos lábios dele - Voltei por você. Eu sei que eu deveria ter ficado na Terra… Mas eu não podia esperar para voltar! Eu consegui, refiz as transcrições, e decorei tudo! Eu vou tirar o seu pai nojento daí, eu prometo! Você… Tem que voltar para mim, Soldado!
Ewelein morreu de pena da Ykhar. Ela acariciava a cabeça de Valentim, pegou um cobertor num armário ao lado e cobriu seu peito nu.
Ewe pegou uma cadeira e colocou ao lado de Valentim, e disse para Ykhar.
-Fique aqui com ele. Converse com ele, ele com certeza pode ouvi-la. Mas converse baixinho, para não atrapalhar a cura do Amikoh. - Pediu a Elfa.
Ykhar olhou para ela agradecida, e Ewelein arrastou o biombo para isolá-los dos outros.
Quando voltou para o paciente, Ezarel já estava junto com Jow, e também transferia energia para o Silfo.
“Não pode vencê-la, junte-se a ela…” Pensou Ewelein. “ Ezarel está ficando mais esperto!”
Depois de algum tempo, o corpo etéreo de Amikoh já parecia ter mais consistência, e a transparência estava menor.
Jane chegou para render Ewelein no seu horário na enfermaria, e quando viu o Silfo ainda inconsciente, ela teve certeza do que Jow tinha feito
Olhou para Jow com severidade. Ela não tinha consciência do que poderia ter acontecido!
Já o pai, olhou com orgulho. Jow nunca descansaria enquanto não trouxesse seu amigo de volta, ele tinha certeza. Ainda bem que tudo acabou bem.
Jane assumiu a enfermaria, para Ewelein descansar.
-Eu posso cuidar deles - Disse ela para a Elfa - Vá descansar. Parece que seu dia foi intenso, Ewelein.
Ewe acenou com a cabeça, deu um abraço em Jane e saiu.
-O que devo fazer, Jow? Como posso ajudá-lo?
-Apenas o observe, mãe. Vamos parar agora com essa energia, a transparência parece ter melhorado… Ele alterna entre a vigília e a inconsciência… E eu gostaria de conversar um pouco mais com ele. Se ele acordar, me chame.
-O que vai fazer agora?
Jow olhou para Ezarel, North e Kazai.
-Vou contar uma longa história para eles… E depois para vocês. - E se virando para os outros - Podemos sair agora. Vamos encontrar o Sion, e contaremos tudo para vocês.
Ezarel assentiu, e Jow o segurou, se teleportando com ele para o Jardim do piano.
A noite estava fria e nuvens pesadas cobriam o céu.
Sion estava ali, esperando por eles. Ele sabia que esse momento chegaria.
-Vocês demoraram! Como está o Amikoh?
-Ele vai ficar bem. - Respondeu ela - Acho que devemos explicações para todos.
Sion bufou, empertigou-se e começou.
-Sentem-se. Faço questão de eu mesmo contar tudo.
E contou, desde o início.
Dessa vez, Jow escutou por uma nova perspectiva. Seus olhos azuis brilhavam e ela vibrava com a história. Kazai às vezes batia palmas, e Sion olhava feio para elas, mas continuava a narrativa. Ao final de tudo, North desabafou.
-Se o Cara de Sapo tivesse contado tudo isso antes, as coisas seriam mais fáceis!
-Para você tudo é fácil, moleque! Eu passei uma existência protegendo a linhagem da Deusa! Por que acha que elas sobreviveram? Porque eu não tenho a sua boca enorme!
North fez uma careta.
-Você pode estar certo, Gnomo velho! Mas ainda assim, vocês têm que parar com essa mania de esconder coisas da gente!
Jow olhou para Sion e ele retribuiu o olhar, com cumplicidade, quando respondeu.
-Não temos mais nada para esconder. Agora já sabem de tudo, e no final, Amikoh está de volta, Kratos se foi, só nos resta agora fazê-lo levar o Grimm com ele para dentro daquele buraco!
Ezarel abraçou Jow.
-Você podia estar acabada agora, Maldita! Faz ideia do perigo que correu?
-Eu não estava em perigo.
-Mas você não sabia disso! E mesmo assim, foi fazer o que bem entendeu, da maneira como bem entendeu! E a mentira…
-Chega disso… -Disse ela, empurrando Ezarel delicadamente para o lado - Já sei. Menti, menti e menti. Enganei vocês, quem eu mais amo. E fiz tudo isso para proteger vocês, da mesma forma que o Sion fez. Agora, só me resta ir ao mundo ressonante e explodir algumas lagostas pra fechar as fendas! E eu vou precisar do apoio de vocês todos!
Dessa vez o Sion franziu a testa e fez cara feia.
-O que quer dizer com isso, Pirralha? Como assim vai ao mundo ressonante explodir lagostas? O que garante que a gosma delas vai fechar as fendas?
-O Valkyon falou. Ele me disse que onde a gosma cai, os bichos param de nascer e os cogumelos brancos morrem.
-Isso não tem nada a ver! - Reclamou North - A gosma pode apenas ser tóxica, e por isso acontece essas coisas! Você quer ir lá e jogar essa meleca nas fendas? Usando os bichos de lá?
-Exatamente. É o que eu vou fazer.
-E se não der certo? - Perguntou Kazai - Vai simplesmente voltar de lá e recomeçar?
-Estamos sem tempo, Kazai. As fendas estão cada vez maiores. Qual foi a parte da história de eu absorver a energia dos mundos que vocês não entenderam?
Sion olhou para ela, lembrando-se de que um pequeno grande detalhe, que eles não compartilharam com os outros… O fato de Jow estar prestes a abrir um portal para o mundo da Morte... E mais segredos eram mantidos guardados e escondidos de todos. Mas se o plano de Jow desse certo… Tudo estaria resolvido. Ele não podia recuar agora, quando quase tudo estava perdido. Eles só teriam essa chance. Não haveria outra.
-E quando você pretende fazer isso, Jow? -Perguntou o Elfo com o olhar muito sério - Quando e onde?
-Bem… Antes de decidir, preciso conversar com a Ykhar. Ela terminou o trabalho. Ela tem respostas que eu preciso entender. E eu tenho respostas para responder às perguntas dela. Vou até ela, e depois conversamos. E vou agora!
E desapareceu dali.
Ezarel começou a ir atrás dela, mas Sion o segurou.
-Deixe-a, Elfo! Ela não vai fugir! Deixe a Jow fazer seu trabalho!
-Sion, isso está muito estranho! - reclamou North - Você nunca agiu dessa forma! O que está escondendo da gente? Tem mais coisa aí! Eu conheço muito bem a sua cara da Sapo!
-Não atrapalhem! - Disse o Gnomo - Isso precisa chegar ao fim! - E desapareceu também.
Kazai olhou para os dois namorados da Jow e riu, depois desapareceu também, deixando Ezarel e North ali sozinhos.
-Vou descobrir o que está havendo, Ezarel! Eles estão escondendo mais coisas de nós, isso nunca vai acabar?
-Eu tenho certeza disso também. Mas o que me preocupa é outra coisa, North… A Jow está muito diferente… Quando você imaginou que ela seria capaz de matar o Kratos? Ou o Amin? Isso não está fazendo sentido.
-Eu sei que ela está diferente. Eu tinha percebido. É como se ela estivesse… Como se estivesse… Faltando alguma coisa nela. Sabe, a energia dela não tá normal.
-Como você sente isso e eu não?
-Nós somos seres de energia. É mais fácil pra mim, essa coisa de sentir. Mas se você também sabe que ela não tá normal, eu acertei na teoria. O que será que houve? Será que foi a pressão que fizemos nela? Pra ela escolher?
-Não tem nada a ver com isso.
-Como você pode ter tanta certeza? A gente estragou a vida da Jow, dizendo aquilo pra ela!
-Você quer voltar atrás, Ondina?
-Eu já voltei, Elfo! Eu já falei pra ela que ela não tem que escolher nada!
-Eu também!
-Então estamos confessando que chutamos o balde pelas costas um do outro… Maneiro… Fiz isso por ela!
-Eu também fiz isso por ela. Quando isso terminar, a gente vê o que vai fazer…
-Se ela estiver inteira.
-O que quer dizer com isso?
-Se ela não tiver tempo de fechar as fendas antes do mundo acabar, aí ninguém vai ficar com ela, nem eu e nem você. Porque vamos todos pra algum buraco do universo!
-Mas a gosma dos bichos é uma resina… Pode funcionar, North!
-E ela vai ter que ir lá testar. E não vamos poder estar lá com ela, mais uma vez.
-Então é melhor que funcione. Porque, como você disse… É a nossa última chance. Se não der certo, nos encontraremos em algum buraco do universo… - Disse ele, saindo do Jardim.
North sabia que Ezarel estava certo. Mas não estava com um bom pressentimento daquilo.*****
Jow entrou na enfermaria, onde sua mãe lia um livro, sentada ao lado de Amikoh.
-Onde está o meu pai? - Perguntou ela.
-Ele saiu para conversar com o pessoal. Disse que estava precisando se enturmar mais, já que vamos ficar aqui. Você sabe como ele gosta dessa posição diplomática… Alguns acham que você fez bobagem… Outros acham que é uma heroína… Seu pai quer apaziguar os ânimos.
-Como está o Amikoh? Ele abriu os olhos?
-Ele está exatamente como estava há alguns minutos, Jow… Tenha paciência. Você é uma médica, e sabe como os pacientes podem demorar para responder ao tratamento. Não é a overdose de remédio que vai fazê-lo melhorar. Daqui a pouco, aplique mais energia nele. Eu sinceramente, acho que ele está menos transparente…
Jow olhou para Amikoh e suspirou. Sua mãe estava certa. Ela precisava ter paciência. Deu um beijo em Jane e foi até o fundo da enfermaria, onde Ykhar estava com Valentim.
-Oh, Jow… Precisamos conversar!
-Eu vim exatamente para isso, Ykhar. Vamos conversar.
Ykhar estendeu as folhas para Jow.
-Leia, Jow… Eu transcrevi tudo de novo…
-Ykhar… O poema… Eram instruções de Skull para Maeve… De como abrir um portal para o outro mundo, e encontrar-se com ele.
-Como assim?
E Jow contou para Ykhar toda a história que Skull havia contado… E como, no final, ela entrou no mundo da morte, sem a alma completa.
-Coitados! Levou uma eternidade para que se se reencontrassem… E o pedaço que faltava ficou com a filhinha deles!
-E agora está comigo.
-Como vai fazer para dar esse pedaço pra ele? Porque é isso que você vai fazer, não é? Diga que é! Por favor!
Jow sorriu.
-É sim, Ykhar. Vou fechar as fendas e depois vou devolver esse pedaço de alma para Maeve… Mas antes, preciso levar um papo reto com a Tsukiko. E conto com a minha mãe para me ajudar.
- O que você quer com aquela Deusa treteira?
-Quero que ela arrume a bagunça que ela fez.
-E se ela não quiser?
-Ela vai querer… Porque meu argumento será muito bom.
-E qual será?
-Somos filhas dela, Ykhar. As últimas que restaram. Apenas precisamos reivindicar esse posto…
Ykhar sacudiu a cabeça, sem entender muito bem o que Jow quis dizer com aquilo. E apontou para Valentim.
-Temos também que tirar o nojento do Grimm dele! O que faremos?
-Prometo que vou pensar em alguma coisa, Ykhar. Vamos devolver o Valentim para você.
-Não podemos só fazer um exorcismo? E tirar esse capeta dele?
-Não sei… Vou conversar com o Hans. Ele deve saber o que fazer. Grimm não pode simplesmente ficar solto por aí.
-Droga! Mas você está certa… E agora leia tudo, Jow… Leia e vamos discutir algumas possibilidades.
Jow começou a ler a pesquisa da Ykhar, enquanto a coelhinha murmurava coisas no ouvido de Valentim.
Quando terminou, estava impressionada.
-Aqui então, além de termos toda a história das filhas da Lua… Temos uma receita para abrir um portal para o mundo dos mortos!
-Não é só isso, Jow. Juntei toda a minha pesquisa com a do Valentim… Temos um mapa. Os desenhos das crianças mostram onde as fendas começaram a se abrir. Identifiquei vários locais, e marquei no mapa. Olha aqui… - E pegou um mapa do meio das traduções - As fendas começaram aqui em Eel, onde você chegou. São locais onde você ficava bastante… No porão, com o Ezarel, e na cozinha com o Karuto. Lembra? Tinha um portal de cogumelos na cozinha do Karuto, por onde o Kyioto chegou, e por onde os soldados do Grimm entraram… Ali há uma fenda também, embora ninguém tenha se dado conta disso. Todos os círculos de cogumelos que não foram semeados pela Oráculo, são fendas. O Darien e a Black tentaram destruir os cogumelos, na Terra, mas eles nasciam de novo… Por causa das fendas.
-Sim, estou entendendo. Continue, Ykhar.
-Bem, depois o North achou a fenda no fundo do mar… Perto da gruta que é a entrada para a prisão, onde o mascarado abria portais de sangue, conforme nós já sabemos.
-E a fenda da cascata…
-Sim, na clareira, onde Kratos e Amin abriam mais portais de sangue, para levar cobaias para aquele calabouço dele.
-Certo, não sabemos se há mais fendas, mas essas são as maiores.
-Não são as maiores, infelizmente… Temos a fenda da Costa de Jade… Onde você ficou mais tempo, e foi lá que começou a trabalhar com magia.
-Foi quando comecei a absorver energia, e as fendas começaram a aumentar!
-Depois que você se tornou um Avatar Híbrido completo, as coisas começaram a piorar. Mas aí estabilizaram porque você morreu, e a Deusa a levou para a Arena da Lua…
-E quando eu saí de lá… Aí é que pioraram mesmo.
-Mas foi porque você agora é pura energia, Jow. E com esse sexto elemento do qual o Ceifador falou… pode absorver a energia do que está ao redor. E sugar a energia dos mundos. Mas é lá na Costa de Jade que está a maior de todas as fendas! De onde os bichos saíram, e para onde os desenhos das crianças Feng Huang nos levam agora. Olha aqui…
E Ykhar apontou para outro mapa, com uma marca no templo da aldeia Brownie.
-Aqui estavam as inscrições da tatuagem de Valentim. Era o templo retratado nos desenhos, onde um anjo sem asas levava os bichos embora. O anjo que as crianças identificaram como sendo você, Jow.
-Mas Ykhar… Isso não aconteceu! Eu nunca levei bichos embora de lá!
-Exatamente! Era aí que eu queria chegar, Jow! Você deve fazer isso! A fenda de lá deve estar aumentando cada vez mais, e os bichos vão continuar saindo! É uma profecia! É naquela fenda que você precisa entrar, atraindo os bichos de volta, e depois tentar fechar de lá! Não daqui, não de outro lugar… Mas de lá! Você deve voltar para lá, Jow! Vai haver uma catástrofe, e não vai demorar muito… Estamos perdendo muito tempo aqui!
Jow ficou pensativa. Ykhar tinha toda razão! A Oráculo disse que os desenhos eram mapas, a Ykhar os decifrou, e ela tinha que acreditar na coelhinha.
-Se você estiver certa, haverá outra invasão na aldeia brownie.
-Onde minha família mora! Você precisa voltar lá, e acabar de uma vez com isso, Jow!
Jow abraçou Ykhar.
-Vou fazer isso, Ykhar. Já tenho um plano para fechar as fendas… Só precisava de uma direção, e você me deu a direção.
-E quanto ao Valentim?
-Se o que eu estou pensando estiver certo, Ykhar… Vamos resolver o problema do Valentim, vamos nos livrar do Grimm, tudo de uma só vez. Mas para isso, vou precisar da ajuda do Hans…
Jow saiu dali, deixando Ykhar com algumas dúvidas, mas muito feliz.
Ao passar pela mãe, estava saltitando de felicidade. Olhou para Amikoh e achou mesmo que ele estava menos transparente, e resolveu aplicar uma dose maior de energia nele. Energia era o que não faltava, ela estava crepitando de energia e soltando faíscas. Precisava mesmo se livrar daquilo. Uma pequena overdose não faria mal algum.
E foi assim que mandou uma pequena bomba de luz no seu amigo Silfo, e depois saiu da enfermaria, feliz da vida, saltitando como um cabrito.
Jane nem conseguiu impedi-la… E quando olhou para Amikoh… Ele abria os olhos.
Amikoh tinha despertado. E ficou ali, deitado, mudo, com os olhos verdes pálidos arregalados, como se estivesse assustado, enquanto ela segurava uma das mãos dele.
-Amikoh… Eu sou Jane, mãe da Jow… Você consegue falar? Como está se sentindo?*****POV’s Amikoh*****
Eu estava numa espécie de nuvem macia, e sentia como se estivesse flutuando, e sonhando, se é que Silfos podem sonhar.
Senti o perfume da energia da Jow me invadir, e depois o de várias energias que chegavam, senti Kazai, senti North, Ezarel, Ewelein…
Achei que escutava vozes, mas eu não conseguia entender o que diziam. Estava entorpecido, mas juro que senti que estar ali era tudo de bom.
Eu estava confuso, porque Jow me disse que eu fui levado por um ceifador. Eu me lembro de estar no porão, espionando os prisioneiros, a pedido da Miiko. Depois me lembro de ver Kratos chegando, e tramando alguma coisa com Amin… Depois, tudo o que havia era escuridão e vazio. Não sei o que aconteceu, não me lembro de um ceifador, não me lembro de ter sido levado. Era apenas uma lacuna, e eu me sentia tão cansado, que só queria afundar naquelas nuvens fofas e sonhar.
Mas outra vez a energia da Jow me invadiu e me deu choques… Eu estava de olhos fechados, e de repente eu os abri.
Foi quando eu a vi.
Todo o meu corpo etéreo se misturou, e senti que pequenos tornados se formaram dentro da minha cabeça.
Ela estava ali, me olhando, e segurava minha mão. Seus olhos azuis profundos me olhavam com carinho, e cuidado.
Pela Deusa, ela podia me ver! Ela agora podia me ver!
Era um sonho. Um… Pesadelo! Só podia ser, eu estava preso dentro de algum loop mental, estava enlouquecendo, com certeza, porque Jane estava ali me olhando, e ela me via.
Senti meu peito se contorcer, senti minha mão tremer, começou a ventar dentro da enfermaria, e eu sabia que era eu quem estava fazendo aquilo.
-Amikoh… Eu sou Jane, mãe da Jow… Você consegue falar? Como está se sentindo?
Wow! Ela estava falando comigo! Decididamente era um pesadelo mesmo, eu estava sendo testado e torturado pelo maior dos meus pesadelos!
Fechei os olhos de novo, quem sabe aquilo tudo desapareceria! “Não seja real, não seja real, não seja real…” Repetia eu para mim mesmo… Mas ao abri-los, ela continuava ali, segurando a minha mão, e falando palavras doces e carinhosas.
Ela era real.
Eu tinha que dizer alguma coisa! Eu tinha que dar um oi, então depois dar um tchau, e sumir dali bem depressa. Mas eu não conseguia.
Tentei me levantar, e tive a sensação de que uma enorme pilastra estava em cima da minha cabeça. Eu estava muito fraco. Olhei para a mão que ela segurava, e vi que eu estava bem transparente.
Ela me empurrou de volta e me obrigou a me deitar de novo. E ela gritou para a Ykhar.
-Ykhar! Amikoh despertou! Vai chamar a Jow!
A coelhinha saiu correndo de algum lugar, olhou para mim, sorriu, bateu palmas e saiu dali, dizendo que tinha que ir depressa porque tinha pernas curtas.
Fiquei sozinho com Jane.
Eu precisava dizer alguma coisa.
-Consegue falar comigo?
“Oh, boy!” Pensei eu ... “O que posso dizer? Nunca imaginei que um dia ia passar por isso na minha existência! Nunca imaginei precisar falar alguma coisa com você! Achei que nunca mais iria vê-la, e que um dia você finalmente iria morrer e eu estaria livre de novo! “ Mas eu não podia dizer aquilo. Nunca.
-Eu… Consigo falar. - Disse eu finalmente.
-Que bom! Estávamos muito preocupados com você… Como está se sentindo?
-Eu sinto que… Estou me desmanchando.
Aquilo era verdade. Eu desmanchava de cansaço, eu desmanchava de vergonha, eu desmanchava de pavor. Eu gostaria mesmo era de sumir dali, de leve, e nunca mais voltar. Um ceifador me levar de novo seria uma boa pedida agora. Será ainda que havia algum disponível?
Tentei me levantar outra vez, e ela novamente me obrigou a deitar.
Sua mão suave no meu peito, me empurrando com firmeza, me dava milhões de choques.
Por que ela estava ali? Como ela foi parar ali? Eu não queria acreditar. Ela não estava numa Arena da Lua?
-Não se levante, Amikoh. Você está fraco ainda. Logo a Jow vai chegar aqui e vai te dar outra carga daquelas dela, e você logo melhora. Aí sim, você pode tentar se levantar. Enquanto isso… Converse um pouco comigo. Vamos nos conhecer… O que foi? Está muito fraco para conversar comigo?
Eu estava fraco sim, e não tinha nenhuma intenção de conversar com ela. Eu só queria que ela fosse embora e nunca mais voltasse. Mas isso não seria justo com a Jow. Talvez eu devesse ir embora dali, e nunca mais voltar. Quando eu seria livre de novo, afinal?
Eu apenas fiz que sim com a cabeça, e para minha surpresa, ela deu uma risada, igualzinha às risadas da Jow. Levou a mãos à minha cabeça e ajeitou os meus cabelos. Claro, eu deveria estar parecendo com um porco louco espinhudo e esquisito, era o que eu merecia por estar ali desprotegido, na frente daquela mulher. Olhei para mim mesmo, desejando: “Esteja vestido, por favor, esteja vestido, esteja vestido! “ Eu olhei para mim e vi aliviado que pelo menos estava vestido. Meu terno branco de nuvem parecia amassado e sujo, mas eu não estava nu como o garoto de água andava pela praia, naquela época.
Nesse momento, North apareceu com Kazai e Sion. Ele sorriu para mim e me deu um cascudo, como eu costumava fazer com ele.
-Finalmente, Tio Ventinho, está de volta pra gente! Jane… Vejo que agora finalmente conheceu o Amikoh! Ele era o Vento Amigo da Jow…
-Sei. E você era o Mar do Norte.
-Isso! Éramos uma boa equipe, naquele tempo.
-Nunca foram uma equipe! - Disse Sion irritado - Deixe o Silfo em paz, Moleque, ele precisa se recuperar! Ainda não faz ideia do que aconteceu.
Olhei sem graça para Jane que ria, seu sorriso iluminando o mundo. Ela era toda luz. Meus olhos brilharam ao olhar para ela.
Mas infelizmente, para completar a minha desgraça, a Kazai interceptou o meu olhar de admiração, e deu seu risinho irritante.
-Hihihi, sei o que está pensando, Silfo!
Eu gelei naquele momento. A linguaruda enxerida e fofoqueira da Kazai ia falar! Eu não podia deixar aquela peste se manifestar!
-Acho que vou dormir de novo… Não estou me sentindo bem… Onde está a Jow? - E fechei os olhos depressa.
Foi por um triz.
Jane levantou-se e disse:
-Vou procurar por ela! A Ykhar está demorando uma eternidade, eu já volto!
Quando ela saiu, eu abri um dos olhos bem devagar e pedi ao Sion e ao North.
-Vocês dois poderiam ajudar a procurar a Jow?
Eles nem piscaram e desapareceram. Ficou a Kazai na minha frente com aquele olhar maroto de quem sabe tudo, que tanto me irritava.
-Você disfarçou muito bem, hihihi!
-Kazai! Não é o que está pensando!
-É exatamente o que eu estou pensando! Eu sempre desconfiei disso!
-Cala essa boca, Salamandra enxerida! Cuida da sua vida!
-Amikoh… Eu já te disse que eu farejo o amor… E o cheiro do seu é inconfundível! Tão… Escondido, tão… Reprimido! Tão puro e… Revoltado!
-Cala a boca Kazai! Não fala mais nada!
-Ah… Mas seu segredo está seguro comigo, Amikoh! Eu não pretendia dizer nada para ninguém… Que o seu grande amor reprimido é a mãe da Jow, hihihi! Sabe, eu cheguei a achar que era a própria Jow… Mas quando vi que você a via como um filha… Eu entendi que era o que você queria que ela fosse… Sua filha… Com Jane, hihihi!
Eu ia bater na Kazai, se ela não calasse aquela matraca! Eu ia matar aquela Salamandra, cortá-la com mil lâminas de vento, se ela não parasse por ali!
-Você não precisa verbalizar isso, Kazai! Guarde para você e nunca mais toque no assunto!
-Eu imagino como isso deve ser horrível para você, Amikoh! Deve sentir-se preso, e logo um Silfo, que precisa tanto de liberdade para existir! O amor faz com que se sinta preso, não é mesmo?
-Mas um dia ela vai morrer e eu estarei livre de novo!
-Puxa, você não prefere enfrentar isso logo de uma vez, Amikoh? Vai demorar muito para a Jane morrer! Ela é a última descendente viva da Deusa!
-Você está ficando maluca, Kazai? Mais do que você já é? Agora cala essa boca e some daqui!
-Mas se ela te desse um fora, você se sentiria mais livre!
Agora eu tinha certeza de que iria bater muito na Kazai, e me sentei na maca, a hora em que a Jow entrou com Ykhar e Jane.
As duas iluminaram a enfermaria com a luz delas.
Jow se atirou nos meus braços e começou a chorar.
Coitadinha! Coitadinha da minha pequena melequenta! Como ela estava sofrendo por minha causa, isso não era justo!
-Oh, melequenta! Quando foi que começou a chorar? Eu não sabia que você podia fazer isso!
-Amikoh! Você está bem? Diga que está bem! Minha mãe disse que você despertou e que depois começou a se sentir mal de novo!
Coitada da Jow! Eu a abracei, e ela me apertava, como se eu fosse uma almofada. Ela estava tão diferente… Sua energia, tão mais forte, e com um perfume tão estranho! Eu tinha que falar com ela sobre aquilo depois…
-Eu queria tanto que vocês se conhecessem! - Disse a melequenta, para a Jane - Amikoh é como se fosse um pai pra mim, ele é meu pai elemental!
-Eu sei, filha… Você já disse. Tem uma família muito peculiar… Um pai Fantasma, um pai Silfo, um pai Fauno… Um avô Gnomo… Uma irmã Salamandra… Um noivo Elfo, outro noivo Ondina… - Disse ela olhando para North, que ficou sem graça demais.
-Noivo? - Perguntei curioso - Essa aula eu perdi…
Nesse momento, Ezarel entrou com o pai da Jow. O noivo Elfo, com o sogro fantasma, aquilo era mesmo uma loucura!
Eles chegaram perto de mim e me cumprimentaram, animados… Todos estavam felizes por eu estar ali. Eu não sabia que era tão querido assim. Aquilo era obra da Jow, com certeza.
-Vou te dar mais energia! - Gritou ela, animada, e antes que eu pudesse falar qualquer coisa, ela me acertou com uma bola de energia dourada que quase me eletrocutou. Meu corpo etéreo deixou de ficar transparente e eu me senti perfeitamente restabelecido.
Era tudo o que eu precisava para sair dali. Pelo menos, a Kazai estava quieta.
-Posso ir agora? - Perguntei, ansioso para sair de perto de Jane.
-Espere um pouco, Amikoh… - Falou Sion - Vamos te contar o que você perdeu, antes de você sair por aí ventando! Afinal, a Jow arriscou tudo, invocando um ceifador para resgatar você, e o mínimo que você pode fazer por ela é sentar seu traseiro aí e ouvir o que aconteceu depois.
-Sion, como você é rabugento! - Defendeu Jane, me deixando roxo de vergonha - Ele acabou de acordar, tenha paciência com elezinho!
-Eu gostaria de ouvir… - Disse eu, extremamente sem graça - Conte tudo o que aconteceu… Pode continuar, Sion…
E o Gnomo velho e rabugento contou, me atualizando sobre tudo.
Agora sim. Agora eu podia fugir dali.*****
Uma vez completamente restabelecido, Amikoh agradeceu Jane pelo cuidado, e teleportou-se dali com Jow e os outros elementais.
Jow os conduziu para o porão.
O cadáver de Amin estava caído na gaiola, e alguns guardiões já estavam ali para fazer a limpeza, a pedido de Ezarel.
-Preciso voltar para a Costa de Jade. A maior fenda encontra-se lá no Templo da Aldeia Brownie. E é por lá que eu vou entrar. - Anunciou ela, solenemente. - Mas nenhum de vocês virá comigo.
-O QUÊ???? - Berrou North - Claro que vamos!
-Não. Quero que cada um de vocês fique junto a uma fenda, por onde bichos possam sair… E por onde eu possa sair. Posso precisar de ajuda, depois que sair de lá. Vocês têm que fazer isso por mim!
-O que está pensando em fazer, Jow? - Perguntou Amikoh - O que fará lá dentro para fechar as fendas?
-Vou explodir algumas lagostas e espalhar a gosma delas nas fendas.
-Vai explodir todas as lagostas? Porque senão não vai dar pra fechar todas as fendas! - Continuou North.
-Minha ideia é explodir todas as que estão lá dentro.
-E como vai sair? - perguntou Kazai - Se fechar todas fendas, por onde vai sair?
Jow olhou para Sion, e respondeu.
-Pretendo sair ao mesmo tempo que estiver fechando a última. E ela pode estar em qualquer lugar, acredito que saia por uma dessas aqui, em Eel.
-Isso não vai dar certo! Isso é muito arriscado, Jow! Eu não quero que faça isso!
-North, eu tenho que fazer isso. E eu vou fazer… Vocês reclamam que eu não conto as coisas, mas é por isso! Quando eu conto, vocês querem amassar meu cano! Não me atrapalhem por favor! Me apoiem, tá legal?
-Impossível apoiar uma coisa dessas, Jow! Não assim, não sem uma estratégia! Acha que é só entrar lá e explodir lagostas, sem ter certeza de que isso vai dar certo? - Berrava North - Já está amanhecendo, vamos reunir o conselho, vamos expor o seu plano, contar tudo o que aconteceu, e escutar os outros! Pelo amor da Deusa, Jow, faça isso por nós!
-Ele tem razão, Bebê… - Falou Kazai, pensativa - Pode haver mais alguma ideia, já que há novidades…
-Muitas novidades. Ykhar tem novidades! - Disse Sion - E ela deve antes explanar suas descobertas para todo mundo. O Moleque tem razão. Vamos reunir o conselho agora pela manhã. E nos prepararmos para que você vá à Costa de Jade depois.
Jow viu que estava vencida… Mesmo porque dependia de Darien para levá-la rapidamente por um portal. Então concordou.
-Está bem. Vamos reunir o conselho e ouvir os outros… Isso não deve demorar. - E abraçou Amikoh de novo - Que bom que agora está aqui comigo! Eu não suportaria perder você, Amikoh!
Ele sorriu e retribuiu o abraço.
-Eu estou feliz em estar aqui para você, Jow. E obrigado por me resgatar!
-Eu só fiz meu trabalho! O Sion ajudou!
-Agora chega de Mimimi! - Reclamou o Gnomo - Vamos reunir o conselho, já amanheceu, todos já podem acordar! Tem gente que nem dormiu!
E se teleportaram para o grande Hall, onde alguns guardiões já se dirigiam ao refeitório. Ykhar saiu da enfermaria, desceu as escadas como louca e encontrou-se com eles. Quando foi informada de que o Conselho deveria se reunir, ela disse:
-Sou a mensageira de Eel! É a minha função reunir o Conselho! Podem deixar isso comigo!
E saiu dali, correndo como sempre, para ir acordar a Miiko.*****
Após todos terem sido atualizados dos acontecimentos da noite, Miiko declarou.
-Essa deveria se chamar a reunião dos inconsequentes! Temos aqui uma pilha de irregularidades que só de serem pensadas já acarretariam em punição!
-Sim… -Disse Nevra - Mas onde estavam todos, quando as coisas deveriam ser feitas? As decisões tomadas por eles foram tomadas quando não havia ninguém para decidir. Ninguém pode ser questionado a respeito.
-Não estou questionando o mérito, Nevra… - Reclamou Miiko - Estou questionando a forma como as coisas foram feitas! Jow executou um prisioneiro que…
Mas Ykhar a interrompeu.
-Jow fez o que deveria ter sido feito há muito tempo, e que vocês, não se sabe o porquê, procrastinaram em fazer! Se o nojento do Kratos tivesse sido levado pelos ceifadores quando morreu, ao invés de ter sido promovido a Oráculo pela nossa Oráculo e pela Deusa treteira… - E Ykhar começou a tremer de raiva - Meu Valentim não estaria naquele estado! Grimm nunca teria saído da prisão e não teria possuído o Valentim, nem queimado a nossa pesquisa!
-Mas a Oráculo e a Deusa fizeram o que acharam certo, Ykhar! - Defendeu Miiko.
-Exatamente! Elas fizeram o que acharam certo, independente de ser a melhor escolha! Agora a Jow fez a mesma coisa, a única diferença, é que foi a melhor escolha!
Todos se olharam, em silêncio. Ykhar estava certa. Ela sempre estava certa.
Os outros membros da guarda reluzente concordavam com a Ykhar. Huang Hua concordava com a Ykhar. Hans concordava com a Ykhar. Mas era compreensível a preocupação da Miiko, e como ela era a líder, e sua decisão poderia atrapalhar o andamento das coisas, Eychi achou que precisava intervir.
-Ykhar está certa. Estamos em um momento de crise. Mas entendemos a preocupação da Miiko, em preservar as decisões da guarda… Mas Miiko… Você concorda que foi a melhor escolha?
Miiko suspirou.
-Sim, concordo.
-Então pra que esse Mimimi? - Perguntou Sion - Vamos ao que interessa! A Pirralha não executou o Kratos, ele já estava morto. Ela apenas sugeriu que o ceifador o levasse, ao invés de levá-la… Levar o Amin foi apenas um efeito colateral.
-E ele não tinha mais volta… - Disse Leiftan - Todos concordam com isso?
Todos assentiram.
Uma vez a paz reinando novamente na sala do cristal, Ykhar assumiu as rédeas da reunião.
-Então estamos todos de acordo!!!! Vamos ao que interessa! - Disse ela, espalhando suas traduções sobre a mesa - Estamos livre do Kratos, do Amin, mas ainda não estamos livres do Grimm! E eu não pretendo fazer o Valentim de cela por muito tempo, entenderam? - E olhou para cada um ali e repetiu:- EU PERGUNTEI SE ENTENDERAM!!!!! - Todos assentiram, calados, assustados com a energia de Ykhar - Ótimo! Jow deve voltar imediatamente para a Costa de Jade! Hoje! Agora, se possível! - E Ykhar explicou novamente tudo aquilo que conversou com Jow, a respeito dos mapas e da necessidade de voltar à Costa de Jade.
-Espera um pouco, Ykhar! Calminha aí! Jow, você está de acordo com isso? - Perguntou Ezarel, exaltado - Quem vai junto? Valkyon? Há guardiões da Obsidiana lá ainda, não há? Precisamos enviar mais gente!
Jow balançou a cabeça.
-Estou de acordo. Mas não quero um monte de gente me seguindo. Se o que a Ykhar decifrou é verdade, e se vai haver mais invasões… Quanto menos gente lá melhor.
-Eu vou junto! - Disse Ezarel - Dessa vez eu vou junto, e vocês não vão me impedir!
-Nada disso - Disse Valkyon - Eu já lutei com os bichos. Eu irei com a Jow e levarei a Sheila.
-Eu preciso que fiquem junto às fendas daqui, Ezarel. - Argumentou ela - Porque se eu vou entrar pelas fendas da Costa de Jade, pode haver invasão através das outras, e além do mais, eu não sei por qual eu sairei.
Ezarel ainda estava discordando daquilo, e olhou para North, como se pedisse ajuda. Mas para a surpresa dele, a Ondina não se manifestou. Então ele declarou:
-Eu vou junto, e isso não é negociável!
Nesse momento, Eychi resolveu acabar com o impasse. Tocou o cristal, e as luzes da Oráculo preencheram a sala do Cristal.
A fada aproximou-se de Jow e disse:
“Você está no caminho certo. Apenas faça o que tem que ser feito.”
E desapareceu de volta, para dentro do cristal.
Jow ficou ali, olhando para o cristal, e sentindo um aperto no peito.
A Oráculo confirmou… Devia fazer o que tinha que ser feito. Devia fazer o que estava certa que devia fazer.
-O que foi isso? - Perguntou Hua - E por que ela se foi tão depressa?
-Talvez porque já tenha dito tudo o que tinha para dizer. - Disse Hans, que estava calado até aquele momento - Jow deve fazer exatamente isso, e agora só nos resta preparar a sua ida.
Miiko se deu por vencida, e concordou. Mas Ezarel ainda não concordava.
-Eu quero ir junto! North… Não vai falar nada? Kazai? Sion? Amikoh? Falem alguma coisa. Vocês são os guardiões da Jow! Vão deixá-la ir sozinha nessa jornada? Sem saber o que vai acontecer? Não é possível! Só eu estou preocupado com isso?
-Aceita que dói menos, Ezarel... - Disse a Ykhar, irritada com ele - A Jow já disse que vocês serão inúteis, e não vão! Vocês provavelmente vão atrapalhar ela!
-Ykhar… Quem pediu a sua opinião?
Começou ele, mas antes que a treta prosseguisse, Jow se manifestou.
-Eu irei com o Valkyon e ponto final. Não quero nenhum de vocês comigo, pelos motivos que já estão carecas de saber! Preciso de cada um de vocês junto a uma das fendas, incluindo você, Ezarel! E a gente ainda não pode liberar o Grimm, como vamos dar um fim nele? Vamos pensar com calma para não deixar o espírito de porco dele solto por aí.
Mas Jow disse algo mais para Hans, que somente ele ouviu.
“Precisamos conversar… Antes de eu partir.”
Hans assentiu.
“ Assim que a reunião acabar… Estou à sua disposição!”
-Então a reunião está encerrada! - Disse Jow - Vamos nos preparar!
E segurando Hans, teleportou-se com ele dali, deixando a sua cadeira de rodas sozinha, largada no meio da sala do cristal.
Capítulo 14 - A Última Missão na Costa de Jade
-Estamos combinados? - Perguntou Jow para Hans, que continuava com cara de tacho.
-Ahhh, Jow, eu não posso fazer isso! Não estamos nada combinados!
-Hans… Eu não estou te dando escolha. Pensa só que o destino de todo mundo vai estar nas suas mãos… Não só o da Ewelein, como o destino de todos os outros… Eu vou fazer a minha parte… Só preciso que faça isso por mim!
-E se eu não conseguir? O que te faz confiar tanto assim em mim? Esqueceu que eu ferrei com tudo, fui enganado pela Oráculo, fui um fraco, um idiota?
-Foi mesmo. Mas agora isso já está no passado! Todos nós seguimos em frente, Hans! Somente você está grudado no passado, como uma craca no fundo de um barco! E é exatamente isso que te faz ficar preso também nessa maldita cadeira! Acha que está paraplégico? Então não vai poder sentir isso!
E Jow segurou os joelhos de Hans, fazendo passar uma enorme descarga elétrica pelas pernas dele.
Hans se contorceu em um espasmo de dor, e com o choque, caiu da cadeira.
-Por que você fez isso?
-Se você sentiu, sabe que não está paraplégico! Sabe muito bem, Hans!
-Então… Por que eu não consigo andar? Por quê?
-Porque é um idiota… - Disse ela, saindo do quarto de Hans pela porta, largando-a aberta, enquanto ele ficava no chão - Estou contando com você… Não me decepcione.
Hans ficou ali, olhando com raiva para a porta aberta por onde ela saiu, e berrou.
-Podia pelo menos ter fechado a porta!
E ele, sem saber como, bateu violentamente a porta, de onde estava, no chão.
Espantado com aquilo, Hans pensou que Jow poderia estar certa. Ele estava descobrindo habilidades que nunca antes tinha experimentado, e somente agora, com a sua incapacidade e com a explosão das emoções, estavam despertando.
-E se eu falhar, Jow? - Perguntou em voz alta, falando sozinho - E se eu ferrar tudo de novo? Isso não é justo, você não pode deixar essa responsabilidade comigo! E nem me pedir para guardar mais segredos, num momento desses! Sua idiota!
Jow escutou muito bem o que Hans gritou para ela de dentro do quarto, e quando percebeu que ele bateu a porta com o poder que tinha, ela deu um sorriso vitorioso.
Somente ele, e mais ninguém, poderia fazer aquilo por ela… E por todos. Jow confiava em Hans e sabia que ele seria capaz. Ela dependia dele… Porque sabia realmente que podia precisar da energia negra dos demônios que Grimm carregava com ele.
Ezarel encontrou-se com Jow no corredor das portas. Ele estava tentando falar a sós com ela, desde que ela saiu da sala do cristal com Hans.
-Ah! Maldita! Venha comigo agora mesmo!
-Para onde?
-Para o meu quarto, onde mais seria? Preciso falar com você sozinho, e não quero ninguém no meu pé!
E puxou Jow de volta pelo corredor das portas, entrou no seu quarto e trancou a porta.
-O que está pretendendo, Maldito? - Perguntou ela com um sorriso divertido no rosto - Queria ficar sozinho comigo? Assim, tão cedo? O que tem em mente? - E passou os braços ao redor do pescoço do Elfo.
Ezarel sacudiu a cabeça, afastando Jow devagar.
-Não é nada disso, Jow… Estou muito preocupado com você! O que está acontecendo? Me conte, por favor!
Ela revirou os olhos, e apontou para todos os lados.
-Isso tudo não é o bastante?
-Não estou falando disso! Estou falando de você! O que está acontecendo com você? Por favor, me fale a verdade!
Jow sentou-se na cama, irritada.
-Não sei do que você está falando… Pode ser mais específico?
Foi a vez de Ezarel revirar os olhos.
-Você quer jogar esse jogo, então vamos jogar esse jogo! Você está diferente, Jow… Eu sinto que está… Mas não sei explicar o que está havendo.
-Talvez eu esteja passando por uma metamorfose inversa… - Debochou ela - Eu estou deixando de ser uma borboleta e me transformando em uma lagarta… E estou achando isso ótimo. Depois que tudo isso acabar, você vai achar bom também.
Ezarel sacudiu a cabeça, e sentou-se ao lado dela.
-Jow, eu não sei o que fazer para te ajudar… Tenho certeza de que alguma coisa está muito errada, porque você não conversa comigo?
Ela sorriu, e abraçou Ezarel com força, fazendo todos os sentidos dele esquentarem ao seu toque.
-Ezarel… Eu me sinto… Incompleta. Mas tenho certeza de que você tem o que falta para me completar. Não se preocupe… Prometo que voltarei ao normal, se você me ajudar, e se fizer tudo direitinho, tudo o que eu te pedir.
-Como assim?
-Quando eu voltar dessa missão maluca, Ezarel, a gente vai poder conversar direito. Você simplesmente me devolve a Blêmia, que está tão bem guardada com você, e poderemos viver felizes para sempre… Só nós dois.
-Então… - Disse Ezarel com um brilho no olhar - Então, quer dizer que quando você voltar…
-Eu ficarei com você, Ezarel. Poderemos viver em paz, finalmente. Só eu e você.
Ezarel abraçou Jow e deu um beijo nela.
Mas não durou muito. Jow levantou-se e disse.
-Não se esqueça de cuidar da nossa tartaruga, como se a minha existência dependesse disso! Eu só ficarei com você, se quando eu voltar, você me devolver ela inteira!
Ezarel riu das palavras da Jow.
-Sim, prometo… Vou colocar o colar no seu pescoço, como se fosse um selo de compromisso, hahaha!
-Isso! Ótima ideia, Ezarel! - falou ela rindo - Mas agora eu tenho que terminar alguns assuntos inacabados, antes de partir para a Costa de Jade.
-Jow, sobre isso… Eu já disse que quero ir com você!
-Você não vai! Se não me atender, eu simplesmente não ficarei com você, quando eu voltar!
-Isso não é justo! Você não pode me chantagear assim, Maldita!
Jow riu e soprou um beijo para ele.
-Eu não vou voltar atrás, Ezarel. Espero que cumpra a sua parte no nosso acordo. E não fale sobre isso com ninguém… Ouviu?
-Com ninguém, você quis dizer, com o North?
-Você entendeu. - Disse ela, desaparecendo dali.
Ezarel permaneceu sentado na cama, e sentiu a tartaruga queimar a sua pele, por dentro da blusa, e a puxou depressa para longe. A pedra de jade da qual ela era feita, estava fervendo, como se tivesse saído da forja.
Ele suspirou, deixando o colar para fora da roupa, para esfriar.
“Eu vou atendê-la, Jow. Mais uma vez. Vou fazer o que você pediu… “ Pensou ele. “Espero que você não dê para trás! Porque eu vou cobrar de você essa sua promessa, assim que você voltar!”
Jow deixou Ezarel dentro do quarto, e foi cuidar de mais um assunto inacabado da sua enorme lista. Foi se encontrar com Valkyon na forja para saber quanto tempo lhe restava antes de partirem. Ele estava com alguns guardiões da Obsidiana, que já preparavam as espadas que ele afiou, para a viagem.
-Toda essa gente vai? - Perguntou ela, aborrecida - Eu acho melhor levarmos o mínimo de gente, Valkyon.
-Nem todos eles vão. Vou levar apenas alguns conosco… Podemos precisar, se houver luta. Eles lutaram contra esses bichos antes. Já sabem o que fazer… E o que não fazer.
Ela deu de ombros. Valkyon era o General. Ele decidia.
-Quanto tempo falta para sairmos?
-Uma meia hora, no máximo.
Jow assentiu, e saiu. Teria tempo para falar com os outros elementais… E convencer North a ficar. Porém, não era só com eles que ela precisava combinar algumas coisas.*****
-Você entendeu, mãe? Entendeu o que precisa pedir para Tsukiko?
-Entendi, Jow.
Jane tinha o olhar preocupado, enquanto Mark sorria tranquilo.
-Vai dar tudo certo, mãe. Apenas fale com ela como combinamos, eu conto com você e com a Huang Hua para isso… E vocês estarão com o Sion, ele acha que deve incluir os velhos anciões elementais no processo, senão vai tudo dar para trás!
-Ela vai nos atender, tenho certeza. - Disse Jane - Nosso argumento é muito bom, completamente indiscutível. Mas eu estou preocupada com você!
-Ahhh, eu vou ficar ótima! Vou explodir as lagostas, vou fechar as fendas…
-E depois…? Perguntou ela, apreensiva.
- Mãe, tudo vai dar certo, eu nunca tive tanta certeza de alguma coisa na minha vida! É só vocês fazerem conforme planejamos!
-Huang Hua quer que a gente saia assim que você partir com o Valkyon. - Disse Mark.
-Acho uma boa ideia. Assim, quando tudo estiver resolvido, vocês já estarão falando com eles.
Jane abraçou Jow, e depois deu umas sacudidas nela pelos ombros.
-O que está fazendo, mãe?
-Estou vendo se cai algum juízo da sua cabeça, mas vejo que não, porque não há nenhum aí!
-Hahahaha! Mãe, você não muda. Não precisa se preocupar, eu não preciso de juízo, hahaha! Só preciso fazer o que é certo e pronto!
-Espero que sim, Jow! Você é meu bebê, sabia? Vai sempre ser o meu bebê! - Disse Jane, enquanto as lágrimas desciam.
-Eu vou continuar sendo seu bebê, mãe… Já te disse isso! Coragem, dona Jane, não chore! Nem parece uma Deusa! - Brincou Jow, beijando a mãe.
-Eu cuidarei para que ela faça tudo direitinho… - Disse Mark - Vai trabalhar, filhinha, e não demore pra voltar!
-Isso vai depender de vocês, pai… Só de vocês. - E abraçou Mark com força, se teleportando dali.
Mark e Jane se olharam, e também se abraçaram.
-Chega de choro, Jane! Vá arrumar suas coisas, porque a nossa viagem vai ser longa!*****
Jow entrou na enfermaria, onde Ykhar estava sentada ao lado de Valentim.
-Ykhar, antes de ir, preciso falar com você…
-Esqueci alguma coisa? Fala Jow! Eu esqueci de te contar alguma coisa? Porque podemos repassar os mapas, e os manuscritos, e…
-Não, Ykhar, não esqueceu nada! mas eu preciso saber de uma coisa importante… Até onde você estaria disposta a ir, para salvar o Valentim?
Ykhar respondeu sem nem piscar.
-Até onde for preciso! O que tem em mente? Diga que eu faço!
Jow sorriu, e abraçou Ykhar.*****
-Eu não vou ficar aqui, Sion! - Berrava a Ondina, andando de um lado para outro. A superfície do seu corpo parecia ondular, como um maremoto. O Gnomo viu que ele tinha espuma nas pontas dos cabelos, e isso só acontecia quando North não conseguia controlar suas emoções.
-Calma, Moleque! A Pirralha disse que é para ficarmos junto às fendas, porque ela vai sair por alguma delas! Pode precisar de ajuda!
-Ela não precisa de nenhuma ajuda, Sion! Você sabe muito bem disso! Ela só quer a gente longe dela, pra poder fazer todo tipo de insanidade que imaginar! E eu não tô entendendo você, por que você não fica do nosso lado?
Sion bateu com o cajado na cabeça dele.
-Eu estou do lado de vocês, Ondina Estúpida!
-Não está não, Sion! - Disse Kazai - Está só apoiando a Jow, e nem está questionando o que ela diz… Mesmo que seja uma doideira!
-Eu estou fazendo o que eu acho certo, Salamandra!
-Nós também estamos! E estamos querendo ir junto com ela! - Falou Kazai, irritada - Estou muito desconfiada disso, o que aconteceu naquele porão que você não está nos contando, seu Gnomo velho?
Sion sacudiu o cajado e Muah sibilou.
-Nada! Não aconteceu nada que precisem saber! Agora não me aborreçam! Apenas façam o que a Jow mandar!
E desapareceu numa nuvem esverdeada e sulfúrica.
Kazai olhou para North, que estava irritadíssimo, e tentou acalmá-lo.
-Tente ficar um pouco mais tranquilo, Bebê… Antes dela ir, a gente tenta explicar o porquê de nós querermos ir com ela…
-Até parece… Ela tá muito esquisita! - E olhou para Amikoh, que parecia alheio à discussão, olhando para o céu, distraído. - Fala alguma coisa, Amikoh! Vai ficar do lado de quem?
O Silfo despertou dos seus devaneios e sorriu para North.
-Eu vou fazer o que a Jow quiser… A última coisa que eu quero é uma briga que faça as paredes dos mundos ruírem mais depressa. Se a Melequenta disse que precisa de nós na entrada das fendas, eu ficarei na entrada das fendas. Se ela disser para eu ficar dentro de uma panela, eu entrarei na panela, North. Simples assim!
North bufou irritado.
Nesse momento, Jow apareceu junto a eles.
-Há! Chegou em boa hora! - Disse ele para ela - Estávamos aqui discutindo o seu pedido absurdo!
-Qual deles? - Perguntou ela - Me ilumine…
-O de ficarmos aqui, enquanto você vai fuçar nas fendas da Costa de Jade!
-Ah, esse… Sim, preciso que fiquem aqui. Todos vocês.
-Mas nós não vamos ficar!
-Ah é? E quem você está chamando de… Nós?
-Eu e a Kazai!
Jow olhou para o Amikoh, que encolheu os ombros, como se dissesse… “Não tenho nada com isso…”. Depois olhou para Kazai, que também estava agitada, com os cabelos de fogo se espalhando ao seu redor.
Estava na hora de ter uma conversa particular com a Kazai… Antes de conversar com North.
-Pois bem! Vou explicar para os dois revoltados por que eu preciso que fiquem…
-Ótimo, Bebê… Estamos esperando.
-Venha comigo, Kazai! - E segurou a Salamandra pela mão, desaparecendo com ela.
North ficou ainda mais irritado com a atitude dela. Conversando em separado, Jow conseguia desuni-los, e acabava convencendo todo mundo.
Voltou a andar de um lado para outro, deixando Amikoh nervoso.
-Pare de andar assim, Garoto! Sente-se e se acalme!
-Eu não quero me acalmar, Amikoh! Quero que a Jow pare com a palhaçada! Pra que foi sumir com a Kazai?
-Ela tem os motivos dela.
-Ah, é? E quais são, pode me dizer?
-Não me interessa, North. Devem ser motivos ótimos.
-Por que você tá agindo assim, Amikoh?
-Porque todas as vezes que eu fiz alguma coisa que eu achava certa, acabei me ferrando. Vou seguir alguém, para variar. Vou seguir a Jow, para variar.
-Isso não é variar! Isso é… Avariar!
Mas mal acabou de falar, Jow retornou com a Kazai, e estendeu a mão para North.
-Vamos?
A Ondina não esperou ela terminar a frase, agarrou a mão dela, e a teleportou para a cascata.
North segurou Jow pelos ombros e a virou de frente para a cascata, apontando a queda d'água.
-Olha pra essa cachoeira, Jow! Tem uma fenda aqui, tá vendo ela? Ah, não? Pois é, nem eu! Então como vai sair por um desses buracos, se nem dá pra ver eles? E não vem com essa de que precisa da nossa ajuda, porq….
Jow segurou o rosto de North e deu um beijo nele, fazendo com que ele calasse a boca.
A Ondina sentiu- se fraquejar na mesma hora, e perdeu toda a vontade de brigar. Abraçou Jow mais apertado e deixou seu corpo misturar-se ao dela.
-Assim é que eu quero passar esses momentos com você, Mar do North, e não discutindo.
-Mas Jow…
-Me deixa falar! - Disse ela, tampando a boca de North com a mão - Eu preciso falar, escuta!
Ele sacudiu a cabeça desanimado.
-Fala logo, droga!
Jow sentou-se na beira da cascata e o fez sentar-se ao seu lado.
-Eu já expliquei porque preciso que fiquem aqui, North… Por que é tão difícil entender?
-Porque da última vez que você fez isso… Você… Você… A Deusa te levou daqui! E não vem com a conversa fiada de precisar da nossa ajuda, Jow, porque você não precisa da ajuda de ninguém!
-Exatamente! Eu não preciso da ajuda de vocês lá, eu sei exatamente o que preciso fazer para acabar com essa doideira toda! Então, por que você não fica bonzinho e faz o que eu estou pedindo, Mar do Norte?
-Porque alguma coisa errada não está certa!
-Como assim, North?
-Você não está com a sua energia normal!
-Claro que não, North! Estou absorvendo toda a energia dos mundos e logo logo, não haverá mais mundo, se eu não tomar uma atitude!
Ele calou-se, sem achar outros argumentos.
Jow abraçou North de novo e o segurou junto a ela, absorvendo a energia dele. Sabia que ele ficaria fraco, e não teria forças para resistir e nem para discutir.
-North, eu juro pra você que quando eu voltar, tudo será diferente… Eu prometo!
-Como assim, tudo será diferente?
Jow segurou a mão dele e mostrou a aliança de gelo verde, que estava no dedo dele.
-Quando eu voltar, apenas me devolva o anel, que eu te disse que é parte de mim. Apenas coloque ele no meu dedo, North, e a gente vai poder viver em paz.
-Eu já disse que vou devolver! Eu fiz ele pra você!
-Sim, ele é nossa aliança de compromisso.
-Não é uma aliança!
-Nosso anel de compromisso… - Falou ela rindo. - Quando eu voltar, coloque ele no meu dedo para selar nosso compromisso…
-Eu já prometi que vou fazer isso.
-E depois que fizer isso, eu vou aceitar o compromisso com você, North. E vamos viver em paz, só eu e você.
-O QUÊ???? O QUE VOCÊ DISSE?????
Jow riu mais uma vez da cara engraçada dele. As pontas dos cabelos dele pareciam ondas batendo na areia, de tanta espuma que tinha.
-Fique calmo, Mar do Norte. Você me entendeu.
-Eu não sei se eu entendi direito! Me explique!
-Você entendeu sim. Eu não preciso explicar nada. Mas você quer ouvir de novo? Vamos viver em paz, Mar do Norte, só eu e você.
-Então você… Vai ficar comigo? Digo… Só comigo?
-Sim, eu vou. Vou ficar só com você. Mas ninguém deve saber disso.
-Ninguém é Ezarel?
-Ninguém é todo mundo, North. Não fale nada pra ninguém. Não quero que ninguém se meta na nossa vida.
North sacudiu a cabeça, sem acreditar no que estava ouvindo.
Jow estava ali, na frente dele, dizendo que o havia escolhido, que ficaria com ele, e ele só conseguia pensar em como o Ezarel ficaria pistola, e qual seria a reação do Elfo!
E olhou para cima, como fazia quando não sabia o que dizer.
-Mas eu tenho uma condição, North… - Disse ela, interrompendo os pensamentos dele.
-Eu sabia! Eu sabia que isso não ia sair barato!
-Cale a boca e me escute! Minha condição é que você fique aqui, e cuide da fenda submarina! Ninguém pode fazer isso, somente você, North!
-E se eu não aceitar?
-Se não fizer o que eu estou pedindo, nem precisa me devolver o anel.
-Você não está falando sério!
-Eu estou falando sério sim! Se não me atender, eu não ficarei com você!
-Mas se você realmente tivesse a intenção de ficar comigo porque me ama, não estaria falando isso!
-Não dificulta as coisas pra mim, North! Você tem dois segundos para me responder… Olhe para mim, não olhe para cima! Olhe nos meus olhos e diga se vai jogar essa chance fora!
North olhou nos olhos dela e respondeu na hora.
-Eu não vou jogar essa chance fora!
Jow abraçou North e perguntou de novo.
-Vai ficar aqui em Eel?
-Sim, eu vou ficar, Jow.
-Obrigada!
-Agora me dá outro beijo, antes que eu mude de ideia!
E puxou Jow para si e deu outro beijo nela.
Ele sentiu que ela estava drenando a energia do seu corpo etéreo, a ponto dele ficar quase transparente. Mas não se importou. Porque nada mudaria sua determinação do que ele pretendia fazer.*****
Miiko dava as últimas recomendações para Valkyon, no estábulo. Ele montava Sheila, e carregava Jow na garupa. Meia dúzia de guardiões da Obsidiana os acompanhavam.
-Darien! Descarregue-os e retorne imediatamente! E quanto a vocês, não se excedam! Tenham cuidado! Valkyon, não entre na fenda! Não deixe nenhum dos guardiões entrar! Vocês estão indo para proteger a aldeia Brownie! Deixem a Jow cuidar das fendas!
-Eu sei, Miiko… - Disse ele com a maior calma do mundo - Eu sou grande demais para entrar lá…
Todos estavam prontos, e Darien abriu o portal para a Terra, num deserto distante. Jow acenou para Ezarel e North, com um grande sorriso no rosto, e a aura dourada acesa.
Assim que atravessaram para a Terra, Darien abriu outro portal para a Costa de Jade, e o primeiro se fechou.
-Vamos! Posicionem-se junto às fendas, como a Jow pediu! - Disse Miiko - Ezarel, para a fenda do porão! Kazai, na fenda da Cascata! Amikoh, na fenda da cozinha! North, na fenda submarina! O que estão esperando? Vão logo!
Todos obedeceram, e nem se ligaram de que Sion não foi designado para nenhuma fenda. Miiko olhou para ele, e fez uma reverência com a cabeça. Sion acenou, e ofereceu o braço à Jane, seguindo Huang Hua até a grande porta, onde Mark esperava com os Rawists.
Tem tudo pronto? - Disse Miiko para Hua - Os Rawists estão preparados?
Huang Hua fez que sim com a cabeça, e abraçou Miiko.
-Pode ser que demore um pouco para nós nos reencontrarmos, minha querida… - Disse ela, com tristeza - Mas eu espero que assim que as coisas se acalmarem, você possa ir me ver no Templo da Fênix.
Miiko apertou Hua no abraço.
-Eu irei, Hua. Pode me esperar com uma mesa enorme de doces, que eu irei! E onde está o Karuto? Ele está atrasando vocês! Estou quase mandando vocês sem ele, e depois ele os encontra lá! - Exclamou Miiko, irritada.
Nesse momento, Karuto chegou correndo, todo vermelho, suado e carregando uma enorme mochila de acampamento.
-Desculpem, desculpem! Estava dando as últimas ordens na cozinha antes de ir. Ahhh, Miiko! Como isso aqui vai ficar sem mim? Me explica! Por que está me mandando viajar assim, tão de repente?
-Hua vai explicar no caminho, Karuto. Sua missão lá será uma das mais importantes, você vai ver.
-Será cozinhar para Feng Zifu??? - Disse ele, com um brilho nos olhos - Porque eu espero por essa oportunidade desde que… Que… Isso é… É… Deixa pra lá! - Disse ele, vermelho. -Eu espero não demorar muito lá, senão minha cozinha aqui vai virar uma zona! Eu conheço vocês!
Miiko riu e despediu-se dos outros.
Enquanto se afastavam depressa, ficou olhando para a grande porta, e imaginando o que pensariam dela, se descobrissem a verdade por trás daquela jornada.
Depois sacudiu a cabeça, para espantar os maus pensamentos.
“Estou fazendo o que deve ser feito! Ninguém pode me questionar!”
Miiko foi depressa para a sala do cristal, onde Eychi a esperava para uma última consulta à Oráculo.
Ykhar interceptou Miiko, com os olhos arregalados, quando ela entrava na sala.
A Coelhinha ficou sabendo que haveria uma viagem para o Templo Feng Huang, e não foi informada sobre aquela missão. Logo ela, que era a responsável pelas missões!
-Pra que uma missão na Cidade Feng Huang, Miiko?
-Hua tem uma missão sigilosa, e precisou voltar, e não pôde esperar mais um segundo, Ykhar! Ei! Porque está tão agitada? Pare de pular, Ykhar!
A Coelhinha dava saltos e sacudia as mãos.
-Preciso te pedir uma coisa, Miiko! Isso também não pode esperar! E você não pode me negar!! É um pedido da Jow!*****
Ezarel sentou-se na borda da piscina natural do porão, enfiou a mão na água e sorriu, lembrando-se de como a Jow adorava nadar ali. Ele dois passaram ótimos momentos juntos ali. Depois sentiu-se apreensivo, por não poder estar com ela.
Retirou a mão depressa… A água estava cada vez mais quente.
Nevra e outros guardiões de Eel estavam ali com ele, de guarda.
O Vampiro sentou-se ao lado dele e deu-lhe um tapinha nas costas.
-Anime-se, Elfo! Em breve Jow estará aqui nadando com você novamente! E eu juro que não vai haver a nossa companhia agradável, como hoje… Vocês estarão sozinhos, para… Treinar bastante, hahaha!
Ezarel riu, mas não conseguia se animar.
-Nevra… Se você estivesse planejando ficar aqui conosco, eu daria cabo do seu olho bom. Me diz… O que você acha que vai acontecer?
Nevra deitou-se de costas no chão, e cruzou as pernas, com as mãos atrás da cabeça.
-Não sei, mas não estou preocupado com isso. Seja o que for que aconteça, a Jow vai dar um jeito de acertar as coisas.
-Acha que ela vai conseguir? Como você tem tanta certeza? Se nem eu tenho!
-Mas deveria ter. Você conhece muito bem a mulher que tem. Se ela diz que vai acertar tudo, é porque ela vai mesmo! Deveria acreditar nela, e parar de se preocupar com as coisas que você não pode mudar. Preocupe-se em fazer a sua parte, Ezarel! Vamos dar o melhor de nós, e aconteça o que acontecer, vamos proteger o quartel com as nossas vidas, se for preciso!
Ezarel fez uma careta.
-Não estou pretendendo morrer, Nevra! Você só fala isso, porque é um vampiro, seu morto-vivo maldito!
Nevra riu e fechou os olhos. Por mais que Ezarel reclamasse, ele sabia que Nevra estava certo. Aquela tranquilidade do Vampiro foi contagiando todos os guardiões que estavam ali com ele, e por mais que se mantivessem alertas, eles foram se descontraindo devagar.
Esperar por uma ameaça que poderia nem acontecer, detonava os nervos de qualquer um.
Mas era como Nevra disse. Não podiam fazer mais nada, além de esperar, e dar o melhor de si, quando fosse a hora.*****
-Fiquem todas a postos, e prestem atenção se o padrão dessas bolhas mudar. - Dizia North para as sereias sentinelas do Clã de Enthraa. Eles estavam em frente ao grande coral que tinha a fenda submarina.
Ele dava ordens como se fosse o líder delas, e elas acatavam as orientações dele, como se North fosse um General.
Ter sido o responsável pelo descobrimento das fendas dava a North um status que ele não pediu, mas já que era assim, ele sabia como se aproveitar daquilo.
-Você acha que vai sair algum ser daqueles aqui dentro da água, North? - Perguntou Enthraa.
-Eu não acho provável… Mas a Jow disse que pode precisar de ajuda, se for sair por uma das fendas de Eel, então não temos escolha, a não se ficar aqui de olho nelas. O que eu também não acho provável. A Jow não precisa de ajuda com isso.
-Ficaremos aqui. Pode ir, North. Cuide da sua garota. Boa sorte. - Disse a Sereia sorrindo para ele.
North acenou com a cabeça e partiu. As sereias dariam cobertura para ele fazer o que estava planejando desde cedo… Encontrar-se com Jow na Costa de Jade.
Ele fingiu aceitar as condições dela, mas já tinha decidido que ia atrás dela.
Se depois daquilo tudo, Jow não quisesse ficar com ele por causa disso, ele entenderia que ela simplesmente não o amava mais. A cabecinha de North funcionava simples assim.
Mesmo arriscando tudo, North achava que estava fazendo a coisa certa, não deixando Jow sozinha numa jornada daquelas, que não estava parecendo que ia terminar bem. Ele queria estar ao lado dela. Ele sabia que ela não precisava dele lá… Mas ele precisava estar ao lado dela.
“Vocês iam me atrapalhar!” - foi o que ela disse, para justificar suas mentiras, quando decidiu invocar o ceifador pelas costas de todos. Mas North acreditava que não ia atrapalhar ninguém.
Ele simplesmente precisava ficar ao lado dela… Uma última vez… Antes do “Felizes para Sempre”... Se é que isso ia acontecer algum dia.
Transportando-se pela água, numa velocidade impressionante, North transferia as moléculas do seu corpo etéreo através das águas da baía de Eel.
Se conseguisse ter energia para continuar naquela velocidade, no máximo em uma hora estaria na Costa de Jade.*****
Kiyoto andava de um lado para outro na plantação destruída, e não encontrava nenhum bicho.
-Eles trocaram de casca, Kiyoto! - Gritava Chrome - Eles crescerem e trocaram de casca! E comeram toda a plantação!
As peles abandonadas na entrada da plantação levava a um rastro até a floresta.
-Vamos seguir o rastro deles, Chrome. Vamos achar nossas Sheilas!
-Elas devem estar maiores! O que faremos se nos atacarem?
-Elas não vão nos atacar, idiota, somos os pais delas! Por que está com medo? Elas são nossos bebês!
-Pode não ser bem assim, Kiyoto! Elas podem ter trocado de casca e ficado mais selvagens! Quem diria que comeriam a névoa de magia de cima da plantação? Elas destruíram tudo, acabaram com a colheita de cenouras, quando os Brownies virem, vão surtar!
-Pára de mimimi e me ajuda a procurar, vamos atrás delas na floresta. Elas não podem estar longe…
-Podem estar a quilômetros daqui! Elas se teleportam, Kiyoto!
-Mesmo assim, não podemos desistir delas, vamos!
E puxou Chrome pela manga da roupa, se embrenhando com ele na mata.
Enquanto isso, pequenas rachaduras no cristal rosa do Templo apareciam, e se estendiam para as paredes da sala principal.
Uma névoa cinzenta e escura escapava pelos espaços que se formavam na construção, e aos poucos enchiam a sala da grande pedra aquecida.
As sacerdotisas do Templo examinavam as aberturas, e sabiam que alguma coisa muito pior viria a seguir, mas não sabiam o que fazer para consertar aquilo.
-O que faremos, Mãe? - Perguntou uma delas para a Sacerdotisa mãe.
A mais velha suspirou e respondeu.
-Podemos tomar algumas das providências que planejamos. Já mandei um Gnomo avisar os Elementais Anciões, acredito que isso tudo seja o resultado das fendas… Vamos deixar alguns dos Guardiões de Eel aqui nessa sala, porque é dessas fendas que saem aqueles seres horríveis. Não deve demorar para que comecem a sair daqui. Foi por isso que pedi para que vocês treinassem com os Guardiões da Obsidiana que ficaram aqui conosco. Podemos formar equipes e ajudá-los na defesa do Templo e da Vila.
As Sacerdotisas assentiram, se organizaram em grupos, e junto com os Guardiões de Eel, formaram patrulhas.
Uma mensageira foi enviada à Aldeia Kappa e outra ao Templo da Praia.
Todos deveriam estar de prontidão para uma possível invasão da Ilha pelos seres das fendas.
Quando o Portal de Darien se abriu na periferia da Vila, e dele saíram mais Guardiões de Eel, acompanhados por Valkyon e Jow cavalgando Sheila, os aldeões se assustaram. Não esperavam por aquela cena.
Jow pulou do lombo de Sheila e foi para o Templo conversar com as Sacerdotisas.
Valkyon encontrou as patrulhas formadas em conjunto com as Sacerdotisas, e ao ser informado de que o Cristal rosa estava sendo afetado pelas rachaduras, não teve dúvidas.
-Isso com certeza foi causado pela expansão do mundo intermediário. Nós estamos prevendo que haverá muita confusão aqui. Vamos evacuar a vila, aqui será o centro da batalha. Devemos retirar todos os moradores daqui.
-Vou avisar a Mãe imediatamente! - Disse uma das Sacerdotisas - Organizaremos a saída dos moradores agora mesmo. - E saiu correndo para o templo.
Valkyon foi pessoalmente até a casa da família da Ykhar e avisou à sua irmã que deveriam deixar a casa.
Quando as crianças viram Sheila, correram para ela e a abraçaram.
O bicho deitou-se e, ronronando como um gato, aproveitou os afagos das crianças.
Na sala do Cristal Rosa, Jow examinava as rachaduras da pedra e das paredes.
-Sim, essa névoa vem do mundo ressonante. - Declarou ela à Sacerdotisa Mãe. - Sabemos que a maior fenda está aqui, Mãe. E é por aqui que eu devo entrar para tentar fechá-las.
-Então não é melhor fazer isso logo, Jow? Antes que ela aumente? Entre na fenda!
Jow assentiu, e tentou entrar na fenda pelas rachaduras da parede. Mas o fluxo de energia que saía a empurrava de volta. Quanto mais força ela fazia, mais energia saía das rachaduras e a empurrava para fora.
-Não consigo! - Disse ela, irritada. - Deve haver alguma outra por onde eu possa passar! Se essa energia parasse de me empurrar…
-Tenha calma, Jow, se não consegue entrar, não adianta forçar. Com certeza há outras, vamos encontrar uma entrada.
Jow suspirou, desanimada, mas sabendo que a velha senhora estava certa. Só lhe restava percorrer a vila, procurando por mais fendas.
Vasculhou todo o templo, e sentiu diversas aberturas por onde chegava energia, mas em nenhuma delas, havia a possibilidade de entrar.
“Eu deveria ter ficado em Eel… Na fenda da cascata, eu consegui passar… “ - Pensou ela. Mas depois lembrou-se de Ykhar. O único motivo para ela ter ido para a Costa de Jade, era a Profecia e a invasão dos bichos, que pelo jeito, não parecia que ia acontecer.*****
-Está vendo alguma delas, Kiyoto? - Perguntava Chrome, já cansado de procurar.
Kiyoto estava em cima de uma árvore alta, e olhava ao redor.
-Não! - Berrou ele lá de cima - Não vejo nenhuma! Vou descer, vamos continuar procurando!
-Ahhhhh! - Reclamou o lobisomem - Não aguento mais! Preciso descansar!
Kiyoto deslizou seu corpo escorregadio pelo tronco da árvore com a habilidade de um macaco, e logo alcançou o solo.
-Vamos descansar quando acharmos nossas Sheilas, rabudo! Vamos procurar só mais um pouquinho, tá? Mais algumas horinhas só!
-Horinhas? Eu tô morto antes disso! - Disse ele, deixando-se cair de costas no chão.
-Fique aí então!
Kiyoto deixou Chrome ali e entrou sozinho na floresta.
-Eu já vou… Deixa eu descansar só um pouquinho… - Murmurou Chrome, de olhos fechados.
Mas alguns minutos depois, quando Chrome já cochilava, o grito escandaloso de Kiyoto o acordou.
-Ahhhhhhhhhhhhh! Larga, larga, solta, desgraçuda apocalíptica!
O jovem lobisomem levantou de olhos arregalados, e correu para a trilha onde tinha visto Kiyoto desaparecer.
Depois de se emaranhar em cipós e vinhas cheias de espinhos, Chrome finalmente chegou a uma pequena clareira onde achou Kiyoto.
Ele estava em cima de uma árvore, e um dos bichos que eles criavam tinha agarrado uma das pernas de Kiyoto com a sua pinça.
O garoto berrava e puxava a perna que sangrava, e o bicho apertava cada vez mais a pinça.
-Me larga, seu fragmento de fiofó cheio de esgoto! Me solta!
Chrome avançou para cima do bicho, puxou seu punhal e subiu nas costas da lagosta, acertando a cabeça dela. Uma gosma esverdeada começou a sair dela, mas mesmo assim ela não largou Kiyoto.
O menino híbrido de sereia - peixe libélula batia sua enorme cauda de peixe na cara do bicho, e nem assim ele soltava.
-Ela vai arrancar a minha perna, essa maldita!
Chrome permanecia furando a cabeça do bicho, o que só serviu para que ele ficasse mais irritado, sacudindo a cabeça, e jogando Chrome de lá de cima.
Para a sorte do lobisomem, ela não tinha mais do que dois metros de altura, e a queda não foi tão dolorosa.
Mesmo machucado, Chrome voltou a subir no bicho, e dessa vez acertou um dos olhos dele.
-Ahhhh tadinha!!!! Você furou um olho delaaaaaa! Seu idiota!!! - Berrou Kiyoto.
O bicho largou Kiyoto e arqueou o corpo para trás, caindo de costas e imprensando Chrome no chão. Ele sentiu-se sendo esmagado e gritou.
-Socooooorooooo!
Dessa vez foi Kiyoto quem escalou a lagosta, que esperneava de barriga para cima, e deu uns bicos na cabeça dela.
-Desculpa meu bebê!!! Mas sai de cima do Chrome, sai, sai logo!!!
O bicho começou a guinchar, com seus uivos ultrassônicos ecoando por toda a floresta.
Chrome rolou para o lado, saindo debaixo do bicho e os dois correram para longe, se embrenhando mais e mais na mata, até toparem com mais cinco deles, que atraídos pelos guinchos, cercaram os garotos.
-Ahhh, estamos mortos! - Berrou Chrome, em desespero.
Kiyoto arrastava a perna ferida com cortes profundos que pareciam ir até o osso, mas não se dava por vencido.
-Vamos lutar até o fim! Já estávamos mortos mesmo, quando os Brownies descobrissem a plantação destruída! Isso só acelerou o processo!
-Mas eu não quero morrer, idiota!
-Exato, rabudo! Nada de morrer! - Falou Kiyoto, tirando do cinto a sua adaga comprida, que chamava de “Morena” e apontou para os bichos, berrando.
-Que vergonha, suas Sheilas ingratas e vermúnculas! Nós cuidamos de vocês, nós alimentamos vocês, e agora se voltam contra nós!
-Não adianta falar com esses bichos! Eles não podem entender você, nunca deixaram de ser selvagens, Kiyoto! Vamos correr!
-Pra onde, rabudo? Eles nos cercaram!
Os meninos olharam ao redor, e ficaram um de costas para o outro, empunhando as adagas, enquanto o bicho que estava caolho se juntava aos outros, e fechavam o círculo ao redor deles.
-Foi bom conhecer você, Kiyoto…
-Vai ser um prazer morrer lutando junto com você, Chrome…
E fecharam os olhos, esperando pelo pior.
Porém um guincho mais alto ecoou por trás da mata, e as outras duas lagostas que faltavam, e que estavam bem maiores que as outras, começaram a acuar as demais, brandindo as pinças e espantando as irmãs para longe dos meninos.
Eles não estavam acreditando.
-Eu sabiaaaaaa! Sabia que pelo menos vocês nos amavam, chuchus!!!!! - Gritou Kiyoto.
-Calma, burro! Pode ser que elas estejam querendo a refeição só pra elas! Elas não estão protegendo a gente!
Kiyoto não escutou, e correu de encontro aos dois bichos enormes que sacudiam as antenas e continuavam guinchando para o alto. Quando ele chegou perto, um deles levantou as pinças, como se fosse atacar… Kiyoto apertou os olhos, acreditando que seria o seu fim… Mas o bicho se abaixou e ronronou para ele.
-Ahhhh! Sua Sheila safada! Quase me matou de susto! Achei que ia me matar! - E estendeu a mão para ela. Seu corpo brilhava com a bioluminescência dos peixes-libélula, e o bicho começou a lamber a mão dele, se iluminando todo com aquela luz de Kiyoto.
A outra aproximou-se, e também lambeu a mão dele.
Chrome respirou aliviado.
-Então descobrimos o que domou essas aí… Elas ficavam lambendo a sua mão imunda!
-Minha mão brilhante e pura, idiota!
-Eles estão crescendo mais, Kiyoto! Pare de alimentar elas com sua luz, essa magia que você usa pra ter pernas está afetando elas, daqui a pouco a gente não consegue mais controlar elas, e elas vão querer você pro jantar!
-Pára de falar isso! Elas amam a gente, tá bem? Vamos voltar, temos que avisar o pessoal da vila, porque se as outras voltarem, vai dar ruim!
-Eles vão nos esfolar, quando souberem!
-É um risco que a gente vai ter que correr. - E saltou para cima de uma delas, agarrando as antenas.- Anda, Chrome, monta na outra! Vamos embora daqui!
Chrome montou no outro bicho e dispararam para a vila.*****
Os guinchos dos bichos que atacaram Kiyoto e Chrome foram ouvidos por quilômetros de distância.
A vila estava praticamente vazia, devido aos esforços de Valkyon e dos guardiões de Eel em evacuar o vilarejo.
As Sacerdotisas que podiam lutar permaneceram no Templo. As outras escoltaram os aldeões para a aldeia Kappa e para o templo da praia.
Jow tentou, em vão, entrar por algumas das fendas que sentiu, mas nenhuma permitia que ela atravessasse o constante fluxo de energia que fluía através delas.
Os garotos chegaram montados nos bichos, que eram menores que a Sheila original, e berraram para todo mundo:
-Tem mais deles na floresta! Eles estão vindo!
Nem terminaram de gritar, os bichos que achavam que estivessem fugindo, saíram de dentro da mata, se teleportando para o meio dos guardiões.
Valkyon olhou para os dois, montados nos seus “mascotes”, e entendeu muito bem de onde tinham vindo os outros. Se tivesse tempo, esfolaria os garotos mais tarde. Mas agora, precisavam exterminar a ameaça.
As lagostas sentiram na hora a magia de Jow, e foram atraídos para ela.
Jow deixou que elas chegassem perto, e flutuou, como Amikoh tinha feito na floresta. Quando elas se aglomeraram abaixo dela, os guardiões e as Sacerdotisas as cercaram, e começaram a lutar com elas.
Os bichos mal prestavam atenção aos golpes de espada e lança que tiravam delas seu fluido corporal verde, todas vidradas em tentar alcançar Jow.
Valkyon atacava montado em Sheila, que partia facilmente em dois os outros bichos menores.
A luta foi curta e fácil.
Quando terminou, Jow desceu, e olhou para os meninos, que tinham cara de culpados.
Valkyon estava muito zangado, como nunca ninguém o viu antes.
-Vocês são os culpados, não são? Esconderam os bichos de todo mundo! Fazem ideia do risco que todos correram por causa disso?
-Mas Valkyon! Essas duas aqui são como a Sheila! A gente só queria um exército delas pra ajudar! - Berrou kiyoto.
-E podiam ter matado todo mundo! Eu vou arrancar as cabeças de vocês, eu juro que vou!
-Calma, calma, amigo, amigo! - Gritava Kiyoto, enquanto Valkyon berrava com Chrome também.
Teria sido hilário, se não fosse trágico.
A perna de Kiyoto pingava sangue e os dois garotos estavam com o rosto todo cortado.
-Desçam desses bichos agora mesmo! - Gritou Valkyon.
-Não! Você vai bater na gente! - Berrou Chrome.
-Claro que não vou! Mas era o que eu gostaria de fazer! Desçam!
Mas não houve tempo para mais gritaria… Porque as paredes da sala do cristal Rosa ruíram todas ao mesmo tempo, e parte da construção desmoronou.
Uma quantidade enorme dos seres das fendas de todos os tamanhos, alguns maiores do que a Sheila, começaram a spawnar em frente às rachaduras das paredes.
Uma nuvem de esporos brancos e a névoa cinzenta do mundo intermediário encheu o jardim do Templo, que já estava sendo destruído pelos bichos.
Os guardiões se espalharam, correndo como galinhas para todos os lados, tentando não ser pisoteados pela manada de lagostas, que sacudiam as pinças e acertavam os guerreiros de Valkyon.
As sacerdotisas, pouco treinadas no uso das armas, tentavam acertar os bichos menores, mas eram atropeladas pelos maiores. Algumas, inadvertidamente, lançavam ataques de magia, fazendo com que os bichos crescessem.
-Não usem magia! - gritava Jow para elas - Elas crescem com magia!
Valkyon chegou a acertar uns chutes em alguns guardiões da sua tropa, que também lançavam magia nos bichos.
Montado em Sheila, ele avançava para os bichos maiores, deixando os menores para as tropas que estavam a pé.
Chrome e Kiyoto também se aproveitaram das suas montarias, mas as pequenas lagostas que serviam de cavalo, não aguentavam muitos golpes das maiores, e muitas vezes eram arremessadas longe, com os garotos no lombo.
Foi nesse momento que North chegou na Costa de Jade. Chegou na Praia dos Kappas e foi se teleportando para a aldeia brownie na maior velocidade que conseguiu.
Jow juntava uma grande quantidade de energia, para atrair os bichos, quando o viu aparecer no meio do campo de batalha.
Ele olhou para o templo, assustado com a quantidade de lagostas que destruíam tudo e pisoteavam guerreiros. North também era um ser de magia, e não tardou para que os bichos voltassem sua atenção para ele. Mas North se aproveitou disso, armou-se com um escudo e uma lança de gelo, e começou a imitar os guerreiros de Valkyon, atravessando com a lança os bichos que se projetavam para cima dele.
Jow estava furiosa! Furiosa com North, por ter ido atrás dela. Mas teve que admirar sua coragem, um ser que era puro amor, lutando como um soldado, lado a lado com os guardiões da Obsidiana e das Sacerdotisas da Deusa.
Quanto mais os bichos eram abatidos pelos guerreiros, mais deles saíam das rachaduras das paredes. Aquilo nunca teria fim, e Jow precisava agir antes que todos ali fossem mortos. Se os bichos daquele tamanho saíam, a fenda estava grande o suficiente para ela entrar.
Terminando de juntar toda a energia disponível ali, ela brilhou o mais que pôde.
Imediatamente, todos os bichos voltaram sua atenção para ela.
Jow flutuou com aquela bola enorme de energia dourada por cima do templo, atraindo todos os bichos que ainda estavam de pé, inclusive Sheila e os mascotes de Chrome e Kiyoto.
Quando perceberam isso, eles e Valkyon pularam das suas montarias, ou seriam levados junto sabe-se lá para onde.
A luz dourada do corpo etéreo de Jow ofuscava a visão de quem olhasse para ela.
Agora ela se parecia realmente com o desenho da criança Feng Huang… Um anjo de luz, sem asas, que conduzia os bichos e salvava a cidade e as pessoas. E ela sabia o que deveria fazer… Flutuou em direção às paredes rachadas da sala do cristal Rosa, por onde uma horda de lagostas continuava saindo.
Todos os bichos agora a seguiam, atraídos pela sua magia. Ela parou em frente à fenda, para se certificar de que as lagostas estavam com ela. Forçou a passagem através do fluxo de energia incandescente que saía pelas rachaduras… Tornou-se luz… E mergulhou na fenda.
Os bichos a seguiram, inclusive os que estavam feridos e mutilados.
North assistiu horrorizado Jow entrar na fenda, carregando todos os bichos com ela, e correu até a parede rachada, por onde ainda continuava saindo uma nuvem de esporos. Forçou a passagem para ir atrás dela, mas não conseguiu entrar.
Todas as vezes que ele tentava, seu corpo se desfazia em água. E ele tentou repetidamente, até não sobrar mais nenhuma energia para que ele ficasse de pé.*****
-Nem sonhando, Ykhar!!! - Gritou Miiko para a coelhinha, que estava vermelha de nervoso - Isso já foi longe demais!
-Miiko! Você não pode me negar isso! Foi a Jow quem pediu!
Miiko andava de um lado para outro, nervosa, e cada vez mais irritada com Ykhar.
Eychi escutava tudo em silêncio. Sabia que se ouvisse mais do que falasse, seria de maior utilidade naquele momento crítico.
-Ykhar! Olha bem o que você me pediu! Quebrar dois fragmentos do Grande Cristal! E nem me diz pra quê! NUNCA JAMAIS EM TEMPO ALGUM!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
-Miiko, todo mundo está cheio de segredinhos! E eu tenho os meus, tá ligada? Você tem que confiar em mim! E além disso, foi um pedido da Jow!
-A Jow está indo longe demais agora! Tudo aqui está girando em torno da Jow, percebe? A Jow é a responsável pela catástrofe, a Jow tem que fechar as fendas, a Jow tem segredos com todo mundo! Estamos vivendo em função da Jow! Ok, entendo! Mas isso é exagero!
-Miiko! Me dá logo os fragmentos do cristal e cala a boca! - Berrou Ykhar.
-Já disse que não! Não vou fazer isso, o cristal já está fraco, mal está sustentando a vida em Eldarya!
-Se o mundo acabar, você pode pegar o resto desse cristal e enfiar ele onde bem entender, se é que eu fui clara! - Continuou gritando Ykhar - Porque não vai sobrar mundo pro cristal sustentar, sua burra!
Miiko acendeu o fogo azul do cajado.
-Você não pode falar assim comigo, Ykhar!
-Eu posso sim! Se quiser me torrar com esse seu foguinho idiota, vai em frente! Eu não tenho medo de você! Eu não tenho nada a perder, o mundo está acabando! E parece que você está pouco se lixando pra isso!
Miiko apagou o fogo da gaiola e bufou, saindo da sala e batendo os pés.
Ykhar desabou em lágrimas.
-Ahhhhh! O mundovaiacabarevaiserculpadelaseelanãomeajudaaaarrrrrrr!!!!!
Eychi a abraçou.
-Calma, minha amiga! - Disse ela - Respire fundo… Tente entender a Miiko, ela tem muita responsabilidade, e já fez tanta coisa para colaborar com o salvamento dos mundos… Tantas vezes! Ela está perturbada, cansada e sobrecarregada… E é guardiã de segredos tão importantes, que nem passa pela nossa cabeça o tamanho deles… Me diga apenas qual o tamanho dos fragmentos que você precisa… A Miiko não é a única Sacerdotisa do Cristal aqui…
Capítulo 15 - A Única Solução
Ykhar correu para a enfermaria, com os dois fragmentos de cristal na mão, e entrou como um foguete.
-Ahhh, desculpe, dá licença, Ewelein! - Gritou ela para a Elfa, que orientava sua equipe, se preparando para qualquer emergência. - Assim que terminar aí, eu preciso muuuuiiiiito falar com você!!!
A Coelhinha foi até o fundo da enfermaria, onde estava Valentim, e enfiou o fragmento de Cristal na pele do seu pescoço, empurrando até desaparecer. Depois pegou um pedacinho de gaze em uma bandeja e comprimiu o local, que sangrava.
Ewelein dispensou depressa a equipe e juntou-se à Ykhar ao lado de Valentim.
Os olhos azuis da Elfa estavam arregalados.
-Ykhar, você está me assustando! O que está acontecendo? O que está fazendo com o pescoço do Valentim? Por que ele está sangrando?
-Eu acabei de enfiar um fragmento do grande cristal aqui nele!
-O quê? A Miiko te deu isso sem questionar???
-Não, a Miiko não quis me dar… Foi a Eychi quem me deu… Mas foi a Jow quem pediu para… Ihhh… Preciso te explicar algumas coisas, porque vamos precisar demais da sua ajuda! Vamos sair do lado deles, Ewelein… Porque eles não podem escutar o que eu tenho para te contar! - Disse Ykhar, puxando Ewelein para longe de Valentim.
-Pela Deusa, a Jow não para de me surpreender, mesmo estando a quilômetros de distância daqui! O que ela está tramando, Ykhar?
-Ewelein, ela precisa da ajuda do Hans… Mas se ele não estiver perfeitamente equilibrado, se não recobrar a autoconfiança, se não estiver andando, não vai dar certo!
Ewelein suspirou.
-Ah, Ykhar! Eu sei que ele pode andar! Mas o que mais eu posso fazer? Já fizemos de tudo, ele acha que não pode andar!
-Mas se ele vir você em perigo, ele vai se esforçar mais, Ewe!
-Não estou entendendo, Ykhar!
A Coelhinha revirou os olhos.
-Ele te ama, Ewe! E eu sei que ele fará qualquer coisa para proteger você!
-Está sugerindo que eu me jogue do alto da Torre para que ele venha me impedir de pular?
-Náááá! Estou precisando só do estrume lixoso do Grimm, que está bem aqui, dentro do meu namorado!
-Ainda não estou entendendo! O que tem o Grimm a ver com o Hans?
-Nada! Ainda… Olha, Ewe… A Jow me disse que vai precisar da energia nojenta que está acumulada no Grimm e nos seus demônios, para fechar as fendas… Só que o Grimm está preso no Valentim!
-Mas foi o Valentim quem pediu isso para nós! Nós aplicamos um selo de magia nele, para que ele não seja capaz de sair do corpo do Valentim! E agora você quer soltar o diabo?
-Eu não vou soltar ele… Tenho apenas que acordá-lo, Ewelein!
-Mas se acordá-lo, o Valentim não vai poder assumir o controle, com o selo nele! O Grimm estará no comando!
-Sim, é exatamente o que queremos… Vamos aproveitar o Grimm para que ele ameace a sua vida, Ewelein! E o Hans precisa participar disso!
-Nem sonhando, Ykhar! Esse desgraçado me torturou quase até a morte na base militar do deserto! Eu sei do que ele é capaz! Não vou permitir que ele me ameace nunca mais!
-MascomoéqueoHansvaisalvarvocêsenãoestiveremperigoe….
-Ahhhh, Ykhar! Espera um pouco!!! Eu não disse que não ia ajudar!
-Mas… Mas você acabou de dizer…
Ewelein sorriu.
-Eu não preciso estar em perigo de verdade para isso funcionar.
-Claro que precisa! Acha que pode enganar um telepata?
-Eu também sou alquimista, Ykhar… Temos poções para bloquear a leitura da mente, já se esqueceu? O Ezarel as desenvolveu para se proteger do Kratos. Podemos usar também, para o Hans não ler a nossa mente.
-Ahhh! Você é tão inteligente, Ewe!
-Mas o que exatamente a Jow precisa que o Hans faça? Ainda não entendi.
-O Hans precisa usar o poder dele para arrastar o Grimm com ele, para fora do Valentim, da mesma forma que arrastou para dentro, e levá-lo até a Jow! No mundo das fendas!
-Ahhh! Como ele vai fazer isso? Como ele vai entrar nas fendas?
-Com projeção astral. Ele pode fazer isso, Ewe. Ele já esteve lá antes com ela, lembra? Foi o que ela pediu para ele, antes de ir… Que quando ela o chamar, ele leve o Grimm até ela.
-Você acha que se o Hans achar que eu estou em perigo, ele realmente vai se libertar dessa paralisia, Ykhar? Não podemos simplesmente explicar para ele a importância disso, e empurrar a cadeira de rodas até aqui? Ou carregar o Valentim até o Hans? Não seria mais simples?
-Ele precisa estar sob pressão, Ewelein. Porque o Hans é um noviço, não tem o treinamento de mago completo. É somente assim que o Hans desperta os poderes da mente dele… Se ele apenas se concentrar, pode não funcionar…
-Oh… Entendi. Então, o que tem em mente, Ykhar? Quer que eu faça exatamente o quê?
-Bem… Se vamos beber essas poções, devemos fazer isso logo… Você tira o Valentim da sedação… E dá um jeito de provocar o Grimm até ele querer matar você… E eu… Eu vou lá enfiar um fragmento de cristal no Hans.
-Qual o objetivo dos fragmentos de Cristal, Ykhar? Isso foi ideia da Jow?
-Não, isso foi ideia minha. O cristal pode fortalecer os poderes do Hans. E se os dois estiverem com um fragmento, vai haver uma real conexão entre eles… Eu espero!
-Ykhar, esse seu plano é cheio de falhas!
-Você tem um melhor? Se tiver, podemos usar o seu!
Ewelein ia responder, quando um tremor de terra abalou o QG. Uma grande rachadura começou a se formar em uma das paredes da enfermaria, e uma névoa cinzenta começou a sair por ela.
-Ahhh! O que foi isso? Socorro! - Berrou Ykhar - Isso vai desmoronar. Ewelein! Temos que tirar o Valentim daqui!
Ewelein correu até o armário de poções e tirou um frasco de lá, entregando para Ykhar.
-Beba logo! É a poção para o bloqueio da mente, Ykhar! Vamos acabar logo com isso!
Ykhar obedeceu e engoliu a poção amarga do frasco.
Ewelein também retirou do armário outro frasco, com algumas esferas vermelhas, e dele retirou duas, guardando no bolso.
Ykhar arregalou os olhos.
-Não vai beber a poção??? Vai usar… ISSO????????????
-Se for preciso, sim. Vou usar tudo o que eu tenho para que esse plano maluco dê certo, Ykhar. Agora temos que tirar o Valentim daqui, e não vamos aguentar carregar ele. Se vamos despertá-lo, e fazer o Grimm andar, a hora é essa! Vamos reverter a sedação!
A equipe de Ewelein entrou nesse momento na enfermaria, todos bastante assustados.
-Ewelein! - Disse um deles - O QG está cheio de rachaduras pelas paredes! - E apontou para a parede da enfermaria - Igual a essa!
-Acho que o que nós estávamos esperando não vai demorar... - Disse Ewe - Levem o nosso material todo daqui, uma enfermaria em ruínas não vai nos servir para nada!
-Para onde levamos?
-Para fora! Onde não haja paredes e nem teto para desabar nas nossas cabeças! Montem uma base do lado de fora, lá atrás, nos jardins dos fundos do QG!
Os guardiões da equipe médica obedeceram e começaram a carregar depressa o material da enfermaria para fora do QG.
Ewelein preparou uma medicação numa seringa e aplicou na veia de Valentim.
Ele começou a abrir os olhos. Ykhar aproximou-se dele, abraçando Valentim com carinho.
-Ah, meu amor! Estou sentindo tanto a sua falta! - Disse a coelhinha, enchendo o rosto dele de beijos - Olhe para mim, Valentim!
Valentim abriu os olhos. Sentia a visão turva, e aos poucos, foi conseguindo enxergar Ykhar. Um sorriso se abriu no rosto dele.
-Ykhar…
Ykhar abraçou Valentim, e o beijou. No começo, um beijo tímido, que foi se tornando mais apaixonado.
Valentim tinha os olhos fechados, que foram lentamente se abrindo, e o castanho da sua íris foi se tornando verde. Uma sombra escureceu sua esclera, e ele empurrou Ykhar com um safanão.
-O que pensa que está fazendo, coelha? - Gritou ele, com raiva, cuspindo e limpando a boca. - Que coisa mais nojenta!
Ykhar sorriu, vitoriosa. Ela sabia que aquilo traria o Grimm à tona, com todo o seu ódio.
Ewelein apenas observava, esperando a hora de atuar.
-Então, seu bundão? - Começou Ykhar - Onde está sua valentia agora? Correu para dentro do seu filhinho como se fosse uma garotinha assustada? Ou… Uma coelhinha assustada?
-O que disse? - Perguntou ele, fuzilando Ykhar com o olhar.
Ykhar engoliu seco, e continuou.
-Você escutou muito bem, seu general de cocô! Ou além de burro, é surdo? Era muito valente quando estava vivo, mas agora que é um fantasminha camarada, precisa de um corpinho inocente para andar por aí! Seu ladrão de corpos!
-Cale essa boca, coelha! Eu prometi ao Valentim que não ia machucar você, mas não posso manter a minha promessa, se ficar falando desvarios!
-Eu não sei o que é isso, mas com certeza é algo que eu gostaria de enfiar nessa sua boca imunda! Ou em algum outro lugar ainda mais sujo do que a sua boca!
Grimm foi ficando cada vez mais consciente em Valentim.
-Não vai falar nada, Doutor? - perguntou Ewelein - Talvez precise de uma tesoura, para ameaçar os outros… Ou será que dessa vez, eu deva usar a tesoura? - Disse ela, apontando uma tesoura para ele.
Ykhar arregalou os olhos. Ewelein não podia ferir Valentim, então porque estava ameaçando Grimm assim?
Ele apenas sorriu e sentou-se na maca. Ainda permanecia atado a ela por tiras de couro que lhe prendiam os punhos.
-Está se divertindo? - Perguntou Ykhar - Está até sorrindo! Como ele é fofo, Ewelein! Ele não quer reagir… - E Ykhar deu um bofetão em Grimm, com toda a vontade, com um aperto no coração por estar batendo no rosto do seu amor. Ele continuou rindo.
-Vai, Ykhar! Vai logo até o Hans! Eu posso lidar com ele!
-Não estrague o Valentim, Ewelein! - Berrou ela, correndo dali, e saindo da enfermaria.
A Elfa voltou-se para Grimm.
-Não vai reagir, Doutor? Está fraco demais para lidar com mulheres? - Perguntou Ewelein, ainda apontando a tesoura para ele. - Você perdeu, chuchu. Está morto, acabado, dependente de um corpo para andar por aí, e ainda por cima, fraquinho como um frango.
Grimm fechou a cara.
-Está brincando com fogo, faery.
Ewelein riu alto.
-Hahaha! E daí? O que você vai fazer? Vai me bater? Não, pode, está preso… Vai gritar como uma foca? Onde estão seus soldados? Ah… Ficaram na terra, vivos, enquanto você morreu… Seu guarda costas não era o Kratos?? Chame o Kratos… Ah… O Kratos já era… Você não é mais nada! Não tem mais nada, e nem tem o amor do seu filho, porque ele te odeia, e…
Grimm deu um salto, arrancou as correias que o prendiam na maca e agarrou o pescoço de Ewelein, levantando-a do chão e derrubando a tesoura. Seus olhos ficaram negros. Os demônios de carniça esvoaçaram ao redor do corpo de Valentim, entrando e saindo dele.
O cristal, que deveria servir apenas para manter o vínculo entre ele e Hans, estava dando mais força às sombras malignas que o cercavam.
Ewe se debateu, perdendo o fôlego, deu-lhe uma joelhada no meio das pernas, e o empurrou de encontro à parede. Grimm a soltou, se contorceu e caiu de joelhos no chão, segurando com as duas mãos o material avariado. Se Ykhar soubesse daquilo, iria esganá-la. Mas isso não deveria estragar o Valentim… Não muito.
Ewelein sabia que Grimm não estava totalmente restabelecido, mas Valentim era forte e atlético, e Grimm poderia muito bem partir o pescoço dela se quisesse, usando apenas a força do corpo do filho, independente do poder que o cristal poderia lhe proporcionar. Aqueles espectros do mal que estavam com ele também conferiam ao demônio uma força sobrenatural. Ewe poderia se defender, mas não tinha muitas vantagens. No final, ela viu que estava realmente em perigo… E resolveu sair correndo da enfermaria, deixando Grimm ali no chão, ainda sentindo as dores do chute.
Aquilo doía, mas não parecia nada, comparado à dor de ser esquartejado em vida, e ficar consciente da dor por todo aquele tempo.
Aquilo o fazia espumar de ódio! Que tipo de Deusa ou Oráculo permitiriam acontecer uma coisa daquelas com um pobre ser humano?
Grimm levantou os olhos, e viu a tesoura.
A faery queria brincar com uma tesoura, então ele brincaria com ela com uma tesoura. Poderia se divertir arrancando os olhos dela, um de cada vez. E depois de matá-la lentamente, cortaria as orelhas da coelha… Apenas para começar. O trato estava terminado. Porque ele percebeu que não precisava mais cumprir sua promessa, Valentim não tinha forças para assumir o controle de seu corpo, e nem para expulsá-lo dele.
Passando a mão na tesoura, Grimm levantou-se, cambaleando, e saiu da enfermaria atrás de Ewelein.*****
Ykhar disparou com as suas pernas curtas para o quarto de Hans. Sentia o gosto amargo da poção que bebeu. E ela revirava, tentando voltar do seu estômago.
Sabia que precisava ser corajosa e precisa, agora que haviam despertado o capeta. E Ewelein não conseguiria se defender por muito tempo. Usar o cristal poderia ter sido um grande fiasco, mas agora estava feito. Só lhe restava a esperança de que Hans reagisse ao poder da pedra. Com esses pensamentos, chegou na frente do quarto de Hans.
-Hans! - Berrou ela, esmurrando a porta - Hans! Abre essa porcaria de porta!
A porta do quarto de abriu, e Hans, em sua cadeira de rodas, olhava confuso para Ykhar, sem conseguir ler a coelhinha.
-O que aconteceu?
-Não tenho tempo pra explicar! - E retirou do bolso o outro fragmento do cristal, enfiando bem fundo no pescoço de Hans.
-Ahhh! O que está fazendo? - Perguntou ele, levando a mão ao pescoço. Um filete de sangue escorreu e manchou a gola da camisa branca dele.
-Estou conectando você ao Valentim! Ele também tem um pedaço do cristal nele, isso vai facilitar a sua missão!
-Ykhar… Você…
-Cala essa boca e vamos sair daqui! O QG está cheio de rachaduras, e pode desmoronar! Vou tirar você daqui, já que você está inválido!
E pegou a cadeira de Hans, empurrando depressa pelo corredor das portas.
Hans tinha sentido os tremores no QG. Ele sabia que alguma coisa realmente estava errada.
As rachaduras estavam por toda a parte, e começaram no mesmo momento em que a grande fenda do templo da Costa de Jade se alargou.
Na cozinha, outra grande rachadura se formou no chão, expulsando a névoa cinzenta, e uma horda de bichos começou a sair por ela, causando grandes estragos no salão principal de refeições e na despensa. Ali estavam vários guardiões e Amikoh… E quando os bichos sentiram a energia mágica de Amikoh, voltaram-se para ele.
Amikoh já tinha enfrentado esses seres antes, e lembrou-se disso. Permitiu que chegassem perto e os atraiu para o centro do grande Hall, onde havia mais espaço para a batalha.
Guardiões chegaram de todos os lados, e começaram a lutar com as lagostas.
Ykhar chegou com Hans e parou no final do corredor das portas. Com aquela luta que acontecia ali, eles não podiam prosseguir.
Uma das lagostas ficou de frente para eles, e avançou, estendendo as pinças para golpeá-los. Ykhar jogou a cadeira de Hans para o lado e chutou a lagosta, berrando.
-SOCOOOOROOOOO! Alguém me dá uma espada!
A cadeira virou-se, derrubando Hans no chão.
Amikoh, vendo a agonia deles, conjurou uma lâmina de vento em formato de foice nas mãos da coelhinha.
Ela não fazia a mínima ideia de como usar aquilo, mas saiu como uma louca batendo na lagosta com aquela foice, arrancando gosma verde do bicho.
-Usa seu poder da mente, Hans! Explode esses bichos! Faz alguma coisa! - Berrava Ykhar, desesperada.
Hans ia abrir a boca para responder, quando viu Ewelein correndo para fora da enfermaria.
Valentim saiu atrás dela.
Hans não demorou a perceber que não era Valentim quem corria atrás de Ewelein… Era Grimm.
A Elfa agarrou o corrimão da escada e tentou deslizar por ele, mas Grimm a alcançou e segurou-a pelos cabelos, derrubando-a.
Ewelein chegou até o Hall rolando pela escadaria abaixo, e ficou no meio da batalha com os seres do mundo ressonante.
Ela rolou para os lados, esquivando-se das pinças e das flechas que os guardiões lançavam, e quando percebeu, Grimm já estava em cima dela, batendo com a sua cabeça no chão.
Ewe debateu-se debaixo dele, arrancando seus cabelos e mordendo, mas Grimm continuava segurando a cabeça dela e batendo contra o chão.
Miiko e Eychi chegaram naquele momento, acompanhadas por Leiftan. Elas começaram a lutar como podiam, sem usar magia, enquanto Leiftan matava as criaturas com golpes de espada e abrindo as asas, que funcionavam como lâminas.
Hans arrastou-se para o meio do Hall enquanto Ykhar brandia a foice de vento para todos os lados.
Apenas alguns metros o separava de Grimm e Ewelein. Mas pareciam quilômetros.
-Grimm! - Berrou ele - Fique longe dela, seu desgraçado!
Grimm olhou para Hans, que estava a poucos metros dele, e sorriu. Ewelein ainda estava consciente, e aproveitou a distração de Grimm, rolando para o lado e saindo da mira da tesoura, se arrastando para longe.
Irritado pela fuga da sua presa, Grimm agarrou Ewelein pelo pé, e a prendeu novamente sob seu corpo, e levantou a tesoura, disposto a enfiá-la e um dos olhos da Elfa, como havia planejado antes.
O mundo desmoronava ao redor de Hans, e gosma verde dos bicho voava para todos os lados. Guardiões de todas as guardas lutavam com aqueles seres estranhos, e Hans jazia no chão, como uma lagartixa inválida.
Ele respirou fundo e continuou se arrastando para alcançar Ewe, tentando de todas as formas usar as pernas, que continuavam sem se mexer.
Ele viu Grimm levantar a tesoura, e percebendo o que ia acontecer com Ewelein, Hans gritou de onde estava.
-NÃÃÃÃÃOOOOO!
A tesoura voou das mãos de Grimm para longe.
Aborrecido com aquele despertar de poderes em Hans, Grimm ficou de pé, agarrou Ewelein pelo tornozelo e subiu as escadas para fora do QG, arrastando Ewe com ele.
Ela ainda deu um último olhar para Hans, e estendeu a mão para ele, antes de desaparecer pela saída.
Ewelein tinha fé no fato de Hans ir ajudá-la. Ela tinha certeza de que ele iria correr para tentar deter Grimm. Mas se ele demorasse, não iria sobrar muita coisa para ser salva. Ewe estava bastante machucada, tinha feridas sangrando por todo o corpo, o rosto todo arranhado e seus olhos já estavam fechados de tantos hematomas que tinha nas pálpebras, além de vários cortes na cabeça, causados pelas pancadas que Grimm deu com ela no chão.
Grimm continuou arrastando Ewelein pelo jardim do QG, que estava deserto pelo fato da batalha estar acontecendo do lado de dentro, e levou-a para trás de um canteiro, disposto a terminar a diversão que Hans interrompeu. Pretendia matar a Elfa e depois ir atrás da coelha. Ele levantou Ewelein bem alto e atirou-a no chão com toda a força, e tratou de acertar alguns chutes nas costelas dela, se certificando de quebrar algumas, de modo que ela tivesse dificuldades para respirar e sufocasse lentamente.
Ewelein gemeu, segurando a dor e se encolhendo, protegendo-se como podia dos chutes de Grimm. Aproveitou a posição para meter a mão no bolso, e retirou de lá as duas esferas vermelhas que pegou no armário da enfermaria, enfiou-as na boca e mordeu.
Um néctar adocicado derramou-se delas, enchendo a sua boca com aquele sabor de amêndoas… E alguns segundos depois de ter engolido o conteúdo das esferas, Ewelein apagou.
Ykhar permanecia golpeando os bichos com a sua foice, até que um deles acertou o cabo e deixou Ykhar desarmada.
A Coelhinha gritou e correu, mas a lagosta agarrou Ykhar pela saia e a puxou de volta.
Hans se arrastou de volta de encontro a Ykhar e puxou a garota para ele, libertando-a do bicho, e se colocou entre Ykhar e o animal, protegendo- a das pinças.
A coelhinha aproveitou para correr de volta para a foice, e quando conseguiu pegá-la, jogou-a para Hans, que com ela, abriu o abdômen do bicho.
Uma poça de vísceras e gosma verde encharcou os dois.
-Hans! O Grimm carregou a Ewelein para fora! - Disse ela - Ele vai matar a Ewelein! Ninguém reparou nisso, ninguém vai ajudar a Ewelein! Temos que ir lá!
Hans sabia disso. Ele leu as intenções de Grimm. Sabia que se ele não alcançasse o desgraçado, Ewelein estaria morta. Ele se encostou numa parede, tentou ficar de joelhos e levantar-se, mas caiu, e Ykhar o amparou.
Hans alcançou a mente de Ewelein, e percebeu o medo e a dor que ela estava sentindo… E sentiu a mente de Ewe desconectar-se do mundo.
Ele sabia o que era aquilo… Ewelein estava morrendo!
Sem saber como, Hans levantou-se, agarrou a mão de Ykhar e correu. Correu com ela, tropeçando através da batalha, empurrando monstros e guerreiros, levando golpes das pinças e golpes de espadas, mas não estava sentindo nada. Ele não sentia mais o seu corpo.
Ele só sentia a dor de Ewelein.*****
No porão, a coisa estava bem mais complicada.
Aa rachaduras que começaram a se formar nas paredes e no chão eram maiores e mais longas, e bichos bem maiores saíam delas. A água da piscina natural começou a inundar tudo.
Nevra e os Guardiões da Sombra armaram seus arcos e começaram a disparar flechas nos bichos, que spawnavam de todos os lados. Ezarel empunhava o florete, e acertava os bichos como podia, sempre de olho nas aberturas, não apenas para monitorar os bichos que chegavam… Mas na esperança de ver Jow sair por ali.
Os guardiões que ali lutavam junto a eles enfrentavam os bichos com alguma dificuldade, porque eles eram enormes. Com os golpes das pinças e das caudas, atiravam os guerreiros a metros de distância, deixando-os bastante feridos.
Os bichos eram muitos, mas morriam com facilidade.
Uma boa quantidade de bichos mortos já se acumulava ali, e a gosma verde se misturava com a água no chão, tornando o campo de batalha frio, fedorento e pegajoso.
-Espero que a Jow feche logo esses buracos! - Berrava Nevra para Ezarel - Porque esses bichos não param de chegar e minhas flechas já estão acabando!
Ezarel ainda acreditava que Jow iria sair por aquela fenda, e que aquela seria a última que ela fecharia, mas o tempo foi passando, e a esperança de vê-la foi ficando cada vez mais distante, e o coração cada vez mais apertado.
A certeza de que ia perder Jow de novo deixava Ezarel cego.
Ele atacava os bichos sem poupar esforços, e logo estava exausto.
Todos ali estavam exaustos… Todos, exceto os bichos.
Quem lutava perto das fendas estava tendo a sua energia drenada por elas.
Agora o fluxo de energia estava diferente… Dos mundos exteriores para as fendas. E quando Ezarel percebeu isso, teve certeza de que Jow tinha entrado por elas.
Ela estava no mundo ressonante.
E agora estava sugando lá para dentro a energia dos mundos externos.*****
Jow, dentro do mundo ressonante, atraía as lagostas pelos estreitos e escuros corredores das ravinas úmidas.
Ela sentia a energia chegando sem parar, e sabia que estava puxando a energia dos mundos para o interior daquele lugar.
Os bichos a seguiam, e pelo caminho, mais seres das fendas se juntavam à horda de
bichos que eram atraídos por ela e pela sua magia.
Grandes rachaduras se formavam através das ravinas, e bichos de todos os tamanhos que haviam saído pelas fendas, retornavam agora para dentro do mundo intermediário.
A bola de energia dourada que ela conjurava estava cada vez maior.
Deslizando pelos caminhos cheios de cogumelos brancos, Jow alcançou uma abertura maior entre os corredores daquelas cavernas, e saiu para um espaço mais amplo, seguida pelos seres.
Olhando para o alto, aquilo parecia não ter fim… Os corredores eram formados por paredes altíssimas de pedra cinzenta por onde escorria uma água escura… Ela olhava para cima e não via um teto. Não havia um limite que se pudesse enxergar. Não deveria ser um local finito? O que haveria lá em cima?
Jow sabia que o tempo passava diferente no interior daquele mundo. Ela se lembrava de que, quando passou algumas horas lá dentro, passaram-se dias em Eldarya. Se ela demorasse muito, em breve não haveria mais mundo nenhum para salvar. E as rachaduras estavam ficando maiores. Logo aquelas paredes iriam ruir e arruinar os mundos.
Pensando nisso, ela imaginou de que forma poderia explodir uma lagosta daquelas… Lembrou-se de Sheila, que também estava ali, e ficou triste.
Pobres bichos! Estavam muito bem vivendo ali, em paz, sem incomodar ninguém, até as fendas se abrirem. Eles eram pobres vítimas daquela situação, e agora precisavam morrer para que tudo fosse acertado. Aquilo não era justo!
Mesmo assim, não era mais hora para ter pena deles. Ela tinha se livrado da alma para não ter pena e nem vacilar quanto ao que deveria ser feito. Infelizmente, precisava agir friamente, e terminar o serviço.
Jow conjurou um enorme golem de pedra, com vários metros de altura.
A entidade partiu para cima das lagostas, agarrando os bichos e espatifando-os contra as paredes das ravinas.
A gosma verde escorria e selava as rachaduras,
“Dá certo! “ - Pensou ela satisfeita - “Mas não tenho tempo de selar uma por uma, eu levaria séculos! Tenho que descobrir outra forma! “*****
Quando a caravana de Huang Hua se afastou alguns quilômetros de Eel, ela parou os Rawists, desanimada.
-Nunca chegaremos a tempo... Vamos demorar demais!
-O que devemos fazer? - Perguntou Mark - Como poderemos ir mais depressa?
-Não faço ideia! - Respondeu Hua, desanimada - Sion, não pode nos teleportar para lá?
-Essa distância toda? Essa gente toda? Claro que não! - Bufou Sion, como se estivesse ouvindo a maior burrice do mundo. - Acha que sou o quê? Um portal?
Ouvindo aquilo, Karuto, que ainda digeria as informações da sua missão, se manifestou.
-Exatamente!
Sion olhou com desdém para o fauno, que tinha um brilho nos olhos.
-ACHA QUE SOU UM PORTAL, FAUNO???????
-Não, seu Gnomo besta, rabugento e infernal de uma figa! - Berrou Karuto irritado, que poderia ser tão grosso e rabugento quanto Sion, e ninguém melhor do que ele para uma discussão de igual para igual com o Gnomo. - Mas se você remexer esse seu traseiro velho bolorento e voltar para Eel, pode mandar vir até nós aquele metamorfo, que abre portais até para o cafundó do Judas! Ele pode acelerar essa viagem, seu estúpido!
Sion queria dar uma resposta à altura, mas o Fauno estava certo. Ele tinha resolvido a questão.
-Isso! - Disse Hua - O Darien! Vá chamá-lo, Sion! Peça que ele venha até nós, vamos resolver isso logo!
O Gnomo resmungou alguma coisa que ninguém entendeu, e desapareceu, deixando no ar um cheiro de mangue.
-Eca! - Rosnou Karuto- Eu detesto esse cheiro dos Gnomos! Melhor se ele cheirasse a orégano!
Jane riu e agradeceu.
-Obrigada, Karuto… Obrigada por tudo o que sempre fez pela Jow… Você sempre foi o pai dela aqui, quando não estávamos presentes…
Karuto ficou vermelho, e muito emocionado.
-Ahhh! Não precisa agradecer! Eu amo aquela guria maluca como se fosse a minha filhota! E vou fazer o melhor que eu puder para cumprir essa missão que vocês me deram! Pode ter certeza!
-Nós temos certeza disso. - Falou Mark. - Você é o melhor! O melhor pai e o melhor cozinheiro! Além disso, ainda está vivo!
Karuto riu, ficando mais vermelho.
Nesse momento, Sion voltou.
-Os metamorfos estão a caminho. Estão vindo transmutados em animais, em uma hora no máximo estarão aqui. - Anunciou ele - Acho melhor repassarmos nossos diálogos, enquanto isso. Porque nossa conversa com a Deusa e os Anciões precisa acontecer antes do previsto. Está um completo caos lá em Eel!!!!!!!*****
Grimm sacudia Ewelein e ela simplesmente não respondia.
-Está morta... Que pena! Eu estava me divertindo tanto! - E jogou o corpo de Ewelein para o lado, limpando a terra grudada no sangue dela, e sujava sua roupa.
Hans e Ykhar os alcançaram nesse momento.
-EWELEIN!!!! - Berrou a Coelhinha - O QUE VOCÊ FEZ COM A EWELEIN, SEU DESGRAÇADO IMUNDO?????
Ykhar desvencilhou-se de Hans e correu até onde o corpo de Ewe estava estirado, ao lado do canteiro, abraçando a Elfa.
Ela tinha sangue por toda a face e não respirava mais.
-Ela está morta… - Disse ele - Não pensei que ela era tão fraca, eu pretendia matá-la mais devagar.
Hans estava em choque. Atirou-se contra Grimm e começou a socar a cara dele de todas as formas que conhecia, disposto a matá-lo. Mas depois lembrou-se de que ali estava Valentim, e parou. Ele não podia matar Valentim, e Grimm sabia disso. Quando Hans parou de bater, Grimm começou a rir.
Hans estava desesperado, olhava para Grimm e para Ykhar, que abraçava o corpo inerte de Ewelein.
Só que morrer de verdade nunca esteve nos planos de Ewelein… E seu espírito projetou-se do seu corpo e se levantou.
Ykhar deu um grito e afastou-se, com os olhos arregalados.
Grimm aproveitou para sair correndo, em direção ao refúgio.
“-Hans… “ - Disse ela “- Termine a sua missão! Somente assim você vai poder me vingar! Você é capaz, Hans! Eu acredito em você. Faça o que tem que ser feito e livre-se dele! ” - E apontou para Grimm.
Hans compreendeu o que Ewe quis dizer. Ainda estava sem palavras, e as lágrimas escorriam pelo rosto dele, quando começou a andar lentamente em direção a Grimm…
Grimm já estava a uma boa distância de Hans, quando não conseguiu mais correr e caiu no chão.
Ele se debatia, mas não conseguia se levantar.
-O que está acontecendo? Por que eu estou fazendo isso???? - Berrava ele, irado.
Hans chegou perto dele, sem dizer uma palavra, e fez com que Grimm se levantasse. E quando ele foi falar, Hans fez com que ele se calasse.
Havia ódio nos olhos verdes de Hans, e quanto mais ele chorava, mais ódio ele sentia. E mergulhado nessa amargura, Hans conduziu Grimm até o mosteiro, e entrou com ele na sala dos mistérios, trancando a porta.
Ykhar olhava para a projeção de Ewelein, de pé ao lado do corpo, e não sabia se ria ou se chorava.
-Ewe… - Murmurou ela. - Ewelein… Vo-Você está… Morta… O semi-morta??
“-Estou apenas em morte aparente, Ykhar… Você viu quando eu peguei as esferas no armário, você sabe o que elas fazem, elas simulam a morte, você sabia o que eu ia fazer… Tive que tomá-las, antes que o Grimm me matasse de verdade… Por que você está tão transtornada?”
-AHHHHHHHHHHHHHHHHH! - Gritou Ykhar desconsolada - O HANS VAI MATAR O VALENTIMMMMMMM!!!!!!! ELE PENSA QUE O GRIMM MATOU VOCÊ!!!!!!!
“-Ele não vai matar ninguém. Ele vai arrancar o Grimm do seu Valentim e resolver dois problemas ao mesmo tempo.”
-Como você tem tanta certeza??? Como, Ewelein???
“-Porque eu o amo e sei do que ele é capaz, Ykhar. “ - Disse Ewelein, sorrindo “-Agora ache alguém para levar meu corpo para um local seguro, até passar o efeito dessas esferas, porque se aqueles bichos me pisotearem, aí sim, eu vou morrer de verdade.”*****
-Vocês estão nus!!!!!!!!!!!! - Berrava Sion para Darien e Black, quando se transmutaram de volta - Que pouca vergonha!
Black deu de ombros.
-Já viu alguma pantera negra de sobretudo, Gnomo? Nunca viu uma mulher nua? Aquele ditado é correto… Quem já viu, não se assusta, e quem nunca viu, nem sabe o que está olhando.
Darien, por sua vez, estava bastante desconfortável. Saíram às pressas a pedido de Sion, e nem tiveram tempo de se preparar.
Hua e Karuto entregaram algumas roupas para eles. Tinha que servir. Os dois se vestiram depressa.
-Não vamos perder tempo, gente… - Pediu ela - Darien… Precisamos chegar depressa ao Templo da Fênix! Pode me usar como chave de portal!
-Vamos ter que deixar os Rawists…
-Nem pensar! - Gritou Karuto - Não vou deixar as minhas coisas aqui no caminho, seu monte de massa amorfa!
Darien suspirou, usando um colar que Black usava para abrir um portal para a Terra bem no meio apartamento dela na América. Entrou nele e segurou uma das mãos de Hua, abrindo simultaneamente outro portal para o Templo. Atravessaram depressa, sem causar muito estrago no pequeno apartamento da morena.
-De onde tira energia para abrir tantos portais assim? - Perguntou Jane, interessada.
-De um orbe do grande cristal azul. - Respondeu ele, enquanto fechava os dois portais ao mesmo tempo.
-Mas onde está esse orbe? Não vi nada na sua mão…
-Ele fica dentro…
-NÃO CONCLUA ESSA FRASE, DARIEN! - Gritou Karuto - Não vamos gostar de saber onde você enfiou essa esfera!
Darien fez uma careta.
-Fica sob a pele do meu abdômen… - Falou ele sem graça, enquanto Black morria de rir.
Hua não estava animada para brincadeiras, e levou todos depressa para o interior dos portões do Templo.
Enquanto Sion se encarregava de solicitar uma reunião com os Elementais Anciões, Jane e Hua foram para o Jardim das Almas, que possuía uma conexão com outros mundos, e que Jane usaria para chamar Tsukiko.*****
O Golen de Jow, que esmagava lagostas de encontro às rachaduras das paredes, foi perdendo a energia, até se desfazer completamente em areia.
A grande massa de energia que Jow acumulou estava prestes a se completar, e ela sabia que quando aquilo acontecesse, seria o fim… O Portal para o mundo de Skull se abriria e ela não teria mais tempo de fechar as fendas. Para que isso acontecesse, ela precisava conter a energia que chegava, mas não conseguia fazer isso… Precisava gastar um pouco daquela energia, antes que ela estivesse completa, para ter tempo de conjurar mais golens e fechar mais fendas… E foi o que ela fez.
Jow liberou parte da sua energia, e um raio de luz dourada desprendeu-se dela, acertando um bando de lagostas.
E como era de se esperar, com tanta energia mágica, os bichos aumentaram absurdamente de tamanho, e foram aumentando, aumentando, até que a carapaça não os conteve mais, e eles simplesmente explodiram... A gosma verde espalhou-se por uma enorme distância, espirrando nas paredes das ravinas.
Mas o fluxo de energia mágica que Jow lançou não se conteve apenas naquele local… Foi percorrendo os intermináveis corredores, e por onde passava, inchava os seres rastejantes até que eles explodissem.
Um brilho iluminou o olhar de Jow.
Aquela podia ser a solução… E foi emitindo mais e mais energia, enquanto percorria na maior velocidade que conseguia, os estreitos entre as ravinas e os paredões cinzentos, e por onde a energia passava, um rastro de destruição e resina verde era deixado nas rachaduras, selando as fendas por onde ela escorria.
Com uma enorme quantidade de fendas lacrada, a energia atraída por Jow foi chegando em menor quantidade, e a massa dourada começou a estagnar, e a enfraquecer.
Por mais que ela tentasse absorver agora, havia um limite onde não conseguia mais… Só que as rachaduras não paravam de se formar, e iam aumentando cada vez mais por onde ela passava… Jow não queria nem pensar no que estava acontecendo nos mundos de fora, quando a única energia que chegava vinha apenas de uns poucos deles. Com certeza estava havendo uma devastação…
Ela estava em um impasse. Como continuava a absorver energia, acabaria destruindo os mundos que ainda tinham fendas… E com isso, todo o mundo intermediário continuaria a ruir, formando mais fendas, e acabando com os universos que estavam conectados a eles. Por outro lado, se não pudesse absorver mais energia, não fecharia todas as fendas, a tempo de conter o cataclisma.
Ela precisava depressa de uma grande quantidade de energia, para completar a sua massa dourada, e sabia de onde ela viria… Era hora de usar os demônios de Grimm. E se aquilo não fosse suficiente para juntar a energia necessária e explodir o resto das lagostas que restaram e selar todas as fendas que sobraram, então não haveria mais esperanças.
Jow usou todos os seus sentidos para entrar em contato com Hans. Esperava que ele estivesse pronto para respondê-la, caso contrário, também não haveria mais chances… E ela não conseguiria cumprir a sua missão.
Lançando a sua mente através das dimensões, Jow alcançou Hans na sala dos mistérios.
Ele estava deitado no chão, ao lado de Valentim, esperando, e havia fendas espalhadas por todo o Mosteiro.
Grimm não se manifestava mais, calado e paralisado pela vontade do mago.
Hans tinha os olhos inchados de tanto chorar, e estava exausto de tanta energia que precisava gastar para manter o Grimm imóvel ao seu lado.
Quando a mente de Jow o alcançou, ele sabia o que deveria fazer. E estava com ódio o bastante para fazê-lo, motivado pela dor de ver Ewelein morta.
“-Agora, Hans, eu preciso de você agora… Venha, me encontre, me traga o Grimm!” - Disse Jow para ele.
Hans disse as palavras do ritual que retirava o selo de magia do corpo de Valentim, fechou os olhos e deixou a mente vagar, atirando-se para fora do seu corpo, seguindo a mente de Jow para dentro do mundo ressonante, enquanto arrastava o Grimm com ele, de dentro de Valentim.
Agarrado ao espírito escuro dele, sentiu-se viajar por um túnel de luz até chegar à presença de Jow, levando com ele todos os espectros que acompanhavam Grimm.
Hans abriu os olhos e se viu no mundo ressonante, onde as lagostas passavam através de sua projeção transparente, ainda atraídas pela magia de Jow.
Grimm, por sua vez, não sabia o que estava acontecendo. Ele apenas se viu livre com os seus demônios, mas a dor que o acompanhava desde a sua morte, e que estava abolida no corpo de Valentim, retornou com toda a força.
Ele começou a gritar. Ali não havia véus. Ali não havia Kratos para anestesiá-lo. Ali não havia mesmo nada… Apenas o vazio, a dor… E a Bruxa.
Grimm olhou apavorado para Jow, iluminada por aquela massa de energia dourada, e tentou correr. Mas o emaranhado de espectros que se prendiam nele não permitia que ele saísse do lugar.
-Saia daqui, Hans! Saia daqui agora! - Gritou Jow para Hans, e viu quando ele ficou cada vez mais transparente até desaparecer.
Hans estava fora.
A hora era aquela.
Jow voltou-se para a massa escura que se formava ao redor de Grimm e chamou para si toda aquela energia negra, enquanto ouvia os gritos e os lamentos dos espíritos atormentados que o cercavam. O cheiro de carniça encheu o ambiente, enquanto Grimm e seus demônios eram atraídos e se fundiam à massa dourada de Jow.
O timing foi perfeito. A energia se completou e explodiu, percorrendo os corredores intermináveis e os estreitos cinzentos do mundo ressonante, inchando e explodindo seus seres por toda aquela dimensão, selando de uma vez por todas as fendas e cessando a ameaça que havia para os mundos externos.
Mas ainda não estava terminado… Uma vez a energia lançada, o fragmento de alma do ceifador, a marca das sombras que habitava a alma de Jow, atraiu de volta toda a energia que ela lançou, causando um redemoinho de forças e criando o vórtice negro, que abriu o portal para o mundo dos Mortos.
E do outro lado do portal, esperando por ela, estava Skull.*****
Diversas fendas se abriram na floresta das Terras dos Feng Huang, mas os bichos que delas saíram tinham voltado para dentro delas, e ninguém tinha entendido o porquê… Até aquele momento.
Os Elementais Anciões e a Deusa escutavam atentamente o que Sion falava.
-Se os bichos voltaram pelas fendas, significa que a Jow já entrou no mundo intermediário. Ela os está atraindo para dentro.
-E como ela pretende fechar essas fendas? - Perguntou a Velha Gnoma.
-Com a resina dos próprios seres daquele mundo.
-Ela não vai conseguir… - Resmungou a Ondina - São muitas.
Sion ficou irritado.
-Ela vai conseguir sim! Eu tenho certeza!
-Por que tem tanta fé nesse bebê? O que o leva a pensar que isso vai dar certo? - Retrucou ela.
-Porque é a única esperança! E eu estou me segurando nela, vocês deveriam estar também! Vermelho como um tomate, Sion sacudia o cajado com a cobra.
-Eu espero que ela consiga. - Disse o Velho Salamandra - Às vezes a solução mais simples é a certa. O que precisa de nós, Sion? Por que convocou esse conselho? A decisão foi tomada, a solução foi mandar o Bebê para dentro das fendas, onde somente ela poderia chegar. Não precisa da nossa aprovação. Pelo visto, já assumiu o seu lugar de Ancião como a Deusa desejava… - Disse ele, Olhando para Tsukiko, que escutava atentamente os argumentos deles.
-Não assumi nada! Eu preciso de vocês para nos ajudar interceder junto à ela… E apontou para Tsukiko - Em outro assunto.
Eles se entreolharam, curiosos.
-Qual seria esse assunto? - Perguntou a Deusa - Deve ser alguma coisa muito absurda, para precisar do apoio do conselho…
Sion tossiu, e prosseguiu.
-Preciso fazer um pedido, Tsukiko… - Falou Sion para a Deusa - Resgatar duas almas do Mundo da Morte.
Os Elementais se olharam de novo.
-E qual é o bem que isso vai acrescentar ao mundo? Esse assunto não nos diz respeito! Aliás… -Continuou a Sílfide - Isso é da alçada de Manannán! Por que Tsukiko iria se meter nisso? Ponha-se no seu lugar, Sion!
Jane, que ouvia calada, não aguentou mais escutar tanto desaforo.
-Porque essa desgraça toda que está acontecendo é responsabilidade de Tsukiko!
-Não fale se não for solicitada, humana! Fique aí atrás e cale a sua boca! - Ordenou a Sílfide, aborrecida pela interrupção.
Jane aproximou-se da bancada de madeira que servia de mesa para o conselho, ignorando a advertência, e colocou as duas mãos na cintura.
-Não me mande calar a boca de novo, sua grossa! Eu vou falar na hora que eu quiser, e vocês vão ter que me ouvir! - Sion fechou os olhos, sabendo que viria uma bomba. - Estou farta dessa palhaçada de conselho e de deuses! Minha vida virou de cabeça para baixo por causa da Tsukiko, eu não pedi para ser uma filha da Lua! Meu marido foi morto por causa dessa asneira toda! Minha única filha foi arrancada de mim por causa disso, e ela também não pediu por isso! Agora ela está lá naquele buraco nojento, com bichos ainda mais nojentos, fazendo o que pode para consertar o erro… O erro da Deusa da Lua! Isso tudo o que está acontecendo, é culpa dela!
-Como assim, culpa da Deusa? Pelo que sabemos, é a sua filha quem está causando isso tudo! É ela a responsável pelas fendas que estão destruindo tudo, e nada mais justo que seja ela a ser sacrificada para consertar isso! - Disse a Sílfide, ofendida. - Além do mais…
Tsukiko a interrompeu.
-Ela tem razão. Isso tudo é minha culpa.
-Não diga isso, Tsukiko, isso não é sua culp….
-Ahhh, cala essa boca, metida, você está falando besteira! - Disse a velha Gnoma para a Sílfide - A mulher tem razão! Se não fosse essa ideia da Deusa de criar um ser que controla cinco elementos, isso não estaria acontecendo! Ela deixou mesmo uma falha, porque quem domina cinco, domina seis, sete, oito, sabe-se lá quantos! Isso ia acabar acontecendo, mais cedo ou mais tarde…
-Está concordando com eles? - Perguntou O velho Salamandra barbudo. - Está pretendendo apoiar essa maluquice do Sion?
-Estou achando isso muito interessante. - Disse ela - Mas só não entendi o porquê de resgatarem essas almas de lá. Quem são exatamente eles?
Jane sentiu que a Gnoma estava do lado dela, e explicou.
-Queremos trazer a alma daqueles que foram indiretamente os causadores disso tudo… Da filha da Lua e do Ceifador, que uniram seus elementos em um único corpo…
-Isso está ficando cada vez mais interessante, hehehe. - Continuou a Gnoma - Uma filha da Lua e um Ceifador? Assim… Juntinhos? - E fez um sinal com as mãos, que deixou Sion bufando de vergonha.
Jane assentiu.
-Sion… Conte para eles a história nos meus ancestrais. Você foi o nosso protetor, e melhor do que ninguém pode esclarecer esse assunto.
E Sion contou, mais uma vez, toda a história de Maeve e de Skull.
Quando terminou, Tsukiko perguntou.
-E por que precisam da minha ajuda e da sabedoria do conselho nesse assunto? Por que eu deveria ajudar esses dois, que quebraram todas as regras de dois Deuses? Esse ceifador rebelde levou a alma de um elemental, quando sabia que era proibido de fazê-lo!
Jane ficou séria quando respondeu.
-Porque foi o último pedido da Jow, antes de partir para essa missão sem volta. Ela nunca nos pediu nada. Nós todos devemos isso a ela. Além disso, Tsukiko… Somos todas nós as suas últimas filhas. E Maeve… Maeve realizou o seu maior desejo.
-Não sei onde está querendo chegar, Jane.
Jane revirou os olhos.
-Eu aprendi tudo sobre as filhas da Lua, Tsukiko. - Disse Jane - Eu sei muito bem que você não as criou apenas para proteger seu povo. Você as criou para realizar o seu desejo de encontrar o amor. E Maeve encontrou, e atravessou dimensões para estar com ele. Eles quebraram sim, todas essas regras em nome do amor, e foi o que você sempre desejou. Além de ser responsável pela Jow estar destruindo o mundo com esse elemento de sombras, você é responsável pelo amor de Skull e Maeve precisar quebrar tantas regras para se concretizar… Jow também está se sacrificando por amor… Para proteger aqueles a quem ela ama. Você nos deve isso, Tsukiko!
-Éééééé!!!!!!!!!!!!!!!!! - Gritou a Gnoma, dando um pulo atrás da mesa - Deve isso a nós! Vai lá, Tsukiko, e traz de volta os amantes que se encontraram além dos portais!!!! - Dizia ela, gesticulando e dando pulinhos. - Manannán não vai negar isso a você… Porque ele é um idiota egoísta que só criou treta no mundo! Se ele tivesse ficado com seu rabinho calmo lá no mundo dele, também não haveria Avatares da Morte! Ele é tão responsável quanto você!
-Tenha mais respeito! - Gritou a Ondina. - Olhe como você está falando com a Deusa!
-Ahhh, ela não liga mais… - Disse a Gnoma - Ela está doidinha para ir lá e trazer os dois de volta… Olha a carinha dela, eu a conheço!
Tsukiko estava pensativa. Pensava no pedido de Jane, no desejo de Jow, e na sua responsabilidade naquilo tudo. Olhou para cada um dos que estavam ali… Todos, reunidos em torno de um problema que ela mesma criou…
-Ao invés de se preocupar com seu próprio amor, Jane… - Argumentou ela - Vem interceder por duas almas que você nem conheceu? - E apontou para Mark - Ali está seu amor, morto, um fantasma… Ao invés de pedir para estar com ele, vem me pedir que resgate almas? Ao invés de me pedir que traga Jow de volta, vem pedir auxílio por dois seres que você nunca conheceu?
Jane endireitou o corpo e disse orgulhosa.
-Eu já tenho tudo o que eu preciso para ser feliz. Eu não preciso de você para ter o amor de Mark. Ele está aqui comigo, e estará para sempre. Eu não preciso que traga Jow de volta… Ela não deseja isso… Eu preciso que assuma suas responsabilidades de mãe, e ajude uma das suas filhas, pelo menos uma… Já que não foi capaz de ajudar nenhuma outra.
-E se eu, “supostamente” concordasse com isso… O que eu deveria fazer com essas almas?
A pergunta ficou no ar.*****
Hans aterrissou de volta na sala dos mistérios, sentindo sua cabeça explodir.
Ele não queria acreditar que Ewelein estava morta. E agora carregaria consigo mais aquele tormento… Além de viver eternamente com a ausência dela.
Ele levantou-se, se escorando nas paredes, e abriu a porta.
O Mosteiro estava deserto.
Hans tinha a roupa branca imunda de gosma verde e vísceras de monstros, sangue e terra, e encharcada de suor.
Pela claridade que entrava pela porta, ele olhou para Valentim, que continuava inconsciente, no chão, e saiu da sala.
Sua mente estava vazia, ele não sabia o que fazer.
Olhou para as rachaduras das paredes, por onde escorria a resina verde, e compreendeu.
Jow tinha conseguido! Ela realmente conseguiu fechar as fendas com a resina dos bichos!
Ykhar veio correndo ao encontro dele, e ao chegar na porta da sala, viu Valentim no chão.
-Oh, Hans… Você conseguiu! Ele está… Está…
-Ele está bem. - Foi o que disse, deixando Ykhar ali, com Valentim, e segurando nas paredes para sair dali.
-Espere Hans! Tenho que te dizer uma coisa!
-Não quero ouvir nada, Ykhar!!! Me deixe em paz!
-É sobre a Ewelein, Hans… Ela… Ela não está morta.*****
Na Costa de Jade, quando Jow explodiu as fendas, os faeries que aguardavam junto a elas foram pegos de surpresa pelo deslocamento da energia dourada. A resina verde começou a sair por elas e a endurecer, selando de vez as aberturas.
No porão, Ezarel, Nevra e os demais guardiões já não tinham mais forças para batalhar contra os bichos que não paravam de sair das fendas, até que eles começaram a entrar nelas de volta.
-Nevra! Olha! Eles estão voltando! Estão sumindo!
-Estão voltando pras fendas? Será possível, Ezarel? Estarão atrás da Jow?
-Não fala isso, pelo amor da Deusa!
-Tá bem! Mas já falei! O que mais poderia atraí-los de volta para lá? Claro que é ela!
-Então ela deve sair a qualquer momento! - Disse Ezarel, cheio de esperança.
Os guardiões, exaustos, deixavam-se cair no chão, a despeito da gosma verde e fedorenta que cobria tudo, agradecidos pelos bichos estarem sumindo.
Ezarel correu para junto da maior das rachaduras, ao redor da fonte parcialmente destruída, e olhou lá dentro, tentando ver alguma coisa.
Com a maior alegria, ele viu uma luz dourada se aproximando e aumentando cada vez mais de intensidade.
-A Jow está vindo! - Gritou ele para Nevra.
Foi quando uma enorme explosão de luz dourada saiu das fendas, atirando-o para longe.
Ele foi arremessado com toda a força para o outro lado do porão, batendo com as costas e a cabeça na parede e caindo no chão, inconsciente.
-Ezarel! - Gritou Nevra, indo de encontro ao amigo, e checando seu pulso - Ahhh, está vivo!
Um filete de sangue escorreu pelo ouvido esquerdo de Ezarel. E Nevra sabia que aquilo não era nada bom… Sangue saindo do ouvido significava fratura do crânio!
-Me ajudem aqui! - Berrava Nevra para os outros - Vamos levar o Ezarel lá pra cima! Ele precisa da equipe médica!
Mesmo exaustos, os soldados de Nevra carregaram Ezarel escadaria acima.
A gosma verde que escorreu das rachaduras, endureceu ao contato com o ar, e veio mesclada com um material dourado que pertencia à energia de Jow.
As fendas estavam fechadas.
Rachaduras por todo o QG estavam seladas com aquele material verde reluzente.
Não havia mais nenhum bicho vivo lá, e o pessoal começou a gritar e comemorar.
Leiftan, Eychi e Miiko começaram a levar os feridos para a enfermaria improvisada no jardim dos fundos do QG.
Kazai estava de volta, pois nenhuma lagosta saiu das fendas da cascata. Quando a explosão dourada espalhou resina por toda a clareira, ela voltou.
Amikoh auxiliava os guardiões de Eel a socorrer os feridos, quando a viu.
-Ela voltou? - Perguntou ele para Kazai. A Salamandra fez que não com a cabeça. - Será que ela saiu pela fenda onde está o North?
-Ela não saiu pela fenda onde estava o Ezarel?
Amikoh sacudiu a cabeça.
-Não. E o Ezarel não está nada bem. Eu vi quando subiram carregando ele.
-Pela Deusa! Preciso ir vê-lo… Só nos resta esperar o North voltar. Agora eu tenho certeza de que a Jow não saiu, Amikoh.
-Como assim? Tem certeza? Por que ela ficaria lá?
-Porque ela me disse que faria isso.
Última modificação feita por Especttra_ (17-07-2019, às 16h54)
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Capítulo 16 - Final - Parte 1
Jow não tinha mais para onde ir, a não ser ao encontro de Skull.
Ela nunca pretendeu voltar pelas fendas, antes de fechar a última.
Olhou a massa de energia dourada se esvaindo pelo mundo cinzento, enquanto ceifadores pescavam as almas de Grimm e dos seus espectros com as suas foices.
-Jow… Você conseguiu… - Disse Skull. E vendo que ela pretendia cruzar o portal - Pare aí mesmo! Se entrar aqui, não conseguirá mais sair! Pense bem, antes de fazer isso! Jow… Não!
Mas ela apenas atravessou o vórtice negro, ignorando os apelos de Skull.
Skull estendeu a mão para ela, e Jow a segurou… E quando ela pisou no mundo dos mortos, o portal se fechou, deixando para trás tudo aquilo que Jow conhecia.
Sua mente começou a ficar confusa, e suas memórias foram lentamente sumindo, enquanto ela caía no esquecimento.
-Teimosa como uma mula… Teimosa como Maeve… - Disse ele, com um olhar triste, balançando a cabeça em desaprovação. - Venha comigo, teimosa.
Skull a conduziu por uma estrada cinzenta, que aos poucos foi ganhando mais e mais cores, e as pedras escuras e pontiagudas que cercavam a estrada foram dando lugar a flores coloridas e perfumadas.
Quanto mais se afastavam dos limites que cercavam o mundo dos mortos, mais bonita e colorida a paisagem ia ficando.
Jow deixou-se levar pela mão de Skull por aqueles caminhos, e escutava vozes dentro da sua mente.
“- Ela não é um de nós…”
“- Não é um de nós…”
“- Ela não pertence a esse mundo…”
“- Seu lugar não é aqui…”
“- Ela não tem uma alma…”
Cada vez mais confusa, e com menos entendimento a cada minuto que passava ali, Jow ia perdendo o raciocínio consciente, caindo no esquecimento, e apenas continuava seguindo com Skull pelas belas paisagens.
-Somente a periferia desse mundo é escura e cinzenta. - Explicava ele - O interior do mundo das almas é belo e cheio de cores… Aqui são abrigadas as almas coletadas, e depois são preparadas pelos Espíritos Superiores, Guardiões das Almas, para prosseguir na jornada da existência.
Ele finalmente parou em frente a um enorme portão de madeira pesada, onde a hera crescia verde e viçosa.
Uma roseira trepadeira cheia de cachos de pequenas e delicadas rosas vermelhas se enroscava nas outras plantas que funcionavam como cerca viva daquele jardim secreto, dentro do mundo dos Mortos.
Jow olhava para aquilo tudo, sem se manifestar, e entrou com ele.
Skull levou Jow pela mão até o centro do jardim, onde dormia a alma de Maeve, sobre uma plataforma de flores perfumadas.
Chamas coloridas pairavam ao redor dela.
Mesmo sabendo que Jow já não tinha mais entendimento de nada que estava ao seu redor, Skull falava com ela como se ela pudesse compreender.
-Esse é o nosso jardim secreto. As flores da Terra crescem aqui, alimentadas pela luz da alma de Maeve. Ela está dormindo assim desde que chegou aqui… Esperando pelo fragmento de alma que faltava.
Skull apontou para as chamas coloridas que ondulavam pelo jardim.
-Essas chamas são todo o amor que eu consegui em barganha, através dos séculos. Elas alimentaram a alma de Maeve, para que ela não enlouquecesse aqui… E foi aqui que eu a mantive adormecida e escondida, por todos esses séculos. Mas agora que você veio, ela pode despertar.
Jow olhou para ele sem compreender. Ela não compreendia mais nenhuma palavra que lhe era dita. Seu corpo etéreo começou a ficar cada vez mais transparente.
-Em breve você não vai mais existir aqui, meu bebê… E eu me pergunto por que você fez isso por nós. Você poderia simplesmente ter voltado para a sua terra. Mas cumpriu a sua promessa, e nos trouxe um pingo de esperança. Mesmo que a Deusa não aceite o seu pedido, estar com Maeve consciente mais uma vez, pelo menos por um segundo, vai ter valido a pena.
Skull abraçou Jow, e deu-lhe um beijo na testa, e dos olhos dela saiu uma luz violeta, que retornou para o peito de Skull. Era o fragmento de alma que pertencia a ele. Em seguida, outra luz, dessa vez de coloração azulada, deixou os olhos de Jow, flutuou sobre Maeve e penetrou pelos olhos dela.
A Elfa abriu os olhos e olhou ao redor, e sentou-se, reconhecendo Skull.
Um grande sorriso se abriu no rosto dela, e ela saltou de onde estava e atirou-se nos braços dele.
-Eu consegui! Consegui encontrar você, corvinho!
Skull choraria, se fosse capaz de chorar. Abraçou Maeve com força. Como diria a ela que só teriam alguns segundos juntos? Que em breve, O Deus da Morte o encontraria, e o requisitaria para seu controle, e que ele deixaria de raciocinar? Como dizer a ela, que ela seria entregue aos Espíritos Superiores, que a preparariam para outra existência? Uma existência sem ele, e que eles jamais ficariam juntos, como planejaram?
Ele não conseguia dizer nada. Apenas abraçou Maeve e ficou ali, sentindo a energia pura dela.
Até que Maeve reparou na presença de Jow.
-Quem é essa criança?
-Essa é a Jow, uma filha da Lua… Nossa descendente, Maeve… Descendente da nossa filha.
Maeve entristeceu.
-Ohhh! Me perdoa, Skull! Me perdoa por ter escondido isso de você! Eu precisava protegê-la, eu precisava! Eu a deixei com os humanos, a guerra… Eu…
-Não se preocupe, Maeve… Sion me contou tudo. Ele cuidou dela, como cuidou de você… E ela foi feliz, e teve suas filhas, e suas filhas tiveram filhas… Até a Jow.
-Mas como assim… Como… Por que ela está aqui? E por que parece tão… Perdida?
Jow tinha o olhar longe, quando Maeve aproximou-se dela, e segurou sua mão.
-Maeve… Quando nossa filha nasceu… Fragmentos da nossa alma ficaram com ela. Da minha e da sua. E quando você chegou aqui, sua alma não estava completa. Por todos esses séculos…
Maeve o interrompeu.
-Séculos?????????? O que você quer dizer com isso? Eu não acabei de chegar?
-Não, Maeve, você esteve adormecida por séculos aqui, enquanto eu estive em busca do fragmento que faltava na sua alma, para que você saísse do esquecimento… Esse fragmento estava com a Jow. E foi por ela ter aberto o portal para cá, que eu pude devolvê-lo a você.
Maeve cobriu a boca com a mão. Então ela tinha ficado ali por séculos? Por causa do fragmento que faltava?
-Jow acabou de cumprir uma missão muito importante no mundo dela. Eldarya estava em perigo.
-Eldarya? O novo mundo? Para onde nosso povo foi?
-Sim, Maeve. Esse mundo estava desmoronando, e Jow foi o sacrifício para que ele fosse salvo. E veio lhe devolver o fragmento que faltava da sua alma. Mas em troca… Ela pediu que você abrigasse o fragmento de alma que viesse para cá com ela. Um fragmento dela… Você aceita?
-Mas… Se a alma dela ficar incompleta também… Ela não vai esquecer de tudo, como aconteceu comigo?
-Esse corpo etéreo dela já vai se desfazer. O restante da alma dela está seguro em Eldarya. Mas ela deseja o esquecimento, e para não correr o risco de se lembrar do seu passado, quer deixar um fragmento de alma com você.
Maeve olhou tristemente para Jow e acariciou seu rosto.
-Ahh, ela é tão linda e cheia de luz! Claro que eu aceito! Nossa filha se pareceria com ela? Quando tivesse a idade dela?
-Ou com você, Maeve… Aposto que ela também era linda.
Maeve então abraçou Jow, com o coração apertado. E o corpo etéreo de Jow se desfez em névoa dourada, libertando o fragmento da sua alma que animava o seu corpo. Uma pequena chama dourada pairou na frente de Maeve e alcançou seu peito, se fundindo à alma dela. Maeve sentiu uma alegria imensa, quando recebeu a chama dourada de Jow na sua alma.
-Está terminado. - Disse ele.
-E agora? O que acontece?
-Agora eu preciso lhe contar o que vai acontecer de verdade... E eu espero que você me perdoe, meu amor.*****
A Equipe médica de Eel trabalhava como nunca.
Ezarel estava inconsciente em uma maca, e alguém lhe enfiou um tubo endotraqueal, para que ele respirasse com o auxílio de um ventilador manual, chamado ambu.
Nevra permanecia ao lado dele, percebendo que a coisa não estava nada boa para o lado do Elfo.
-O que vão fazer para ajudá-lo? - Perguntava ele ao enfermeiro, que bombeava ar para Ezarel. - Enfie uma poção nele, ao invés de um tubo na goela dele! Fure a veia dele!
-Ele tem uma fratura extensa no crânio… E um hematoma monstro deve estr comprimindo seu cérebro, por isso ele não consegue respirar sozinho... Ele precisa de cirurgia, Nevra! Poções não vão funcionar agora!
O Vampiro estava irritado.
-Então opere ele logo! O que vocês estão esperando?
O enfermeiro sacudiu a cabeça.
-Não temos o material necessário para isso aqui! E a Ewelein… - E o enfermeiro apontou para a Elfa, que também estava inconsciente sobre uma maca, com Hans agarrado a uma das mãos dela - A Ewelein está naquele estado, e sabe-se lá quanto tempo vai levar para acordar! E mesmo que estivesse acordada… Ela não seria capaz de ajudar o Ezarel em uma neurocirurgia!
-Pela Deusa! Precisamos fazer alguma coisa! Se ele está assim tão mal, vai morrer se a gente não fizer nada! Faça algo! Por favor!!
O enfermeiro apontou para as diversas macas e colchonetes que estavam espalhadas pelos jardins, cheios de guardiões feridos.
Entre eles, Valentim descansava, com Ykhar ao seu lado.
-Temos muita gente para ajudar aqui. E são pacientes que têm chance de sobreviver. O Ezarel não tem nenhuma. Não com as condições que nós podemos oferecer. Infelizmente, temos que ser práticos. Vou mantê-lo confortável até o fim, mas vamos dar prioridade a quem tem chance, Nevra.
Nevra deu um soco na maca em que Ezarel estava, e o enfermeiro deu dois pulos para trás.
-Droga! Seus inúteis! Preciso fazer alguma coisa, já que vocês desistiram! - E saiu dali, batendo os calcanhares com tanta raiva, que marcou o gramado.
O rapaz suspirou, e voltou a sua atenção para o seu paciente. A única coisa que ele podia fazer, era manter Ezarel ventilado, até que ele morresse.
Nevra saiu dali e foi procurar Miiko. Ela precisava dar um jeito naquilo! Não podiam aceitar assim, com aquela facilidade, que o Ezarel fosse deixado para morrer!
-Miiko! - Berrou ele, entrando na sala do cristal. Ali com ela estavam Eychi e Leiftan. - Precisamos ajudar o Ezarel! Um enfermeiro me disse que se ele rachou a cabeça, e se não for operado, vai morrer!
-E o que você sugere? Que eu mesma vá lá e o opere? - Disse ela, com amargura - Eu não sei fazer cirurgia!
-Miiko, que droga! Também está aceitando que ele morra assim tão fácil? Não estou acreditando! Faça alguma coisa!
-Não posso fazer nada!
-Miiko - Disse Leiftan - Talvez possamos levá-lo para a Terra, para a medicina humana…
Miiko arregalou os olhos.
-Enlouqueceu, Leiftan? Os humanos finalmente nos esqueceram! E você quer que a gente vá lá mostrar que existimos, e ainda levar um Elfo para ser operado por eles? Logo um Elfo?
-Oh, Miiko… - Disse Eychi - E se fosse a Hua morrendo? Você pensaria diferente?
Miiko piscou várias vezes, antes de responder.
-Isso não tem nada a ver!
-Tem sim! Tem a ver com amor! Tem a ver com amizade! Tem a ver com consideração! A Jow sumiu nas fendas pra poder consertar os mundos, pra proteger aqueles a quem ela ama! E o mínimo que a gente pode fazer por ela, é proteger quem ela ama, e tentar salvar o Ezarel, não é verdade? Porque ele pode ser salvo se for operado, você não ouviu o Nevra?
-Mas não temos mais nenhum contato lá! Como faremos isso?
Leiftan sorriu.
-Temos sim. Temos o Marcos. Ele é nosso aliado.
-O Marcos já não estava na Terra quando a poção do esquecimento foi espalhada em Eldarya? Como ele pode ser nosso aliado?
-Ele ainda estava aqui quando a poção foi dispersada. Ele não nos esqueceu. E eu e o Darien mantivemos contato com ele. Ele pode nos ajudar.
-Então levem-no para lá! Eu não vou nem perguntar como vocês vão fazer isso, o Darien nem está aqui! Peçam a um mago… Sei lá! Apenas façam!
Leiftan assentiu e saiu com Nevra.
Logo, uma poção para abolir os traços faeries estava sendo injetada em Ezarel.
Suas orelhas ficaram redondas e seus cabelos castanhos.
Ezarel foi levado por Leiftan e um enfermeiro para a garagem subterrânea do hospital Escola, através de um portal aberto por um dos magos. Depois eles subiram a rampa da garagem empurrando a maca com rodas, e deram entrada pela emergência carregando Ezarel, entubado.
A equipe de urgência assumiu o caso, enquanto Leiftan entrava em contato com Marcos, através do telefone do Hospital.
Ele estava de folga naquela noite, mas retornou para o hospital assim que recebeu a ligação de Leiftan.
Em alguns minutos, estava na Emergência.
Após examinar Ezarel junto com a equipe, Marcos perguntou.
-O que afinal aconteceu com ele? Parece ter uma fratura enorme no crânio!
- Sofreu um traumatismo craniano após uma queda. - Disse o enfermeiro
-Eu devo perguntar como aconteceu?
-Você não vai querer saber, Marcos. - Declarou Leiftan - Acha que podem operá-lo?
-Ele já está sendo preparado para a cirurgia. Com certeza podemos operá-lo. Mas se ele vai sair dessa, só o tempo dirá. E se vai ficar com sequelas… Não dá pra saber. Bem, vou entrar com a equipe de plantão. Minhas habilidades sempre são úteis em casos complicados…
-Sempre modesto… - Disse Leiftan - Espero que tenha metade da competência que você acha que tem, Marcos.
Marcos riu.
-Eu tenho. O mínimo que posso fazer pela Jow, depois do idiota que eu fui com ela, é salvar a vida do namorado dela… Falando nisso, como ela está?
Leiftan respondeu sem piscar.
-Está viajando em uma missão… Ainda nem sabe o que aconteceu com ele.
-Bem… Então, quando ela voltar, digam a ela que ela me deve essa. E agora, se me dão licença… Vou lá em cima, salvar a vida do meu rival. Ah… Quase me esqueci. Ele não pode ir para o centro Cirúrgico com objetos pessoais. A enfermagem pediu que eu lhes entregasse isso… - E estendeu para Leiftan o cordão com a tartaruga de jade. Depois juntou-se à equipe, que já levava Ezarel para dentro do elevador.
O enfermeiro olhou para Leiftan, desconfiado.
-Ele é confiável? Me pareceu que ele detesta o Ezarel!
-Ele é confiável sim. É besta, mas é o mais competente, não se preocupe com isso.
-Vamos ficar aqui?
-Claro! - Disse Leiftan - Só saio daqui quando terminar essa cirurgia!*****
Skull e Maeve estavam abraçados, quando a figura imponente de Manannán surgiu no Jardim Secreto.
“-Então finalmente eu encontrei você… Achou que podia se esconder de mim por toda a eternidade?”
Skull não disse nada, mas Maeve protestou, enfiando um dedo na cara do Deus.
-Deixe ele em paz! Você tem milhares de ceifadores aqui para servi-lo, por que precisa de mais um?
“-Infelizmente, as coisas não funcionam assim. E você também não deveria estar aqui.”
E silenciou Maeve.
Quando estava prestes a dominar completamente a mente de Skull, Tsukiko surgiu ao lado dele.
“-Eles são meus, Manannán! Não toque nele!”
“-Era só o que me faltava! A Deusa da Lua e da Fertilidade metendo o bedelho no meu domínio! Saia daqui, Tsukiko, vá procriar! ”
“-Se você fosse capaz de controlar seus ceifadores, seu estúpido, eu não precisaria estar aqui! Esse ser aí ceifou um dos meu elementais! E ele sabia que estava quebrando regras!”
“-Ótimo, eu vou puni-lo por causa disso. Obrigado por me avisar…”
“-Não, sou eu mesma quem vai puni-lo por isso! Você me deve isso, Manannán! Entregue-o a mim, que ele terá o que merece! E essa alma que está com ele, ela me pertence. Eu tenho planos para ela, e neles não está a reencarnação por vias naturais.”
O Deus da Morte deu de ombros. Se Tsukiko queria estraçalhar um ceifador com as próprias mãos, problema dela. Ele tinha outros. Não precisava mesmo de mais um.
“-Pegue o que quer e saia daqui! Como se não bastasse a insubordinação dele, e você ainda entra aqui para me afrontar! Quer mesmo me desmoralizar assim?”
“-Eu estou corrigindo um erro que eu cometi. E você também deveria fazer isso de vez em quando. “
“-Eu não tenho mais Avatares, se é a isso que se refere.”
“-Eu também não tenho mais. Não precisamos mais disso, Manannán.”
“-Agora suma daqui, Tsukiko! Volte depressa para o seu mundo, e deixe o meu em paz!”
A Deusa fez uma reverência, e com um gesto da mão, transformou Skull e Maeve em duas chamas azuis, desaparecendo com eles do Mundo dos Mortos.*****
Com o final da invasão dos seres das fendas, Valkyon mandou um mascote para Eel, pedindo a Darien que fosse buscá-los.
E North retornou para Eel assim que as fendas foram lacradas, com a certeza de que Jow não saiu por nenhuma fenda da Costa de Jade. Teria ela saído por alguma outra em Eel? Bem que ele deveria ter ficado lá, como ela pediu! E se ela tivesse precisado de ajuda mesmo? Como ele ia saber, já que não estava no lugar que ela pediu?
Agora teria que lidar com a ira dela. Será que ela o perdoaria? Será que o rejeitaria, como disse que ia fazer, se ele não atendesse seu pedido de ficar em Eel?
Quando chegou, encontrou o caos.
Fendas fechadas por todos os lados, guardiões feridos, o quartel parcialmente destruído, casas do refúgio desabadas… A coisa tinha ficado bem feia lá!
North viu Kazai e Amikoh ajudando os feridos, foi até eles e perguntou logo.
-Onde está a Jow?
Amikoh e Kazai se olharam, sem responder.
North insistiu.
-Me respondam! Me digam que ela está aqui, pelo amor da Deusa!!!
Kazai olhou para ele com o olhar triste e sacudiu a cabeça.
-Ela não está aqui.
-O QUE???? COMO ASSIM??? ELA NÃO SAIU POR UMA DAS FENDAS DAQUI???
-Não. - Respondeu Amikoh, bastante aborrecido - E a Kazai sabia que ela não ia sair!
North olhou para Kazai com uma dor indescritível. Ele não queria acreditar que estava escutando aquilo.
-Kazai? - Perguntou ele. - Me conte a verdade, Kazai! Você sabia que a Jow não ia sair?
Os cabelos de North tinham espuma nas pontas.
-Calma, rapazes… Eu… Não podia contar… Senão vocês iam tentar impedi-la!
-Kazai… Eu vou matar você! - Berrou North transtornado - Como pôde esconder uma coisa dessas da gente?
-Sion também sabia. - Disse Amikoh, entregando tudo - Ele nem está aqui, North, ele se foi! Ele partiu com Mark e Jane para as Terras dos Feng Huang… Foram até o conselho dos Anciões… E foram invocar Tsukiko!
-Eu vou enlouquecer… - Disse North andando de um lado para o outro - Vocês não podiam ter feito isso comigo! Jow não podia ter feito isso comigo! Pra que eles foram invocar Tsukiko? Pra trazer a Jow de volta? Diz que é pra trazer a Jow de volta!
Kazai não respondeu, embora os dois estivessem olhando para ela, esperando por uma resposta.
-Eles foram fazer o que a Jow pediu. E isso não é da minha conta! Eu também apenas fiz o que ela me pediu! - Disse ela, desaparecendo nas chamas.
-Kazai! Sua desgraçada, volta aqui! - Berrava North.
-Calma, Garoto… Tenha calma, vamos raciocinar… A Jow deve ter seus motivos de não ter voltado… Precisamos conversar com o Sion, e espremer mais a Kazai, porque ela não está nos contando tudo!
-Se eles foram para as Terras da Hua, a Miiko sabe de alguma coisa! E o Ezarel… Ele deve saber também!
-O Ezarel está entre a vida e a morte, North. Ele se feriu gravemente no porão, e está sendo operado por humanos na Terra. E se ele souber de alguma coisa, com certeza não estará em condições de nos contar… Isso, se ele sobreviver.
North arregalou os olhos. Aquilo parecia um pesadelo. Quando ele pensou que tudo estaria acertado, que tudo ficaria bem, mais desgraças eram derramadas sobre eles.
-Eu… Não sei o que fazer, Amikoh… Me diga o que fazer… Me ajude… Eu tô perdido!
-Vamos conversar com calma, garoto. Coloque a razão na frente da emoção. Pelo que eu ouvi a Kazai dizer, o Hans levou o Grimm e sua energia podre através das fendas para completar a energia da Jow. Isso quer dizer, que ela além de fechar as fendas, conseguiu se livrar dele. Tem muita coisa que eu não sabia, que descobri hoje, através da Kazai. E eu vou te contar tudo, porque você, mais do que ninguém, merece saber. Venha comigo. Vamos sair daqui.
Amikoh levou North para a praia, onde contou para ele tudo o que descobriu sobre o portal para o mundo de Skull. Contou tudo o que Sion omitiu deles todos, sobre o fato da Jow ter feito exatamente o que Maeve fez, no passado… Depois de absorver a energia dos mundos, ela a explodiu e abriu o portal para o Mundo dos Mortos. E provavelmente, foi era para lá que ela tinha ido.
North estava revoltado com aquilo tudo, e mais revoltado ainda pelo fato de Kazai e Sion estarem cientes daquilo, e terem escondido deles.
-Eu vou arrancar a cabeça do Sion!
-Eu adoraria fazer isso também. Mas isso não vai trazer a Jow de volta de lá.
- E o que vai trazer?
- Quem sabe não foi isso realmente que a Jane foi pedir para Tsukiko? Que ela traga a Jow de volta?
-Depender da Tsukiko é pior do que depender de um camelo!
-Mas é tudo o que temos, North… Temos que ter esperança… A Jow vai voltar pra gente, pode ter certeza.
-Como tem tanta certeza? Da última vez, ela não voltou!
-Mas vocês foram buscá-la... Não foram?
-Porque a Kazai e o Ezarel estavam do meu lado! Mas agora eles não estão!
-A Kazai sempre esteve do lado da Jow. Se ela e o Sion fizeram isso, foi a pedido daquela melequenta, eu tenho certeza… Haverá sempre uma forma de termos a nossa Jow de volta. E você… Não precisa do Ezarel para amar a Jow.
-Amikoh, vamos logo conversar com a Miiko… Ela deve saber de alguma coisa… E com o Hans…
-Podemos ir, North. Mas você deve manter a calma. Porque senão, ninguém vai nos ajudar.
-Quero ter notícias do Ezarel. Eu preciso saber se ele está vivo!
-Por quê? Porque se ele morrer, você elimina a concorrência?
-Não fala bobagem! Não é nada disso!
-North… O que a Jow falou para você, antes de partir? Lembra de alguma coisa importante, que pode dar uma pista do que ela pretendia fazer?
North ficou mais nervoso.
-Ela me disse que quando voltasse, ficaria comigo. Só comigo, Amikoh!
-Ela disse isso pra você? Acha que ela estava blefando?
-Se ela estava me enganando, foi muito cruel da parte dela! Mas eu acredito, Amikoh! Eu quero acreditar que ela vai voltar para mim… - E mostrou o anel de gelo verde - Ela me pediu para lhe devolver o anel que eu fiz para ela, e que ela aceitaria o compromisso de ficar ao meu lado...
-Ela não mentiria sobre uma coisa dessas, sabendo que ia magoar você. Eu acho que ela estava sendo sincera.
-Então você acha que ela vai voltar? - Perguntou ele, cheio de esperança.
-Eu acho que ela vai voltar para você, garoto, como ela prometeu. E quando ela voltar, você deve devolver esse anel para ela, como ela pediu. Venha, vamos falar com a Miiko.
E se teleportaram para a sala do cristal.
Havia rachaduras por todas as paredes, seladas pela resina verde. O cristal estava intacto, para a surpresa de todos.
Quando Amikoh entrou com North, Miiko suspirou.
O que diria para eles? Como contar meias verdades para todo mundo, sem se sentir um monstro? E olhou para o anel no dedo de North, sentindo um aperto no peito. O mínimo que podia fazer, era contar para ele a verdade sobre o anel. Para evitar que ele o perdesse e causasse uma desgraça ainda maior. E quando Ezarel retornasse… Se ele retornasse… Também contaria para ele a verdade sobre a tartaruga de jade.*****
Tsukiko encontrou-se com Jane no Templo de Fênix, como tinha prometido.
-Então? - Perguntou ela, ansiosa, olhando firme para a Deusa - Conseguiu trazê-los?
-Claro. Sou uma Deusa. Eu sempre consigo o que eu quero.
Jane revirou os olhos. Depois abraçou Hua.
-Obrigada por tudo, Hua. Obrigada por nos ajudar, e por salvar a alma da Jow. Se não fosse por você…
-Eu não fiz nada que não deveria ser feito, Jane. E nada que não fosse o que a Jow queria. Agora a decisão é sua, de fazer o que a Jow te pediu.
Sion estava sério e calado, e Karuto ansioso.
-Tem certeza de que vai fazer isso sozinha, Jane? - Perguntou Tsukiko, mais uma vez para ela. - Não precisa da minha ajuda?
-Tenho certeza sim. Mas eu vou precisar da sua ajuda depois… E pode ter certeza de que eu vou chamá-la… Mãe.
Tsukiko ficou emocionada ao ouvir Jane chamá-la de Mãe, e sorriu. Podia ter sido um deboche, podia ter sido uma brincadeira, mas significou muito para ela.
Jane segurou a mão de Mark e despediu-se mais uma vez de Hua.
-Adeus, Huang Hua. Vamos, Tsukiko. Pode nos levar agora.
E Tsukiko levou Jane, Mark, Sion e Karuto para a Arena da Lua de Jane… Onde ela planejava recriar Jow a partir da sua alma… Da forma que Jow pediu.
Huang Hua decidiu mandar uma mensagem para Miiko através de um mascote. Sua missão ainda estava longe de estar terminada, mas ela precisava dividir com a sua companheira tudo aquilo que havia acontecido, e informar o sucesso da primeira parte da sua missão.
E animada, sentou-se na biblioteca, com pena e pergaminho em mãos, e começou a
escrever…
“ Querida Miiko.
Nossa Deusa da Lua não nos decepcionou dessa vez, e resgatou as almas de Skull e Maeve, como a Jow pediu.
Ela acabou de levar Jane para a Arena da Lua, com Mark, Sion e Karuto.
A sorte está lançada.
Eu realmente não sei se o que ela está planejando fazer vai dar certo… Mas eu quero apostar que sim… Eu preciso acreditar que sim. Eu quero muito que dê certo, porque é o que a Jow deseja.
Afinal, fizemos tantos sacrifícios para que tudo acabasse bem, que não seria justo não acabar bem. Eu acho que o destino não quer que nada dê errado, porque até aqui, ele nos premiou… Apesar de tudo.
As fendas estão fechadas, os mundos estão seguros… E se a Jow conseguiu, nós vamos conseguir também, cumprir a nossa parte do acordo.
Isso vai ser muito desafiador, mas será maravilhoso!
Por favor, meu amor, me dê notícias de Eel… Estão todos bem? Os artefatos com os fragmentos de alma estão seguros?
Como estão os rapazes, Ezarel e North? Acho que agora eles devem saber da importância dos objetos que carregam.
Aguardo ansiosa a sua resposta.
Com amor,
Huang Hua.”*****
North olhava para o anel sem acreditar no que estava ouvindo.
-Então… Nesse anel… Tem um pedaço da alma da Jow? E ela o confiou… A mim?
-Claro que sim. Afinal você é o amor dela, North. Sempre foi seu Guardião… Ela não poderia escolher ninguém melhor.
Miiko omitiu o fato de que Ezarel também tinha um daqueles. North não precisava saber disso, nunca.
-Por isso ela me pediu para devolver quando ela voltasse… Voltasse pra mim?
-A alma dela está incompleta, e quando for a hora, você deve devolver essa parte para ela.
-Mas… Como? Quando?
-Apenas coloque o anel no dedo dela, quando tiver certeza de que deve fazer isso. Os fragmentos de alma encontrarão o caminho sozinho, North.
North ainda estava em desespero.
-O que eu devo fazer? Devo ficar aqui? Devo esperar por ela aqui? Devo procurar por ela em algum lugar? E se ela estiver na Terra?
-Jane vai restaurar a alma dela na Arena da Lua, como ela pediu. Quando ela estiver pronta, acredito que ela voltará para você, onde você estiver.
North abriu um enorme sorriso, e a espuma dos seus cabelos desapareceu. Mas depois ele ficou sério.
-E o Ezarel?
O olhar de Miiko escureceu.
-Ezarel está muito mal, North. Não sabemos se ele vai sobreviver. E se sobreviver, não deve saber da nossa conversa aqui. Você não deve falar sobre isso com ninguém, muito menos com ele.
-Jow não voltaria para cá para ficar comigo, correndo o risco de magoar Ezarel. Eu tenho certeza de que ela não faria isso. Ela não vai voltar para cá. - Disse North, com toda a certeza do mundo.
Miiko admirou a inocência da Ondina. Nem ele, nem Ezarel, nunca saberiam a verdade inteira.
-Eu quero ir para a Arena da Lua de Jane! Eu… Eu não posso suportar esperar assim!
-Isso é impossível, garoto. - Disse Amikoh, falando pela primeira vez, depois que Miiko revelou tudo aquilo. - A Arena da Lua fica dentro da alma de Jane, e nós não podemos invadir a alma dela. Se ela nos quisesse lá, teria nos levado para lá com ela.
-Mas o Sion foi! Por que o Sion foi?
-Não sabemos se o Sion foi, North. Só sabemos que ele não está aqui! - Falou Amikoh, com firmeza. - Ainda podemos tirar alguma informação da Kazai… Vamos?
North assentiu, eles agradeceram Miiko e desapareceram.
A Kitsune suspirou, aliviada, olhando ao redor.
Agora sua maior preocupação era consertar o QG e esperar notícias de Ezarel. Ela também esperava notícias de Huang Hua, sobre como as coisas andaram do lado de lá. Em breve, receberia um mascote, e estava ansiosa para saber.*****
-Vocês dois vão voltar comigo! - Gritava Valkyon para Chrome e Kiyoto - Nunca mais vão ficar longe da minha mira!
Os garotos protestavam.
-Mas a gente não quer voltar!
-Vocês vão voltar e vão ficar sob a minha supervisão por uns oitocentos milhões de anos, no mínimo!
-Mas eu não sou da sua guarda, eu sou da Sombra! - Berrou Chrome.
-E eu da Absinto! - Berrou Kiyoto.
-Não interessa. Com certeza, seus chefes não se importarão que vocês continuem nas suas guardas, mas sob as minhas ordens! E se preparem para polir muitos escudos e afiar muitas espadas. E pagar um milhão de flexões todos os dias pela manhã! Nunca vão se esquecer de que estão de castigo!
Chrome bufou, irritado.
Mas Kiyoto, repentinamente, concordou com tudo.
-Ok, Valkyon. Então vamos voltar com você. Venha, Chrome, vamos pegar nossas coisas. Não queremos que o Darien espere muito, não é mesmo? -E puxou Chrome dali, correndo com ele em direção à vila brownie.
-Valkyon… - Disse Darien - Você não acha que ele concordou muito depressa? Eu achei que eles iam choramingar mais!
-Eles perceberam que eu estou certo, e decidiram obedecer, pelo menos uma vez na vida. Em algum momento, esses moleques têm que amadurecer, você não acha?
Darien sacudiu a cabeça, desconfiado. Do jeito que ele conhecia aqueles adolescentes, ele sabia que não ia prestar. Alguma coisa errada eles estavam tramando, com certeza!
Quando Valkyon retornou pelo portal de Darien com os demais guardiões que estavam na Costa de Jade, Miiko comemorou.
Ela tinha mandado dar prioridade aos reparos na enfermaria, para que pudessem levar para lá os feridos.
Quem estava bem para se restabelecer em seus quartos, foi liberado.
Ewelein despertou do “sono da morte aparente”, e encontrou Hans ao seu lado.
O mago sorriu para ela, quando ela abriu os olhos, e ela percebeu que ele tinha o rosto inchado de tanto chorar.
-Ewelein… Me perdoa… - Começou ele.
-Shhhhh… - Disse ela, colocando um dedo nos lábios dele - Não diga nada. Eu não tenho que perdoar nada. Me perdoa você, por deixar você pensar que eu morri…
-Eu pensei que tinha perdido você!
-Eu sei. Você não pode viver sem mim…
-Pode ter certeza disso… Eu não posso mesmo…
Hans deitou a cabeça ao lado de Ewelein, e a abraçou.
-Eu estou bem, não se preocupe. Preciso me levantar e cuidar dos feridos… Alguns podem precisar de cirurgia.
Hans engoliu seco.
-Falando em cirurgia… Preciso te contar o que aconteceu com o Ezarel…*****
Valentim também estava de pé.
Depois de dias deitado, servindo de gaiola para o Grimm, ele finalmente podia sair livre com Ykhar.
Ele fez questão dele mesmo fazer os curativos nela, e a cobria de beijos cada vez que ela reclamava que estava ardendo… De modo que ela reclamou em todas as chances que teve.
-Você foi muito valente, Ykhar… Eu tenho tanto orgulho de você! Se não fosse por você… O mundo teria acabado.
Ykhar também estava orgulhosa dela mesma, mas mesmo assim, falou.
-Todos demos nossa parcela de ajuda, Valentim. Se você não tivesse segurado o Grimm… Se não tivesse suportado tudo aquilo…
-Fiquei muito deprimido em saber que meu pai estava perdido para sempre. Onde você acha que ele está?
-Espero que esteja no infern… Quero dizer… Em um lugar… Melhor… - Corrigiu ela.
Valentim riu.
-Espero que tomem conta da alma dele, melhor do que ele tomou.
-Ele está onde deve estar!
-E a Jow? Onde ela estará?
-Ela está se preparando para voltar para nós.
-Como você tem tanta certeza, Ykhar?
-Porque ela me prometeu que voltaria. E a Jow sempre cumpre as promessas que ela faz.
Valentim abraçou Ykhar, e ela retribuiu.
-Espero que você esteja com bastante disposição, Soldado! Porque os próximos dias serão muito duros para você!
-O que tem em mente, capitã? Que tipo de trabalho pesado você vai me dar? Espero que seja algo bem difícil, como um treinamento entre quatro paredes.
-Ah… Isso também… Você está me devendo! Mas o que eu tenho em mente também será entre quatro paredes… Entre as quatro paredes da biblioteca, que o seu pai queimou! Tem um milhão de livros para a gente restaurar, e já que seus ancestrais eram escribas, eu pensei…
-Eu estarei ao seu lado, Ykhar. Seja entre as paredes do seu quarto, ou da biblioteca. Eu estarei ao seu lado onde você quiser!
-E depois eu quero que você me leve para passear e Liverpool… Podemos ficar no apartamento do Darien…
-Isso será maravilhoso! Quanto mais cedo terminarmos o trabalho aqui, mais cedo partiremos pra nossa lua de mel…
-HÃ??? VALENTIN, VOCÊ ESTÁ ME PEDINDO EM CASAMENTO??? - Berrou Ykhar, e todos olharam para eles.*****
A Cirurgia de Ezarel durou mais de oito horas.
Isso porque eles tiveram muitas dificuldades de perfurar e serrar os pedaços duros do osso do crânio dele, além de reverter as diversas paradas cardiorrespiratórias que Ezarel apresentou ao longo da sua delicada operação.
Leiftan e o enfermeiro permaneceram no Hall do Hospital Escola até Marcos descer e poder dar notícias para eles.
-A Cirurgia terminou razoavelmente bem, para o estado em que ele está. Confesso que achei que a gente não ia conseguir tirá-lo vivo da sala. Mas conseguimos. Apesar das paradas que ele teve, agora ele parece estável.
Leiftan deu um abraço em Marcos, agradecido.
-Obrigado! Muito obrigado por tudo!
-Não agradeça ainda. Ele apenas saiu vivo da sala de cirurgia. Ainda precisa sobreviver ao pós-operatório. Os próximos cinco dias serão cruciais. Ele deve ficar na UTI. Mandei que aplicassem nele a poção que você me deu, e disse à equipe que é um medicamento que ele toma para não rejeitar o transplante de córnea que ele fez. Assim, será administrado uma vez por dia, como vocês me orientaram. Aquelas orelhas não podem voltar ao normal tão cedo!
-Nem o cabelo azul… - Disse o enfermeiro.
Marcos riu.
-Quanto ao cabelo, não se preocupem. A cabeça dele teve que ser totalmente rapada. Confesso que o cabelo ficou azul assim que caiu no chão, mas eu dei um jeito de tirar dali, alegando que poderia contaminar a sala. Ninguém viu. Mas ele está careca. Está mais feio do que era antes!
-Quando vamos poder vê-lo?
-Assim que ele for para a UTI, eu levarei vocês até ele. Mas ainda deve demorar umas duas horas, até que ele se recupere da anestesia. Ele ficará entubado, então, mesmo se acordar, o manteremos sedado. Para proteger seu tecido cerebral dos danos, ele ficará em coma induzido. Me diga, Leiftan… Ele caiu de que andar? Porque a fratura era muito extensa!
-Ele foi pego por uma onda de energia que o atirou de encontro a uma parede.
-Nossa mãe! Que onda então, hein? Tinha a potência de um tornado! Coitado do osso do crânio do cara! Estava aos pedaços! E o tamanho do hematoma? Era enorme! Se ele fosse um ser humano, ele não teria resistido. Vou ficar por aqui para garantir, e aproveitar para ver uns pacientes que operamos ontem. Assim que ele for para a UTI, eu volto para buscá-los.
Leiftan assentiu, e Marcos retornou para o elevador.
-Se vamos esperar por mais de duas horas… - Disse Leiftan para o enfermeiro - Acho que devemos comer alguma coisa. - Disse ele, se dirigindo para a cantina do hospital. - Ficar muito perto da Eychi me faz ter mais fome do que o normal…
Algumas horas depois, Marcos os acompanhou até a UTI, onde Ezarel estava.
Uma máscara equimótica roxa e estufada cobria toda a parte superior da testa de Ezarel, e descia pelos olhos até o meio do nariz, deformando sua face.
As pálpebras estavam tão inchadas, que Leiftan duvidou que elas voltariam a se abrir.
No couro cabeludo rapado, ao redor de um curativo impecavelmente limpo, eles viam alguns locais com crostas de sangue seco.
Um tubo traqueal estava preso à boca de Ezarel, conectado a um respirador mecânico. No seu tórax, eletrodos estavam colados, conectados a um monitor que mostrava a frequência cardíaca. Havia tantos frascos pendurados ao redor dele, com líquidos coloridos correndo para dentro das suas veias, que Leiftan achou que o Elfo poderia explodir. Fora as sondas e drenos que saíam pelas suturas de ferimentos em outros lugares do corpo dele.
O Elfo estava mesmo irreconhecível, e Leiftan fez uma careta ao vê-lo.
Marcos percebeu e não deixou de comentar.
-Eu disse que ele estava mais feio do que já era…
-É… Ele está feio mesmo. - Falou Leiftan.
-Estava mais feio por dentro. Mas isso tudo o que vocês estão vendo aí, em três ou quatro dias vai desinchar. Isso se ele sobreviver.
-Quais são as chances dele, Marcos?
-Pela quantidade de paradas que ele teve, eu diria nenhuma. Mas ele está aqui. Nenhum humano teria sobrevivido a essa cirurgia, Leiftan. Se alguém tem chances de sobreviver a uma situação dessas, é ele. Ele deve ter realmente muito apego à vida, para estar vivo depois disso tudo. Em Eel ele não teria chance.
Marcos os levou de volta para fora, e Ezarel ficou aos cuidados da equipe médica.
Já estava amanhecendo, quando foram para a área escura da garagem do hospital e o mago abriu o portal de volta para Eldarya.
Leiftan fez uma escala de plantão com voluntários que ficariam todos os dias no hospital, para ter notícias do estado de Ezarel.
Hans e Ewelein, Valentin e khar, Darien e Black, Valkyon… Muitos se voluntariaram para passar um dia na Terra, a espera de notícias.
Quando North soube que Ezarel estava vivo, suspirou aliviado. E resolveu ficar na Terra também, monitorando a sua recuperação.
Kazai não tinha contado para eles nada além do que Miiko já tinha contado, de modo que se ele pudesse fazer alguma coisa útil, conseguiria esperar pela volta de Jow com mais tranquilidade e paciência.
Depois ele poderia dizer a ela que também tinha tomado conta de Ezarel, e provar que não tinha nenhuma mágoa do Elfo.*****
Ezarel abriu os olhos pela primeira vez quase noventa dias após a cirurgia, e começou a tentar cuspir o tubo.
Seus punhos estavam atados à maca e ele começou a se debater.
Uma fina camada de cabelos castanhos já tinha crescido e cobria quase completamente a cicatriz da cirurgia.
A enfermagem chamou o plantonista, que começou a acalmar Ezarel.
-Calma, Ezarel, você está no hospital… Calma, respire devagar… Enfermeira, desligue o respirador. Vou desconectá-lo para que ele respire sozinho.
Ezarel arregalou os olhos verdes.
Estava num hospital humano? Que hospital? Como foi parar ali?
Não havia mais nenhum hematoma na sua face, embora os lábios estivessem rachados e ressecados, nem parecia que ele quase tinha morrido… Diversas vezes.
Após alguns exames, e Ezarel estar totalmente fora do efeito dos sedativos, Ele foi extubado.
Estava muito mais magro do que sempre foi, e sentia dores por todo o corpo, pelo fato de ter ficado acamado por tanto tempo.
Marcos chegou assim que lhe tiraram o tubo, e Ezarel olhou para ele assustado. Com tanto hospital na Terra, tinham que tê-lo levado logo para o hospital onde Marcos trabalhava? Que azar!
-Olá, orelhudo! - Disse Marcos, animado - Bem vindo de volta à vida…
-Obrigado… - respondeu ele, com a voz rouca, e tossiu.
-Se falar demais agora vai ficar tossindo. Se tivesse ficado mais uma semana em coma, com esse tudo, teríamos feito uma traqueostomia em você, de modo que a sua garganta deve estar um lixo!
Ezarel concordou com a cabeça, engoliu, tossiu de novo e não disse mais nada.
-Não se preocupe com isso - Disse Marcos, limpando a boca de Ezarel com uma gaze - Em breve a sua garganta vai desinchar e você não vai mais engasgar. Bem, você deve estar querendo saber quando vai poder sair… - E Ezarel fez que sim com a cabeça - Se ficar estável assim por algumas horas, poderá ir para um quarto. E depois disso, a equipe médica de Eel pode assumir seu tratamento. Eu volto depois…
E quando ia saindo, Ezarel segurou Marcos pela mão, fazendo-o parar.
-E… Jow? - Perguntou ele tossindo.
Marcos teve pena dele. Em nenhum momento, Jow tinha aparecido ali para vê-lo, todos diziam que ela ainda não tinha voltado da missão… E Marcos não queria dar essa notícia para ele.
-Vou chamar a Ewelein. - Disse ele apenas, saindo da UTI.
Ezarel fechou os olhos e passou a mão pela cabeça, descobrindo que estava com os cabelos rapados. Xingou mentalmente todos os palavrões que conhecia, até que sentiu a cicatriz da cirurgia na sua cabeça.
O que afinal tinha acontecido com ele? Como ele foi parar ali? Não se lembrava de nada. Esperava que Ewelein pudesse esclarecer tudo, porque ele estava em pânico! E Jow? Por que não estava ali com ele? Ela era Médica, além disso, era um espírito, podia se esconder!
Ewe entrou na UTI vestida com um avental verde, e um crachá de Médico Visitante.
Ela sorriu ao ver Ezarel acordado e extubado, praticamente sentado na maca, com a cabeceira bem elevada.
Ela lhe deu um beijo na testa, fechou as cortinas ao seu redor e sentou-se na cadeira ao lado dele.
-Jow… Onde ela está..?? - Perguntou ele, quase sussurrando, com a voz rouca.
Ewe respirou fundo antes de responder.
-Uma coisa de cada vez, Ezarel… Você se lembra do que aconteceu? - Ele sacudiu a cabeça, em negativa. - Muito bem. Durante a batalha no porão, você foi atingido por uma onda de energia que saiu da fenda e foi atirado a metros de distância. Teve uma gravíssima fratura no crânio que quase te matou. Precisamos trazer você para a medicina da Terra, senão teria morrido. Foi operado pela equipe de emergência, e o Marcos veio para ajudar. Mesmo assim, teve várias paradas cardíacas, e realmente morreu algumas vezes… Está aqui há quase três meses. - E vendo que Ezarel arregalava os olhos - Sim, isso mesmo. Três meses. Em dois dias, talvez já possamos levá-lo para Eel.
Ezarel botou a mão nas orelhas e viu que estavam redondas.
Ewelein explicou.
-Estão te aplicando poção para disfarçar a aparência, pensando que estão te dando medicamento para evitar a rejeição de um transplante de córnea.
Ezarel deixou a cabeça cair no travesseiro, cansado.
-E Jow…?
Ewelein sacudiu a cabeça.
-Jow… Ainda… Não retornou, Ezarel.
Os olhos dele se encheram de lágrimas, e ele os fechou.
-Por quê? Oh, Ewelein… Por quê? - Perguntava ele, enquanto as lágrimas desciam - Ela… Prometeu que ia voltar para mim… Ela disse… Que ia ficar comigo…
Ewelein começou a chorar também.
-Ela fechou as fendas, Ezarel. Ela conseguiu. E se ela disse que vai voltar… É porque ela vai voltar!
Ewelein retirou do bolso a tartaruga de Jade e entregou a ele.
Ezarel segurou a tartaruga e chorou mais.
-Oh, Ezarel… Eu não sei o que te dizer… Todos estamos esperando um sinal dela… Mas até agora…
-Me deixe sozinho… Ewe… Por favor…
Ewelein saiu dali aos prantos, deixando Ezarel sozinho com o seu desespero.
Por que, no final, tinham salvado a vida dele, para viver em um mundo sem Jow? Por que tinham feito isso com ele?
Ezarel apertou a tartaruga de jade entre os dedos, e chorou mais.
Depois de algumas horas, Ezarel foi levado para um quarto coletivo, onde passou a noite na companhia de mais três pacientes, com diferentes cirurgias.
Ele não quis ver ninguém, e deprimido, recusou a visita de todo mundo que tentava vê-lo. Mas pela manhã, Hans insistiu com a enfermagem, apresentando a sua carteira do conselho de psicologia, e entrou.
Encontrou Ezarel sentado numa poltrona ao lado da cama, olhando pela janela, e sentou-se ao lado dele.
-Fale comigo, Ezarel.
-Não quero, Hans, vá embora. Por favor… Vá embora…
Hans viu através do fino pijama do hospital que Ezarel estava com a tartaruga pendurada no pescoço.
Ezarel, eu tenho uma coisa muito importante para te contar… Me escute com atenção.
Ezarel olhou para Hans, imaginando que tipo de desculpa ele inventaria para tentar animá-lo, já planejando uma dúzia de respostas para dar ao amigo, quando Hans começou a contar.
-Essa escultura de jade que você tem no pescoço… - E vendo que Ezarel cobria o rosto com as mãos - Não… Espere, Me escute… Não chore… Essa escultura, ela não é somente uma lembrança da Jow. Ela abriga uma parte da alma dela, Ezarel… Que ela colocou aí dentro em um ritual que executou com a Hua, antes de entrar nas fendas… Por isso ela te disse que estava incompleta, e que você tinha como completá-la… Elas fizeram isso, para poder restaurar a alma da Jow, caso acontecesse algo com ela dentro das fendas… Porque aquele corpo etéreo dela não podia continuar existindo, senão as fendas iam se abrir de novo… Não entende, Ezarel? Ela vai voltar para você quando estiver pronta, a Jane tem a outra parte da alma dela, e vai consertá-la, lá na Arena da Lua dela, e quando ela voltar, vai precisar da parte da alma dela que está com você… Ezarel, ela vai voltar para você… Você tem o restante da alma dela, Ezarel…
Ezarel olhou para a tartaruga pendurada no seu pescoço, com a visão ainda turva pelas lágrimas, e depois olhou para Hans.
-Você não vai querer que a Jow te encontre assim, magro, feio e careca, vai? Você precisa ficar bem, para quando ela voltar, estar apresentável, senão ela vai acabar me escolhendo dessa vez… Porque você está feio pra caramba, meu amigo!
Ezarel enxugou os olhos e deu um sorriso triste para Hans.
-Isso aí, Ezarel… Mais um sorriso, e eu vou embora! Aêêê!!! Assim é que se faz! - Falou Hans, sacudindo Ezarel pelos ombros.
Quando Hans o deixou, sozinho, Ezarel agarrou a tartaruga, e rezou para a Deusa. Rezou também para o Deus dos humanos. E pediu do fundo do coração, que Jow pudesse voltar para ele, um dia.*****
Alguns dias depois, Ezarel foi levado para Eel, em uma cadeira de rodas. Ainda tinha uma longa jornada de recuperação pela frente.
E descobriu que Chrome e Kiyoto estavam com a chave do seu quarto.
-Por que eles estão com a chave do meu quarto, Miiko? - Perguntava ele, enquanto o levavam para um outro quarto.
-Eles me pediram as chaves assim que chegaram aqui, para consertá-lo para você. Queriam te fazer uma surpresa… Mas foi só agora que eu me lembrei de que eles não me devolveram… Como eles saíram em missão, a gente acomoda você em um quarto, e amanhã você volta para o seu.
Ezarel concordou, sendo acomodado em um quarto ao lado do seu.
Ainda ia permanecer de cama por algumas semanas, até poder começar a reaprender a andar.
Depois de tantos meses sem se levantar, sua musculatura estava muito atrofiada… Além das sequelas dos danos que o cérebro dele sofreu.
Ezarel recebeu a visita de muitas pessoas naquele dia, e todo mundo estava muito feliz em ter seu Elfo rabugento de volta. E ficou sabendo que o Karuto havia partido com Hua para o templo da Fênix, para cumprir uma missão sigilosa. No seu lugar, ficou uma brownie que cozinhava como o sétimo céu! Ninguém ia conseguir comer a gororoba do Karuto de novo, depois de provar a comida dela!
E pela quantidade de comida saborosa e de doces gostosos que foi enviada para o quarto de Ezarel, ele teve certeza de que rapidamente recuperaria seu peso, e talvez até mais.
Seus cabelos recuperaram a cor azulada e suas orelhas voltaram ao normal… Normal para um Elfo.
No dia seguinte, Miiko tentou de todas as formas recuperar as chaves do quarto de Ezarel com os meninos, mas eles não tinham retornado. Então mandou que Jamon abrisse a porta com a chave mestra… E descobriu que eles haviam montado ali um laboratório de alquimia!
O colchão da cama de Ezarel estava encostado junto à janela, impedindo a luz de entrar.
A cama estava servindo de bancada para as diversas incubadoras, que tinham ovos de lagarto e de lagosta, e outros que pareciam uma mistura de ovos de lagarto e lagosta…
Os garotos estavam fazendo experiências para recriar a Sheila! E se aproveitaram do fato de Ezarel estar há meses fora dali, para usar o quarto dele como laboratório!
-Nunca haverá punição que chegue para esses moleques! - Reclamava Valkyon, com Ezarel - Eles deixam todo mundo louco!
-São adolescentes, Valkyon, o que você esperava? Lembra de como a gente fazia maluquices, quando éramos adolescentes?
-Mas eles nos superam. A capacidade deles de fazer M***erda é grande demais!
-Mande eles para o templo da fênix. Duvido que alguém não seja disciplinado pelo Feng Zifu. E Valkyon? Eu gostaria de ver a Kazai, o North, o Amikoh… Eu sei que o Sion acompanhou Jane para a Arena da Lua, mas os outros ficaram, não ficaram?
-Kazai e Amikoh foram requisitados pela Huang Hua há alguns dias, para treinar alguns jovens Feng Huang que virão para a guarda de Eel. E o North ficou na Terra enquanto você se recuperava… Ele ficava todos os dias ao seu lado. Mas depois que você começou a se recuperar, ele decidiu voltar para o país em que a Jow morava, onde eles tinham a casa na praia, e ficar por lá. Não sei se ele volta, Ezarel…
- Eu… Compreendo. A Jow vai voltar pra mim. E ela me disse que vai ficar comigo… Só comigo… Então, não fazia sentido ele continuar aqui. Mas… Sinto mesmo falta deles, sabia? É que eu me sentiria mais perto da Jow, se eles estivessem aqui.
Valkyon levantou-se.
-A vida segue, meu amigo! Trate de melhorar depressa. Porque depois que você teve que ser operado, a Miiko reuniu o conselho e decidiu que nossa medicina é muito atrasada em relação à da Terra. Ela quer continuar lá o treinamento com a equipe médica de Ewelein, e agora que não temos mais a Jow…
-Ela quer voltar com os intercâmbios? Logo agora que os humanos nos esqueceram? A Miiko enlouqueceu?
-Ela pensou que íamos perder você, Ezarel. Todos pensamos. Se não fosse o esforço do Nevra em obrigar a Miiko a tomar uma decisão… E o Leiftan insistir em levar você para a Terra… Se não fosse a ajuda do Marcos… Se você não tivesse sido socorrido a tempo… Seu quarto estaria vago para sempre.
-Mas não podemos mandar mais o nosso povo faery para a Terra, Valkyon! Não é seguro!
- O Hans já resolveu isso. Ele vai servir de ponte… Mas ele conta com você, para acompanhá-lo algumas vezes e coletar informações e conhecimento técnico. Depois ele descarrega as informações na equipe médica. A Miiko quer fazer isso com os engenheiros também, os agricultores, os professores… Sempre usando o Hans. Talvez eu use isso para transformar Chrome e Kiyoto em biólogos. Confesso que me surpreendi com a habilidade dessas pestes.
É… Pode dar certo… - Disse Ezarel, suspirando.
-Você está cansado. Descanse, Ezarel. Tente dormir um pouco…
E saiu, apagando a luz e deixando Ezarel na penumbra.
Capítulo 16 - Final - Parte 2
***** Cinco Anos Depois *****
Para um elemental, no mundo, sempre havia muito trabalho a ser feito. E mesmo que houvesse tanto o que fazer, sempre sobrava tempo para explorar.
E era o que North ficava fazendo no seu tempo livre… Explorando.
Explorava o oceano, as cidades por onde ele viajava, as profundezas das fossas abissais, rios e montanhas. Tivesse água ou não, North ali estava explorando. Ele tinha todo o tempo do mundo para isso.
Ocupando totalmente seu tempo, não sobrava tempo para… Pensar.
Ultimamente ele não pensava mais.
Passava bastante tempo com os outros elementais da Terra, embora sentisse falta de Sion, Amikoh e Kazai. Mas estar perto deles somente aumentaria a sua dor e a sua saudade. Por isso, ele decidiu ficar na Terra… Esperando.
North não se lembrava mais de quanto tempo passou fora de sua praia favorita, a praia que ele estava evitando visitar, onde ficava a antiga casa de Jane… E achou que era hora de voltar e recordar… Porque ele não podia viver assim para sempre… Então resolveu que era hora de enfrentar as lembranças, mesmo que lhe causassem muita dor… Porque ali faltava sempre alguém. Alguém que prometeu voltar, e nunca cumpriu a promessa.
Ao chegar, viu que a praia estava cheia de gente. Por que diabos, naquela época, a praia “dele” sempre estava cheia de gente?
North saiu da água e sentou-se na areia, perto da varanda da casa que agora tinha outros moradores. Aquele agora era o lar de outro alguém.
North fechou os olhos e tentou sentir alguma coisa. Mas não conseguia sentir mais nada. Desde que Jow se foi, ele parou de sentir… Esperando ela voltar, para poder sentir de novo.
“-Saudades da sua antiga vida, Guardião da Água? “
North deu um pulo, e se virou ao ouvir aquilo.
E ali ao seu lado, estava a Deusa Tsukiko, falando com ele.
-Eu… Jamais esperava vê-la de novo!
“-Isso é um elogio? Ou um insulto?”
North olhou para o alto e disse.
-Eu não sei… Posso te responder depois?
Tsukiko sorriu, e perguntou.
“- O que você faz aqui?”
-Eu… Nada. Estava só recordando.
“-Ainda esperando a volta dela?”
North fez que sim com a cabeça.
“- A saudade dói, não dói? Ainda mais para um elemental da água, que é todo feito de amor imenso… “
North fechou a cara. Por que diabos Tsukiko apareceu para torturá-lo daquela forma?
-O que a senhora quer de mim?
“-Está mesmo esperando a volta dela, North? Você já sabe que ela nunca vai voltar… Nem para Eldarya e nem para a Terra. Está perdendo seu tempo, esperando… ”
-Pare com isso! Eu não preciso ouvir isso!
“- Achei que o seu amor fosse forte o suficiente para que você suportasse essa espera. Mas você está sofrendo demais… Pobre menino! Eu posso levar embora as suas lembranças, North… Posso fazê-lo esquecer de tudo. Posso lhe tirar as memórias da existência da Jow, assim como você fez com ela um dia… Posso fazer isso, por amor.”
-Tá maluca? Eu não quero esquecer a Jow! Ela está na Arena da Lua da Jane e um dia vai voltar para mim!
“-Quem lhe disse isso? Ela não está lá! Nunca esteve… E eu sei que você já percebeu que ela nunca vai voltar. Eu sinto isso dentro da sua alma. Você perdeu as esperanças.
North fechou os olhos.
Tsukiko estava certa.
Cada dia que passava, North se afundava mais e mais na melancolia, percebendo aos poucos que Jow não ia voltar.
-Eu não quero falar disso! E eu não quero esquecer, me deixa em paz, por favor!!!
“-Muito bem… Já que você recusou a minha proposta, e insiste em manter a lembrança dela… Vou levá-lo até Jane… Para que você veja com seus próprios olhos, e pare de sofrer. Eu não gosto de ver os meus filhos sofrerem.”
E dizendo isso, Tsukiko desfez o corpo etéreo de North em névoa, e o levou para a Arena da Lua de Jane.
Quando ele se recompôs, a Deusa já não estava mais lá.
Ele viu que tinha sido largado na varanda da casa da praia, e a xingou mentalmente.
Qual o prazer que aquela Deusa desgraçada tinha em fazer da vida dele um inferno? Esquecer da Jow? E quem mandou que ela o levasse para lá? Se Jow não estava lá?
Quando ele chegou, Jane sentiu sua presença, e tratou de ir à varanda para encontrá-lo.
-Pensei que nunca mais viria! - Disse ela, abraçando North. - Por que demorou tanto, North?
-Eu… Jane, me desculpe, eu jamais teria vindo, a Tsukiko… Ela… Me obrigou!
-Não tem problema, North. O importante é que você veio… Eu queria mesmo que você viesse! Sentimos tanto a sua falta! - Disse ela, enquanto entrava com ele. - Vamos conversar um pouquinho? - North acompanhou Jane até a sala, que tinha outra enorme varanda que dava para a areia da praia, e sentou-se com ela ali fora.- Sente-se comigo aqui e me conte o que tem feito.
-Eu estive trabalhando na Terra… E explorando… - E olhando ao redor… - Seu mundo é muito bonito… Você caprichou. Tem uma cópia exata da nossa… Da sua casa na praia, na Terra…
-Obrigada! Ainda estou caprichando, tenho certeza de que vai curtir bastante algumas das minhas criações… Tem encontrado muita coisa pra consertar na Terra?
-Nada demais, Jane… E o Mark? Ele está aqui também?
-Eu criei uma réplica do grande Cristal e Mark assumiu a função de Oráculo, tem bastante trabalho na integração com os demais universos, mas ele nunca deixa de estar comigo e com a família. Sabe, faz bastante tempo que não te vejo, aqui o tempo passa diferente… Passaram-se muitos anos, desde que voltamos para cá.
-Jane, eu não sei o que estou fazendo aqui… Mas já que estou aqui… Me fale a verdade. A Jow não vai voltar, vai? - Perguntou ele, com um aperto no peito.
-Infelizmente, North, a minha filha, a Jow que você conheceu, não existe mais. Ela não pode voltar… Sinto muito.
North abaixou os olhos. Ele não queria acreditar. Mas agora era Jane dizendo, e destruindo o restinho de esperança que ele ainda alimentava.
-Não fique triste assim… Não quer rever o Sion? Sion está por aí, cuidando dos elementais mais jovens. Tenho muitos jovens aqui… Sabe, eu não resisto, gosto da casa cheia, sempre quis ter outros filhos… Vamos ter uma festa na praia hoje à noite, para comemorar o aniversário dos meus filhos. Eu gostaria que você ficasse, North.
North sacudiu a cabeça. Não estava nem um pouco a fim de ficar para festas. Ainda mais ali. Ainda mais depois do que Jane lhe disse.
-Eu não quero ficar… Por favor, me leve embora!
-Faço questão que fique. Quero que conheça meus filhos… Eles também gostam de dançar.
North deu um sorriso sem graça. Jane não sabia, mas ele nunca mais dançou, desde a festa no Templo da Costa de Jade, na véspera da grande batalha dos elementos. Mas não falou nada. Não pretendia dançar. Não pretendia conhecer ninguém. Não queria ficar para a festa… Queria desaparecer e nunca mais existir. Agora se arrependeu de não ter aceitado a oferta de Tsukiko e esquecer de tudo.
-O Mark... Ele está dentro do cristal? - Perguntou ele para mudar de assunto.
-Mais ou menos. Nosso cristal nos conecta aos outros mundos, e através dele temos notícias dos nossos amigos. Mas o Mark… Ele está em uma reunião com os Oráculos. Estará aqui a tempo para a festa, à noite. Ele tem perguntado muito por você por aí, North. Não foi fácil te encontrar. Ele está preocupado com você.
-E por quê? Eu tô legal, Jane. Levando a vida.
-Não é o que parece… Sinto a sua tristeza… Por que não anda por aí e conversa com o Sion um pouco? Olha, ele está ali… - Disse ela, apontando para a praia, onde Sion observava um grupo de jovens que brincavam nas ondas.
-Ah, tem muita gente perto dele! Não estou preparado para encontrar tanta gente assim! São todos seus filhos?
-Sim, todos são. São elementais também. Tenho outros filhos, de todas as raças faeries, kitsunes, elfos, fenghuangs… Alguns estão aqui, e alguns estão em Eldarya, e em breve servirão na guarda de Eel, como deve ser… Vai lá, vai até a praia para conhecê-los. - Disse ela, empurrando North pela varanda afora - Vai logo!
Ele suspirou e saiu para a areia, em direção a Sion. Os jovens brincavam nas ondas. Quando chegou perto de Sion, o velho Gnomo fez uma careta.
-Sem roupa de novo, moleque? O tempo passa e você continua depravado!
North fez outra careta.
-É bom ver você também, Cara de Sapo… Soube que agora sua profissão é babá…
-Não se meta com a minha vida! Vá vestir uma roupa, temos garotas aqui! E aqui andam todos vestidos!
North revirou os olhos. Sion estava falando sério! North nunca mais usou roupas, desde que voltou para a Terra… Se lembraria de como conjurar uma? Tentou uma bermuda.
-Tá bom assim?
-Devia cobrir esse peito nu também, seu exibido! Mas serve! Finalmente o Mark te localizou… Veio para a festa?
-Eu não sabia que tinha festa. Não queria ter vindo, a Deusa me arrastou para cá contra a minha vontade!
-Ah, deixa prá lá! - E virando-se para os jovens - Saiam da água, Pirralhos! Venham conhecer o North!
North ia protestar, porque não estava a fim de ser apresentado pra ninguém, mas quando viu, já estava cercado pelos jovens, rapazes e moças… Eram todos elementais, mas pareciam humanos. Jane era maluca mesmo… Criou elementais com textura humana!
North cumprimentou os jovens, e ficou ali sendo bombardeado de perguntas.
Um casal, em especial, chamou a atenção dele. Eles pareciam realmente humanos.
E quando se afastaram, North comentou com Sion.
-Aqueles elementais parecem diferentes dos outros. - Disse North, enquanto os acompanhava com o olhar. Eles se abraçavam e se beijavam, muito felizes.
-E são diferentes, apesar de serem elementais. Ela é a Maeve, e ele o Skull. Tsukiko os resgatou do Mundo dos mortos, e os entregou aos cuidados de Jane. Eles não têm o esquecimento, porque a alma deles está completa, de forma que eles sabem exatamente quem eles são… E estão agora aproveitando a vida que não puderam aproveitar na Terra… Espere um pouco… Ela sempre me desobedece!
Enquanto North observava o casal que se agarrava na varanda da casa, Sion berrou de novo…
-Mandei sair da água para conhecer o North, Pirralha!
A moça que ficou para trás saiu da água e veio correndo até eles.
-Wow, como você é chato, Sion! Por que fica me regulando?
North ao ouvir a voz dela, virou-se lentamente, com os olhos arregalados.
Ali estava a garota, que parecia uma humana, com a cara da Jow mais jovem. Não só a cara, mas o cabelo, a voz, o jeito. Ele olhou para o Sion, que continuava sério.
A garota caminhou até North, sacudindo a água dos cabelos curtos, e sorriu para ele.
-Então finalmente o famoso North apareceu. Eu estava curiosa para ver como era a sua cara.
-Jo… Jow?
-Ué… Já me conhecia? Eu não me lembro de você… E com certeza eu me lembraria de um corpinho assim…- Disse ela, olhando North de cima a baixo, e piscando para Sion, que fazia uma careta.
-Esta é a Jow, North. Uma das filhas da Jane. Ela é um elemental do quinto elemento. Assim como todos aqueles ali.
-Hoje é o nosso aniversário! - Disse ela animada - Estamos fazendo vinte anos… Sei que eu pareço mais nova. Espero que fique para a festa… Sion nos falou que você gosta de dançar. Vai ficar?
-Eu… Não sei… Posso te responder depois? - Perguntou ele, olhando para cima.
A garota deu de ombros.
-Pode. Só não leve vinte anos para decidir… Eu posso não ter paciência pra te esperar… E vou acabar dançando com outro. - Disse ela, piscando para ele e chamando os irmãos de volta para a água.
North sentou-se no chão e segurou a cabeça.
-Eu não tô entendendo nada, Sion… Vou ficar maluco! A Deusa falou… A Jane disse…
-Tenha calma, moleque. Todos nós tivemos a mesma reação quando a vimos… Jane planejou isso. Quando alma da Jow foi fragmentada, parte ficou com Mark, parte ficou com Jane… E apontou para o anel verde - E parte está com você.
-Mas ela… Não se lembra de mim?
-As memórias da alma dela não foram recuperadas, North. Ela não se lembra de nada. Ela pediu que fosse assim… Ela não é a Jow que nós conhecemos. Ela é um novo ser. Tem que viver a vida dela e criar as próprias memórias, entendeu? Não é pra ela saber quem ela era.
-Eu tô confuso, Sion…
-Jane acha que você deve resgatar a sua vida com ela. Se você ainda quiser…
-Eu nunca imaginei que isso fosse possível. Eu esperei por tanto tempo, achando que ela ia voltar e me reencontrar… E me chamar de Mar do Norte… Até perder as esperanças...
-Se tivesse vindo antes, saberia disso há mais tempo. Mas Jane não quis te forçar. Ela sabia que você precisava acreditar que a antiga Jow voltaria. E só o traria de volta quando tivesse perdido as esperanças. Porque precisava desapegar da Jow antiga… Ela não existe mais. Por isso ela pediu para a Deusa testar você… Mas o Mark demorou muito tempo para te achar.
-E o… Outro? Ela também não vai se lembrar dele?
-Está falando do Elfo?
North assentiu.
-Ela não se lembrará de nada. Eu já disse que ela não tem as memórias da Jow que você conheceu, North. Ela nasceu aqui.
North deu um sorriso sincero pela primeira vez, desde que chegou ali.
-Eu conheço esse seu sorriso, Ondina depravada! Eu estou aqui e estou de olho!
North levantou-se.
-Obrigado, Sion.
-Por que está me agradecendo, Moleque?
-Por cuidar dela na minha ausência… Eu assumo a partir de agora.
Sion ficou vermelho e começou a bater em North com o cajado.
-Pode ir parando já, seu …
-Hahaha, calma, cara de sapo, eu tô brincando, hahaha! - Disse ele correndo para a beira dágua, onde Sion não o seguiu.
Jow saiu da água e o segurou. North reconheceu a energia dela, e riu quando ela mesma estremeceu ao sentir a dele.
-Wow! O que é isso, cara? Você também dá choque?
-Nem tanto. E por falar nisso, feliz aniversário! - Disse ele, segurando a mão direita dela e colocando o anel no seu dedo anular.
Uma chama dourada deixou o anel e se fundiu à aura dela.
-Que lindo! Obrigada! - Disse Jow, olhando para o anel, encantada, sentindo uma onda de felicidade repentina.
-Você gostou?
-Sim, eu adorei! Então... Decidiu se vai ficar para a festa?
North sorriu para ela.
-Pode apostar que sim… Você disse que gosta de dançar?
Ela lhe deu o mais lindo sorriso que tinha, e o abraçou, feliz, numa explosão de luz.*****
Depois de alguns anos de fisioterapia, Ezarel ainda sentia dificuldades em alguns movimentos, principalmente para descer e subir escadas. Ewelein tinha dito que com os anos, aquilo ia se normalizar. E ele estava esperando. Sua vida agora era apenas esperar, e andar apoiado na sua muleta, que ele ainda não tinha conseguido abandonar.
Ezarel ainda curtia uma espécie de luto… E era necessário. Todo luto deve ser processado. Ainda que aquele luto estivesse durando mais de cinco anos. Cinco anos de espera e uma desesperança enorme.
A ausência dela ainda doía fundo, mas quando isso acontecia, ele descia até o porão e se sentava junto ao jardim abandonado da fonte, onde as misteriosas rosas douradas brilhantes cresceram na resina que fechou as fendas do mundo ressonante.
A energia que elas liberavam preenchia o vazio da sua alma com a essência dela, e ele se sentia… Quase feliz.
Era como uma espécie de fonte de Jow. A água continuava quente… Provavelmente o calor agora emanava daquelas rosas estranhas.
Ezarel ficava ali por um tempo, segurando a tartaruga de jade, e depois subia devagar, retornando às suas atividades. Afinal, ela nunca voltou. E ele agora sabia que ela nunca ia voltar. Mas estaria sempre com ele, porque uma parte da sua alma estava incondicionalmente fundida à dele. A falta física o maltratava às vezes, e quando isso acontecia, ele precisava descer ao porão para novamente se inundar com o amor dela.
Mentalmente, ele traçou uma retrospectiva do que havia acontecido durante aquele tempo todo…
As guardas trabalhavam como nunca, e ultimamente estavam recebendo recrutas de todas as raças faeries. Era a época de recrutamento.
Hans ia e vinha da terra, com Darien e Black, e cada vez mais a tecnologia invadia o mundo mágico de Eldarya. Já tinham painéis solares avançados, e outros feitos para gerar energia através do grande cristal para enormes distâncias, e muitos, muitos médicos especialistas em todas as áreas.
O Hospital de Eel estava quase pronto, e estava sendo construído baseado em tecnologia humana mesclada à magia. Seria bom não precisar mais da medicina humana.
Eycharistisi assumiu de vez a função de guardiã do cristal, deixando Miiko livre para as funções burocráticas da Guarda Reluzente.
Valentim e Ykhar, após ajudarem a restaurar a biblioteca e a informação histórica perdida, saíram de férias para a Terra, e embora todos dissessem que estavam em Lua de Mel, a coelhinha insistia em dizer que não estavam casados, e nem pensariam nisso tão cedo…
Atualmente, ocupavam o mesmo quarto no QG, o que para Miiko era ótimo, pois sobrava mais quartos para abrigar os novos recrutas.
Kiyoto e Chrome se formaram em biólogos, e se especializaram em genética molecular… E pararam (era o que todos achavam) de fazer experiências genéticas com lagartos e lagostas, mas aprimoraram espécies vegetais para o cultivo. Ultimamente, trabalhavam em um projeto secreto que ronronava e fazia barulhos estranhos. Eles diziam a todos que era uma nova espécie de gato.
A Oráculo trazia notícias dos demais mundos dos universos alternativos, e nenhuma outra fenda se formou. Ezarel ficou sabendo que Mark trabalhava como Oráculo do mundo de Jane, e a principal missão de todos eles era coibir o uso dos portais de sangue pelos universos paralelos.
Mas em todo aquele tempo, Ezarel não teve nenhuma notícia concreta de que Jane teria conseguido restaurar a alma de Jow. Ele finalmente aceitou que ela não ia mais voltar, e há alguns dias, tinha falado isso para Miiko.
Quando ele finalmente subiu, Ykhar o aguardava na porta do porão.
Ofegante, com dores nos quadris e revirando os olhos, porque achou que ia ficar em paz, Ezarel perguntou irritado.
-O que foi, Ykhar? O que é tão urgente que não pode esperar eu recuperar o fôlego?
A coelhinha estava muito agitada.
-Miiko quer te ver agora mesmo na sala do cristal!
E dizendo isso, entregou-lhe um pergaminho meio amassado, e saiu dali depressa, para encontra-se com Valentim, que a aguardava na Biblioteca.
Ykhar estava com aquele pergaminho há horas, tomando coragem para entregá-lo. Ela sabia que ele ficaria irritadíssimo com aquilo, como sempre.
Ezarel suspirou e desenrolou o documento amassado.
Era uma convocação oficial para receber os novos recrutas da Absinto, que chegaram das terras dos Feng Huang.
“O maldito dever me chama... “ - Pensou ele resignado, e foi para a sala do cristal, apoiado na sua muleta.
Os novos recrutas eram doze ao todo. Onze rapazes jovens, cheios de determinação, e uma moça… Nem tão cheia de determinação assim…
Ali junto à porta estavam Kazai e Amikoh, para a surpresa de Ezarel. Ele mal se lembrava de que eles partiram a pedido de Huang Hua há alguns anos, para treinar os jovens que iriam para a guarda de Eel.
-Quanto tempo eu não os vejo! - Disse o Elfo, cumprimentando-os, e se mantendo distante do grupo.
-Retornamos com os jovens recrutas de Hua. - Disse Amikoh - Agora ficaremos um tempo por aqui. Vejo que está se recuperando bem, Ezarel! Que bom!
-Foi divertido treinar essas crianças, hihihi! - Riu a Salamandra - Devíamos fazer isso mais vezes!
Ezarel sorriu, conversando baixinho com eles, enquanto Miiko explicava sobre a rotina do QG, distribuindo manuais onde havia todas as informações sobre o funcionamento do quartel e as atribuições da cada guarda, assim como as regras, direitos e deveres dos Guardiões.
O Elfo ficou parado na porta, disposto a acabar logo com aquilo e se enfiar no laboratório para dar conta de toda a lista que Ewelein tinha pedido pela manhã. Poderia começar a usar aqueles recrutas imediatamente, mesmo que isso demandasse um pouco de aborrecimento em treiná-los tão rápido. Mas eram poções de preparo simples, nada que não dessem conta. Se soubessem ler, para ele já bastava.
Ezarel esperou entediado que Miiko terminasse de explicar o que devia ser explicado, uma repetição que chegava a inchar e fazer sangrar os ouvidos.
Ele mesmo já dissera aquelas palavras milhares de vezes, cada vez que um novo grupo chegava ao QG.
Totalmente desinteressado dos recrutas, Ezarel continuava conversando baixinho com Kazai e Amikoh, deixando a mente vagar por lugares que decididamente não eram ali.
-... E esse é o Ezarel, Alquimista líder da Guarda Absinto. Ele será seu superior direto e chefe, enquanto estiverem lotados aqui no QG de Eel. - Terminou Miiko.
Ezarel levantou os olhos e os cumprimentou por alto, dali mesmo da porta, acrescentando.
-Assim que terminar essa reunião eu quero todos no laboratório para começar o trabalho.
Temos muitos medicamentos para processar, e embora vocês sejam totalmente crus e incompetentes, não terão dificuldades em cumprir tarefas simples logo no primeiro dia, caso saibam ler. Miiko… Assim que os liberar, mande-os para o laboratório.
Miiko assentiu, e Ezarel deixou a sala, se despedindo dos seus amigos elementais, sabendo que todos os olhares se dirigiam a ele, e sentindo já na pele o prazer de ter causado uma péssima primeira impressão nos recrutas, por chamá-los de incompetentes já no primeiro encontro com eles. Isso era um prazer que ninguém tirava de Ezarel… Infernizar os recrutas mais jovens.
Ele subiu as escadas devagar, entrou no laboratório e preparou automaticamente as bancadas para o trabalho.
Aos poucos, os jovens chegaram e pararam do lado de fora da porta. Ezarel olhou o tumulto e foi logo falando.
-O que estão esperando? Entrem logo! Assumam cada um uma bancada! As instruções para o trabalho estão ao lado de cada bico de chama, devem apenas ler e seguir as instruções. Sabem ler, não sabem? Todos os frascos estão rotulados e as balanças estão aferidas. Apenas façam as misturas corretamente e coloquem para ferver. - Disse ele, se concentrando na própria bancada - Se tiverem dúvidas me chamem. Eu posso parecer terrivelmente assustador… Mas eu não mordo.
-Eu duvido… - Murmurou uma voz feminina, baixinho, no fundo da sala, mas a audição sensível do Elfo captou facilmente aquela queixa.
Ezarel levantou os olhos, irritado, observando os recrutas, que liam as instruções, e seus olhos pararam em um deles. Uma garota. A única do grupo.
Ezarel sentiu as pernas bambearem, olhando a moça de costas, com o uniforme da Absinto, sentada em frente à bancada. Sua aura era dourada, uma iluminação fraca, mas ele via perfeitamente bem aquilo. Seu coração disparou. Sua mente voltou ao passado. Ele não se conteve.
-Jow?
A garota apertou os olhos com raiva. Lentamente voltou-se para ele e o encarou com os olhos muito azuis. Tirou dos olhos a franja comprida que caía sob seu rosto e jogou para trás os cabelos curtos, loiros e rebeldes.
Ela levantou-se lentamente, em silêncio, e com raiva.
Os outros jovens abafavam risinhos, já esperando o que vinha a seguir, porque já a conheciam muito bem.
Ela andou até o Elfo, que deu alguns passos para trás, até bater de encontro à bancada, sendo obrigado a parar, e derrubando a muleta.
Ezarel estava mudo.
A garota terminou o seu trajeto até ele e segurou a gola do seu uniforme com raiva. Sabia que depois daquilo seria expulsa do QG. Ela estava pouco se lixando. Queria mais era voltar para casa. Aquilo já tinha enchido o saco.
-Eu não sou nenhuma Jow! Já estou de saco cheio de todo mundo me chamar assim, desde que eu pisei nessa droga de Quartel! Se alguém me chamar de Jow de novo eu sou capaz de lhe arrancar um olho! Ou os dois!
Ezarel recobrou a postura e tirou a mão da menina da sua gola, ajeitando o amassado da roupa. Fez um esforço enorme para olhar nos olhos dela com a firmeza necessária.
Ali estava, à sua frente, uma garota de pele morena, com cabelos loiros e curtos, olhos de um azul intenso, que era a cópia exata da Jow. A aura dourada, a voz, os trejeitos e o olhar. Sobretudo o olhar. Ele não sabia o que pensar. Por que diabos os deuses fariam aquilo com ele? Enfiar ali uma garota idêntica à Jow para infernizar a sua vida? Ele, que já não esperava mais pela volta dela?
-E como é o seu nome, recruta?
-Lua. Meu nome é Lua.
-Então, Lua, se já deu seu ataque de pelanca, volte para a sua bancada e retome o trabalho. - Disse ele, ainda com as mãos tremendo e a mente dando voltas.
-Ué… Disse ela - Não vai me expulsar?
Ezarel deu um sorriso vitorioso, abaixou-se e pegou a muleta.
-Bem que você gostaria disso, não é mesmo? Não, não vai se livrar de mim assim tão fácil… Aja novamente assim comigo que eu mesmo vou arrancar um olho seu… Ou os dois! - E vendo que todos olhavam para eles - Todos vocês voltem ao trabalho! Acabou-se o show! - E saiu do laboratório batendo a muleta no chão, com raiva.
Miiko lhe devia explicações… Muitas!
A Kitsune já esperava por aquela entrada furiosa de Ezarel na sua sala, e achou até que ele tinha demorado demais a perceber o que estava acontecendo. Quando ele entrou quase derrubando a porta, ela já o aguardava com um documento na mão.
-Miiko! O que significa iss….
-Cale essa boca, Ezarel! Tome, leia a carta da Huang Hua antes de começar a berrar e a dar chiliques. - Disse, entregando o documento para ele.
Ezarel pegou o pergaminho, desenrolou e começou a ler. A carta dizia:
“Querido Ezarel.
Sei que isso vai parecer estranho, e realmente é.
Estou lhe devolvendo o seu Chef Karuto, junto com a filha adotiva dele, minha afilhada, que acabou de completar 20 anos. Ela me foi trazida junto com outros jovens Feng Huang, pela Tsukiko, diretamente da Arena da Lua de Jane… Onde nasceu, sendo criada com muito amor por Jane, Mark e Karuto. Ela viveu lá por quinze anos… Você sabe que o tempo lá pode passar diferente daqui, dependendo da vontade de Jane, não sabe? Ela já está conosco há cinco anos, e eu e o Karuto continuamos sua criação aqui, também com muito amor. Quando pedi que Amikoh e Kazai viessem para cá para treinar meus jovens Feng Huang, era porque eu queria que ela tivesse contato com eles, mesmo não se lembrando de nada. Ela não tem as memórias da sua Jow, Ezarel. Aquela Jow que nós conhecemos, nunca mais vai voltar… Foi assim que a Jow pediu que fosse. Esse foi o desejo dela.
Espero que não tenha se assustado, quando a viu… Embora conhecendo você, tenho certeza de que se assustou bastante… Porque ela é uma cópia exata dela, incluindo seu jeito, sua voz, seu olhar e a sua aura. Mas ela é uma Feng Huang… Quem sabe um dia, ela venha a ser a minha sucessora para ocupar o cargo da Fênix… Ou não.
Já aviso logo… Ela é intensa, rebelde e detesta que a chamem de Jow… Porque quando chegou aqui, todos aqueles que conheceram a nossa amiga a confundiram com ela.
É com muito orgulho e aperto no coração cheio de saudades, que eu lhe envio a minha Pequena Lua.
Devo lhe informar uma coisa importante, que talvez ninguém nunca perceba… Mas como eu acredito que um dia, vocês dois resgatem o antigo relacionamento de vocês, e que você veja… Ela nasceu com a tatuagem da Marca do Fogo na escápula esquerda. Não sei o que isso quer dizer, porque até então, ela não manifestou nenhuma habilidade mágica e nenhum controle sobre os elementos.
Talvez o ar de Eel, a proximidade a certas rosas douradas e alguma outra coisa que está guardada com você, possam despertar nela alguma coisa que não conhecemos.
No mais, ela é alegre, engraçada e prestativa.
Com isso, fiz tudo o que a nossa Jow pediu.
Aqui termina a minha missão e começa a sua.
Boa sorte.
Saudações,
Huang Hua Ren-Fenghuang.”
Ezarel deixou a mão pendente segurando a carta e olhando fixamente para o nada, e acrescentou.
-Isso não é justo! A Jane não podia ter feito isso comigo!
-Isso o quê, Ezarel? Recriar a Jow e mandá-la de volta pra nós? Para você? Como uma faery?
-Não! Colocar a cara da Jow numa garota malcriada, insuportável e irritante como aquela! Logo se vê que é filha do Karuto! Para a semelhança perfeita, só faltam os chifres e um rabo de diabo!
-Vejo que já estão se entendendo. A Huang Hua avisou que ela não era muito fácil, você leu. Cabe a nós discipliná-la, ensiná-la, para que talvez um dia ela possa ser a Fênix.
-Ela nunca vai ser uma Fênix! E ela não é a Jow! Não sabe quem eu sou! Não se lembra de nada!
-Ela não é a Jow que conhecemos no passado… Aquela Jow não vai mais voltar. Foi assim que ela desejou que fosse. Ela é um novo ser, Ezarel, com a alma da Jow… Uma alma incompleta, que espera pela parte que está guardada com você.
Ezarel segurou a tartaruga de Jade pendurada no seu pescoço.
-Eu… Eu não posso fazer isso! - Disse jogando a carta na cara da Miiko, e saindo da sala com raiva.
Miiko suspirou, olhando para o Cristal com a cara feia.
-Oráculo… Você não podia tê-lo preparado pra isso, pelo menos?
O Elfo subiu as escadas com raiva, esquecendo como aquilo ainda poderia causar uma dor insuportável no seu quadril, e entrou no laboratório transtornado e mancando.
Lua sequer levantou os olhos para olhar para ele, permanecendo completamente compenetrada na sua mistura.
Ezarel assumiu seu lugar na bancada principal de frente para ela, colocou a muleta encostada na parede, e com o rabo do olho olhou para ela, que parecia nem tomar conhecimento dele.
Depois de alguns minutos, Lua levantou-se e sentou na bancada ao lado do Elfo, observando ele trabalhar.
Ezarel tentou fingir que ela não existia, mas depois de algum tempo parou o que estava fazendo e a encarou.
-O que foi, senhorita? Vai ficar aí me olhando assim, como se fosse um poste? Eu sei que eu sou lindo… Mas volte para ao seu trabalho!
-Eu já terminei. - Disse ela simplesmente - Pensei se teria mais alguma coisa pra eu fazer. Estou entediada.
-Pode repetir a mesma mistura até terminarem todos os ingredientes… Se for exaustivo e maçante, pode tirar o resto do dia de folga!
-Eu vou fazer as poções, eu gostei disso. - Disse ela, voltando para sua bancada e retomando o trabalho.
Trabalharam em silêncio até a noite.
No final, Ezarel fez com que lavassem e secassem todos os frascos e guardassem tudo.
-Estão dispensados. Menos você, Lua.
Ela revirou os olhos e esperou, tendo a absoluta certeza de que ia levar algum tipo de bronca ou ser vítima de alguma piada idiota. A fama de Ezarel já o precedia. Ela sentou-se de novo na bancada e esperou Ezarel lavar as mãos e retornar até ela.
-Me desculpe por mais cedo… - Disse ele, sem jeito - Eu não quis ofender você, quando a chamei de Jow.
-Eu imagino que não. Não é só você quem me confunde com essa garota. Eu já devia estar acostumada. Mas não fico. Eu sei que ela era muito importante pra todo mundo… Eu conheço a história dela, eu sei o que ela fez pelo mundo. Mas não gosto de perder a minha identidade pra ninguém. Me desculpe se eu quase matei você quando o segurei pela gola… Não tive a intenção de machucá-lo. Sei que você sofreu um acidente grave e esteve muito doente, e ainda está em recuperação. Não sou de agredir aleijados…
-Aleijados? - Ezarel riu, e olhou para a muleta, e depois para ela, magrela e frágil, com uma cara que chegava a ser engraçada de tão séria. - Não se preocupe… Não me machucou. Eu não sou um aleijado. Eu estou em recuperação, e em breve não vou mais precisar dessa muleta… Embora eu vá ficar com ela para poder bater em quem tentar me segurar pela gola.
Ela sorriu, e seu sorriso iluminou a sala.
-Então estamos acertados! Vamos recomeçar… - Disse ela estendendo a mão para Ezarel - Muito prazer em conhecê-lo, senhor Elfo chefe da Absinto, que eu de cara já detestei! Meu nome é Lua, e eu sou uma FengHuang.
Ezarel apertou a mão dela, e quando fez isso, foi inundado por uma sensação de amor que nunca mais tinha experimentado, desde que Jow partiu.
Assustado, ele soltou a mão dela, mas conseguiu sorrir.
-O prazer é meu, Pequena Lua. Então começamos do zero. E para comemorar a trégua, vou te dar um presente…
E retirou do pescoço ao colar com a tartaruga de jade e o colocou no pescoço de Lua.
Na mesma hora, uma chama dourada deixou a tartaruga e penetrou pelos olhos de Lua, e Blêmia, que passou anos inerte, começou a espernear de novo, para o espanto de Ezarel e a alegria da moça.
-Que linda! Ela faz cócegas, hahaha! Muito obrigada! - Disse ela, sentindo uma alegria imensa e dando um abraço apertado em Ezarel.
Ele ficou sem chão, e também a apertou no abraço, afundando o rosto nos cabelos dela. Mas ela o soltou e disse.
-Está na hora do jantar, estou com fome… E meu pai me disse que faria pudim para a sobremesa! Você vem??? - Disse ela, enquanto saía depressa e descia as escadarias, sem esperar por ele.
Ezarel parou no alto das escadas, sem saber se sorria ou se chorava.
Viu a moça desaparecer pela porta do refeitório, arrastando consigo a aura dourada.
Fechou os olhos, respirou fundo e desceu as escadas com dificuldade, percebendo que nem tão cedo se livraria da muleta.
Na porta do refeitório estava Karuto, esperando por ele, com a cara mais feia do mundo.
Ezarel olhou para ele com um olhar de interrogação, e o Fauno declarou:
-Dessa vez as coisas não vão ser tão fáceis pra você, orelhudo! Ela tá sob a minha tutela e eu tô de volta, e vou ficar de olho em você!
Ezarel sorriu, vendo que tinha feito a coisa certa, em devolver aquele pedaço de alma para ela.
Não sabia se teria forças ou disposição para enfrentar aquilo. Não sabia o que o futuro lhe reservava. Não era bem o que ele tinha em mente para o resto daquela sua vida despedaçada. Mas sentiu-se muito feliz pela primeira vez em anos… Deu um abraço apertado em Karuto, e entrou no refeitório, pensando se realmente haveria pudim para a sobremesa.Tema sugerido para o final, que resume tudo…
Última modificação feita por Especttra_ (27-04-2019, às 11h33)
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Capítulo Especial – Tios - Por Dee
– Esses são os parâmetros da missão:
“Cinco anos atrás, durante o conflito contra a alma atormentada de Thadeus Grimm, perdemos quase 70% de nossa biblioteca, incluindo livros e relatórios oficiais de missão. Apesar dos esforços de nossos bibliotecários e escribas, Ykhar e Valentim, não conseguimos resgatar nem 40% dos livros e pouco mais de 50% dos relatórios oficiais, mesmo contanto com nossos colegas faerys que possuem memória eidética.
O que causou um grande prejuízo a Torre e a toda a população de Eel. E, mesmo com as doações dos Fenghuang’s, eles não podem simplesmente dar seus livros ou permitir cópias de tudo. Existem coisas que não nos dizem respeito. Portanto, será necessário encontrar novos materiais para preenchermos o vazio de nossas prateleiras.
Verificando velhos arquivos de missões passadas, lembramos que, há quase 20 anos atrás, durante a missão de resgate do Ezarel e das crianças sequestradas da Torre e de outros locais, Eycha…digo, Érika e os membros chefes das Guardas visitaram a Ilha de Memória, um local sagrado dedicado a deusa Mnemosine, e relataram que o local abrigava uma grande biblioteca e, por razões que todos devem se recordar, decidimos não explorar o local adequadamente.
Contudo, esse prejuízo causado a nossa história nos força a ir a qualquer lugar necessário e acumular novos conhecimentos e informações que podem vir a ser úteis em nosso novo mundo, agora muito mais próximo dos humanos e muito mais integrado ao futuro. Mas, por outro lado, não podemos abandonar nossas raízes.”
Miiko terminou de falar e encarou os convidados de seu escritório, Leiftan, Ezarel, Valkyon, Nevra, Kareen, Alajea, Sonze, Ykhar e Valentim.
– Eycharistisi não deveria estar aqui? – Leiftan disse. – Afinal, sempre que há uma missão…
– A Sacerdotisa está ciente da missão, mas, visto que ela não envolve a Oráculo ou o Cristal, concordamos que sua presença é mais importante na Sala do Cristal do que aqui. – Miiko, agora usando roupas mais casuais, com calças e um casaco em tons de roxo e rosa, cabelos presos em um rabo de cavalo, e sem o seu cajado (já que ele foi passado para a nova sacerdotisa, Eycharistisi) respondeu. – Eu, por outro lado, apesar de não ser mais a Sacerdotisa, ainda sou a Chefe da Reluzente e, por isso, ainda me encarrego das missões com ou sem a orientação dela.
Para Leiftan aquilo pareceu suficiente. Ninguém mais manifestou curiosidade sobre os parâmetros da nova empreitada da Torre, então, Miiko deu um suspiro audível e continuou.
– Nessa missão, estão convocados para ir… – Ela sacou uma lista em meio aos papéis da mesa. – Ykhar e Valentim, por motivos óbvios…
Valentim acenou positivamente com a cabeça e segurou a mão de sua “não-esposa” brownie. O rapaz, aparentando estar na casa de seus 30 anos, agora deixou o longo cabelo louro mais curto em um corte padrão masculino e ostentava uma barba curta bem aparada, além de estar usando um par de óculos de aro fino dourado. A pele continuava apresentando seu tom bronzeado comum, por não ter perdido o hábito de praticar o tal “surfe”, que ensinou a todos os faerys que se interessaram (entre os chefes de Guarda, apenas Nevra se destacou no esporte). Também estava mais forte do que quando chegou a Eel, afinal, os treinos físicos também viraram rotina.
Ykhar, com feições que quase não lembravam a garota de pernas curtas que corria pela Torre, tornou-se uma mulher que chamava a atenção por onde passava (Valkyon sentia, bem no fundo, uma ponta de arrependimento por não a ter tratado melhor quando teve a chance). Os cabelos alaranjados estavam cortados na altura do ombro. As curvas tornaram-se muito mais generosas, destacando um aumento considerável nos seios e quadril (quase igualando-se a Alajea). Usava roupas mais leves e práticas, mas mantinha o gosto predominante pelo verde e pelo branco. O rosto continuava com a mesma expressão nervosa e assustada de quem não gostava de frequentar aquelas reuniões (“nunca fazem reuniões para dizer que vamos ganhar mais doces no jantar. É sempre problemas ou trabalho extra!”, dizia a brownie).
– Pelos relatórios que li… – A voz de Ykhar também se tornou mais suave e muito menos aguda, mesmo quando ela falava em disparada. – …aquele lugar estava em ruínas já naquela época.
– É bem provável que já esteja no chão. – Leiftan disse. – Nossa viagem seria muito mais curta e produtiva se Darien ou Black nos levassem para lá e voltássemos na mesma hora.
– Nem Darien e nem Black nunca estiveram em Memória, portanto, não podem abrir portais para lá. – Nevra respondeu. – Teremos de usar um barco de qualquer forma.
– No mais, Darien estará com vocês para que possamos passar para lá por portais após isso. Continuando a lista… – Miiko voltou a correr os olhos pelo papel. – Leiftan. Você que já esteve por lá, vá com eles para cuidar de tudo. Quero um relatório bem detalhado sobre a geografia do local, prováveis locais de assentamento e ameaças em potencial. Se tiver algo sobre o clima e fertilidade do solo, melhor ainda.
– Esta missão é só mesmo de resgate de material da biblioteca? – Valkyon não conseguia deixar de virar os olhos eventualmente para Ykhar. Se alguém na sala havia percebido, não disseram nada. – Ou tem algo mais?
– Como já devem ter percebido… – Miiko suspirou outra vez, massageando as têmporas com os polegares. – O Q.G está cheio! O Refúgio está lotado e não temos mais como abrigar ninguém aqui. Precisamos achar um local para esse pessoal morar e que seja seguro. Memória foi abandonado por séculos, mas, talvez seja uma opção.
– Isso não será muito bem visto por aqui e você sabe, não é, Miiko?
– Não podemos deixar Twylda nem sonhar que estamos indo para aquele lugar novamente! – A kitsune foi taxativa no assunto. Valentim havia lido os relatórios e aquele assunto deu um nó em sua garganta. – Ela demorou muito para se recuperar do que aconteceu com Merry e… eu sei que é doloroso, mas, no momento, é nossa melhor opção.
– Na época eu já sentia muito por ela, mas hoje… – Alajea, com roupas elegantes e leves, em tons de azul e verde, além de seus cabelos brancos presos em uma trança que alcançava os quadris, disse. – É quase palpável imaginar a dor que ela sentiu. – Ela segurou a mão de Sonze e acariciou os dedos dele. – Aquilo foi terrível.
– Vamos ao foco do assunto, por favor. – Miiko também sentia, mas, não era a hora. – Alajea da Guarda Absinto, Sonze da Obsidiana e Kareen da Sombra, vocês são os últimos membros convocados para ir nessa missão. Karuto já sabe da viagem e já preparou os suprimentos.
– Pelo amor do Cristal me diga que os suprimentos foram preparados pela ajudante dele! – Kareen, com pouco mais de 20 anos, usando couro preto com facas e adagas presas nas coxas e longos cabelos negros, com algumas mechas rosas ao longo dele, disse. – Se não foram, eu vou me alimentar chupando o Valentim!
– IRCC??? OQUE??? – Ykhar quase pulou da cadeira ao ouvir aquilo. Valentim ficou vermelho e riu de nervoso. – VA-VA-VA-VA-VA-VAI CHU-CHUPARR??
– Não precisa ter ciúmes, Ykhar, chupo você também! – Kareen riu da cara vermelha que misturava nervosismo, raiva e medo da brownie. – E faço mais do que isso também.
– Kareen, você vai matar ela do coração… – Miiko deu tapinhas na mesa para chamar a atenção de todos. – Bom, é isso. Todos que foram convocados para a missão em Memória vão preparar os suprimentos e equipamentos necessários. Valentim, vá para a biblioteca e pegue as informações necessárias com o Keroshane. Ykhar, no laboratório de Alquimia, pegue frascos de preservação de pergaminhos, leve bastante… E, aliás, vocês dois, o barco é pequeno! Não é o quarto de vocês!
– IRCCC!! O-o-o-que você quer dizer com isso, Miiko? – Ykhar ficou vermelha novamente. – Eu… eu… eu…
– Ykhar, você sabe bem do que eu estou falando! – Miiko encarou a brownie com raiva. – Eu vou mandar lançar um feitiço de silêncio nas suas paredes!!
Ykhar escondeu o rosto nas mãos e deu uns tapas em Valentim dizendo que a culpa era dele, enquanto saíam. Leiftan, Kareen, Sonze e Alajea também saíram da sala. Deixando Miiko sozinha com Ezarel, Valkyon e Nevra.
– Ok. Agora imagino que seja a hora de falar sério, não é, Miiko? – Nevra inclinou o corpo para frente e apoiou os cotovelos na mesa. – Tem uma missão para nós também?
– Não chamaria vocês aqui sem uma razão, Nevra.
– Alguma coisa que eles não podem saber? – Valkyon disse. – Algo confidencial?
– Muito. É algo que Valentim e Ykhar não podem nem imaginar! – Miiko respondeu. – É a missão mais importante de todo esse planejamento. Algo que eu não sou capaz de fazer e preciso passar ela pra alguém. Preciso de vocês!
– Bom, então, que seja… O que vamos fazer? – Ezarel olhou em volta para garantir que não estavam sendo espionados. – Pode falar.
– Bom… – Miiko foi em direção a porta do escritório. – Me acompanhem…***
Valkyon cruzou os braços e fez uma cara de dúvida ao encarar a sua “missão”. Ezarel trincou os dentes e uma veia pulsava em sua têmpora, pronto para explodir de raiva. Nevra tinha um sorrisinho de canto de boca, pronto para explodir em gargalhadas. E Miiko ficou olhando para os comandantes, apenas vigiando a reação deles.
– Bom, falem alguma coisa! – Miiko esperou alguma reação dos rapazes. – Sejam, pelo menos, educados.
– Isso é uma brincadeira, não é? – Ezarel disse. – Você realmente só pode estar brincando com a gente!
– Ezarel, eu disse que não consigo fazer isso! – Miiko esbravejou. – Você sabe o motivo de eu ter escolhido Hua como companheira? Então… tem três motivos bem na sua frente!
E lá estavam os três motivos.
O primeiro parecia ser o maior e mais velho, tinha uns 4 anos, com cabelos pretos como os de Nevra, bem alinhados e penteados com carinho. Ele observava, com um olhar curioso, tudo o que via no Q.G. Usando roupas limpas e bem arrumadas, com um casaco de lã sobre uma camiseta azul estampada com uma coisa que os humanos chamam de “dinossauro”, além de um short preto e meias brancas na altura do joelho.
O segundo, com cabelos loiros desalinhados, parecia mais interessado em brincar com um brinquedo de madeira que carregava nas mãos. Apesar de ser gêmeo do primeiro, ele era menor e mais magrinho. Suas roupas não estavam tão limpas e alinhadas como a do irmão e ele ostentava um band-aid no joelho e um na bochecha. Mexia-se impaciente, como se estivesse se segurando para não sair correndo.
E o terceiro motivo, menor que os outros dois, tinha uns 2 anos e cabelos castanhos alaranjados, além de olhos verdes enormes. A menorzinha não desgrudava da perna de Miiko e abraçava uma boneca de pano que, de alguma forma, lembrava a própria kitsune, com cabelos pretos de lã e rabos extras. Seu vestidinho verde com degrade branco fazia a menininha parecer um pequeno bolo enfeitado.
Em comum, os três tinham orelhas de coelho da mesma cor do cabelo.
– Pessoal, estes são Nevra, Ezarel e Valkyon… – Miiko abaixou para falar com as crianças. – Eles vão ficar com vocês pelo resto do dia! Sejam bem bonzinhos e digam oi para eles.
– Olá, boa tarde! – O menino de cabelos pretos estendeu a mão para os guardas. – Meu nome é Thadeus Grimm, muito prazer.
Aquele nome fez todos ali tremerem, embora soubessem que era só uma questão de homenagear um homem que, antes de sido um um monstro, foi um pai. Valkyon abaixou e apertou a mão do garoto com firmeza, retribuindo o aperto forte do garoto.
– “Eu sou Thadeus…nhénhénhé”… – O outro menino rebolou no lugar fazendo caretas. – Seu bobão! – E os meninos começaram a trocar tapas um com o outro.
– Não, não, não! – Miiko colocou a mão entre eles. – Vamos ser amigos aqui. Seja bonzinho e comprimente os guardas!
– Eu sou o Mall! – O menino falou cruzando os braços. – Tenho nome de mascote e sou um minuto mais velho do que ele!
Os guardas lembraram-se do enorme sitourche de Ykhar. E também lembraram do fim trágico do mascote. Nevra gostou da atitude do menino e deu um passo a frente. O vampiro iria colocar aquele pestinha na linha.
– E você? Como se chama? – Miiko tirou a menorzinho de sua perna e a colocou ao lado dos irmãos. – Diga oi para os tios.
– Popô. – A menina disse apontando para o próprio nariz.
– O nome dela é Pompom Grimm. – Thadeus se apressou em corrigir a irmãzinha. – Ela ainda é muito pequena e não sabe falar direito.
– Sim, percebemos! – Ezarel respondeu sarcástico. Miiko olhou feio para ele. – Então, essa é a prole da Ykhar?
– Exatamente. Enquanto eles estão fora, Ykhar pediu para que eu cuidasse deles, mas… eu preciso dormir pelo menos cinco horas hoje! – Miiko massageou a testa outra vez. – Eu só preciso que vocês fiquem de olho neles por algumas horas! É só isso!
– E porque não pedir para Kareen ou Alajea, ao invés de mandá-las na missão em Memória? – Valkyon ainda não entendia bem a história. – Acho que elas são muito mais “qualificadas” para esse tipo de trabalho do que nós, não?
– Isso foi extremamente machista, Valkyon. – Miiko olhou feio para ele. – E é exatamente por isso que vocês são os responsáveis pela tarefa. – Ela pegou Pompom no colo. – Além disso, não posso correr o risco de ficar sem meus três chefes de Guarda aqui. Agora, parem de ser frescos e cuidem deles por algumas horas. Hua está chegando e, por algum motivo, ela os adora e eles a adoram.
– Tia Uá!! – Pompom agitou os bracinhos feliz ao ouvir o nome da Fenghuang. – Tia Kiko!
– A tia Miiko vai deixar você com o tio Ezarel por um tempinho, tá, meu amor? – Miiko colou o nariz no narizinho da brownie e deu um “beijinho de esquimó” nela. – Fica boazinha, tá bom?
– Com o tio…? – O elfo não teve tempo de terminar a frase e recebeu a bebê no colo. – Por que justo com o tio Ezarel?
Miiko ignorou a pergunta e foi em direção ao menino de cabelos negros, abaixando na altura dele.
– Thadeus, vou pedir que você fique um tempo com o tio Valkyon. – Miiko esfregou os cabelos negros dele e fez cosquinhas nas orelhas do garoto que deu uma gostosa risada. – Ele vai cuidar de você, tá bom?
– Minha mãe disse que seria muito adequado que me deixasse na biblioteca com o senhor Keroshane. – Thadeus olhou para Valkyon e ficou impressionado com a altura e tamanho do chefe da Obsidiana. – Posso ficar lá, por favor?
Até mesmo Valkyon ficou impressionado com a educação e articulação do menino. Era demais, até para ele.
– Eu entendo, mas, infelizmente o senhor Keroshane está muito ocupado e a biblioteca está sendo utilizada para organizar alguns dos nossos relatórios. Por isso, fique com o tio Valkyon. – Miiko respondeu colocando o dedo na ponta do nariz dele e depois um beijo no rosto. – Seja bonzinho, tá?
– Precisa pedir? – Nevra riu. – Eu não lembro de a Ykhar ser assim tão educadinha. Ele deve ter puxado isso do Valentim.
– Mall? – Miiko virou para o último dos meninos. – Vai ficar com o tio Nevra, de boa?
– Hum… – O menino deu de ombros.
– Bate aqui... – Miiko levantou a mão e o menino deu um “hi-five”. – …aqui… – Abaixou a mão e recebeu outro “hi-five.” – …aqui… – Na terceira ela tirou a mão e deixou a mãozinha do menino passar direto no ar, então, aproveitou o desequilíbrio dele e o puxou para um abraço e para cosquinhas, depois soltou o menino e lhe deu um beijo na bochecha. – Se liga aí, ein… tem sorvete depois, se ficar quietinho.
– De “cholote”? – Mall arregalou os olhos.
– É “chocolate” e sim! – Miiko respondeu ficando de pé. – Do que você quiser! Bom, rapazes… sabem o que fazer, não é? Até mais!
Thadeus correu para o lado de Valkyon e segurou um dos dedos do chefe da Guarda. Pompom esticou os bracinhos em direção a Miiko que se afastava, repetindo “tia Kiko” baixinho com uma voz triste e Mall continuou parado no mesmo lugar, trocando o peso do corpo entre uma perna e outra.
– Isso… porque ela não tem jeito com crianças, não é? – Nevra deu de ombros.
Chegando em seu quarto, Miiko tirou as botas e o casaco que usava por cima de uma camiseta de algodão e o cinto, nem se preocupando em tirar a calça ou mesmo os adornos que usava nos pulsos. Caiu na cama exausta e se arrastou para debaixo das cobertas, aproveitando o tempo de paz e silêncio que estava naquele refúgio.
Pegou na cabeceira da cama um bilhete com instruções de Ykhar e releu, apenas para garantir que tinha feito tudo conforme as instruções da amiga.
“Miiko, por favor, tome conta do Thadeus, do Mall e da Pompom durante a minha ausência. Eles são super bonzinhos e você não vai ter trabalho algum. Só deixar uns lápis de colorir e alguns papéis (talvez uma parede) e eles vão ficar horas ali…”
– Mentirosa… – Miiko torceu o nariz para a frase, observando suas paredes redecoradas com desenhos em alturas que ela não imaginava como eles tinham alcançado.
“…agora, caso tenha que se ausentar, por favor, deixe eles com Karuto ou com a Alajea. E se, em último caso, precisar deixá-los com os rapazes, peço que faça o seguinte: Deixe o Thadeus com o Ezarel. Ele gosta de alquimia e é bem calmo, talvez o elfo ensine algo para ele. Apenas não o deixe com Valkyon, porque o Thadeus é muito fraquinho! Por motivos óbvios, mantenha o Mall longe do Nevra! Talvez ele sim, pode deixar com o Valkyon e ele vai fazer o Mall treinar e gastar toda a energia dele. Mantenha a Pompom longe do Ezarel. Conheço ele e sei que ele não tem paciência com bebês! Lembra do Elliot? O bebê Kappa? Então! Pompom se dará bem com o Nevra, tenho certeza.”
É. Ela tinha feito tudo certo. Miiko dormiu com o papel na mão, nem se importando em apagar as luminárias do quarto. Em algumas horas estaria como nova. Ela tinha certeza disso.***
Longe dali, em alto mar…
Ykhar encarava o horizonte ao longe, como se procurasse uma visão da Torre. Uma visão de casa. Seu semblante sério e os cabelos balançando ao vento a deixavam ainda mais bonita aos olhos do seu “não-marido”, Valentim, que se aproximou e a abraçou por trás, dando um beijo na pele exposta do pescoço. Aquilo fez cócegas na garota e ela riu.
– Tudo bem, minha capitã? – Valentim sussurrou próximo a bochecha de Ykhar (afinal, era mais complicado sussurrar na orelha dela). – Você está distante…
– O que aconteceu em Memória… Não sei se nenhuma criança deveria voltar a pisar nessa ilha…
– Li o que foi escrito nos relatórios, mas, só posso imaginar… – Valentim respondeu um pouco mais sombrio. – Mesmo sem tantos detalhes no relatório da Eycha… quer dizer, na época, o relatório da Érika, eu consigo imaginar o que aconteceu.
– Na época, eu chorei demais pelo Mery, pelo Milo e pelos outros, mas… – Ykhar tremeu um pouco. – Eu não era mãe naquele tempo e, hoje em dia, eu morreria se algo acontecesse assim com nossos bebês. E se encontrarmos outra Marie-Anne naquele lugar?
– Temos um cara como Leiftan conosco… – Valentim disse. – E, se ele não for suficiente, então, eu estou aqui também.
– Que bom que eu posso contar com o Leiftan, não é verdade? – Ykhar usou sua voz mais sarcástica para responder aquilo. Algo que Valentim não via muito. – E… olha… Valentim, meu marido, está por aqui também!
Valentim não respondeu, preferiu atacar Ykhar com uma mordida carinhosa na bochecha e beijos no pescoço dela, exatamente onde ele sabia que a faria morrer de cócegas e arrepios por todo o corpo. Ela se debateu para se livrar do “ataque” e depois voltou a ficar séria.
– É que… tem alguma coisa tá errada, eu tô sentindo que tem alguma coisa fora do lugar. – Ykhar ajeitou os ombros para acomodar-se no abraço. – Meus bebês estão tão longe de mim. Nunca ficamos tanto tempo longe dele…
– Foram só algumas horinhas… mal embarcamos! – Valentim riu. – E amanhã, ou talvez depois, já teremos estabelecido um acampamento e o Darien poderá nos transportar por portais.
– Você está maluco? São bebês! – Ykhar olhou assustada para o rapaz. – Eles são muito novos para passar por portais!!
– É mesmo? Então, como eles chegaram aqui em Eldarya? – Valentim riu. – Lembra que eles nasceram nos hospitais de humanos lá em Londres?
– Ah… é verdade… – Ykhar ficou pensativa por um tempo e depois ficou brava. – Mas, isso não quer dizer que eles tenham idade pra ficar passando por portais!! Eles são pequenos e a Pompom pode tropeçar na borda do portal! E o Mall? Ele pula pro outro lado e sai correndo e nunca mais o encontramos!!
– Eles ainda nem estão por perto e você já está se preocupando com o que pode acontecer?
– Isso não tem nada a ver!!! – Ykhar começou a acertar o braço dele e Valentim ria da cara de Ykhar. – Eu já disse que tô sentindo que tem alguma coisa errada e você não pode discordar da sua capitã!
– Desculpa! Desculpa! – Valentim apertou Ykhar no abraço. – Eu também estou morrendo de saudades daquelas orelhinhas, mas eu sei que a Miiko vai cuidar deles. Fique tranquila que eles estão em boas mãos.
– Esse barco me traz más lembranças… estávamos indo para a Terra dos Kappa quando…
– Quando passamos um tempo maravilhoso juntos? – Valentim disse. – Nos conhecendo e nos apaixonando um pelo outro?
– Não definiria como “maravilhoso” ter que ficar cuidando para que você não morresse de infecção em um barco assombrado por um espírito raivoso de um pirata!
– Ele tinha hidromel e isso ajudava você a “se soltar” um pouco… E soltar um pouco os botões daquele seu vestido também…
– EI!! Você me embebedou de propósito?? – Ykhar olhou por cima do ombro indignada. – Isso é… algum tipo de crime… de coisa muito errada e você deveria ir para corte marcial!!
– Até onde eu me lembro, quem trouxe aquele hidromel foi você, capitã… – Valentim riu ao ver a cara vermelha da brownie. – Então, quem deveria pra corte deveria ser você!
– Então sou eu quem será punida, então? – Ykhar viu nos olhos do rapaz a ideia maliciosa se formando. – Digo, pela corte marcial. Pela corte Marcial!! E-e… aaarrrgghhh… Você já me fez esquecer o que eu estava pensando!!
– Que bom! Então, minha missão está cumprida! – Valentim plantou um beijo no rosto dela. – Acredite, nossos filhotes estão bem no Q.G!
– Acredito sim, soldado. – Ykhar aconchegou-se outra vez no abraço dele e deixou os pensamentos e preocupações para trás. – Ei… soldado…
– Sim?
– Ei? Isso aí é o seu tablet me cutucando aí atrás? – Ykhar sentiu as bochechas esquentarem. Porque se não… você está com sérios problemas por insubordinação e… eu vou ter que te punir.
– Não quer descobrir por você mesma? – Valentim respondeu pressionando mais o seu “tablet” contra Ykhar. – Não vamos ter muito o que fazer nesse barco até chegarmos a tal Ilha de Memória.
– Claro que temos! Conferir os papéis e pergaminhos. Certificar-se que os equipamentos estão carregados. Estudar a topologia da ilha. Revisar os materiais dos símbolos encontrados nas estátuas. Revisar os estudos e…
Valentim tapou a boca de Ykhar com um beijo que deixou a brownie sem fôlego.
– Tenho uma ideia melhor… – Valentim a abraçou e a puxou para mais perto. – …que tal irmos “criar” algumas memórias dessa viagem?***
Kareen rolava de um lado para o outro na cama, tapando os ouvidos com força ou colocando o travesseiro por cima da cabeça, nervosa por não conseguir dormir. Resmungando, virando de um lado, depois para o outro. Levantava-se, deitava-se. Virava de ponta cabeça na cama e nada. Na cama ao lado, Alajea dormia como uma pedra, o que a deixava ainda mais irritada.
Não era apenas pelo calor descontrolado, que a fazia dormir com suas roupas mais curtas e sem o lençol esburacado que conseguiram para ela, nem pelo balanço irregular do navio, que quase a derrubava da pequena cama, e nem pelas pulgas que infestavam o colchão e faziam um trabalho muito mais profissional que o dela no quesito “sugar sangue”. Não. Nada daquilo era o motivo de deixá-la acordada.
Era o barulho…
Tóc… Tóc… Tóc…
Hum… Huumm… HHuum……… Aaahh…. Humm…..
Fazia quase 2 horas que o barulho de gemidos abafados e madeira batendo contra a madeira não parava. Era como se ambos fossem brownies coelhos. Valentim não cansava não?
– AAAHHH… Pelas ceroulas de Tsukiko!! Esses dois não param não?? – Kareen bateu na parede de madeira. – Me deixem dormir!!!
E então o gemido se tornou um pouco mais audível e a velocidade da cama batendo na parede tornou-se ainda mais rápido. O que deixou Kareen ainda mais brava. Ela tapou a cabeça com o travesseiro e apertou as orelhas com ele. A noite seria muito longa, ela pensou.
Round 1
– Muito bem, Thadeus. – Valkyon parou com o menino em meio ao campo de treino da Guarda Obsidiana. Havia diversos soldados treinando com espadas reais ou de madeira, treinando com arcos, briga mano-a-mano ou fazendo exercícios físicos. – Seja bem-vindo a Obsidiana! O que achou?
– Aqueles senhores vão se machucar se continuarem a brigar. – Thadeus olhou para o ringue de treino. – Minha mamãe sempre diz que é feio brigar.
– Mas, nós aqui não brigamos! Nós treinamos para evitar brigas. – Valkyon tinha um tom de orgulho na voz. – Para proteger as pessoas de brigões e cuidar que pessoas como a sua mãe possa passear livremente, sem medo, por toda Eel.
– Vocês brigam para não haver briga?
– Sim!
– Isso parece meio paradoxal… – Thadeus parou para refletir e tirou do bolso uma caderneta com lápis, fazendo anotações. – …pode, por favor, me falar mais sobre isso, senhor Valkyon?
– Agora não é tempo de falar! Agora, nós vamos aprender! – Valkyon sorriu e foi buscar espadas de madeira. Uma bem pequena, adequada ao tamanho do menino. – O seu pai treina aqui comigo sempre, você sabia? Já viu como ele é forte? É por isso que sua mãe ficou com ele.
– Você foi namorado da minha mamãe?
Valkyon ficou vermelho na hora. Ykhar havia dito aquilo? Por que ela faria isso? Não, Ykhar era muito discreta para falar sobre esse assunto com a criança. A fonte certamente foi outra.
– Er… ela te falou isso? – Valkyon coçou a cabeça enquanto encarava o menino. – Porque… s-sim… éramos mais jovens… antes de dela conhecer o seu pai…
– Eu ouvi a tia Kareen dizer que ela começou a gostar do meu papai porque você e ela não treinavam… – Thadeus disse com toda a inocência.
– ARGH… Não-não-não leve a sério o que você escuta da tia Kareen!! – Valkyon entregou a espada de madeira para o menino. – Ela é muito brincalhona!!
– Por que você treina tanto com o meu papai e não treina nada com a mamãe? – Thadeus falou. – Você prefere treinar com meninos?
– NÃO!! Digo… eu treino com meninos, mas… Não é o treino… digo… – Valkyon ficou ainda mais vermelho. – Escuta, o negócio… era outro… outra… um treinamento diferente… Não tem nada a ver com o treino com o seu pai!!
– Ah… você quer dizer, sex… – Valkyon tapou a boca do menino com uma velocidade assombrosa.
– Escuta! Esqueça isso! Vamos praticar com o boneco de palha, sim? – Valkyon tirou a mão da boca da Thadeus e apontou para um manequim de treino, segurando um escudo velho e uma espada de madeira. – Vai ser muito mais legal, você vai ver!
Valkyon levou o menino até a área de combate com espada e esgrima. Alguns dos soldados cumprimentaram Valkyon e Thadeus, perguntando sobre ele e acenando. Alguns ofereceram frutas e doces, mas, o menino educadamente recusou, dizendo que não deveria comer doces antes do almoço.
– Muito bem… – Valkyon disse. – Esse é um homem muito mau…
– Por que ele é mau, senhor Valkyon? – Thadeus perguntou. – Ele é vítima da desigualdade social que se propaga em todo o nosso sistema? Ele não teve oportunidades de estudo e trabalho devido a capitalismo predatório que comandam o mercado?
– Oque?? – Valkyon ficou sem entender nada. – Não! Ele é mau! Ele é muito mau! Ele é muito mau e você tem que deter ele com a sua espada!
– E não seria melhor ressocializá-lo? – Thadeus disse. – Dar a ele um emprego e educação de qualidade? Para que ele possa se tornar um cidadão produtivo na nossa sociedade?
– O que diabos a Ykhar está deixando você ler? – Valkyon ficou assustado. – Olha, escuta! Ele é mau! Ele é um homem mau que vai machucar a sua mamãe! O que você…
– BBBBÚÚUÚUÁAAAAAAA…
– Thadeus? O que foi? – Valkyon correu até o menino. – O que aconteceu?
– Ele vai machucar a minha mãe!!!
– Não! Calma! É Só de mentirinha! – Valkyon riu nervoso. – Ele é um boneco, olha! Ele não pode machucar ninguém…
– Mall me bateu com uma boneca da Pompom uma vez! – Thadeus esfregou a cabeça onde o acertaram. – Não foi de mentirinha!
– Bom, este aqui é! – Valkyon posicionou o menino na frente do boneco. – Vamos lá… Afaste as pernas assim… – Ele pegou um dos pés do menino e colocou em posição. – E as mãos segurando a espada assim… – E pegou as mãozinhas do menino para mostrar como segurava a espada. – … Muito bom! Agora, ele quer bater em você… O que você faz?
Thadeus largou a espada e ergueu as mãos para o ar, tremendo o corpo.
– Não me mate! Tenho pernas curtas!
– Ah, muito bem! Você aprendeu direitinho as técnicas de defesa da sua mãe! – Valkyon abaixou para pegar a espada e entregar para o menino novamente. – Agora que tal…
Então, Thadeus bateu com sua mão com um golpe de karatê no pulso de Valkyon, fazendo o rapaz largar a espada e segurar o braço, para não dar um berro de dor.
– AAAAOOUUUUU!!!! Mas o que foi isso???
– Atingi o homem mau enquanto ele estava distraído, senhor Valkyon! – Thadeus respondeu orgulhoso. – Agora eu posso correr, senhor?
– Eu acho que quem quer correr é o homem mau! Aahhhh… – Valkyon olhou para o menino como se estivesse vendo um black dog. – Tudo bem, chega de pontos de pressão, vamos treinar com a espada de madeira. Vamos supor que o homem mau vai tentar machucar a sua irmãzinha…
Thadeus levantou as mãos novamente.
– Nada disso! Não vou cair nessa outra vez! – Valkyon cruzou os braços e sorriu para o menino. – Vamos fazer do meu jeito dessa…
VLÁPT!
A espadinha de madeira não o acertou com tanta força, mas acertou em um lugar específico, na parte de trás da coxa de Valkyon, que fez o rapaz desabar no chão com lágrimas nos olhos. Aquilo chamou a atenção dos soldados da Obsidiana que começaram a olhar para o chefe caído e rolando no chão.
– Deixa a minha irmãzinha em paz, homem mau!! – Thadeus apontou a espadinha para Valkyon. – Falei certo, senhor Valkyon?
– Outro ponto de pressão? – Valkyon massageava a coxa. – Onde você aprendeu tudo isso?
– Livros! – Thadeus disse com orgulho. – Mamãe e papai sempre dizem que eu devo ler muito.
– E não tem nada mais seguro na sua biblioteca, não? – Valkyon sentou massageando a coxa. – Tá legal… chega de pontos de pressão por hoje… Só vamos… treinar alguns golpes com o boneco e…
Páf!!
Valkyon caiu no chão, como uma tora de madeira velha. Os soldados da Obsidiana começaram a rir do chefe. Valkyon garantiria que cada um deles iria pagar muito caro pelas risadas.
– Thadeus… eu disse que o golpe era no boneco… – Valkyon tinha a voz abafada por estar com o rosto colado no chão. – Por que você me bateu?
– O senhor disse “com o boneco” e não “no boneco”. – Thadeus respondeu orgulhoso. – O boneco está ali, portanto, estamos treinando “com o boneco”. Mamãe diz que é muito importante usar as palavras corretamente.
– Eu tô vendo… então, vamos treinar os golpes no… – Valkyon tentou levantar-se, mas os braços não se mexiam. Ele tentou mover as pernas e nada. – Thadeus…
– Sim, senhor Valkyon?
– Você, por acaso, sabe algum tipo de ponto de pressão que paralisa o oponente?
– Sei, sim senhor!
– E você acertou ele em mim agora, não é?
– O senhor queria machucar a minha irmãzinha. – Thadeus disse. – Agora, eu vou chamar a polícia! Por favor, não se mexa enquanto espera.
Valkyon tentou mexer o braço e levantar-se, mas não conseguiu e, além disso, recebeu outro golpe em um “ponto de pressão” da espadinha de madeira de Thadeus.
PLÁFT
Valkyon urrou de dor ao sentir o golpe da espadinha bem na sua área mais “sensível” e protegida apenas pela justa calça de montaria. Ele nem pode levar as mãos ao ponto atingido, porque ainda estava paralisado.
– Poooorrr… queeee…ÊÊÊhhhh…aaahhhh… – Valkyon gemia de dor, enquanto o resto da Guarda chorava de rir da surra. – aaahhh… por… qu…??
– Eu disse para não se mexer, homem mau!! – Thadeus disse. – É assim que faz, senhor Valkyon?
– Éééé... muito bem... Eu não vou me mexer... – Valkyon tinha lágrimas nos olhos e grama entrando na boca. – Agora… desparaliza o tio, por favooorrr...
– Não posso fazer isso. – Thadeus olhou um pouco envergonhado para o rapaz caído no chão. – Me desculpe, por favor, mas eu ainda não li o capítulo que fala como desparalizar…
– E você lê rápido? – Valkyon, se pudesse (e se fosse seguro) levaria as mãos a parte atingida. – Você aprende a desparalizar o tio?
– O livro está lá em casa! Eu vou lá ler!! – Thadeus saiu correndo. – Não se mexa, ein!!
– Espera! Thadeus… Eu… – Tarde demais. O menino já tinha sumido da visão dele. – OBSIDIANA!! Vão atrás dele!!
Os soldados que estavam rindo fizeram uma continência e foram em direção ao menino, segurando risinhos abafados.
– Não!! Espera!! Me levanta daqui!! – Os soldados também se foram. – Não me deixem… aqui… Argh….
Então, juntando toda a força de seu corpo, Valkyon começou a arrastar-se como uma minhoca em direção a enfermaria onde esperava que, por algum milagre, Ewelein conhecesse algo sobre esses pontos de pressão e pudesse fazer algo por ele.
Round 2
Mall balançava os pezinhos na beirada da cadeira do escritório de Nevra, com os braços cruzados e encarando o vampiro com uma cara emburrada, enquanto o vampiro sorria e imaginava o quanto esse menino ia se arrepender de ser marrento. Ele iria endireitar o garoto de tal forma que Ykhar não ia diferenciar ele do outro menino educadinho.
– Você é um pirata? – Mall ainda emburrado perguntou para Nevra. – Mamãe não gosta de piratas!
– Não. Não sou um pirata! – Nevra disse. – Esse tapa-olho foi por outra coisa. Alguém me acertou enquanto eu estava desprevenido.
– Você é um chefe de Guarda! Não deveria ficar desprevenido!
– Ah… quer dizer então que você é muito alerta e ninguém te pega de surpresa? – Nevra riu. – Quer dizer que você é mais esperto que todo mundo?
– Eu sou um blackdog! – Ele exibiu os dentes. – Mamãe me colocou o nome de um mascote, então, eu sou um blackdog! Blackdogs são espertos!!
– E você já viu um blackdog antes? – Nevra levantou-se da cadeira de forma teatral. – Eles são grandes, tem dentes e mais dentes afiados e… UM BLACKDOG ATRÁS DE VOCÊ!!
Mall nem se mexeu.
– Chhhaaatttoooo…
– Ei, qual é! Estou tentando animar um pouco as coisas! – Nevra recuou cruzando os braços. – Você nem olhou pra trás para ver o blackdog.
– Isso não é um blackdog! – Mall respondeu. – É um black gallytrot! São diferentes!
De fato, Shaitan, o mascote de Nevra estava bem ali, parado e esperando por um pouco de atenção. Mall olhou para ele e abriu um sorriso, passando a mão na cabeça felpuda do mascote.
– Tá legal. Vamos ver o que temos aqui para te manter distraído, por um tempo. – Nevra virou-se para a estante dele. – Tenho uns livros aqui…
– Livro é coisa de bobão!
– Sua mãe e seu pai estão sempre mexendo com livros… – Nevra respondeu. – Além da sua tia Miiko e da tia Hua também estão sempre lendo livros.
– Qual é esse livro que você está lendo?
– É uma história bem legal sobre… – Nevra abriu o livro que estava nas mãos.
– Chatooooo…
O vampiro largou o tomo na mesa. Aquilo estava se tornando um padrão.
– Tá bom, deixa eu ver o que mais eu tenho aqui. – Nevra voltou-se para a estante. – Eu tenho uns quebra cabeças… olha só… você tem que pegar as duas peças e separá-las. Você acha que você consegue fazer isso? – E entregou duas peças de metal entrelaçadas para Mall.
Mall olhou os pedaços de metal e torceu para um lado e depois para o outro, então, separou e os colocou na mesa.
– Nossa… eu fiquei uns minutos para resolver isso… – Na verdade tinham sido algumas horas, mas ele não ia dizer isso.
– Como?
– Eu vi isso na internet! – Mall respondeu como se fosse a coisa mais natural do mundo. – Isso é coisa de bebê! A Pompom faz isso com as orelhas!
– Ok. Eu tenho alguns lápis e papéis em branco… – Nevra pegou alguns dos relatórios de missão que tinha que preencher e entregar depois. Nada importante. – Que tal uns desenhos?
– Você não tem internet aqui? – Mall estava com seu celular em mãos, apertando a tela com os dedinhos. – Não tem o “uaufi”?
– É Wi-fi! E não! Eu não tenho aqui! Aqui é um setor de investigação e inteligência! Usamos nossas cabeça e espionamos para descobrir as informações importantes!
– Você é um ninja?
– É… mais ou menos… – Nevra coçou a bochecha. – Acho que posso dizer que sim.
– Você derruba pessoas e dá chutes e soco com uma mão nas costas como o Steven Magal? – Mall disse. – Você mata pessoas como os lutadores do Mortal Kombat XXII?
– Como quem? – Nevra falou. – Ér... sim… eu machuco pessoas, mas isso não é legal!
– Faz um golpe ninja agora!!
– Não é assim que as coisas funcionam exatamente, é preciso de uma preparação e…
– Chhhaaatttoooo...
– Isso está começando a me cansar, você sabe, né?
– E se precisa de uma informação e as pessoas não querem dar pra você?
– Eu roubo delas.
– Roubar é errado.
– Eu sei que é, mas, é algo que… – Nevra não ia conseguir explicar a complexidade das coisas naquele momento. – …algumas vezes é necessário, porque é uma coisa muito complicada.
– Por que não usa a internet e descobre?
– Porque as informações importantes que precisamos não estão na internet! – Nevra cruzou os braços e estufou o peito. – Nós temos que trabalhar duro e extrair essas informações de gente muito perigosa.
– Você sabe como entreter uma criança de quatro anos?
– Hum… aparentemente não. – Nevra coçou o queixo. – Como é?
– Procura na internet. – Mall voltou a olhar o celular e balançar os pezinhos na cadeira.
“Só uma gotinha de veneno… Eu estaria fazendo um favor pra Ykhar, tenho certeza.” Nevra deu um suspiro profundo e virou-se para a estante, considerando o quanto de poder precisaria usar para colocar o menino para dormir sem fritar o cérebro dele. Ele esfregou o rosto e continuou revirando o armário.
– Tá bom, então… – Nevra voltou-se para a estante. – O que a sua mãe pensa sobre você brincar com adagas, ein, Mall?
Silêncio.
– Mall? – Nevra virou-se para a sala vazia. – Mall? Cadê… cadê você? Mall? – ele começou a procurar debaixo da mesa, olhar para os lados. – Mall? Shaitan?? Cadê o menino??
O mascote ganiu baixinho e deitou-se no chão, como se pedisse desculpas por não saber.
– Ele estava com a mão na sua cabeça!!! – Nevra aumentou o tom da voz. – Como você não sabe???
Agora o mascote virou o olhar e balançou de leve os ombros. “Isso é problema seu e não meu”. Nevra bateu a mão na mesa e começou a olhar em volta da sala, a porta estava fechada. Não tinha como ele ter saído sem fazer barulho, já que o vampiro fazia questão de deixar as dobradiças levemente emperradas para que fizessem barulho ao serem abertas. Ele teria ouvido. Ele caminhou pela sala observando sob os móveis, atrás das cortinas e por através da… janela aberta.
– Essa peste pulou a janela?? – Nevra olhou para fora. Estavam no terceiro andar. – Não é possível!! Quer dizer… ele é parte coelho, mas… Ah minha nossa!! A Miiko vai me matar e se ela não matar, a Ykhar mata!
Nevra saiu correndo em direção a porta para procurar o menino, desesperado para encontrá-lo antes que alguma coisa de ruim acontecesse. Nevra desceu as escadas, deslizando pelo corrimão e correu até o campo de treinamento da Guarda Sombra, perguntando a cada membro de sua facção se haviam visto um menino com orelhas de coelho por ali.
Nevra correu até o campo de treinamento da Guarda Sombra e procurou em meios aos corredores escuros e cheios de lâminas e armadilhas que eles usavam para praticar com os membros mais novos da Guarda. Foi preciso passar por entre os espetos afiados e lâminas rotatórias para chegar ao outro lado do túnel e descobrir que o menino não estava ali.
Passou por corredores estreitos com setas que disparavam de buracos escondidos nas paredes, pêndulos afiados que caiam do teto, foices que passavam perigosamente próximo a cabeça do vampiro e todo o tipo de armadilha mortal até chegar em um campo aberto por onde blackdogs passeavam livremente em busca de sua próxima refeição.
Só após passar por todo esse campo de torturas é que Nevra conseguiu passar pela pista de obstáculos e, quando chegou ao outro lado, encontrou uma recruta da Guarda Sombra olhando para o chefe do alto de um tipo de arquibancada protegida por um vidro especial.
– Senhor?
– S-sim? Arghh... – Nevra tirou um espeto afiado do braço. – O que foi?
– Vi um menino de quatro anos com orelhas de coelho correndo lá fora pelo Pátio. – A moça apontou para a porta. – Faz alguns minutos, senhor.
– E por que você não me falou isso antes? Eu quase morri entrando nesse negócio e correndo de blackdogs!!
– Eu ia falar, mas o senhor correu pra dentro da área de treino… – A moça deu de ombros. – Achei que era a sua rotina matinal…
– Tá bom, eu vou atrás dele… – Nevra foi até a saída do complexo de treinamento, girou a maçaneta e nada. Girou duas ou três vezes e a porta continuou fechada. – Ei… abre a porta aqui, por favor.
– Não tenho a chave! – Respondeu a garota. – Só você tem, lembra!
Nevra bateu nos bolsos e não sentiu nenhuma chave com ele. Elas estavam… em seu escritório. Dentro de uma gaveta. Fechada por uma chave. Que estava dentro de sua bota naquele momento. E, como não iria conseguir passar a chave da gaveta para a garota… Nevra suspirou fundo e virou-se em direção ao campo de treinamento. Só esperava que os blackdogs estivessem sem fome agora.***
Round 3
– LUAAA!! – A voz de Ezarel ecoou pelo corredor em direção ao laboratório de alquimia. – LUAA, trouxe algo para você!
– É mesmo? – A garota virou-se empolgada. – E o que é…
– Aqui! – O Elfo depositou a pequena garotinha nos braços de Lua e saiu caminhando tranquilamente para sua mesa. – Cuida bem dela porque é uma missão importante.
– OQUE É ISSO? – Lua ficou olhando para a menininha de cima a abaixo.
– Chamam de “bebê”! – Ezarel respondeu com tranquilidade. – É uma coisa pequena, mole, faz muito barulho e muita sujeira. Por isso, mantenha ele longe de mim pelas próximas cinco horas, ok?
– E como é que eu faço isso? – Lua olhava para a bebezinha como se fosse um alien. – Eu não sei cuidar de bebê!
– Bom, isso agora é um problema seu! – Ezarel deu de ombros enquanto se afastava. – Mantenha-a sem fazer nenhuma bagunça.
– Arf… você é muito irresponsável! – Lua esbravejou e depois virou-se para a menina. – Oi, querida! Tudo bom? Como você se chama?
– PoPô!
– É Pompom! – Ezarel disse. – É a prole da Ykhar e do Valentim. Eles estão em missão e ficou a seu cargo cuidar dela. E não se esqueça que você tem outras obrigações, tem uma série de poções e elixires para fazer.
– Argh… sim chefe…
– Não sabe como esse seu “argh” é música pros meus ouvidos, sua pequena maldita. – Uma pontinha de saudade surgiu no peito do elfo. – Agora, por favor, continue.
– Pompom, eu vou te apresentar uma nova amiguinha. Você quer conhecer? – Lua colocou a criança no chão. – Quer uma outra amiguinha pra brincar?
Pompom bateu palmas animadas e esticou as mãozinhas para a garota Fenghuang. Agora que havia parado para pensar, Lua lembrou-se que não gostava de crianças, mesmo quando tinha que cuidar apenas dos irmãos mais novos. Mas, faria aquilo para esfregar na cara do maldito elfo que conseguia dar conta da responsabilidade. Era uma questão de honra.
– Essa é a Blêmia! – Lua retirou a tartaruga de jade da bolsa e colocou no chão para que a pequena escultura pudesse caminhar. – Ela é uma tartaruga.
– Tatuga!! – Pompom ficou maravilhada ao ver a escultura se mexer. – Tatuga!!
– A Blêmia é muito boazinha e vai brincar com você, tá? – Lua passou a mão pela cabeça da pequena brownie, acariciando os cabelos e as orelhas. – Ela passeia por aí, e…
– Lua!! Olha o que você tá fazendo!! – Ezarel gritou da mesa. – Olha a bagunça!!
Lua levantou-se rapidamente do chão para ver sobre o que o elfo estava falando. Então, deu de cara com sua poção fervendo e derramando pela mesa. Com cuidado para não se queimar, Lua desligou o bico de bulsen e esperou a poção parar de borbulhar para passar um pano para limpar a sujeira. Ezarel aproximou-se dela e ficou de braços cruzados ao lado dela.
– Mas que bela bosta, ein? – Ezarel ficou olhando a menina limpar a sujeira. – Olha aí, tudo sujo, poção desperdiçada. Você sabe que isso vai sair do seu salário, não é?
– B-b-b-b-b… – Pompom fazia uma careta de força enquanto olha para Ezarel e Lua.
– Oi, bebê! Que foi? – Lua correu para pegar a criança. – O que aconteceu? Fala pra tia... Não chora...
– B-b-b-b… – Pompom olhava para os lados, alternando entre encarar Lua e Ezarel. – B-b-b-b-b…
– Ela tá forçando alguma coisa… – Ezarel olhou para a criança. – Eu não troco fraldas, já vou logo avisando!
– Seu idiota! Ela tá tentando falar alguma coisa. – Lua cutucou o elfo com o cotovelo. – Vai, bebê... vamos lá... B… b… b…
– BOSTA!! – Pompom gritou feliz por ter conseguido, repetindo aquela palavra e apontando para tudo. – Bosta! Bosta! Bosta!
– Ah, muito bem, Ezarel! – Lua ficou brava. – Olha o que você ensinou para ela! Não sabe controlar essa bosta dessa boca...
– Bosta! – Pompom apontou e riu. – Hahahaha…
– Ai, não! Bebê! Não pode falar isso! É feio!! – Lua tapou a boca de Pompom com o dedo. – Feio, feio, feio! Não pode!
– É a metade humana dela! – Ezarel acenou negativamente. – O que não presta eles aprendem rapidinho.
– Bostabostabostabostabosta… – Pompom ria e repetia a palavra. – Hahahaha…bostabostabosta…
– Pompom, é feio! Não fala isso! – Lua balançava a criança, tentando chamar sua atenção. – Cadê o botão que desliga isso, ein?
– Cuide disso depois, agora limpe a minha mesa antes que fique manchada! – Ezarel falou. – E faça ela parar de falar isso antes que alguém ouça.
– Sim… chefe da Guarda… – A voz de Lua demonstrou toda a grama de raiva que ela estava sentindo naquele momento. Ezarel sorriu e, aquela ponta de saudade voltou a cutucar seu coração. – Eu vou limpar a sua mesa, chefe de Guarda...
Lua virou-se para pegar seu material para limpeza da mesa e alguns tônicos de anulação de magia da poção. Pompom havia parado de falar palavrão e ficou quietinha. Um problema a menos para ela. Quando se virou para o local onde estava Pompom e Blêmia seguia seu caminho tranquilamente, andando em passinhos lentos e…
– Pompom? – Lua olhou para um lado da mesa cantarolando o nome da criança. – Pompooommm... cadê você?
E nada da menina responder. Lua olhou para trás, embaixo das mesas. Olhou para os armários. A menina estava ali em algum lugar. Ela virou-se para o elfo que mexia em complexos instrumentos de alquimia, balanças de prata e alguns compostos que ele precisava dosar com cuidado.
– Ezarel… a Pompom está com você?
– É claro que não. – Ezarel não tirou os olhos de seu preparo. – Eu a deixei com você porque preciso de concentração nesse preparo. Esse negócio precisa tomar cuidado porque se não ficará…
– Bosta!
– É… é isso aí que vai ficar. – Ezarel parou e olhou para os lados. – Quem disse isso?
– Quem? A menina que você ensinou a falar palavrão! – Lua esbravejou. – Agora, cadê ela? Onde ela se escondeu? Pompom? Pompomm... cadê você?
– Lua... – Ezarel chegou na mesa de trabalho de Lua e pegou Blêmia nas mãos. – Onde você a deixou da última vez? Foi em cima da mesa?
– Sim, eu a coloquei sentadinha aqui e abaixei para pegar meus instrumentos de limpeza. – A menina deu tapinhas na mesa, indicando onde havia deixado a bebê. – Aí, quando eu me levantei, ela não tava mais.
– Claro, me diga, por favor, que poção é essa que você estava cozinhando? – Ezarel cruzou os braços e indicou o caldeirão com o queixo. – Era uma das que eu mandei você fazer hoje cedo para a encomenda da Guarda Sombra?
– Sim… Curativa, visão noturna, pés silenciosos e… – Lua recitou as poções e parou de repente ao perceber no que trabalhava. – Invisibilidade… não… nãonãonaonão… a poção está fervendo! Ela não beberia isso!
– E com o tamanho e o peso você acha que ela precisa beber para que o tônico faça algum efeito?
– Você vai ficar me dando aulas ou vai me ajudar a procurar… – Lua começou a tatear no ar esperando encostar na criança. – Aliás… – Ela endireitou o corpo. – …eu não tenho que fazer nada. Isso é problema seu! Você é o responsável pela Pompom e não eu!
– Mas, quem é que deixou a criança perto de uma poção de invisibilidade? – Ezarel respondeu com toda a calma do mundo. – Você é tão responsável quanto eu! Agora, vamos por favor, nos ajudar e encontrar a filhinha da Ykhar antes que a Miiko mate nós dois?
– Tá! A primeira coisa a fazer é fechar a porta do laboratório para que ela não saia e…
– Fechá poita… – E a porta do laboratório bateu antes que Lua ou Ezarel pudessem reagir. – …bosta…
– Ela foi pra fora! Corre!! – Ezarel e Lua correram para a porta, saindo pelo corredor das Salas e chegando ao Salão das Portas. – Eu posso ouvir os passinhos dela. Só precisamos ficar em silêncio e… Ah, não…
Ezarel e Lua acharam que estivesse acontecendo uma festa (ou uma guerra) ali e eles não foram convidados. Soldados da Guarda Sombra corriam de um lado para o outro, olhando para todos os lados, embaixo de todo o tipo de móvel ou vaso que houvesse naquela sala, procurando por alguma coisa.
Entre eles, havia alguns membros da Guarda Obsidiana que rolavam no chão, fazendo caretas de dor ou estirados sem se mexer, chorando e berrando “ele disse que tinha pernas curtas”, enquanto os colegas tentavam ajudá-los, levantando-os do chão e colocando em algum ponto da sala onde não seriam pisados pelos membros da Sombra. Entre esses estavam Nevra, com cara de desespero, e Valkyon, arrastando-se pelo chão como uma minhoca.
– Ez!! – Nevra ficou feliz e nervoso ao mesmo tempo ao ver o colega. – E aí! Oi pequena J… Lua! Tudo bom? E aí? Só dando um rolê aqui pela sala?
– Eu acho que estou aqui exatamente pelo mesmo motivo que vocês dois… – Nevra observava o corre-corre da sala. – Escuta… você, por acaso, não viu…
– O filho da Ykhar? Onde?
– Ah… na verdade, eu ia perguntar da menininha… – Respondeu o elfo, um pouco constrangido. – Aquela baixinha, de orelhinhas, sabe?
– Você também?
– Pois é… – Ezarel respondeu. – Claro, na verdade a culpa foi minha que tentei terceirizar os cuidados da menina… – Ele olhou feio para Lua, que respondeu mostrando o dedo médio. – Porque, em questão de crianças, meus cuidados com elas são uma…
– …bosta… – Pezinhos ligeiros passaram por eles.
– ELA TÁ AQUI?!! – Os dois membros da Absinto começaram a tatear o ar desesperadamente, assustando Nevra que, sem entender nada, começou a fazer um gesto igual. – Pompom! Cadê? Vem com o tio!! Pompom!!
– Onde? Cadê ela? Eu não tô vendo!! – Nevra assustado andava com cuidado como se fosse pisar em uma lente de contato. – Do que vocês estão falando??
– Pompom está invisível e correndo por aí falando palavrões que esse idiota ensinou! – Lua respondeu. – E agora a gente tem que achar ela antes que ela se machuque!
– Ah… bom… – Nevra olhou para a Sala dos Portais. – Tá legal, mas por acaso vocês não viram o Mall por aí?***
– Tá legal, Twylda… – Karuto colocou em frente a senhora brownie com chifres de carneiro um prato super trabalhado e com uma aparência chique. – Esse é o prato que irei servir na chegada do senhor Feng Zifu quando ele chegar. Experimente e me diga o que achou…
– Não sou a pessoa de paladar mais refinado aqui, Karuto. – Twylda estava um pouco intimidada com as cores e aromas da refeição. – Quer dizer, você irá servir isso a um Fenghuang e eles tem gostos muito mais refinados do que os meus.
– Bobagem. – O sátiro cruzou os braços. – Nós só achamos que eles são muito mais refinados do que nós, mas na verdade a comida deles é muito simples.
– Mesmo assim, não sei se sou capaz de julgar…
– Mas é minha melhor amiga! – Karuto disse com um sorriso sincero. – E se estiver ruim, você não vai mentir para me agradar. Vamos lá experimente.
Um pouco receosa, Twylda pegou o garfo e serviu-se de uma porção pequena do prato elegante de Karuto. O sátiro levantou uma sobrancelha ao ver a quantidade de comida no garfo e, com um sorriso constrangido, a senhora afundou o talher na comida e abocanhou uma quantidade generosa da refeição. Karuto abriu um sorriso satisfeito enquanto a mulher mastigava e degustava o seu mais novo experimento.
– E então? – Karuto estava ansioso. – Conseguiu sentir uma leve picância de pimenta? Um toquezinho sutil de páprica? Conseguiu encontrar o leite de Moogliz?
Twylda mastigava e balançava positivamente a cabeça.
– Vou pegar um pouco de Valhalla’s Guardian para harmonizar com o prato. – Karuto virou-se para um barril de carvalho e encheu uma caneca de cerveja amarela e espumante. – Me diga, o que achou?
– …bosta!
Karuto largou a caneca e olhou incrédulo para Twylda. A senhora olhava para os lados, procurando alguma coisa.
– Bom, tudo bem que você podia ser sincera, mas podia segurar um pouco a sinceridade se está tão ruim assim… – Karuto puxou o prato de volta. – Mas, muito obrigado, de qualquer forma.
– O que? Não! – Twylda demorou um pouco para entender o que estava acontecendo. – Karuto, não fui eu! Eu não diria uma coisa dessas!
– Twylda, não precisa se preocupar, eu sou grandinho e não vou me ofender por isso. – Karuto jogou a comida fora. – Eu vou superar isso e achar outra coisa para servir ao senhor Zifu e…
– Oi Karuto!! Oi Twylda! – Nevra e Ezarel chegaram correndo na cozinha, com Lua logo atrás e Valkyon arrastando-se pelo chão. – Tudo bom, gente?
– O que vocês querem? – Karuto viu os três invasores. – Não tem nada pra comer aqui!
– Não! – Nevra respondeu. – Vocês por acaso não viram os filhos da Ykhar por aqui viram?
– Os brownizinhos? – Twylda abriu um leve sorriso ao pensar nas três criancinhas. Gostava de brincar com elas ou apenas olhar para elas. Era um pouco como ter Mery de volta. – Não. Eles devem estar com a Miiko, não?
– Miiko pediu que cuidássemos deles por algumas horas.
– E como vocês estão aqui perguntando deles, suponho que não devem estar cuidando muito bem, não é? – Karuto abriu um sorriso sarcástico. – Oh… mas isso vai ser tão divertido quando a Miiko descobrir.
– Para com isso, Karuto! – Ezarel respondeu. – Deixa essa gororoba aí e vem ajudar a gente!
– Vocês vieram aqui ofender a minha comida também? – O sátiro bateu no balcão, encarando os chefes de guarda e Lua que estava com eles. – Eu espero que você saiba não magoar seu velho pai, Lua.
– O que? Eu? Não, pai! – Lua não estava entendendo nada. – Eu sempre achei sua comida uma…
– …bosta! Hehehehe…
– ELA TÁ AQUI! ELA TÁ AQUI! – Ezarel, Nevra e Lua olharam desesperados para os lados, arrastando cadeiras e mesas. – Cadê você! Cadê!
– LUA??? Por que nunca me falou antes? – Karuto estava prestes a chorar. – Parece que todo mundo que eu achava que era sincero comigo, na verdade mentia pra mim!
– Não, pai! – Lua não sabia se olhava para o chão, procurando Pompom ou se corria até o sátiro. – Eu não falei isso! Foi a bebê! Ela tá por aqui invisível e… UM BISCOITO VOADOR ALI!!
De fato, um cookie de gotas de chocolate com pequenas mordidas nas bordas passou voando pela cozinha em direção a porta.
– Valkyon, segura ela!!
– …
Nevra, Ezarel e Lua arrastavam as mesas e cadeiras bagunçadas para poder passar e correr até a menina, mas o cookie caiu no chão e a única pista que tinham dela desapareceu no ar. Karuto e Twylda não estavam entendo nada.
– Valkyon! – Nevra berrou. – Ela passou do seu lado! Por que você não… ah… eu esqueci…
– Na hora que eu puder me mexer… eu torço o seu pescoço, Nevra.***
– Bom, e como está indo a viagem? – Eycharistisi, a nova sacerdotisa do Cristal, observava um pequeno portal de comunicação, onde era possível ver a imagem translucida de Leiftan. – Ainda estão longe chegar?
– Um pouco…, mas, conseguiremos adiantar muito a volta com a ajuda de Darien. – Leiftan respondeu. – Só estou um pouco preocupado com a repercussão que essa decisão de Miiko pode ter sob os habitantes do refúgio. Afinal, essa é uma “má memória em Eel.”
– Sim, eu ainda sinto calafrios ao me lembrar do que aconteceu com Mery. – Eycha abraçou o próprio corpo e esfregou os braços desnudos. – Mas, a Oráculo me aconselhou que esse é o melhor curso de ação no momento.
– Suas roupas estão bem casuais para uma sacerdotisa do Cristal, não?
Eycharistisi olhou para seus próprios trajes. Naquele momento, ela usava roupas bem “humanas”, com uma calça jeans desbotada e uma blusa de alças, algo bem casual até para o dia-dia dos humanos. A garota deu de ombros e ainda se sentou nas escadarias do Salão.
– Hunf… não tenho nada ou ninguém aqui para quem eu precise aparecer como uma “sacerdotisa”. – Eycha respondeu. – Além disso, aquelas roupas são muito quentes e estamos em pleno verão.
– Bom, não vamos esquecer de nossas funções. – Leif disse. – Embora, eu deva dizer que você está muito bonita nessas roupas. Me lembra a época que você chegou em Eel.
– É mesmo? – Eycha sorriu maliciosamente e olhou para os lados. Estava sozinha e a porta bem fechada. – Você acha que aqui eu estou muito casual, mas não imagina o que mais eu estou usando por baixo disso.
– Hum… então, eu imagino aonde esse assunto irá levar… – Leiftan sorriu também. – Acho que você quer que eu pergunte o que é que você está usando, não é?
– Bom, talvez… você quer saber? – Ela segurou a barra da camisa com as mãos. – Ou prefere ver?
– Devo confessar que sua pergunta atiçou minha imaginação. – Leiftan aproximou-se da imagem translucida de Eycha. – Posso ver?
– Não sei… Como você acha que é o que eu estou usando? – Eycha mordeu o lábio inferior. – O que você acha?
– Deve ser uma…
– …bosta…
– Ahh... então, tá! – Eycha cruzou os braços e encarou a imagem. – Bom, se é isso que você pensa, então, talvez eu não deva te mostrar mais nada!!
– Não! Espera… eu não disse isso! – Leiftan tentou pegar a imagem inutilmente. – Me escuta, não fui eu…
– Se você não está afim, talvez algum dos outros paqueras esteja! – Eycha afastou-se da imagem, indo em direção a porta da Sala. – Aliás, eu acho que eu deveria mostrar para eles e não pra você o que eu estou usando hoje… – De costas para a imagem, ela tirou sua blusa de alcinhas e a jogou no chão. – …porque pelo menos eles não acham que o que eu tenho aqui é uma bos…
– Sacerdotisa, com licença… – Nevra, Ezarel e Valkyon (ainda se arrastando) invadiram a Sala do Cristal. – Precisamos…
– … – Eycha viu os três rapazes.
– … – Os rapazes viram Eycha.
– AAAAAHHHHHHHHHHHHHHHH....***
– Não adianta… – Nevra segurava um bife congelado sobre o olho. – …vamos ter que falar com a Miiko. Ela vai nos matar, mas, não tem outra solução.
– Pensa pelo lado positivo: Talvez ela deixe que Ykhar mate a gente. – Ezarel tinha uma bolsa de gelo na bochecha e segurava outra sobre a cabeça de Valkyon (que apanhou junto, mesmo estando com a cara colada no chão). – Será um pouco menos doloroso. Eu espero.
Lua chegou próximo aos rapazes e sentou-se ao lado deles nos degraus da escadaria que levam até a Sala do Cristal.
– A sacerdotisa pediu desculpas pela… surra… e disse que sim, talvez a garotinha tenha passado por lá e, logo depois, retirou as desculpas pela surra porque vocês mereceram isso por perder os filhos da Ykhar.
– Bom, não há mais o que fazer… vamos até a Miiko.
Após alguns minutos, Nevra bateu na porta do quarto de Miiko. Não haviam passado as cinco horas que ela havia pedido, o que deixava a situação ainda pior. Imaginavam que iriam encontrar a kitsune ainda mais estressada e com a cara amassada de sono, o que provavelmente renderia a eles mais alguns socos.
– Entra…
A voz de Miiko estava anormalmente calma para a situação. O que fez eles pensar que era algum tipo de presságio de uma morte dolorosa. Ezarel deu um pequeno empurrão no ombro de Nevra, para que ele abrisse a porta, dizendo baixinho “vai na frente” e Nevra recuou, empurrando o elfo e respondendo “vai você”. Eles ficaram nesse empurra-empurra como duas crianças que não queriam confessar uma traquinagem feita.
– O que foi afinal? – Miiko abriu a porta de repente. – Vão entrar ou não? – Ela viu os machucados. – Andaram brigando? – Então olhou pra baixo. – Por que o Valkyon tá caído no chão?
– Miiko tivemos um probleminha com as crianças… – Ezarel disse. – …eu… digo… nós… é… meio que…
– Entrem logo e parem de perder meu tempo. – Miiko voltou pra dentro do quarto. – Eu estou tentando descansar aqui.
Ezarel olhou para Nevra e deu de ombros, sem muita solução. “Se entramos não vamos ter pra onde correr”, o elfo pensou. Mas, sem muita escolha, Nevra abriu a porta e deu passagem para Valkyon e Ezarel, ficando por último para garantir que a porta não fosse trancada.
– Oi, rapazes!
– Hã… – Os três guardas ficaram surpresos ao ver a cena no quarto de Miiko.
Ykhar sentada em uma cadeira estofada com Pompom (visível) no colo, enquanto Mall estava aos pés dela, brincando com dois pedaços de metal entrelaçados em um quebra-cabeças e, em uma mesinha de centro baixa, Thadeus lia alguns livros. Miiko sentada logo a frente dela servindo uma xícara de chá.
– E então, o que foi? – Por trás daquela xícara de chá, Miiko mandava uma singela mensagem de “abram a boca e eu mato vocês” só com o olhar. – Estou na minha folga agora, o que precisarem conversem com a Eycharistisi.
– TATUGA!! – Pompom esticou os bracinhos para Lua segurando Blêmia nas mãozinhas fofas. – Tatuga!
– Hã… é… não! – Nevra ficou sem palavras. – Só viemos ver o andamento da missão com vocês. Não esperávamos a Ykhar aqui tão cedo de volta.
– Não me aguentei de saudades dos meus orelhudinhos… – Ykhar apertou Pompom e fez cosquinhas nela com o nariz. – Darien abriu um portal até o seu apartamento em Londres e, depois, Black me trouxe para cá. Voltarei para a missão assim que o barco chegar em Memória.
– Ah... e o Valentim? – Ezarel ficou olhando para os lados. – Está por aqui também?
– Ele ficou no barco. – Ykhar parou e ficou em silêncio por alguns minutos. – Ainda não entendi o motivo da Kareen ficou tão feliz que eu vim embora. Espero que sua irmã não esteja com ideias estranhas na cabeça!
– Ah… não. Não se preocupe com isso! – Nevra riu. – Bom, então estão todos bem aqui? Ninguém perdido? Ninguém invisível?
– Não. Estão todos bem… – Ykhar finalmente reparou em Valkyon no chão. – Oh… puxa… Thadeus. Não esqueceu de nada?
O menino tirou o olhar dos livros por um minuto e lembrou-se do que tinha que fazer.
– Tio Valkyon! – Thadeus correu até o rapaz e apertou um ponto próximo do pescoço dele. – Me perdoe! Eu esqueci do senhor aqui. Comecei a ler uma série de livros. Me perdoe.
O corpo de Valkyon caiu molenga no chão e ficou por lá.
– Pronto. Já pode levantar e se mexer! – Thadeus disse esticando a mão para que ele ajudasse Valkyon a se levantar. – Pode vir…
– Vou ficar por aqui mais um tempinho, obrigado, Thadeus. – Valkyon acenou de leve dispensando a ajuda. – Esperando meu corpo parar de doer. Aii...
– A Miiko me contou que vocês cuidaram deles, muito obrigada. – Ykhar brincava serena com sua filha e observava a escultura de jade se mexer entre as mãozinhas dela. – Espero que eles não tenham dado trabalho.
– Nãoo... de forma alguma... trabalho nenhum! – Os três responderam em coro.
– Vou ser sinceras, meninos, eu havia pedido para Miiko não deixar eles com vocês. – Ykhar fulminou a kitsune com o olhar. – Aliás, eu escrevi rigorosamente quem poderia ficar com quem e Miiko fez exatamente o contrário!
– Eu estava um pouco cansada… – Miiko escondeu o rosto atrás da xícara e ficou vermelha. – Vou ter mais atenção na próxima vez…
– Bom, então, está tudo bem! Desculpem ter tomado o tempo de vocês. – Ykhar colocou Pompom no chão. – Digam tchau para os tios de vocês!
– Foi um prazer conhecer o senhor, tio Valkyon. – Thadeus segurou a mão de Valkyon e balançou com ela no chão. – Obrigado pelas aulas de defesa. Nenhum homem mau vai machucar a minha mamãe ou a minha irmãzinha.
Valkyon ergueu o polegar positivamente.
– Olha… – Mall mostrou o quebra-cabeças de metal para Nevra. – Consegui soltar elas. Obrigado, tio Nevra.
– Dá próxima vez, procura na internet. – Nevra esfregou a cabeça dele. – Vou arrumar umas coisas legais pra você fazer lá da próxima vez.
– “Uaufi”?
– Sim. E é Wi-fi!
Pompom correu ate Lua e abraçou a perna dela. Depois esticou os bracinhos para que a moça a pegasse no colo. Lua ergueu a menina e a abraçou. Pompom deu um beijo apertado e cheio de baba na bochecha dela. Lua até deu risada da forma carinhosa e desajeitada da menininha e, por um momento, sentiu saudades dos irmãozinhos e irmãzinhas menores que ficaram nas terras dos Fenghuangs.
– Tatuga! – Pompom colocou Blêmia nas mãos de Lua. – Bigadu.
– De nada, lindinha. – Lua pegou a escultura de jade e guardou. – Fica boazinha e longe de poções de invisibilidade.
Pompom esticou os braços para Ezarel e o elfo, um pouco relutante, e pegou a menina no colo. A bebezinha deu um beijo cheio de baba, para desespero do elfo, no rosto dele e depois deu um abraço nele. Ele, muito sem graça, deu uns tapinhas nas costas da menina.
– Tá legal, tá legal… – Ezarel colocou ela no chão. – …seja boazinha com a sua mamãe e… não sei o que digo pra ela… hã… coma suas cenouras ou o seja lá o que vocês coelhos comem.
– Arrumem aquela bagunça que está no Salão das Portas, sim. – Miiko disse enquanto os rapazes saiam. – Não se esqueçam que a senhorita Huang Hua Ren-Fenghuang está vindo para cá. Arrumem tudo logo.
Pompom deu uma risada gostosa e correu para as pernas da mãe. Nevra ajudou Valkyon a levantar-se e foi em direção a porta do quarto. Miiko deu um sorrisinho para eles e acenou um tchauzinho para eles, deixando claro que teria uma conversa bem séria com eles depois. Lua pegou Blêmia e saiu da sala, apoiando Valkyon no outro braço. Ezarel, saiu por último da sala, fechando a porta e deixando as crianças lá com sua mãe.
– Mamãe… – Pompom encarou Ykhar e ergueu os bracinhos para que ela a pegasse no colo. – Ma-mamãe…
– Sim, meu amor? – Ykhar levantou a menina e a colocou sentada no seu colo. – O que foi?
– Bosta…
– ... – Ykhar ficou encarando a menina.
– ... – Miiko parou com a xicara de chá no meio do caminho.
E no corredor.
– Esse negócio de cuidar de criança não é tão difícil… – Ezarel colocou o braço sobre o ombro de Lua. – …só dar uma tartaruga, um biscoito e…
– EEEEEEZZZZZZAAAAAAARRREEEEEEELLLLLLLLL!!!
Fim
Capítulo Especial - Um Novo Futuro - Por TristanaBlack
A missão era única e clara: destruir todas as evidências dos faerys na terra.
Como? Era uma pergunta que se fazia Darien, um (apetitoso) metamorfo de cabelos e olhos escarlate, pele morena e um corpinho de agradecer a Grande Mãe por essa bela criação.
Passou pelo portal, acompanhado pela sua companheira, Tristana Black, uma bela mulher de olhar marcante e sedutor, de cabelos negros e olhos azuis, seus belos cabelos negros soltos emolduram seu corpo belamente esculpido.
-Acho que devemos apagar os registros primeiro. Mas vai demorar anos e será arriscado, além da questão da poção da memória. Não temos muito alquimistas disponíveis para trabalharem a todo vapor, realmente temos muito o que fazer. - Disse Darien dando um suspiro cansado enquanto massageava as têmporas.
- Ou podemos fazer uma hipnose coletiva e fazer os próprios humanos apagarem os nossos registros, é mais seguro e prático. - Disse Black enquanto caminhava a passos firmes para um apartamento.
Retirou de seu bolso a chave e abriu, indo em direção ao sofá e por entre as brechas, retira uma maleta de metal com um brilho incomum...Azul fluorescente quase da cor dos olhos da morena no centro. Darien nunca tinha visto algo semelhante, os símbolos, a pedra que por mais que ele possa estranhar, lhe dava a sensação de que estava viva.
Black calmamente pegou a joia e sussurrou em uma língua que o namorado não conseguia decifrar e logo depois, a rocha foi devolvida ao centro da máquina, que começou a emitir uma estranha vibração que causava náuseas no faery.
-Esse apartamento está fora de percepção dos humanos. Dentro de uma semana, estará completa a hipnose.- Comentou até então quem Darien julgava ser metamorfa. Os olhos que já eram belos, aquelas pupilas tão incomuns, impedia que o mago desviasse sua atenção.
- A cada dia me surpreendendo, querida. - Comentou impressionado.
- Só estou começando, meu amor....- Sorriu Black e ao piscar de olhos, ambos já se encontravam fora do apartamento e em um restaurante chique em Paris. Mesmo com seus trajes faeryanos, nenhum dos elegantes humanos pareciam sequer notar suas presenças, e os garçons os tratavam educadamente como se fossem apenas uns de seus clientes rotineiros. A essa altura, Darien desistiu por completo de criar qualquer teoria para explicar aquilo, e apenas deixou acontecer.
- Entãoooo você se teletransporta também....Tem algum orbe escondido em seu corpo? - Perguntou Darien ainda perdido no olhar de Black.
- Não, mas se quiser verificar mais tarde... Não irei reclamar! -Provocou a morena com um sorriso divertido enquanto saboreava delicadamente seu vinho tinto. - Qual é a primeira pergunta?
- O que era aquele artefato? Não é da terra e de nenhum outro lugar em Eldarya que eu conheça. - Perguntou o mago, ainda com a sensação incômoda de náuseas, só que um pouco mais fraca.
- É um amplificador de consciência. Tecnologia nível ômega. Ferramente ótima do meu planeta. Ele amplia e modifica as mentes de toda civilização desejada. É prático, quando não quero usar meus poderes. - Explicou Black enquanto olhava seu namorado digerir tudo aquilo. Darien lhe parecia tranquilo e admirado naquele momento, o que lhe deu coragem para prosseguir. -Segunda pergunta?
- Então você não é uma metamorfa....Como consegue se teletransportar sem orbes? Como consegue fazer com que os humanos não nos percebam? Resumindo.... O que você é? - Perguntou por fim Darien, sem esboçar dúvida ou julgamento. Ele não via porque , no fundo desde o começo sentia que sua namorada era mais do que apresentava ser, e aquilo só confirmou tudo.
- Esse é o X da questão em que eu queria chegar. Vou aonde quero e como quero, porque faço uma dobra entre o espaço tempo, tenho a capacidade de mudar os sentidos daqueles ao meu redor e posso mudar de forma junto com o meu DNA e entre muitas outras habilidades. Sou uma filha do tempo, uma Sentinela cósmica responsável por essa galáxia. Entre outros serviços, guiar o rumo das civilizações é um deles. Pelo equilíbrio e evitar desnecessárias extinções em massa, a missão que Miiko nos deu, não passa de um cotidiano para mim. Em meu planeta sou da família real, somente nós podemos ser Sentinelas e servir o próprio Tempo mas para isso, temos que abrir mão do nosso posto e planeta para sempre. Mas assim garantimos a vida e proteção do nosso povo...- Respondeu Black retirando do bolso um relógio de bolso e abrindo, mostrando o holograma de seu planeta Natal.
O planeta era de encher os olhos, de tanta beleza.
Darien se ajeitava na cadeira com os olhos grudados no holograma. Realmente era fascinante, triste pelo fato de ter que estar longe daqueles a quem ama, mas o fato de ter todas as fronteiras do universo disponíveis aos seus pés e que é possível não precisar de portais de sangue para cruzá-las era extraordinário.
- E sente falta de sua família? De seu povo?- Perguntou o namorado.
- Sempre, mas sei que estão bem. Isso já me basta.- Respondeu a Sentinela.
- Mas me parece solitário seu trabalho, se sente sozinha?
-Não, não sinto....Principalmente depois de conhecer você!
- Isso foi uma declaração de amor, majestade? - Brincou Darien, arrancando um riso divertido da morena, ele não deixou de reparar o quanto seu sorriso é lindo.
- Pode ser! Ainda quer saber de algo mais? Posso responder todas as suas perguntas se quiser - Ofereceu Black.
- Não vai ser necessário, querida. Afinal de contas, temos toda a eternidade para nos conhecer. - Respondeu Darien segurando a mão da companheira.
- A eternidade juntos? Me parece perfeito.
- Com certeza, é perfeito, pantera!
- Ao novo futuro, cachorro!
Darien riu com aquele apelido, realmente o primeiro encontro de ambos ficara marcado na historia. Ao abrir o cardápio , o metamorfo reparou em um prato típico brasileiro.
- Já concluímos a missão e temos tempo de sobra. Que tal passar uma temporada no Rio de Janeiro? O clima é agradável e sempre tive curiosidade de comer pão de queijo lá! Além das ondas serem perfeitas para o surf.- Sugeriu Darien.
-Rio de Janeiro..... Os hotéis são ótimos também....Quem dirige?- Perguntou a Filha do Tempo com um sorriso arteiro enquanto deixava a gorjeta para o garçom.
Black foi finalmente aproveitar as "férias" com o namorado. Sempre teve todas as linhas do tempo presentes em seus olhos, sabia das probabilidades e improbabilidades, mas por agora, resolveu tirar férias de si mesma e aproveitar cada momento com o seu metamorfo bonitão.**** 5 anos depois ****
Mais um dia quente de verão.
Os primeiros raios de sol escapam sobre as brechas da cortina do quarto, iluminando diretamente os olhos de Darien que repousava abraçado à sua esposa, Black, que "dormia" sobre seu peito. Ao acordar, o metamorfo tomou cuidado para não acordá-la, como de costume, admirava a beleza dela até que a mesma despertasse. Acariciando os cabelos negros, agora curtos da Sentinela, lentamente Black abria os olhos e esboçava seu calmo sorriso.
- Bom dia, dorminhoco....-Saudou Tristana alisando o rosto do marido (que agora mantinha uma barba charmosa com estilo Rayan). Seus cabelos agora um pouco acima dos ombros, aquele visual dava um ar de mais maturidade aquele eterno jovem.
-Bom dia, minha pantera...- Saudou Darien , dando-lhe um beijo apaixonado que o fez despertar todos os seus sentidos. Aquilo era melhor do que café.
- Pronto para mais um dia de trabalho? Ou de aventura? - Perguntou Black enquanto brincava com as mechas do cabelo do mago.
-Eu preferiria ficar o dia todo com você. Aquela missão no espaço me deixou moído e não fomos escalados para a missão de Miiko. -Respondeu Darien se espreguiçando e envolvendo mais ainda a morena em seus braços.
-Também gostaria de ficar o dia todo e fazer coisas interessantes.....- Disse a morena esboçando um sorriso cheio de malícia.
- Temos tempo, não temos?-
- Cooom certeza, agora vem cá!***** Enquanto isso, no quarto ao lado.... *****
-O núcleo de energia está bem posicionado?-
-Claro que está! Programação concluída?
- Checada com sucesso! Mas tem certeza que é seguro criar um Blackdog robótico?
-Absoluta!
- Mas será que os extintos dessa espécie vão torná-lo mais perigoso? - Perguntou o garotinho de pele alva de olhos azuis e cabelos vermelhos.
- Só temos um jeito de descobrir!!!- Afirmou a garota de pele morena, olhos azuis e cabelos negros como a noite... Que não tardou em ligar o que quer que seja que tinham fabricado.
PapapapapaPOWPUM!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
As crianças acordaram - disse Black entre os beijos.
-WOOOOOOOOOOF...
-HAAAAAAAAAAAAA!!!!! Não acredito que elas levaram a sério quando eu disse para fazerem seu próprio mascote! - Comentou Darien enquanto escutava a correria no lado de fora do quarto. - Vamos la ver? - Perguntou o metamorfo curioso.
- Antes que derrubem a casa! - Respondeu a morena entre os risos enquanto se levantava da cama no pulo, já trajando seu kimono de seda preta.
Correndo em direção ao foco da agitação, os dois se deparam com os filhos sendo perseguidos por um black dog brincalhão de metal.
Darien observava tudo de boca aberta tentando entender aquela confusão... Primeiro... Há quanto tempo eles estavam trabalhando naquilo? Segundo... Porque não escolheram um peixinho, Pimpel ou Musaroose? Mas nãooooo!!!! Um Black Dog é muito mais legal! E terceiro... Como esconder tanto orgulho?
Black no entanto não parava de rir, mais pela cara do marido do que pela cena em si. Com um assobio, o Black Dog e as crianças pararam um atropelando o outro enquanto olhavam para os pais preocupados.
- Maxon e Selene....Escolha interessante. Um Black Dog de mascote? - Disse Black com os olhos brilhando.
Darien conhecia aquele olhar, ela estava tão orgulhosa quanto ele. Na verdade estavam tão orgulhosos que nem repararam na bagunça em uma casa que vivia sempre impecavelmente arrumada.
-Sim! Por que não? Conseguimos construir esse complexo mascote com o material que descarta de suas invenções! - Respondeu Selena orgulhosa.
-A-afinal de contas... Não temos idade para viajar pela espaço em busca de materiais, e a reciclagem é muito importante para o bem estar de nosso planeta...- Respondeu Maxon com um sorriso tímido.
-E eu nessa idade, rabiscava paredes....- Resmungou Darien para si mesmo . - Está bem, agora vamos arrumar essa bagunça! Vamos, vamos, vamos! A Miiko vem nos visitar mais tarde e já basta a Kitsune ficar com as orelhas em pé ao ver o... Qual é o nome dele?
-ZEUS!!!- Responderam as crianças.
-Zeus... Muito prazer...-Cumprimentou Darien.
O cão metálico estendeu a pata pra ele como resposta ao cumprimento.
-Bom, preciso ir, o universo 12 e 13 estão em colisão, logo estarei de volta. Usem o aparelho temporal para a casa voltar ao normal mas....Nunca! Nuuunca... Apertem o botão vermelho. - Avisou Black enquanto beijava o marido e a testa dos filhos enquanto estira seu relógio de bolso e abre um portal.- Se comportem!
- Ouviram a mãe de vocês, se comportem.
- Você também, garotão.- Disse Tristana dando uma piscadinha e sumindo no portal antes de deixar o aparelho em cima da mesa.
- Ok, preciso organizar os pergaminhos, Miiko com certeza vai tratar do assunto do "Memória". Selene, Maxon e...Zeus... Por favor não mandem essa casa para outra dimensão, vou estar no escritório. - Avisou o Metamorfo, já se dirigindo ao escritório... Cometendo o grave erro de deixar as crianças sozinhas com a máquina.
Zeus cheirava o aparelho desconfiado, enquanto os gêmeos não tiravam os olhos dele.
- A mamãe disse, vamos logo arrumar a sala, assim vai dar tempo de assar biscoitos para a tia Miiko.- Disse Maxon, já ajustando a ferramenta.
- Não... Já parou pra pensar o que esse botão pode fazer? - Questionou Selena.
- Não! Conheço esse olhar. A mamãe e o papai foram claros!
-Elementar meu caro Maxon! Nossos pais são aventureiros, cruzar as fronteiras á a rotina deles! O que nos impede de seguir os passos deles? -Argumentou Selene passando o braço nos ombros do irmão.
-Idade, experiência, conhecimento, armas....- Respondeu Maxon, já nervoso. porque sabia que ela ia convencê-lo.
-Deixa de ser teimoso! Depois a gente deixa tudo normal, tem nada que dar errado!
-Tá bom...- Concorda Maxon relutante . Mas antes que pudesse agir, Selena já havia apertado o botão com determinação.
Em poucos segundos, as paredes e o teto começaram a se desfazer, o chão parecia mais profundo, um a um os objetos tomaram uma forma aquosa até sumirem, e os gêmeos e o mascote se viram num oceano.
- Ahhhhh minha nossa, minha nossa, minha nossa... Estamos fritos! - Exclamou Maxon apavorado enquanto se debatia na água assustado. Podia respirar mas o pânico o fazia esquecer disso.
-Hey! Relaxa! Maxon! Inspire e expire! -Mandou Selene, enquanto segurava os ombros do irmão até ele se acalmar.
-Onde estamos?
-No oceano, daaah...
- A mamãe vai ficar furiosa!
-Que nada! O papai e o Zeus... Cadê eles?! - perguntou Selena olhando para todos os lados.
-Ahhhh minha nossa! O oceano é enorme! Nunca vamos encontrá-lo! Eles ...
- WOOOOOOOOOOOOLF!!!
Antes que eles pudessem terminar a frase, os irmãos olham para o Black Dog perseguindo animado um cardume de peixes.
-Bom, o Zeus está bem! O papai também deve estar... Aliás... Vamos para um outro lugar, aqui tá dando tédio... - Resmungou Selena, já ajustando o aparelho.
- Ahhh, vamos ficar um pouquinho, o Zeus está tão...
-Outra vez interrompido, Maxon repara no Zeus nervoso enquanto o cardume fugia... Então o mascote de metal se esconde atrás das crianças, que reparam num vulto nadando em direção delas e aumentando de tamanho. Cada vez que se aproximava mais, tomando a silhueta de um tubarão.
-S-Selena....
- S-sim, Maxon?
- Em que era nós estamos?
--Aguma que Megaludontes ainda existam! - Respondeu a irmã , apertando o botão.
- Maxon! Maxon! Cadê você? ... Que cheiro de shampoo! - Gritou Selena, enquanto se soltava de um emaranhado de fios em tons de cobre.
- Selena! Maninha! Tô aqui! - Avisou Maxon. Enquanto se esticava para alcançar a máquina que estava pendurada nos fios , o garoto olhou para os lados e viu Zeus brigando ferozmente com o que parecia ser cabelo.
- Onde nós estamos?
- Na cabeça de alguém, acho...
- Deixa de besteira, estávamos em um oceano antigo. Não acha que uma cabeça é aleatório demais?!
- Maxon, a essa altura do campeonato, tá querendo encontrar lógica nisso aonde?!Aperta esse botão e vamos ver um pouco mais!
- Acontece que se apertarmos esse botão, a gente pode parar no núcleo de uma estrela ou em um buraco negro!
- Essa máquina deve ser ajustada pelo pensamento....Tenta ai e aperta!
Já bufando de raiva, Maxon faz um esforço a mais e consegue alcançar a máquina, finalmente apertando o botão.
De repente todo o emaranhado de cabelo some e como em queda livre, as crianças e o mascote, pairam por um universo, passando por estrelas e planetas.
Mundos engraçados e curiosos, uns feitos de algodão, outros de tomate, todos conectados por pistas luminosas semi transparentes, ao centro havia um ser de pura luz e coberto de asas e que parecia tecer mais universos.
De repente tudo se escurece e como uma longo corredor de cinema, vários quadros com espécies de "memórias"... Mas nenhuma das crianças ousou proferir uma só palavra.
Maxon reparou que um dos quadros, parecia um esboço do rosto da mãe e Selena se admirava com o show de cores de intensas pinturas, enquanto Zeus simulava o choro com os cartazes melancólicos e turbulentos.
Outra vez, toda a escuridão toma conta, mas de repente varias partículas de luzes dançam ao redor uma da outra , chocando-se e desaparecendo, até todo o luga estar repleto de luzes e sons. Parecia magia pura aquele lugar, era como se o lugar não fosse ser capaz de ser visto mas ouvido..
- Melhor voltarmos pra casa, tô com uma sensação de que estamos longe demais... - Disse Selena ajustando a maquina.
-Agora que notou?! Ainda bem que o tempo é relativo...Tempo...OH CÉUS! E SE A GENTE SE CHOCAR COM ELE?!
- Calma, Maxon. A mamãe falou que ele é super legal, confio nela. - Disse a irmã apertando o botão.
Os três já se localizavam no sofá, com todos os móveis no lugar. O som da campainha toca e Darien já sai do escritório em direção à porta, enquanto Black já chega pelo seu portal, tudo acontecendo da forma mais rotineira.
- Miiko, que prazer revê-la - Disse Black com um sorriso simpático nos lábios, enquanto servia o chá para todos.
- Também é um prazer vê-los! - Respondeu Miiko, enquanto jogava seu sobretudo no Darien, já se dirigindo em direção às crianças. - Como estão os dois gênios do QG?! Outra vez dando aula no lugar da professora? Tentem pegar leve!
- A gente pega leve sempre!- Respondeu Selene.
-Somos bem bem comportados!- respondeu Maxon.
-WOOOOOOOOOLFFFF!!!
-O que foi...
Antes de completar a frase, a Kitsune é "atacada" pelo Black Dog de metal que a enche de lambidas, fazendo-a sentar com tudo no sofá.
- Esse è o nosso querido mascote! O Zeus! Ele gostou de você! - Apresentou Selene com um sorriso de satisfação nos lábios, enquanto o Black Dog soltava um latido, liberando as faíscas daquela estranha dimensão.
Aproveitando a distração de todos, Tristana Black examina o aparelho e aciona a trava do botão rosa. Com um sorriso de satisfação, guarda o artefato no bolso de seu terno e pensa...
"- Teste 167 concluído! "
FIM
Última modificação feita por Especttra_ (17-07-2019, às 16h48)
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Última modificação feita por Especttra_ (17-07-2019, às 16h55)
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Última modificação feita por Especttra_ (17-07-2019, às 16h56)
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Última modificação feita por EspíritoGelado (12-12-2018, às 14h37)
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Olá gente!!!
Muito bem, aqui estou eu com a segunda parte da fanfic.
Espírito Gelado será Co-Autora, para me ajudar, caso a minha maré de azar persista, hahaha!
Obrigada pelo carinho que todos mostraram pela história e por mim, espero que continuem acompanhando a segunda parte de Além dos Portais!!!
No mais... Preparem-se para a Encrenca... Encrenca mais do que em dobro!!!
Beijos mil a todos!!
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Estou a disposição para ajudar!!!
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Oi, Especttra_
Bom que vamos continuar a saga da Jow aqui.
No aguardo!
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@Dee, sim!!!
Mas confesso que é a última parte da história.
Já vamos para o final em breve...
O capítulo 1 já postei nas propostas, e está aqui.
Logo logo vou soltar o segundo.
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Aiaiaiaiai!!!!!
Finalmente abriu e nao acredito que eu vou ser a primeira a comentar o capitulo, tche!!!
Ei, os malucos tao mancomunados pra acabar com a paz da Jow! Isso e sacanagem! Se bem que nao estao totalmente sem razao, kkkk!
Vai dar m3rd@! Com certeza vai, bah, se vai!
Comecem os jogos? O North ta pensando que sarao jogos mortais????
Que fofo! North cortou a flor do canteiro da Jow e deu pra ela! Bem tipico dele!
Achei que ele ja ia sair atacando. mas me enganei, KKKK
Jow cheia de gas agitando o QG.
Eychi nao perde tempo e chama a fadavaca da oraculo (sorry to com raiva dela desde que ela enganou o Hans!)
A fadavaca abre o bico e conta pra Jow que a culpa e toda dela. Pra variar.
E Amikoh faz a Jow contar que passou umas ferias no mundo dos bichos gosmentos. Nao fez tanto efeito como eu pensei que ia fazer. O povo ate ja ta aceitando bem o fato dela ficar perambulando opor la, kkkkk!
Bem as fendas podem ser fechadas por ela. So que ninguem sabe como, m3rd@!
Todo mundo quer falar com a Jow... digo, brigar com ela.
ahiaçfkjQÇWIOEFHYIOQÝfw8oqwp9q!
Hans ta no mundo da jane super ferrado e... paralitico?
gsjfhQPUIEWFHQIOfioEJFQ!!!
Como que eu ja me arrepio toda quando leio uma conversa entre os maiores lixos dessa fanfic?????
Kratoslixo incentivando o Grimm a pegar o corpo do Valentim? E usar a Ykhar pra isso? Uma vez lixo , sempre lixo!!!
Disgrace!
Ele prefere ver o filho morto do que com uma faery? Onde eu ja ouvi isso? Bostonaro?
O que voce quer dizer com neutralizar a vuarda de Eel? NUMINTENDI!
Ih, ele entrou no buraco imundo da floresta.
Sion começa dando bronca na Jow, coitada. Mas tudo o que ele quer e a jow segura. Ele e chato mas e bonzinho!!
Ela acaba contando tudo de novo, mas acho que nao convenceu seus amigos.
Broncas dadas, North puxa ela pra praia... Chegou me dar calor!
Ih verdade, ela nem sabia que North tinha ido com MEU ELFO pro mundo do mascarado. Eles estavam na costa de jade.
North despeja o resto das informaçoes pra fritar de vez o cerebro da Jow. E acabar com a tranquilidade dela.
UMA ALIANÇA? ISSO NAO E UM ANEL! UMA ALIANÇA DE COMPROMISSO????? SE NAO E UM PEDIDO DE CASAMENTO E DE NOIVADO????
Claro que depois veio a bomba. Fica so comigo, Jow! Deixa o Ezarel pra Pequenalua... Ela vai fazer um proveito melhor do que voce...
Aproveita mesmo, Jow. Porque assim que Ezarel soltar a bomba dele em voce o mundo acaba de vez. Aproveita enquanto pode, voce vai acabar ficando sem nenhum deles e eu vou ter MEU ELFO so pra mim, kkkkk!
Eu acho o Valentim e a Ykhar muito fofos!!!! Fofos demais da conta!
Desvalorizaçao a parte, eles ate que sao uma dupla muito legal.
Deixa eu ver se entendi... Os rabiscos do guri imitaram a tatuagem do Valentim que ta escrita em alemao e mostrou um padrao de escrita pra Ykhar decifrar os manuscritos? Isso ?
Ykhar ta livre, Valentim tapadao. Pega e corre. A fila anda!
Muito fofos mesmo! Acho que agora sao meu casal favorito na historia!
Quando eles vao... pafratrdklweçfkwefj???? Tipo... sabe ficar pelados?
Valkyon ta curtindo esse namoro deles, eu percebi. Bom amigo ele. Se todo ex fosse assim, ne, Especttra? Tu ia ta bem ne?
Vou mandar meu tio ler sua historia.
O bicho desturiu as casinhas dos kappas? Coitados. Agora vao feder ao ar livre e seu fedor nao sera contido nas casinhas fedorentas. Ainda bem que nao estragaram as coisas deles, ne?
Tem mais bichos na parada? Maiores que aquele?
Manda outro!b
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AH!! Eu sou muito despassarada, socorro x'D Só notei que isto era uma continuação direta do outro post quando li o comentário da @pequenalua, aí voltei acima e estava lá escrito, com letras bem grandes "Parte 2" ^-^'
Tenho de tirar um tempinho para ler, não sei se vai ser hoje (já são 1:00 da manhã aqui deste lado e terminei de comentar a VéMAD do @Dee, ahahah ^-^')
Mas eu volto!
Beijinhos!
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@Pequenalua!
Sim, você está certa... Os dois amores da Jow já não querem mais dividir. E vão começar a infernizar a vida dela, que já está meio... Infernizada.
Para o Ezarel seriam jogos mortais. Mas para o North, ele não tem essa malícia, coitado!
Se North tivesse cortado flores do meu jardim eu já o teria esganado!!!!
Wow, está todo mundo com raiva da Oráculo! Mas ela foi uma pobre vítima do Kratos!
Eles estão com maiores problemas, para se importar com o fato da Jow ficar passeando no mundo ressonante. Eles não perdem por esperar, hahaha!
Hans está sim, bem avariado. Me aguarde parte 1...
Kratos e Grimm estão soltos. Me aguarde parte 2... Bostonaro??? Sim, tem uma genética dele ali...
Sion é fofo sim. Ele é muito mais importante do que você imagina... Aos poucos vou revelando realmente o papel do Sion aqui.
Um pedido de casamento? Claro que não!!! Como poderia ser? Nem de noivado! XD
Bem... Compromisso já existe, não é mesmo?
Lulu... Você terá uma surpresa nessa última parte da história.
Me aguarde parte 3...
Bem, Ykhar e Valentim...
São fofos, acabaram de assumir o compromisso...
Pelados? Sei não, hehehe
Vamos mudar esse assunto de ex? Tio? O que é isso, um pet?
E quanto aos manuscritos e a pichação do menino brownie, você está certíssima!
Tem mais bichos na parada...
Me aguarde parte... sei lá qual!!
No final de semana eu vou soltar o segundo capítulo.
Obrigada Lulu, pelo apoio, por ler e comentar.
Beijos!!
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Aiaiaiaiai!
Voce tem uma surpresa pra mim?
Fala assim e sai correndo?
Disgrace! Agora vou ficar curiosa!
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Nossa, aqui é sequência do tópico anterior!
Então, vou ler aqui logo logo.
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E a surpresa?
Vai postar capitulo?
Cade a surpresa?
Espectraaaaaaaaaaaaa! Quero minha surpresa!
Falando em surpresa...
Quero so ver a m3rd@ que vai dar quando for a vez do MEU ELFO mandar a Jow escolher.
Confesso que ja to ficando com ciumes dela!
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Lulu, não fique com ciúmes da Jow.
A surpresa ainda vai demorar, e o significado de surpresa é expectativa...
Bem, postarei esse fds o capítulo se tudo der certo.
Estou escrevendo alguns episódios chave para entremear com a fic, senão vão ficar explicações faltando.
Beijos Lulu!!
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Iti munita chubichubi!!!!!
Começei a ler a segunda temporada no memorial, e estou amando.
Panfletei tua história lá na faculdade, e tem mais gente lendo e querendo os desenhos.
Massssssssssssssss como a gente não pode mais trocar por maana podemos fazer por boleto, titititi.
Ao que interessa? Mal posso esperar para chegar aqui nessa parte e poder comentar. Já estou tãããão interessada no Amikoh que nem sei mais o número do meu namorado!!!!!!!! Que aliás parece muito com o Amikoh, não parece, diz que parece vai! Você viu a fotinho deleeeeee!!!
Quais são mesmo as outras que você disse pra gente ler daqui?
Beijos beijos beijos e amassos em você, munita chubichubi!!!
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Olha quem apareceu aqui!
Ate que enfim ne mulher
Acaba logo de ler as temporadas anteriores pra vir comentar aqui, nao adianta nada estar la atras.
Serio que panfletaste a historia? Mas manda o povo do Nevra e Valkyon vir, nao admito mais concorrencia pro MEU ELFO!!
MEUMEUMEU ta ligada?
Cade o capitulo, @Especttra???
To esperando!
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@Arizone!!!
Nunca imaginei ver você aqui!!! Orgulho!!!
Nossa, começou a ler anteontem e já está na segunda? Fez o quê, maratona? Meu olho ia cair!!
Como assim panfletou na faculdade?
Essa foi boa... Obrigada!!! Espero que seus amigos curtam a história!
Querem desenhos? Hahaha, por enquanto não me sinto capaz. Ainda mais "AQUELES" que eu fiz para você...
Quando eu for íntima deles, quem sabe, hahaha! Boleto? WoW! Você é maluca! Obrigada pelo boleto, hahaha!
Ohhh! Você quer o Amikoh? Entre na fila. Se bem que eu fiquei aliviada por não ser o North... Esse é só meu, desculpe, o Ezarel eu até divido, o North NUNCA!
Sim, o Amikoh parece um pouquinho com o seu namorado. O cabelo e os olhos. Mas quando o cabelo ficar branco, vai parecer mais XD
Ah, as outras fics... Bem, eu leio e comento em todas. Mas gosto demais da "Laços", "Titanomaquia" e "Warriors".
Sempre espero ansiosa atualização dos capítulos.
Aventurem-se nelas, não vão se arrepender!!!
Obrigada por aparecer aqui. Se quiser comentar capítulos anteriores, fique à vontade!!! Vou te responder feliz da vida!
Beijos, munita chubichubi!!
@Lulu!
Pode imitar a Arizone e panfletar também. Aliás, foi você quem panfletou pra ela, lembra?
Ih, é mesmo, hahaha! Arizone gosta do Ezarel!
Nosso, tá ligada?
Vou esperar a Eychi e o Dee comentarem, Lulu. O capítulo está prontinho para publicar!!!
Beijos, amore!!!
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Vou esperar.
Ei que tal me mandar o capitulo por email? KKKKKKK
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@Lulu, Nááááá!
Vou publicar no máximo amanhã, prometo!
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CHEGUEEEEEEEEEEEEEEEEI
E já vou começar a atirar taças de cereais na testa do North e, principalmente, do Ezarel. O que esse elfo maldito está pensando? ‘Tá maluco? Fritou da pipoca? Anda comendo m**da às colheres, só pode! Você vai enervar e desestabilizar a Jow num momento tão delicado como esse só para poder ter a p******a dela só para você? Não tem vergonha nessa cara? Tomara que perca essa tal competição, palhaço idiota chapado Se eu fosse a Jow, dava um chuto no traseiro aos dois e ia procurar homem que me apoiasse em vez de me complicar a vida <.<
Isto só está acontecendo porque eles não sabem construir uma relação a três, esses idiotas. Junte todos eles para uma “festinha” da meia-noite (se você me entende...) e vai ver se não resolvem logo os problemas de uma vez. É ISSO QUE SIGNIFICA PARTILHAR, C@#4$%0!! Não é esse “emprestar” temporários que vocês estão fazendo. “Hoje é o meu dia com a Jow, o seu é amanhã.” JÁ VOS CRUZOU A MENTE QUE VOCÊS PODEM ESTAR OS DOIS COM ELA NESSE MESMO DIA?!?!?!
Ai, estes homens não sabem nada... -.- Eles precisam ir lá na Titanomaquia ler o discurso do Adonis xD
Enfim, adiante...
Jow está de volta!! E o North está logo ali esperando por ela, de rosa na mão. Sério? É com isso que você pretende conquistar a Jow? Fraco. Muito fraco. Dou-lhe um 4 em 10.
Eles começaram logo ali a “misturar-se” na frente do Amikoh? Isso não me parece muito apropriado! Que pouca vergonha é essa?!
‘Pera, a rosa foi tirada do canteiro da Jow, ainda por cima? Desce para 3 em 10. ‘Tá perdendo feio, North. E o Ezarel ainda nem mexeu uma palha!
Jow já topou o que está acontecendo com os seus dois namorados. O North também não vai nada discreto... A Jow deve estar pensando que não pode deixá-los sozinhos por muito tempo que dá logo leite xD Eles parecem crianças, valha-me a nossa senhora da tinta azul...
Ezarel veio correndo para rodar com a Jow no ar? Humm... É meio lamechas, mas mais aceitável do que oferecer uma rosa vermelha cortada de um canteiro de que a Jow cuida. Dou-lhe um 5 em 10.
Vamos mas é falar do que interessa! Começamos logo com o assunto Hans? Sério? Já falei para deixarem esse idiota onde está! Ele não merece ser salvo.
A Miiko estava dizendo que o Ezarel e o North terão de gastar a energia da Jow? Coitada, nem sabe a missa a metade! Mas, detalha aí, Miiko... Você estava dizendo que eles têm de gastar a energia da Jow à vez... ou os dois ao mesmo tempo? Se for a segunda, estou totalmente de acordo. Só vem reforçar a minha teoria de que eles precisam de uma festinha da meia-noite a três!
Own, Leiftaaaaaaaaaaaaawn *-* Que saudades do meu homem. O ep. 23 de Eldarya nunca mais sai e o Leiftan tirou umas férias da “Laços”, então só resta a “Além dos Portais” para estar com ele :3 Ele tem muito trabalho no mosteiro? Imagino que seja de limpeza... limpar o que resta dos prisioneiros depois de o Leiftan os interrogar à moda antiga
Pronto, já ‘tá todo o mundo reunido. Hora de desbobinar. Enquanto a Miiko falava, eu só ouvia “desgraça, desgraça e depois desgraça.” Fui a única? xD
Ai, coitadinha da Jow... Não basta o remorso de estar a destruir o mundo, também tem agora o remorso de ter libertado o Kratos. Não é culpa sua, moça. Quero dizer, é, mas ao mesmo tempo não é, porque você não está fazendo de propósito. Topa?
Tenho uma questão...
Eles continuam falando em resolver o problema “Jow” fechando as fendas, mas, isso não irá somente impedir que ela sugue a energia dos outros mundos? Ou seja, ela irá continuar a sugar a energia daquele mundo, certo? E isso não poderá fazer com que a Jow esgote por completo a energia daquele mundo, condenando todos os seres à morte e o próprio mundo à destruição? Ela é tipo buraco negro que suga tudo! E quando já não tiver mais nada para sugar... o que acontece? Ela vai consumir-se a pela própria?!
Fechar as fendas poderá salvar os outros mundos da destruição, mas não sei se o mundo atual tem alguma hipótese de sobrevivência! A não ser que haja alguma coisa sobre desligar o aspirador da Jow nas tais traduções xD
Oráculo tão esperta, constatando o óbvio Já todo o mundo sabe que os bichos já andam por aí a fazer estragos, a Jow até trouxe um pedaço de um, não seja ridícula, sua fada do cap*ta <.<
Pois é, Hua, desbobine também aí informação sobre o filho do Grimm, faxabor. Deu muito trabalho recuperar ele dos humanos e ainda estou para ver se realmente valeu a pena o esforço! ‘Tou-me pouco lixando se a Oráculo diz que ele é uma peça importante, eu já não engulo nada do que essa criatura diz <.<
Kero continua nervosinho. Quer uma taça de cereais para se acalmar? Um leitinho quente com chocolate? Resulta, é sério.
Oi? A Oráculo pediu para compartilhar os segredos e lançou um olhar na direção do Leiftan e da minha homónima? Oi? ‘Pera aí, se bem me lembro, a Oráculo quis falar com eles em privado, não foi? Isso quer dizer que ela própria tem uns segredinhos na manga, a hipócrita? O que queria dizer aquele olhar, afinal? Seria um aviso do tipo “eu disse para compartilharem os segredos, mas o nosso é especial, shhhhhhh...” ou o Leif e a Eychi realmente sabem algo mais que tem de ser partilhado? Humm...
Pois é, Jow, não vale a pena ficar se martirizando. Concentre-se em resolver o problema. O Hans não é um problema, pode deixar ele onde está.
Ahahah, Jow está desesperada por alguma ação xD Sossegue, moça.
Hora de regressar aos seus afazeres, pessoal! Jow, você tem um sermão agendado com o Sion xD
Ah, Hans acordou... Bom para ele. “O que aconteceu? Eu morri?” I wish... <.< Você veio avisar que o mundo da Jane estava em perigo? Não, jumento, você veio trazer a desgraçada para o mundo dela. Parabéns, você c*gou tudo com sucesso, Hans *Eychi bate palmas com ar sarcástico* Você tinha que ler melhor a Oráculo? Você tinha era que usar mais a cabeça de cima e menos a de baixo. Palhaço do c@#4$%0 <.<
“Eu... Não consigo sentir as minhas pernas!” Eita p***a... F***u
Chiça penico, um bocado de b*sta quase entrou no meu olho. Porque tem um monte de est*rco no meio do capítulo, @Especttra? Não dá para limpar aquilo? ‘Tá parecendo uma pocilga de produção industrial ali *Eychi está se referindo à parte do capítulo dedicada aos dois porcos que conhecemos bem demais*
Ah, só mais uma coisa... EU SABIAAAAAAAAAAAA!!! Sabia que o Valentim ia terminar possuído! Eu sabia!
Sion... moço... *Eychi abana a cabeça com ar reprovador* Você não deveria saber por esta altura que ninguém diz à Jow o que ela pode/deve ou não fazer, porque ela fará o que lhe dá na real gana? E você, North, esteja calado, só está fazendo pior! 1 em 10 para você! E você, Jow, fique quieta! Já fez cag*das suficientes!
North adianta-se para contar à Jow sobre a fragmentação da alma... Não está fazendo mais que a sua obrigação, por isso, não vai ganhar pontos por isso. E tem mais um presente? Não vai ser outra flor arrancada de um canteiro de que a Jow cuida, certo? <.< É um anel? Um sinal de compromisso? Eita p***a O_O Agora é que o Ezarel frita de vez da pipoca
North parece o Valkyon falando, com a sensibilidade de um ralador de cenoura. Foi logo direto ao ponto, chapando na cara de menina o que queria. E, ò North, na minha terra, dizer algo como “quero que você fique SÓ comigo” logo depois de oferecer um anel à menina, é pedido de casamento, sim! Um pedido de casamento muito feio, mas é um. E ainda ficou ali o tempo todo limpando as maõs do assunto, dizendo “a culpa é do Ezarel!”, mas diz que também não aguenta mais dividi-la? Está se contradizendo um pouquinhos, não? Ainda não entendi se você está tentando seduzir a Jow ou afastá-la e depois dessa conversa fiquei ainda mais confusa. 2 em 10 <.<
Mas termina pegando a menina... Ai, valha-me a nossa senhora da tinta azul... ‘PERA AÍ!!! Eu li bem? O North estava fazendo esse negócio de fragmentar a alma com a Jow? Oi? Socorro? Ajuda? O que está acontecendo ali?!?!
Voltamos a Valentim e Ykhar, o novo casalinho maravilha... que está começando sua relação discutindo. Eu até diria que é mau augúrio, mas eles são assim desde o início, então...
Vocês não podem fazer nada para impedir o mundo de ser destruído? ‘Tá maluca, Ykhar, esqueceu a razão de estar aí no meio dos kappas fedorentos? Valentim é uma péssima influência para ela, está distraindo ela do trabalho. Ao menos não esqueceu que o mistério das inscrições já está resolvido. Veio tarde, mas veio. VAMOS LÁ TRADUZIR ESSE NEGÓCIO, GENTE!! NÃO TEM TEMPO PARA FICAR DISCUTINDO A RELAÇÃO DE VOCÊS!!!
Ykhar, porque você precisa de um pedido de namoro oficial depois de tudo o que já fez com o Valentim? Que implicância é essa, menina? Mais valia ter estado calada, olha só o circo que o Valentim armou agora. Eu teria recusado só por causa do escândalo, que horror, ugh...
É isso mesmo, já chega de melação. ‘Tá na hora de ficar sério de novo. Olha só, tem mais pele dos godzillas no chão. E... uma aldeia destruída?! É O BICHO, É O BICHO!! A biblioteca foi-se? Oh-oh... Ah, felizmente o Mestre Kappa salvou o mais importante.
Será mais seguro ficar no templo? Qual templo? Aquele com o cristal rosa? AHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAH X’D Sabe nada, inocente.
Esperando o próximo!!
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Estou destreinado da leitura de capítulos grandes como os de AdP.
Em geral, só os escrevo mesmo.
Bom, então a ideia do Grimm é assumir o corpo do Valemtin, com a ajuda do Kratos. É tenso que, em geral, sempre que um vilão quer assumir um corpo, ele consegue. Nem que seja por alguns minutos e, nesse minutos, quem se ferra é o corpo hospedeiro que acaba sendo socado, explodido ou cortado.
Ezarel e North resolveram acabar com o acordo de cavalheiros deles e partir pra guerra aberta e declarada. E o campo de batalha é a Jow. A última coisa que ela precisava no momento era de mais uma coisa pra cabeça.
Bom, se ela resolver dar um pé na bunda dos dois, não vão poder culpá-la! Espera ela resolver a treta toda e depois comecem a discutir isso.
A Ykhar e o Valentim agora começaram a namorar oficialmente com a aprovação do ex. Só falta agora eles irem para os "treinamentos" que a Jow e a Eycha costumam fazer exaustivamente. Embora, acho que a Ykhar vai ser do tipo "só depois de casar" (ou não, se o lado coelho dela falar mais alto)
E uma das lagostas escorpião devastou justamente a biblioteca. Coincidência demais, não? Guinchos sincronizados? Respostas? Certeza que alguém controlou os bichos para atacar a biblioteca e, aposto, que quando esse alguém descobrir que o material que a Ykhar estava trabalhando sobreviveu ao ataque, irá mandar um monstro pra cima dela.
Bom, se eu, que sou só um leitor, conseguir imaginar isso, espero que o Valkyon, como soldado treinado, consiga chegar a mesma conclusão!
Saudades dessa fic, Especttra_!
Mande os próximos!
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